ELEIÇÕES 2020: Os ficha-sujas, inelegíveis, mas nem tanto !
José Antonio Gomes Ignácio Junior
O novo Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, em sintonia com os Presidentes da Câmara Federal e do Senado, sinaliza que as eleições ocorrerão este ano, talvez com pequeno adiamento. Nessa toada, com as convenções se aproximando iniciam-se especulações sobre impugnação aos pedidos de registro de candidaturas. Para o cidadão estar apto a disputar as eleições há necessidade da regularidade de seus direitos políticos. Os casos de exclusão dessa característica são denominados de inelegibilidades. A Constituição Federal em seu artigo 14, §§ 3º a 8º, traz vários casos das inelegibilidades, como o analfabetismo, idade mínima, parentesco etc. O parágrafo 9º do mesmo artigo remete à legislação ordinária fixação de outras hipóteses, no caso à Lei Complementar nº 64/90. Referida norma ampliou os casos descritos na Constituição, inserindo diversas situações restritivas ao exercício dos direitos políticos passivos (elegibilidades). Essa lei complementar foi emendada pela Lei Complementar nº 135/2010, rotulada de “Lei da Ficha Limpa”, criada por iniciativa popular, que veio com o intuito de estreitar mais o caminho dos postulantes a cargos eletivos. Embora editada a mais de três décadas (18/05/1990), sua pouca clareza ainda suscita interpretações divergentes, o que não raro, abre a possibilidade de muitos, inaptos moral e legalmente, disputarem o pleito. O debate hoje não é mais sobre a validade da norma, mas a respeito do seu alcance. Inúmeros casos desafiarão os Tribunais nas eleições de 2020 como, por exemplo, a previsão do artigo 1º, I, “g” da LC 64/90 (com redação dada pela LC 135/2010), que torna inelegível por oito anos aquele que tiver contas de gestão pública rejeitadas por irregularidade insanável e que configure ato de improbidade administrativa (há necessidade da junção de ambas as figuras). A norma é pouco clara quanto a seus objetivos, a exemplo, o que seria irregularidade insanável? Embora esse adjetivo esteja presente em outras normas, doutrina e jurisprudência até hoje não conseguiram definir tal situação de maneira clara. O mesmo pode-se dizer dos atos de improbidade administrativa, pois existem três espécies, sendo duas puníveis a título de culpa e outra somente com dolo (posição doutrinária). A qual o legislador se reportou, pois, as culposas podem gerar dano ao erário e enriquecimento ilícito e, nesses casos, não teríamos a inelegibilidade?O mesmo inciso fala em decisão irrecorrível do órgão competente (sic). Qual órgão competente? O texto fala em “todos os ordenadores de despesa” e remete a questão ao artigo 71, II da Constituição Federal, que trata do Tribunal de Contas. Uma interpretação literal da letra “g” pode levar à conclusão que no caso dos Prefeitos, somente a rejeição pelo Tribunal de Contas geraria a inelegibilidade, ficando esse efeito independente da manifestação da Câmara Municipal. Caso assim se interprete, todos os Prefeitos e ex-Prefeitos, que nos últimos oito anos tiveram contas rejeitadas pelo TC, mesmo que a Câmara tenha aprovado, estariam inelegíveis. Embora o Tribunal Superior Eleitoral já tenha enfrentado tal vertente, reconhecendo no caso dos Prefeitos que a decisão que atrai a inelegibilidade é a proferida pela Câmara de Vereadores, [1] a possibilidade jurídica do Legislativo reconhecer eventual prática do ato de improbidade administrativa, ainda gera celeumas. A despeito do esforço da Justiça Eleitoral em interpretá-la, a lei continua obscura, abrindo portas para muitos candidatos nitidamente inaptos. Outro ponto que deve trazer muita divergência é a busca da objetividade da letra “l” do mesmo artigo e inciso. O texto fala em condenação por órgão colegiado em razão de ato de improbidade administrativa praticado dolosamente que tenha provocado enriquecimento ilícito e dano ao erário com pena de suspensão dos direitos políticos. A Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade), em seu artigo 12 elenca as penalidades pela prática ilícita, entre elas a suspensão dos direitos políticos. Como o julgador não está obrigado a impor todas as hipóteses, é possível conclusão que não são todas as condenações por ato de improbidade que acarretam a inelegibilidade, mas somente as que tenham cominado a pena de suspensão dos direitos políticos. Casos de procedência com outras penas não acarretariam tal efeito, ou seja, não são todos os casos de improbidade que geram a inelegibilidade, mas somente os dolosos, que provocaram dano ao erário e enriquecimento ilícito. A norma faz questão de inserir o sufixo “e” o que induz à conclusão da necessidade da soma das situações. Nessas condições, aparentemente só os artigos 9 e 10 da Lei 8429/92 deflagrariam a inelegibilidade, porém desde que de forma dolosa e com sanção de suspensão dos direitos políticos. No tocante as condenações criminais, a norma marca o início com a decisão colegiada até oito após o cumprimento da pena (art. 1º, I, “e”), o que deixa claro que a inelegibilidade será muito superior ao limite. É possível indagação se por órgão colegiado entende-se também o júri, pois a letra “e” número 9, prevê os crimes contra a vida. Nessa hipótese, o julgamento de primeira instância já tornaria o acusado inelegível? Se o interprete olhar a norma buscando prestigiar o duplo grau de jurisdição (dois julgamentos), a inelegibilidade somente viria com o pronunciamento do Tribunal competente para apreciação de eventual recurso, porém se a interpretação for restritiva, mesmo pendente de recurso, o primeiro julgamento por crimes contra a vida já tornaria inelegível o condenado. O TSE já teve oportunidade de analisar a questão, e por maioria de votos, entendeu que sim, a condenação pelo júri atrai a inelegibilidade (Recurso Especial Eleitoral nº 611-03, Cidreira/RS), porém, como a composição da Corte teve alteração, o tema deverá sofrer novos enfrentamentos. Esses são alguns pontos nebulosos da lei das inelegibilidades, porém existem outros que certamente chamarão o Poder Judiciário a se pronunciar. Por fim, como já ocorreu em eleições anteriores, cargos serão ocupados por pessoas sem a mínima reserva moral, pois a lei, embora de boa índole, ainda deixa brechas para que “fichas sujas” se apresentem ao eleitorado, e este, merece a advertência de Immanuel Kant: “Se o homem faz de si mesmo um verme, ele não deve se queixar quando é pisado.”
Jose Antonio Gomes Ignácio Junior
Advogado, Professor de Direito na Faculdade Eduvale de Avaré, Mestre em Teoria do Direito e do Estado, Especialista em Direito Tributário, Eleitoral e Publico (lato sensu) Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa Luiz de Camões (Portugal).
[1]REspe nº 174-43/PI