Ações Afirmativas: o direito ao sufrágio feminino

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09/06/2020 às 21:10
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Segundo dados publicados pelo Tribunal Superior Eleitoral, o número de mulheres em cargos políticos é inferior ao dos homens. Através deste viés, é inserida no ordenamento jurídico as ações afirmativas para dirimir as desigualdades entre os gêneros.

  INTRODUÇÃO

      Com base nos dados utilizados nesta pesquisa e analisando a evolução histórica da conquista dos direitos femininos, o direito ao voto foi primordial para a alteração do cenário social e jurídico. Podendo este estabelecer, ainda que superficialmente, o senso de igualdade entre os gêneros. As ações afirmativas surgem justamente para dirimir a desigualdade de participação política, fortalecendo o senso de justiça e cumprindo os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, de construir uma sociedade livre, justa e solidária; de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, conforme artigo 3º da Carta Magna.

     O presente artigo tem por finalidade observar o contexto histórico de garantias e direitos fundamentais entre homens e mulheres durante o avanço das constituições brasileiras, os principais movimentos femininos que contribuíram para o direito ao voto, a definição de ações afirmativas e o seu impacto enquanto representatividade feminina no Congresso Nacional. A partir deste viés, analisamos os principais reflexos das ações afirmativas nos dias atuais e na sociedade contemporânea.

     Objetivou-se a observação no cenário social e político, que ultimamente tivera sido impulsionado através de ações afirmativas, conforme número reservado de candidatura para cada sexo em partidos políticos. Em segunda linha, identificou-se que a criação de políticas públicas ajuda a incentivar mulheres a terem voz ativa em seus direitos políticos, especificamente no direito ao sufrágio. A relevância do tema está intimamente relacionada ao desequilíbrio os gêneros na ocupação de funções políticas, sendo demonstrado através de dados extraídos do Tribunal Superior Eleitoral.

     O reforço para implantar ações afirmativas, conforme a Lei das Eleições nº 12.034/2009, que reserva o percentual de 30% de candidaturas em partidos políticos, ajudou a equilibrar a representatividade; todavia, aproximadamente metade das candidaturas femininas não chegam a ocupar cargos políticos. A fiscalização do cumprimento da ação afirmativa é de suma importância para que haja obediência à lei, de modo que ela atinja a sua finalidade. Portanto, conforme jurisprudência amplamente analisada e que será devidamente demonstrada ao longo deste ensaio, o reforço das ações afirmativas poderia ajudar a incentivar as mulheres a terem voz ativa em termos políticos.

1 – DESENVOLVIMENTO

     No Brasil, a discussão em torno dos direitos políticos iniciou-se na primeira constituição estabelecida, sendo a Carta de 25 de março de 1824[1], outorgada pelo Imperador D. Pedro I, em 25/03/1824. A partir do artigo 90 deste documento, eram elencados os direitos políticos, e estabelecia que as eleições ocorriam de forma indireta, em “dois graus”: no primeiro graus, os votantes (“massa dos cidadãos”) escolhiam os eleitores, e estes, em segundo grau, escolhiam os ocupantes dos cargos públicos. Os brasileiros em gozo dos seus direitos políticos e os estrangeiros naturalizados poderiam votar, no entanto, devendo ter 25 anos ou mais, possuir renda líquida anual de “cem mil réis por bens de raiz, indústria, comércio ou empregos”. A referida Constituição ainda fazia menção sobre eleitores aptos a serem nomeados a deputados, excetuando: os que não tiverem quatrocentos mil réis de renda líquida, na forma dos artigos 92 e 94, os estrangeiros naturalizados e os que não professassem a religião do Estado. Ressalta-se que nesta época, a religião Católica Apostólica Romana era prevista como única religião, conforme artigo 1º e 5º da referida Constituição.

     A segunda Constituição foi promulgada em 1891, e previa em seu artigo 70, que seriam eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistassem na forma da lei. Sem contar que havia um rol expresso sobre as vedações, tais como: mendigos, analfabetos, as praças de pré (sendo estes um militar na categoria inferior na hierarquia militar), excetuados os alunos das escolas militares de ensino superior, os religiosos de ordens monásticas, companhias, congregações ou comunidades de qualquer denominação sujeitas a voto de obediência, regra ou estatuto que importasse a renúncia da liberdade individual. Desse modo, a lei deixou uma lacuna sobre o sufrágio feminino. Portanto, através da falta de previsão legal, as mulheres começaram a buscar o direito ao voto. Por este motivo, Mietta Santiago, em 1928, impetrou mandado de segurança, advogando em causa própria, e obteve, através de sentença judicial, a oportunidade para que votasse em si mesma para um mandato de deputada federal. Ela não conseguiu se eleger, todavia, sua ousadia em contrariar e questionar uma lei promulgada por homens foi de grande atrevimento para a época.[2]

     Em 25 de outubro de 1927, no Estado do Rio Grande do Norte, entrava em vigor a Lei Estadual nº 660, com a emenda de “Regular o Serviço Eleitoral do Estado”, que estabelecia não haver distinção de sexo para o exercício do sufrágio e como condição básica de elegibilidade. Dessa maneira, em novembro do mesmo ano, Celina Guimarães Viana deu entrada em uma petição, requerendo sua inclusão na lista de eleitores. Ao receber do juiz um parecer favorável, fez um apelo ao presidente do Senado Federal para que todas as mulheres tivessem o mesmo direito. No telegrama enviado, lia-se: “Peço nome mulher brasileira seja aprovado projeto institui voto feminino amparando seus direitos políticos reconhecidos Constituição Federal – Saudações Celina Guimarães Viana – Professora Escola Normal Mossoró.[3]

     Com o advento do Decreto 21.076 do Código Eleitoral Provisório, de 24 de fevereiro de 1932[4], foi realizada a equiparação dos gêneros, sendo considerado eleitor o cidadão maior de 21 anos sem distinção de sexos. Salienta-se que o decreto é cristalino ao destacar que os mendigos, analfabetos e as praças de pré, excetuados os alunos das escolas militares de ensino superior, não poderiam alistar-se como eleitores.

     Na Constituição de 1934[5], o voto feminino se tornou de igual valor ao do homem, desde que as mulheres exercessem função pública remunerada. Assim, com base no art. 109, da Constituição de 1934, não havia ampla igualdade ou senso de justiça.

     Em 1937 houve a quarta Constituição[6], na qual o direito ao voto era assegurado para ambos os sexos, aos maiores de dezoito anos, aos que se alistassem na forma da lei e estivessem no gozo dos direitos políticos, com fulcro no art. 117 daquela Constituição. Vale salientar o fato de que havia omissão da obrigatoriedade de alistamento e ao voto para ambos os gêneros.

     Já na Constituição de 1946[7], somente havia a previsão sobre os eleitores, devendo que estes fossem brasileiros maiores de dezoito anos, não podendo alistar-se os analfabetos, os que não sabiam exprimir a língua nacional e os que estivessem privados, temporária ou definitivamente, dos direitos políticos. O alistamento e o voto nesta época já eram obrigatórios para ambos os sexos, sendo o sufrágio universal e direto, e o voto secreto.

      A Constituição seguinte instaurada no Brasil ocorreu em 1967[8], e a preservação do direito ao voto continuou sendo de forma obrigatória para ambos os sexos, continuando a ser secreto.

     A Carta Magna promulgada em 05 de outubro de 1988[9], vigente até o período atual, é repleta de garantias fundamentais ao homem, preservando a dignidade da pessoa humana e acima de tudo garantindo a igualdade entre os gêneros, conforme disciplina o artigo 5º, I da referida Carta. Ademais, o artigo 14 da Constituição Federal de 1988, disciplina sobre os direitos políticos, sendo mais abrangente para o exercício do sufrágio, pois continua garantindo o direito ao voto universal e secreto.

     Com a sanção da Lei 9.096/97, que disciplina a matéria eleitoral, havia certa igualdade superficial entre homens e mulheres. No entanto, após algum tempo, o legislador percebeu que somente dando direitos às mulheres não haveria garantia da sua participação efetiva no processo eleitoral. Deste modo, através da Lei 12.034/2009[10], foi sancionado o diploma que altera as leis nos 9.096, de 19 de setembro de 1995 - Lei dos Partidos Políticos[11], lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas para as eleições[12], e a lei 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral.

     Com a nova alteração legislativa, foi disciplinado que cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, sendo assegurado o número de vagas resultante das regras. Cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo, conforme artigo 10, §3º da Lei de Eleições.

     Para entender a representatividade feminina em cargos políticos é necessário elucidar o conceito de direitos políticos. Segundo Pedro Lenza “os direitos políticos nada mais são que instrumentos por meio dos quais a CF garante o exercício da soberania popular, atribuindo poderes aos cidadãos para interferirem na condução da coisa pública, seja direta ou indiretamente.” [13]

     Destarte, a representatividade política ocorre quando a maioria da população, por meio do sistema democrático de direito, dá função e qualidade de outro cidadão tomar decisões em nome do povo em cargos políticos.

    Para que possamos entender a função das ações afirmativas sob o viés dos direitos políticos, inicialmente devemos entender o papel das afirmativas, portanto, entende-se:

Consistem em políticas públicas (e também privadas) voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional, de compleição física e situação socioeconômica (adição nossa). Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e até mesmo por entidades puramente privadas, elas visam a combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação, mas também a discriminação de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade. De cunho pedagógico e não raramente impregnadas de um caráter de exemplaridade, têm como meta, também, o engendramento de transformações culturais e sociais relevantes, inculcando nos atores sociais a utilidade e a necessidade de observância dos princípios do pluralismo e da diversidade nas mais diversas esferas do convívio humano.[14]

     O papel das afirmativas é de dirimir as desigualdades sociais ainda existentes. Para elucidar,  foi realizada analise das eleições de 2008, 2014 e 2018, observando o número de candidaturas e candidatas que foram eleitas democraticamente.

    Nas eleições do ano 2008 é notável a menor quantidade de candidaturas femininas, salientando que neste ano ainda não havia políticas públicas que aumentassem ou incentivassem as mulheres em participação ativa na política. Em pesquisa realizada ao Tribunal Superior Eleitoral foi possível identificar estatísticas que demonstram claramente o desnível entre os gêneros, de um total de 380.162 candidaturas, 21,37% foram de mulheres e 78,63% de homens. [15] 

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     Após a Lei 12.034, de 2009 que implanta as ações afirmativas e assegura o mínimo de 30% e o máximo de 70% de candidaturas para cada sexo, é notável a evolução participativa das mulheres, o que não significa o exercício em função política. Após o ano de 2008, o avanço foi significativo, havendo uma evolução de 9,67%, estando certo que em menos de 10 anos o impacto foi mais de 1% por ano. Destarte, as ações afirmativas tratam de meios através dos quais o Poder Legislativo e o Executivo tentam igualar oportunidades. Nas eleições de 2014, 31,04% de candidaturas foram de mulheres e 68,92% de homens.[16]

   Já nas eleições de 2018, 31,65% das candidaturas representaram as mulheres e em contrapartida, 68,35% representaram as candidaturas masculinas. Em comparação com as eleições de 2008 e 2014, houve um decréscimo em candidaturas femininas, modo pelo qual demonstra a necessidade de fortificação entre os gêneros através das ações afirmativas.[17]

   Conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral[18] nas eleições de 2018 o eleitorado feminino foi preponderantemente maior que o masculino, sendo que a figura feminina no Brasil totalizou 52,30% em participação, enquanto que o sexo masculino um total de 47,31% em território nacional, conforme tabela abaixo:


               Quantitativo de eleitorado entre gêneros

País

Gênero

Quantitativo de eleitorado

Porcentagem (%)

Brasil

Feminino

77.047.366

52,30%

Brasil

Masculino

69.694.781

47,31%

Brasil

Não Informado

63.401

0,04%

Exterior

Feminino

292.531

0,20%

Exterior

Masculino

208.196

0,14%

Com o advento da Lei 12.034/09 que alterou a Lei das Eleições, garantindo que pelo menos 30% de candidaturas deveria ser destinado a um dos sexos, é possível observar a ínfima ocupação de mulheres no Congresso Nacional, sendo representado por 15% na Câmara Federal e 13% no Senado Federal:[19]


    No que tange à progressão política do sexo feminino, foi possível observar que o percentual de 30% de candidaturas reservado a um dos sexos, tem ínfimo aumento. Como apontado, as mulheres ainda são maioria em eleitorado, representando aproximadamente 52%, todavia, em questão de representatividade em sede de Congresso Nacional, não se ultrapassa mais que 15% em ocupação.  Atualmente a Organização das Nações Unidas publicou artigo relativo aos direitos humanos da mulher, no qual afirma que a política feminina continua restrita, e que embora o TSE tenha aumentado a sua fiscalização, ainda é comum candidaturas “laranjas” de mulheres em partidos políticos. Observou-se ainda que em 2014 foram inscritas 7.437 candidaturas, em contrapartida a 2010 que registrou 5.056 candidaturas femininas.

     Foi constatado ainda que, na Câmara dos Deputados, apenas 51 dos 513 cargos é de mulheres, um número bem expressivo. Ademais, no Senado Federal dos 81 membros, somente 13 eram mulheres.[20]

    A existência de mulheres “laranjas” tem relação estrita à intenção do legislador de resguardar o mínimo de 30% e máximo de 70% para candidaturas de cada sexo, e diz respeito aos partidos e coligações, conforme artigo 10, §3º da Lei de Eleições.

     A jurisprudência está se fortalecendo no sentido de incentivar e apoiar a utilização de ações afirmativas para otimizar e extinguir a grande desigualdade e preconceitos enraizados na sociedade brasileira. A Ministra Rosa Weber de forma sublime relata o posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral ao destacar as ações afirmativas como solução para o atual cenário:

Do papel institucional da Justiça Eleitoral no incentivo à participação feminina na política 5. A efetividade da garantia do percentual mínimo de candidaturas por gênero, estabelecida no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97 – singelo passo à modificação do quadro de sub-representação feminina no campo político –, conclama a participação ativa da Justiça Eleitoral, presente largo campo de amadurecimento da democracia brasileira a percorrer visando à implementação de ações afirmativas que priorizem e impulsionem a voz feminina na política brasileira, como sói acontecer nos países com maior índice de desenvolvimento humano (IDH), detentores de considerável representação feminina, consoante estudos realizados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e compilados pela União Interparlamentar (Inter-Parliamentary Union) . 3 6. Este Tribunal Superior tem buscado impulsionar a participação feminina no cenário político, seja por medidas administrativas – como a veiculação em emissoras de rádio e televisão de campanhas em defesa da valorização e da igualdade de gênero e a promoção de painéis em Seminários sobre Reforma Política, de iniciativa da Escola Judiciária Eleitoral (EJE/TSE) –, seja no exercício da jurisdição, via decisões sinalizadoras de posicionamento rigoroso quanto ao cumprimento das normas que disciplinam ações afirmativas sobre o tema. 7. Nada obstante, as estatísticas demonstram que os reflexos no espaço político feminino ainda se mostram tímidos, evidenciando-se a urgência da adoção de práticas afirmativas que garantam o incremento da voz ativa da mulher na política brasileira, insofismável o protagonismo da Justiça Eleitoral nesta seara.”[21]

     Os movimentos acerca de conquistas relacionadas ao gênero feminino ainda são constantes, dia após dia, nas lutas individuais e coletivas para buscar a igualdade na medida das desigualdades sociais.

      A filósofa Ângela Davis[22] desde 1970 buscou a equiparação entre os gêneros, e mais, a liberdade dos negros, pois além de sofrer preconceito em razão de ser mulher, ainda é negra. Participou de diversos movimentos feministas, em busca de igualdade e liberdade. Recentemente Davis esteve no Brasil e mencionou “quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta junto”. A frase mencionada retrata que o movimento feminino deve ser apoiado de forma mútua e que a reivindicação por direitos seja de forma ampla e mais abrangente.[23]

      Davis ainda é autora do livro “A liberdade é uma luta constante”, que trata de uma ampla seleção de artigos, discursos e entrevistas em diferentes países. A autora enfatiza a importância do movimento das mulheres negras na desestruturação e desestabilização das rígidas e consolidadas relações desiguais de poder na sociedade, representadas pela dinâmica de violência, supremacia branca, patriarcado, poder do Estado, mercados capitalistas e políticas imperiais.

    Ainda com tantos movimentos, e pouquíssima representação política no Parlamento, as poucas representantes ainda sofrem com o preconceito e desrespeito com sua atuação política. Um exemplo claro disso, foi a vereadora Marielle Franco[24], que em seu último discurso na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro proferiu a seguinte frase: “Não serei interrompida. Não aturo interrompimento dos vereadores dessa casa. Não aturarei o cidadão que veio aqui e não sabe ouvir a posição de uma mulher eleita”. A frase foi proferida em razão de ter sido interrompida enquanto fazia seu pronunciamento e posicionamento político.

     Através desse cunho de sub-representatividade feminina e reserva de  percentual para candidaturas femininas, recentemente houve uma decisão que detectou fraude na cota de gênero, que culminou na cassação dos mandatos, veja:

RECURSOS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES MUNICIPAIS 2016. PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. NÃO ACOLHIMENTO. MÉRITO. FRAUDE. ABUSO DO PODER POLÍTICO. BURLA AO INSTITUTO DAS COTAS DE GÊNERO. VIOLAÇÃO AO ART. 10, § 3, LEI Nº. 9.504/97 E AO ART. 5º, I, DA CF/88. COMPROVAÇÃO. A CONSTATAÇÃO DE FRAUDE NA COTA DE GÊNERO MACULA TODA A CHAPA, PORQUANTO O VÍCIO ESTÁ NA ORIGEM. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS E REGISTROS DOS CANDIDATOS ELEITOS, SUPLENTES E NÃO ELEITOS, RESPECTIVAMENTE, OS QUAIS CONCORRERAM AO PLEITO PELAS CHAPAS PROPORCIONAIS CONTAMINADAS PELA FRAUDE. NULIDADE DOS VOTOS ATRIBUÍDOS AOS CITADOS CANDIDATOS, RECONTAGEM TOTAL DOS VOTOS E NOVO CÁLCULO DO QUOCIENTE  ELEITORAL. INELEGIBILIDADE, SANÇÃO DE CARÁTER PERSONALÍSSIMA. ALCANÇA OS CANDIDATOS QUE DERAM CAUSA AO ILÍCITO. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.

1. Os fatos narrados na inicial não foram atribuídos aos Presidentes das Agremiações. Preliminar de ausência de litisconsórcio rejeitada.

2. Candidaturas registradas com único propósito de preencher o regramento do art. 10, §3º, da Lei 9.504/97, Manifesto desvio de finalidade, comprometendo a lisura, a normalidade e a legitimidade das eleições proporcionais, circunstâncias que se amoldam às condutas previstas no art. 22, incisos XIV e XVI, da Lei Complementar 64/90.

3. A existência de vício ou fraude na cota de gênero contamina toda a chapa, porquanto o vício está na origem, ou seja, o seu efeito é ex tunc e, assim, impede a disputa por todos os envolvidos.

4. Reconhecida a fraude, devem ser cassados os diplomas e registros dos candidatos eleitos, suplentes e não eleitos, respectivamente, declarando nulos os votos a eles atribuídos, com a imperiosa recontagem total dos votos e novo cálculo do quociente eleitoral.

5. Em não havendo prova da participação efetiva dos demais candidatos, e diante do caráter personalíssimo da inelegibilidade prevista no art. 22, XIV, LC 64/90, seu alcance restringe-se às candidatas fictícias, pois concorreram para efetivação da fraude às cotas de gênero, porquanto conscientemente disponibilizaram seus nomes para fins de registro de candidatura, sem a intenção de disputar o pleito eleitoral de 2016.

6. Não existindo comprovação da participação dos candidatos majoritários, deve ser mantida a sentença que julgou improcedente o pedido nessa parte. 7. Recursos parcialmente providos. (grifo nosso)[25]

     A decisão acima é de tamanha grandeza e estrito cumprimento das ações afirmativas implementadas através da Lei 12.034, de setembro de 2009. Ora, se as ações afirmativas são para dirimir as desigualdades sociais, e se não há fiel cumprimento da lei, de que adiantaria? A fiscalização dos tribunais regionais eleitorais é de suma importância para que a lei seja cumprida, e, para que as ações afirmativas continuem desenvolvendo seu papel.

2 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

     Com o desenvolvimento do presente artigo cientifico, observou-se que as mulheres eram voltadas ao lar, não havendo estimulo para participação política.

   Em relação a todos os avanços constitucionais e positivação dos direitos e garantias fundamentais, o direito ao sufrágio feminino ainda não conseguiu atingir a sua plenitude, que é de votar e ser votada, resultando em representatividade feminina.

   Vimos que apesar da mulher representar aproximadamente 52% do eleitorado, elas não conseguem ainda, ter voz ativa, pois representam aproximadamente 15% de mulheres ocupantes no Parlamento.

   O viés cultural de não participação politica, e que, política deveria ser destinada aos homens, ainda está enraizado em nossa sociedade, ocorrendo assim, a desigualdade social na seara política.

    As constituições brasileiras por algum tempo impediram as mulheres de exercer o direito ao sufrágio em sua totalidade. A plenitude de igualdade ocorreu somente com a Carta Magna em 1988, que colocou os gêneros em pé de igualdade. Chega-se à conclusão, portanto, que historicamente a grande maioria das mulheres não tinha o hábito de participar dos trâmites políticos, pois a lei não dava meios suficientes para que isso fosse feito, o que ocasionou ainda hoje o desequilíbrio entre os gêneros em questão de representatividade política.

   Apesar de existir ação afirmativa vigente e devidamente implementada, resguardando o mínimo de 30% a um dos sexos em candidaturas, conforme artigo 10, parágrafo terceiro da Lei das Eleições, ainda não há efetividade no exercício ao sufrágio feminino, motivo pelo qual a jurisprudência entende da necessidade do fortalecimento deste diploma legal, de modo que haja maior efetividade de representação feminina. Atualmente os tribunais regionais eleitorais aumentaram a fiscalização, a fim de evitar fraudes em candidaturas, o que de fato deve ser feito, para que a ação afirmativa cumpra o seu papel de dirimir desigualdades.

     A decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Piauí, denominada Resp. 19392 é um passo muito importante para as ações afirmativas. Naquele caso, tratava-se de eleições municipais, onde se detectou existência de vício ou fraude na cota de gênero, sendo estendida a toda a chapa, impedindo assim, todos os envolvidos. Foi reconhecida a fraude, os diplomas e registros de candidatos eleitos, suplentes e não eleitos, respectivamente, sendo nulos os votos atribuídos, com recontagem total dos votos e novo calculo de quociente eleitoral. O grande ponto é: decisões como esta deveriam chegar a nível de Congresso Nacional também? Obviamente, pois somente assim dão efetividade as ações afirmativas.

     Assim, subentende-se que num futuro próximo a desigualdade irá diminuir, havendo mais equilíbrio entre os gêneros, bem como efetivando sua representatividade, pois, uma vez que homens e mulheres atinjam patamares de semelhanças, no que diz respeito a deveres e direitos, a função das ações afirmativas deixa de existir, devendo o legislador focar em outras situações que necessitam ainda de implementação de políticas públicas.

3 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

Sobre a autora
Larissa Cruz de Oliveira

Advogada, Pós-graduanda em Direito Público pela Faculdade Legale e Graduada em Direito pela Universidade São Judas Tadeu – Campus Unimonte.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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