As alterações na Lei de introdução às normas do direito brasileiro e impactos do Artigo 28 nos procedimentos correcionais

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Resumo:


  • A Lei nº 13.655/2018 trouxe alterações significativas para a LINDB, impactando diretamente na interpretação e aplicação das normas de direito público, especialmente em procedimentos correcionais de servidores públicos.

  • Essas mudanças visam proporcionar maior segurança jurídica e eficiência, estabelecendo novos padrões interpretativos que exigem consideração das consequências práticas das decisões e maior fundamentação jurídica.

  • O artigo 28 da LINDB, em particular, estabelece que a responsabilização de servidores só ocorrerá em caso de dolo ou erro grosseiro, buscando evitar punições por meras divergências interpretativas e incentivando a atuação discricionária e inovadora dos administradores públicos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Este artigo visa avaliar as alterações na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro –LINDB, promovidas pela Lei nº 13.655/2018, e examinar os seus impactos nos procedimentos correcionais de servidores públicos federais, em especial do artigo 28.

RESUMO

Este artigo visa avaliar as alterações na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB, promovidas pela Lei nº 13.655/2018, e examinar os seus impactos nos procedimentos correcionais de servidores públicos federais, em especial do artigo 28. A LINDB é norma basilar para a interpretação do Direito Brasileiro e tem alta relevância para as decisões na Administração Pública. A partir do estudo dos artigos da LINDB verificou-se um grande avanço no que se refere à aplicação do direito público e segurança jurídica. As mudanças transformaram os velhos padrões interpretativos preestabelecidos, buscando-se mais proporcionalidade e razoabilidade nas decisões das diversas autoridades, seja na esfera judicial, controladora ou administrativa. As alterações da LINDB têm o potencial de garantir maior segurança jurídica aos procedimentos correcionais, de modo a produzir processos mais eficientes e orientar a aplicação de sanções mais efetivas, em casos de dolo e erro grosseiro, evitando-se arbitrariedade nos julgamentos.

 

Palavras-chave:   Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro. Poder Disciplinar. Procedimentos Correcionais. Dolo. Erro Grosseiro.

 

SUMÁRIO

1.Introdução. 2. Poder Disciplinar 2.1 Agente Público X Servidor Público. 3. Procedimentos correcionais de apuração de responsabilização administrativa de servidores públicos federais. 4. As alterações na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro advindas da Lei nº 13.655/2018; 4.1 Motivação e decisão baseadas em valores jurídicos abstratos; 4.2 Avaliação das consequências jurídicas e administrativas; 4.3 Realidade do Gestor; 4.4 Período de Transição;  4.5 Não anulação de atos plenamente constituídos; 4.6 Audiência Pública e Consensualidade; 4.7 Compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais;  4.8 Responsabilização por dolo ou erro grosseiro; 4.9 Consulta pública antes da edição de ato normativo; 4.10 Arcabouço Decisório. 5. O art.28 da LINDB nos procedimentos correcionais 5.1 Conceituação de Erro grosseiro.5.2 Dos impactos do artigo 28 nos procedimentos correcionais. 6. Principais vantagens e desvantagens das alterações trazidas pela Lei nº 13.655/2018; 7. Conclusão. Referências.  

 

1                 INTRODUÇÃO

       

O presente trabalho se propõe a realizar uma breve análise sobre as alterações na Lei de Introdução de Normas do Direito Brasileiro e seus impactos nos procedimentos correcionais de apuração de responsabilidade administrativa de servidores públicos federais. Portanto, pretende-se despertar o leitor sobre essas importantes alterações e sua relevância para os procedimentos de responsabilização administrativa, sem esgotar o assunto.

A fim de atingir o objetivo proposto, no que diz respeito aos procedimentos técnicos, para a produção desta pesquisa foi realizado um levantamento bibliográfico, utilização de decisões e pareceres do Tribunal de Contas da União, análise das legislações brasileiras, projetos de leis, os quais serão comentados no decorrer deste artigo.

O tema foi escolhido em razão de seu ineditismo e pouco debate no âmbito acadêmico, também pela relevância que as alterações na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro têm para o Direito Público, em especial, o Direito Sancionador. Assim, este artigo tem relevância para acadêmicos, servidores públicos e órgãos de controle.

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) é a base para a interpretação de todas as normas jurídicas e tem por principal propósito nortear a compreensão e aplicação das regras no Brasil.

Com as alterações advinda pela Lei nº 13.655/2018, que inseriu dez novos artigos na LINDB foi criado um novo panorama para interpretação das normas e tomadas de decisões, o que influencia fortemente os procedimentos correcionais.

Para uma melhor compreensão do tema, como objetivos específicos buscou-se responder o que é o poder disciplinar e quais procedimentos aplicáveis aos servidores públicos federais, quais as alterações foram inseridas na LINDB, os impactos do artigo 28 da LINDB nos procedimentos correcionais, e, por fim, quais as principais vantagens e desvantagens dessas alterações.

Deste modo, neste artigo é apresentada a conceituação de Poder Disciplinar e dos procedimentos correcionais aplicáveis aos servidores públicos federais. Em seguida, serão tecidas algumas considerações sobre as alterações da LINDB advindas pela Lei nº 13.655/2018. Posteriormente, focar-se-á, especificamente, no artigo 28, no conceito de erro grosseiro e os impactos para os procedimentos correcionais.  E por último, serão apontadas algumas vantagens e desvantagens da nova LINDB.

 

2            PODER DISCIPLINAR

 

O Poder disciplinar consiste no poder-dever da Administração de controlar os seus agentes, para que mantenham conduta compatível com os princípios administrativos e regramentos funcionais e, em caso de cometimento de irregularidades ou quebra desses normativos, os infratores sujeitar-se-ão à aplicação de sanções. 

Carvalho ensina que

[...]vigora na Administração a ideia de função, de mandamento invariável de zelo pela consecução do interesse público, de forma que compete ao hierarca maior velar pela correção das atividades administrativas e, sempre que tomar conhecimento de infrações ao código de comportamento funcional consumadas por subalternos, deve proceder às consentâneas investigações e à devida instauração de processo administrativo disciplinar ou sindicância, com vistas a impor as punições correspondentes às transgressões  perpetradas, de acordo com o regramento estabelecido no estatuto do funcionalismo, lei que arrola os comportamentos infracionais e capitula as respectivas sanções [...][1]

 

Di Pietro enuncia que o poder disciplinar se refere à competência da Administração Pública para apurar infrações e aplicar penalidades aos servidores públicos e demais pessoas sujeitas à disciplina administrativa. Assevera, ainda, no que diz respeito aos servidores públicos, o referido poder deriva da hierarquia, sendo também discricionário, o que possibilita ao Administrador estabelecer critérios de gradação da sanção, levando em consideração a natureza e  a gravidade da infração, assim como, os danos que dela provierem para o serviço público, quando da escolha da pena [2].

Por outro lado, Carvalho Filho esclarece que no Direito Punitivo Funcional a lei se limita a enumerar os deveres e obrigações, sem unir conduta e pena de forma inflexível, estabelecendo tipos abertos e não uma rígida tipicidade como é no Direto Penal. [3]

Nesse contexto, o Poder Disciplinar tem como principais objetivos responsabilizar agentes públicos que, no desempenho do cargo ou função, pratiquem atos omissivos ou comissivos, os quais configurem irregularidades administrativas tipificadas em lei. Ele também, visa garantir a manutenção da eficácia, eficiência, efetividade dos serviços públicos, bem como a criação de um ambiente ético e íntegro na Administração Pública, tanto pelo seu caráter sancionador, quanto por seu caráter pedagógico.

Deste modo, após a devida instrução processual, com a observância do exercício da ampla defesa e contraditório, e baseando-se em critérios de razoabilidade e proporcionalidade, a autoridade administrativa aplicará sanções aos agentes públicos.

 

2.1       AGENTE PÚBLICO X SERVIDOR PÚBLICO

 

Considera-se Agente Público todo aquele que presta serviço ao Estado ou qualquer tipo de atividade pública, ou seja, que ocupa função pública em lato sensu. Nesse sentido, de acordo com o artigo 2º da Lei nº 8.429/92, agente público é “todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior”[4].

O artigo primeiro da Lei de Improbidade Administrativa faz referência à administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa ou sociedade de economia mista. Consequentemente, o conceito de agente público é o amplo e engloba tanto servidores (efetivos e temporários), empregados públicos e agentes políticos.

Na Lei nº 13.655/2018, que inseriu o artigo 28 na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), verifica-se a intenção do legislador em manter o conceito de agente público já consagrado pela Lei de Improbidade Administrativa.

De acordo com Binenbojm e Cyrino, o conceito do art. 28 da LINDB trouxe essa perspectiva:

[...]Assim de plano são abrangidos pela dicção legal os servidores públicos estatutários em geral, os empregados públicos, os contratados no regime da CLT, além de agentes políticos e comissionados. Deve ser, também, incluída no conceito de agente do art. 28 os particulares em colaboração com o poder público, ou mesmo os contratados na forma do art. 37, IX da Constituição, além daquele que gerencie recursos públicos mediante delegação, ou em razão de algum tipo de subvenção. Dito de outra forma, o agente público da LINDB é o mesmo da Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), conforme seus artigos 1º e 2º. A leitura alargada se justifica pela racionalidade da norma do art. 28: proteção do sujeito que lida com a coisa pública e corre os riscos típicos daí advindos, como, e.g., sofrer uma ação de improbidade [...][5]

 

Para fins de delimitação do tema, no presente artigo serão analisados os impactos do artigo 28 da LINDB nos processos de responsabilização de servidores públicos. Considerando-se, conforme Carvalho Filho, servidor público é “[...]aquele que tem vínculo direto com a Administração Pública, de maneira permanente, mantendo com o Estado uma efetiva relação de trabalho. [6]

Ainda, segundo o citado administrativista, os servidores possuem algumas características que os distinguem dos demais agentes públicos, entre as quais, profissionalidade, que significa exercer o cargo público como profissão, e definitividade, ou seja, desenvolvem suas atribuições em caráter permanente. [7]

 

3     PROCEDIMENTOS CORRECIONAIS DE APURAÇAO DE RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA DE SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS

No âmbito da Administração Pública Federal, os servidores públicos são regidos pela Lei nº 8.112/1990, que estabelece o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas Federais.

No tocante à responsabilização dos servidores públicos e sua forma de operacionalização, na Administração Pública Federal foram criados outros normativos e orientações que detalham e regulamentam os procedimentos de apuração. Dentre esses destacam-se o Decreto nº 5.480, de 30 de junho de 2005, que criou o Sistema de Correição do Poder Executivo Federal, e a Instrução Normativa nº 14, de 14 novembro de 2018, da Controladoria-Geral da União, que regulamenta a atividade correcional no referido Sistema de Correição.

Um dos pontos relevantes da referida instrução normativa foi a delimitação, de forma didática, dos diferentes tipos de procedimentos apuratórios, contendo as respectivas conceituações. Outrossim, diferencia e define os procedimentos de natureza investigativa e os de natureza acusatória, conforme se lê nos artigos 5º, 6º e seguintes:

Art. 5º São procedimentos correcionais investigativos:

I - a investigação preliminar (IP);

II - a sindicância investigativa (SINVE); e

III - a sindicância patrimonial (SINPA).

[...]

Art. 6° São procedimentos correcionais acusatórios:

I - a sindicância acusatória (SINAC);

II - o processo administrativo disciplinar (PAD);

III - o processo administrativo disciplinar sumário;

IV - a sindicância disciplinar para servidores temporários regidos pela Lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993;

V - o procedimento disciplinar para empregados públicos regidos pela Lei nº 9.962, de 22 de fevereiro de 2000;

VI - o processo administrativo sancionador relativo aos empregados públicos das empresas públicas e sociedades de economia mista (PAS); e

VII - o processo administrativo de responsabilização (PAR).[8]

 

Em relação aos servidores públicos federais estatutários, dentre os procedimentos correcionais descritos acima é cabível a instauração de sindicância investigativa, sindicância patrimonial, sindicância acusatória, processo administrativo disciplinar e processo administrativo disciplinar de rito sumário. Os demais procedimentos se referem à apuração de responsabilidade dos demais agentes públicos que não se submetem a Lei nº 8.112/90 e à responsabilização de pessoas jurídicas, disciplinada pela Lei Anticorrupção, Lei nº 12.846/2013.

A Sindicância Investigativa é um procedimento preparatório, sigiloso, inquisitorial, instaurado de ofício, a partir de denúncia ou de representação, com a finalidade de buscar elementos de materialidade ou autoria que configurem o cometimento de falta disciplinar. Por seu intermédio, realiza-se uma análise inicial de uma demanda, quando, por falta de requisitos elementares, não se possa instaurar uma sindicância de natureza acusatória ou processo administrativo disciplinar, propriamente dito.

Já a Sindicância Patrimonial se diferencia da anterior em razão de ter foco na análise patrimonial dos agentes públicos, buscando-se a verificação de incompatibilidades patrimoniais e enriquecimento não justificáveis. É regulamentada pelo Decreto nº 5.483, de 30 de junho de 2005, e tem grande relevância para indicar a necessidade de instauração de processo administrativo disciplinar em casos de improbidade administrativa e aumento patrimonial ilícito.

A Sindicância de Natureza Acusatória constitui procedimento destinado a apurar responsabilidade de servidor público federal por infração disciplinar de menor gravidade, no qual é garantido o contraditório e ampla defesa, para os casos que não é cabível a aplicação de Termo Circunstanciado Administrativo (TCA)[9] ou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)[10]. A partir da sindicância acusatória é possível a aplicação de penalidade de advertência ou de suspensão de até 30 (trinta) dias

O Processo Administrativo Disciplinar (PAD) é disciplinado pelos artigos 148 e seguintes da Lei nº 8.112/90, que visa apurar a responsabilidade de servidor por infração disciplinar praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido. Por meio do PAD, observado o contraditório e ampla defesa, é possível a aplicação de penalidade de advertência, suspensão de até 90 (noventa) dias, demissão, destituição do cargo em comissão ou cassação de aposentadoria ou disponibilidade.

Segundo Sakai[11] o processo administrativo disciplinar tem por fundamento e natureza:

[...] O processo disciplinar tem por fundamento o poder disciplinar, por meio do qual a Administração Pública controla e fiscaliza o exercício da função de seus servidores, responsabilizando-os pelas faltas cometidas[...]Há, ainda, dois outros fundamentos para o processo disciplinar: um de natureza constitucional e outro de natureza legal. O primeiro deles, de natureza constitucional, impõe a necessidade de observância aos princípios do contraditório/ampla defesa aos litigantes, em processo judicial ou administrativo e a necessidade de instauração de processo administrativo para a perda do cargo de servidor estável. O de natureza legal encontra-se na lei. A lei que delimitará o processo disciplinar. No entanto, não é apenas da Constituição e das leis que deriva o processo disciplinar, mas também dos estatutos de servidores, das leis orgânicas de categorias funcionais, dos princípios do direito administrativo, de orientação jurisprudencial, exercendo, esta, influência marcante na matéria. Diante da garantia constitucional de ampla defesa, somente poderá ser imposta sanção a alguém, após o devido processo legal, uma vez que é nele que serão asseguradas as garantias do contraditório e da ampla defesa, além de outras.

 

Por fim, tem-se o Processo Administrativo Disciplinar de Rito Sumário é destinado a apuração de acúmulo ilegal de cargos públicos, de inassiduidade habitual ou de abandono de cargo, e está disciplinado nos artigos 133 e 140 da Lei nº 8.112/90. É mais restrito que o anterior por ter prova pré-constituída e dispensar a fase de instrução. O processo já se inicia com a indiciação, instrumento no qual são declinadas irregularidades, conduta, nexo causal e possíveis enquadramentos legais infringidos. 

Com as alterações da LINDB advindas da Lei nº 13.655/2018, todos esses procedimentos correcionais sofreram forte influência, tanto na fase de juízo de admissibilidade, como no curso da instrução processual, no julgamento e efetiva responsabilização do servidor público federal.

A inclusão dos artigos 20 a 30 trouxe novo senso de ponderação e responsabilidade para quem exerce o controle no âmbito público, inserindo valores e princípios que visam garantir segurança jurídica e eficiência nas decisões administrativas, por exemplo, com a fixação do princípio do consequencialismo decisório e declaração expressa da necessidade de demonstração de dolo ou erro grosseiro para a responsabilização administrativa.

 

4            AS ALTERAÇÕES NA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO ADVINDAS DA LEI Nº 13.655/2018

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A proposta para alteração da LINDB foi iniciada pelo Projeto de Lei do Senado nº 249, de 2015, de autoria do Senador Antônio Anastasia, baseado no trabalho de pesquisa dos professores Carlos Ari Sundfeld e Floriano de Azevedo Marques Neto[12]

No corpo desse projeto destacou-se a necessidade de estabelecimento de novos padrões interpretativos, processuais e de controle, a serem seguidos pela Administração Pública Federal, Estadual e Municipal, para garantir níveis de segurança jurídica e de eficiência adequados na criação e aplicação do direito público.

Conforme a justificativa do citado projeto, entre as novas diretrizes foi proposta a criação de princípios gerais a serem observados por todas autoridades (administrativas, controladoras e judiciais) no embasamento de suas decisões e, por conseguinte, o impedimento de responsabilização injusta da autoridade em caso de revisão das decisões.

Em 18 de abril de 2017 o projeto foi remetido à Câmara dos Deputados, a partir de então denominado Projeto de Lei nº 7.448/2017[13]. Apesar de ter recebido algumas críticas[14], foi rapidamente aprovado pelo Congresso. Ato contínuo, foi remetido ao Presidente da República para sanção. A seguir, após veto parcial do texto, foi sancionada a Lei nº 13.655/2018, publicada no Diário Oficial da União em 26 de abril de 2018.

A Lei 13.655/2018 acrescentou na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro dez novos artigos, do 20º ao 30º (o artigo 25 foi vetado), os quais serão objeto de breve análise a seguir.

 

4.1       MOTIVAÇÃO E DECISÃO BASEADAS EM VALORES JURÍDICOS ABSTRATOS

 

O artigo 20 da LINDB informa que “Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. [...]”.

As normas não preveem todas as situações da vida concreta e, muitas vezes, uma norma que possuía determinada validade torna-se obsoleta e sua aplicação literal inapropriada. Assim sendo, as normas possuem certo grau de abstração, para que seja dada adequação e proporcionalidade ao caso concreto.

Todavia, em alguns casos, o que se verifica é que em situações semelhantes são proferidas decisões diametralmente opostas, muitas vezes baseadas em princípios abstratos e sem a devida motivação.

Marçal Justen Filho sublinha que o artigo 20 da LINDB vem aprimorar a interpretação e aplicação do Direito:

A finalidade buscada é reduzir o subjetivismo e a superficialidade das decisões, impondo a obrigatoriedade do efetivo exame das circunstâncias do caso concreto, tal como a avaliação das diversas alternativas sob um prisma de proporcionalidade. [...] A autoridade investida da competência para aplicar a norma de hierarquia superior tem o dever de adotar a solução mais compatível com o conjunto do ordenamento jurídico. No entanto é muito problemático determinar, em cada caso, qual seria a solução mais satisfatória. [...]A dificuldade é intensificada pela proliferação de normas gerais e abstratas [...] Um fenômeno verificado nas diversas esferas estatais brasileiras é a invocação de fundamentos genéricos e indeterminados para respaldar a decisão num caso concreto. [...]O art. 20 impõe a vedação a decisões imotivadas ou fundadas apenas em valores abstratos.[15] 

Marques Neto e Freitas ao tratar sobre o tema dissertam:

A permeabilidade do sistema jurídico a normas de caráter mais aberto e a realidade da interpretação e aplicação do Direito ser balizado por princípios é uma realidade. Contudo, a decisão baseada em “valores jurídicos abstratos”, ou seja, não apoiados em normas concretas ou em prescrições normativas cerradas, não pode servir como uma cláusula mágica, transcendente. Não podem se prestar a ser um argumento de autoridade hermenêutica sem que o decisor tenha o dever (ônus) de perquirir os efeitos desta decisão. Mais do que uma deferência ao consequencialismo, o dispositivo presta homenagem à responsavidade da decisão. [...] Exigir motivação robusta e compromisso com os efeitos é, no Estado Democrático de Direito, nada menos do que o mínimo essencial. [16]

 

Portanto, o legislador quis enfatizar o dever de motivação e adequação das decisões face as possíveis alternativas, ou seja, ressaltou a necessidade de serem avaliadas as reais consequências da decisão, a fim de evitar uma análise simplista da norma, sem observação de toda a conjuntura e de seus resultados.

Deste modo, em relação aos procedimentos correcionais, conclui-se que tanto na análise de admissibilidade, quanto na instrução processual e julgamento dos processos, o dever de motivação não pode ser simplista e baseado em valores abstratos.  

 

4.2       AVALIAÇÃO DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS E ADMINISTRATIVAS

 

Segundo o art. 21 da LINDB “a decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas”.

  O artigo 21 foi inserido no sentido de reprimir a proferição de decisões que invalidam ato, contrato, processo ou norma, que não consideram as consequências da decisão invalidadora e não estabelecem o mínimo de critérios dos efeitos e alcance da invalidação.

Conforme Marques Neto e Freitas, a inserção deste artigo tem por propósito conferir racionalidade às decisões com a inclusão de parâmetros consequencialistas à Teoria das Nulidades dos Atos Administrativo. Assim, pretende-se consolidar a intepretação do caso concreto mediante verificação das consequências práticas, custos e benefícios, a fim de regular seus efeitos e, por outro lado, impedir a aplicação de valores abstratos absortos das transformações sociais. [17]

  O parágrafo único do citado artigo reforça ainda que não se pode impor aos sujeitos atingidos pela decisão invalidadora ônus ou perdas anormais ou excessivos. Portanto, na tomada de decisão deve-se analisar os efeitos retroativos e prospectivos, de forma a garantir a satisfação do interesse público, respeitando-se a proporcionalidade de seus efeitos aos administrados.

 

4.3       REALIDADE DO GESTOR

 

O artigo 22 da LINDB invoca o pragmatismo no direito público brasileiro, uma vez que estabelece o seguinte: “Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.”.

Desta maneira, é necessário que se realize uma adequada avaliação das condutas, e que seja levado em conta o contexto fático e circunstâncias práticas nos quais as condutas foram praticadas.

Ademais, em caso de aplicação de sanções que sejam considerados a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos provocados, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente, bem como na dosimetria que se avalie as sanções anteriormente já aplicadas.

Marques Neto e Freitas apontam que os órgãos controladores, no exercício de sua atividade repressiva, por vezes desenvolvem interpretação dos fatos de modo retrospectivo (em razão transcurso do tempo da ocorrência do fato e de sua apuração) e fundamentados em entendimento idealista acerca da conduta a ser tomada pelos administradores públicos por um prisma enviesado, sem considerar as circunstâncias reais que justificaram a conduta adotada pelo gestor. [18]  

O parágrafo segundo do citado artigo enfatiza o caráter redistributivo das sanções, no sentido da aplicação de sanções proporcionais à gravidade do ilícito, ao dano provocado e às circunstâncias pessoais do agente. Em continuidade, o parágrafo terceiro destaca a adoção de critérios para a dosimetria da pena e a necessidade de se levar em conta as decisões pretéritas na aplicação da penalidade.

 

4.4       PERÍODO DE TRANSIÇÃO

 

Enuncia-se no artigo 23 da LINDB a necessidade de se mensurar os efeitos de uma decisão e, caso essa importe na imposição de novo dever, que a mudança seja estabelecida de maneira gradual:

A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.

 

De acordo com o documento ‘Respostas aos comentários tecidos pela Consultoria Jurídica do TCU ao PL Nº 7.448/2017’, em que pese possam ser adotadas mudanças de interpretações sobre o Direito pelas instituições públicas, as relações jurídicas pré-existentes não podem ser ignoradas. Deve haver regime jurídico de transição que dê tempo e meios aos administrados para que realizem a conformação, segundo parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade, como acontece, por exemplo, na modulação de efeitos nas declarações de inconstitucionalidade. Isto posto, o artigo 23 fortalece a transparência e atuação dos órgãos de controle, a permitir a negociação com os destinatários de uma decisão, superando os conceitos retrógrados de que a autoridade deve sempre impor sua vontade e punir, sem dialogar com o destinatário de suas decisões.[19]

Ao se trazer isso para o campo disciplinar, verifica-se que é medida razoável a ser aplicada, evitando-se de o Estado punir, a qualquer custo, sem estipular prazos de conformidade. Assim, quando houver inovação na interpretação de normas ou na delimitação na sua forma de emprego, em defesa da segurança jurídica, devem ser estabelecidas medidas transitórias para que os agentes alcançados possam se adaptar a estas alterações.

 

 

4.5       NÃO ANULAÇÃO DE ATOS PLENAMENTE CONSTITUÍDOS

 

O artigo 24 da LINDB defende a irretroatividade ao proceder-se o exame de validade na revisão de ato, contrato, ajuste, processo ou norma, em face de atos jurídicos perfeitos:

A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.

Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.

 

Conforme Humberto Ávila, a proteção da confiança será tanto maior for o grau de existência dos elementos normativos, pertinentes à situação fática (base da confiança) quais sejam a vinculatividade, a aparência de legitimidade do ato, a modificabilidade, efetividade, indução, onerosidade e durabilidade. [20]

Desta sorte, o artigo 24 visa o fortalecimento da irretroatividade de fatos e situações jurídicas perfeitas, que foram baseadas no entendimento vigente à época, ou seja, tendo por base o ordenamento e orientações da época em que os fatos foram declarados válidos, norma ou interpretação ulterior não pode declará-los inválidos.

 

4.6       AUDIÊNCIA PÚBLICA E CONSENSUALIDADE

 

O artigo 26 da LINDB disserta acerca consensualidade para eliminação de irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa. Assim, após a oitiva do órgão jurídico e, quando necessário, após audiência pública, prescreve a possibilidade de celebração de compromisso entre a autoridade administrativa e quem possa ser afetado pela decisão adotada.[21]

Segundo Marques Neto e Freitas, o citado artigo é relevante previsão, pois consagra a consensualidade no direito brasileiro, a título de exemplo cita que, no exercício do poder extroverso estatal, o administrado integra o processo decisório oriundo do poder de polícia.[22]

Para Sousa[23], o artigo 26 abre margem de negociação à Administração Pública, e cria uma evolução para a concretização de bons ajustes para a Administração. Porém, este ressalta que não basta que os agentes celebrem acordos, é preciso o Estado esteja apto a transacionar, acordar ou a celebrar compromissos, tal como o Ministério Público, de modo a dar plenitude e validade aos seus efeitos.

Embora busque-se com o citado artigo a possibilidade de soluções mais rápida para situações contenciosas, é preocupante a falta de maturidade da Administração para a celebração de acordos/transações administrativas com particulares. De tal modo, também, tem-se o risco desses acordos sofrerem judicializações, o que perverteria o objetivo desse dispositivo.

 

 

4.7       COMPENSAÇÃO POR BENEFÍCIOS INDEVIDOS OU PREJUÍZOS ANORMAIS

 

O artigo 27 da LINDB impõe a compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos provocados por uma decisão, seja ela na esfera administrativa, controladora ou judicial. E, para isso, ressalta que a decisão que impõe compensação tenha a devida motivação e seja precedida da oitiva das partes.

Consoante Sunfeld e Vornoff:

O ato de instauração do processo, dependendo de sua natureza, pode representar per se medida bastante gravosa para quem o suporta, como nas hipóteses sancionatórias. [...] sua instauração e tramitação envolvem custos diretos (a exemplo das despesas processuais e dos honorários de perito) e indiretos (como a reprodução de documentos e o pagamento de honorários advocatícios).  E podem também gerar externalidade [...] para preservar a integridade dos direitos materiais e do sistema processual nos âmbitos administrativos, controlador e judicial, que o ordenamento jurídico tem de prever compensações por custos e externalidades processuais indevidos, anormais ou injustos, coibindo a assunção de riscos danosos em nome de simples interesses, e restaurando os efeitos de erros onerosos decorrentes de atos públicos. [24]

 

Verifica-se que é plenamente cabível a aplicação deste dispositivo aos procedimentos correcionais instaurados sem justa causa, baseados tão somente em denúncia anônima, que causem prejuízos significativos à reputação, à imagem e aos interesses dos servidores públicos envolvidos.

Esse artigo prevê em todos os âmbitos a possibilidade de compensação dos danos causados em casos de abuso do poder estatual de processar. Por conseguinte, visa prevenir o exercício abusivo e arbitrário da instauração de processos cujas justificativas sejam insuficientes e que causem danos anormais ou injustos aos administrados.

 

4.8       RESPONSABILIZAÇÃO POR DOLO OU ERRO GROSSEIRO

 

O artigo 28 da LINDB estipula que o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro. Tem como finalidade cessar a punição desenfreada pelos Órgãos de Controle, ao passo que dá margem para a discricionariedade administrativa, permitindo ao gestor o exercício da liberdade de escolha quando tiver que se confrontar com mais de uma opção. Em razão de sua relevância para os procedimentos correcionais será tratado de forma mais detalhada na próxima seção.

 

4.9       CONSULTA PÚBLICA ANTES DA EDIÇÃO DE ATO NORMATIVO

 

  O artigo 29 da LINDB prevê a possibilidade de consulta pública, preferencialmente de modo eletrônico, para edição de atos normativos por autoridades administrativas, sendo feita indicação de prazo para manifestação da opinião dos interessados.

Para Monteiro, por meio da consulta pública se materializa a efetiva motivação dos atos administrativos. Deste modo, configura um dever para a Administração Pública, não apenas uma faculdade, pois dá oportunidade que os interessados que serão afetados, positivamente ou negativamente, por uma norma possam se manifestar previamente.  [25]

Em vista disso, a Administração ao disponibilizar a minuta de uma norma valoriza a participação social e dá voz as partes interessadas. Além de que, ao oportunizar a consulta prévia, robustecerá sua motivação, o que consistirá em requisito de validade da norma.

 

4.10     ARCABOUÇO DECISÓRIO

 

E, por último, tem-se o art. 30 da LINDB, que estabelece o dever das autoridades públicas em aperfeiçoar os mecanismos de aplicação das normas, por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas efetuadas pelos administrados.  

Para Vale, a inclusão desse dispositivo consiste numa mudança cultural da interpretação e aplicação do Direito na Administração Pública, pois fortalece a vinculatividade dos precedentes administrativos, tanto sob o enforque hierárquico, como horizontal na autovinculação ao padrão decisório adotado pelos órgãos. [26]

A intenção do legislador foi o aperfeiçoamento dos procedimentos administrativos e consolidação de precedentes decisórios, de modo a fortalecer a eficiência e segurança jurídica do processo decisório.

Recentemente, foi publicada a regulamentação dessas alterações do artigo 20 ao 30 da LINDB, por intermédio do Decreto 9.830, de 10 de junho de 2019. Com a referida regulamentação buscou-se dirimir eventuais dúvidas quantos aos novos parâmetros de interpretação e aplicação do Direito Público, de modo a reforçar e explicar os conceitos e princípios trazidos pela Lei nº 13.655/2018

 

5          O ARTIGO 28 DA LINDB NOS PROCEDIMENTOS CORRECIONAIS

 

O artigo 28 da LINB é alvo de muito debate nos órgãos de controle da Administração Pública, pois, uns defendem que significa um retrocesso e enfraquecimento do poder disciplinar estatal em casos culposos, ou seja, de negligência, imprudência e imperícia. Por outro lado, os Administrativistas defendem que o conceito de erro grosseiro já abrange os casos culposos.

 Quando da análise do PL 7448/2018, a Consultoria Jurídica do Tribunal de Contas da União (TCU) assim se manifestou:

O art. 28, na contramão da necessidade do Brasil de contar com agentes públicos diligentes, peritos e prudentes, simplesmente isenta de qualquer reprimenda aqueles que deixarem de cumprir com seus deveres constitucionais e legais de se conduzirem no exercício do cargo no caminho da busca da eficiência da Administração Pública, com a realização de um consistente planejamento das ações públicas, inclusive no campo fiscal, e com a adoção de medidas de prudência, presentes e exigidas em qualquer empresa privada assim como em qualquer Administração Pública de países que se pretendem bem administrados.

Trata-se de dispositivo que será usado pelos mal-intencionados e até por alguns bem-intencionados, mas de perfil acomodado, para simplesmente permanecerem em suas zonas de conforto ou, o que é mais preocupante, adotarem uma conduta, por longos anos, negligente, imprudente ou imperita.[27]

 

Ainda, segundo o TCU, o artigo 28 seria inconstitucional por violar o artigo 37, §6º da Constituição Federal de 1988, o qual estabelece a possibilidade de responsabilização dos danos causados pelos agentes públicos em caso de culpa, independentemente de demonstração de erro grosseiro.

Também, a Associação dos Ministros dos Tribunais de Contas do Brasil e Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros dos Tribunais de Contas na Nota Técnica nº 01/2018/ATRICON/AUDICON ponderou que o dispositivo é um retrocesso a profissionalização da gestão pública, pois permite ao agente público que deixe de agir com máximo zelo e respeito às normas, intentando-se a fundamentar sua conduta em parecer jurídico de sua conveniência para que se exima de toda e qualquer responsabilidade [28]

Para Teixeira, a construção subjetiva empregada de responsabilização “em casos de dolo ou erro grosseiro” destoou de outros comandos legais históricos, pois tanto a lei material penal quanto a lei penal civil prevê dois tipos de responsabilização, o dolo e a culpa. Isto posto, no artigo 28 haveria uma atecnia redacional ao elencar e igualar dolo e erro grosseiro como duas espécies de um mesmo gênero, já que o erro exclui a responsabilização, seja na exclusão da tipicidade ou na exclusão da culpabilidade.  [29]

Noutra vereda, Binenbojm e Cyrino argumentam que administrar a coisa pública envolve fazer escolhas complexas e decisões difíceis, que não estão previamente detalhadas nos normativos. Nesse cenário gera-se uma letargia pública pelo medo de agir do gestor, que prefere indeferir ou invés de buscar soluções inovadoras. Assim, o artigo 28 veio resguarda o administrador que quer agir de forma ética e inovadora, mas nem sempre tem sucesso com aquilo que propõe. [30]

Binenbojm e Cyrino citam como exemplo de erro grosseiro quando o gestor uma norma jurídica revogada, ou emita decisão que ignore a ocorrência de uma prescrição, embora as informações pertinentes constem do processo administrativo. Frisam, também, que o erro grosseiro, para fins de responsabilização, não afasta a ocorrência de culpa, já que estaria incluso no conceito as noções de imprudência, negligência e imperícia. [31]

 

5.1       CONCEITUAÇÃO DE ERRO GROSSEIRO

 

Conforme o artigo 12, do Decreto nº 9.830/2019, considera-se erro grosseiro aquele manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.[32]

Os parágrafos do citado artigo complementam que não estará configurado dolo ou erro grosseiro se no processo de responsabilização não restar comprovada situação ou circunstância fática capaz de caracteriza-los, não bastando a demonstração do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso. Logo, se faz necessária a efetiva comprovação do dolo ou erro grosseiro.

Oliveira destacou que o conceito de “erro grosseiro” é aberto e, por isso, necessita de ser preenchido pelos órgãos de controle. Refere-se ao artigo 28 como norma restritiva de direito, que deve ser interpretada restritivamente, ou seja, só poderia caracterizar erro grosseiro interpretações totalmente desconectadas do ordenamento jurídico. E, no tocante a responsabilização dos advogados públicos descreveu que o erro grosseiro não gera responsabilização por infração hermenêutica pois:

“(1) não há previsão legal expressa; (2) é indevido adotar interpretação extensiva para normas punitivas por princípio geral de direito; e (3) o conceito de “erro grosseiro” é muito aberto e sujeito a alta elasticidade a depender de quem for analisá-lo, de maneira que o advogado público estaria sujeito a constrangimentos na sua atividade de interpretar a legislação” (grifamos)[33]

De maneira proativa, antes mesmo da regulamentação, o TCU no Acórdão 2.391/2018 - Plenário definiu que erro é aquele perceptível por pessoa de diligência normal, já o erro leve é o que somente seria percebido e, portanto, evitado por pessoa de diligência extraordinária, isto é, com grau de atenção acima do normal.[34]

Posteriormente, o TCU proferiu o Acórdão 1941/2019 – Plenário, de relatoria do Ministro Augusto Nardes, para fins do exercício do poder sancionador, considerou erro grosseiro o descumprimento, sem a devida motivação, de determinação expedida pelo TCU, pois configuraria grave inobservância do dever de cuidado, portanto, culpa grave.[35]

Em que pese as críticas dos Órgãos de Controle, os quais consideram o artigo 28 um retrocesso, uma inconstitucionalidade e uma atecnia, infere-se que o legislador buscou ampliar a atuação discricionária e inovadora dos gestores de boa-fé, e ao mesmo tempo frear a massiva responsabilização de agentes públicos pelos órgãos controladores.

Criou-se na Administração Pública Brasileira a ideia de que todo gestor é improbo, corrupto e quer locupletar-se às custas do erário. Isto, por vezes, paralisa a Administração, pois grande parte das decisões do gestor é causa para punição e instauração de procedimento correcional.

Pelo medo da responsabilização trava-se a gestão do básico, às vezes, até do essencial. Logo, é preciso cautela na aplicação e interpretação do direito sancionador e no exercício do poder disciplinar, e é isso que o artigo 28 veio propor. 

 

5.2       DOS IMPACTOS DO ARTIGO 28 DA LINDB NOS PROCEDIMENTOS CORRECIONAIS

 

Os impactos podem ser anteriores, concomitantes ou posteriores à instauração dos processos de sindicância investigativa, acusatória, PAD ou PAD – Rito Sumário. Explica-se:

Antes de instaurar um procedimento correcional, seja ele de natureza inquisitorial (sindicância investigativa ou patrimonial) ou de natureza contraditória (sindicância acusatória, PAD rito comum ou rito sumário), ainda na fase de juízo de admissibilidade, o analista deverá verificar se há indícios suficientes da ocorrência de dolo ou erro grosseiro.

Segundo Cavalcante, para o Decreto nº 9.830/2019, erro grosseiro é aquele no qual o agente atuou com culpa grave. Isso significa que, se o agente teve culpa leve ou levíssima, ele não poderá ser responsabilizado.[36]

Ora, quando já no juízo de admissibilidade constata-se que é caso de culpa leve ou levíssima, o gestor deve adotar procedimento alternativo, seja ele Termo Circunstanciado Administrativo, Termo de Ajustamento de Conduta ou Acordo de Conduta Pessoal e Profissional (este último no âmbito da Comissão de Ética). E, somente em casos de expressa rejeição da transação pelo servidor, que seja instaurado outro tipo de procedimento correcional.

A transação disciplinar é uma medida educadora e resolutiva para os casos de culpa leve ou levíssima, uma vez que cessa a infração e oportuniza uma mudança de comportamento do servidor antes da sua efetiva punição. Logo, o artigo 28 da LINDB não produz a tão falada impunidade em casos culposos, apenas delimita o enfoque dos procedimentos correcionais para os processos que, efetivamente, tenham elementos e possam resultar em punição.

Em relação aos efeitos concomitantes aos procedimentos correcionais, ou seja, que ocorrem durante a instrução processual, é importante destacar que as comissões sindicantes e processantes deverão adotar diligências e buscar provas que efetivamente importem na demonstração do dolo ou culpa grave.  

Como bem explicado no artigo 12 do Decreto 9.830/2019, não basta que se apresente o mero nexo de causalidade entre a conduta e o resultado, e nem apenas que se baseie no montante do dano, é preciso que as provas dos autos de facto caracterizem e comprovem a ocorrência de dolo ou erro grosseiro.

Marques Neto e Freitas defendem:

[...]É, justamente. esse o racional do artigo 28. Busca basear na certeza que o agente não será punido pelo seu atuar de boa-fé ou por divergências de interpretação ou concepção doutrinária. As vicissitudes de sua atuação, claro, terão de ser apuradas, mas se volta a privilegiar a presunção de legalidade dos atos administrativos. Abole-se o nefasto “crime de hermenêutica” [...] o novel diploma terá o condão de dar densidade ao princípio da moralidade administrativa [...] terá o condão de gerar  os relevantes incentivos de: (i) contribuir para que o Administrador melhor fundamente seu agir[...] e (ii) inverterá e ampliará o ônus de fundamentação para o controlador, que passará a ter de demonstrar, por intermédio de provas concretas, que o ato praticado pelo agente público restou maculado pela intenção de malferir a probidade administrativa. (grifamos) [37]

 

Segundo Ferraz, o artigo 28 da LINDB trata de uma revogação parcial do artigo 10, caput da Lei de Improbidade Administrativa, pois fortalece o posicionamento de jurisprudência já adotada pelo Superior Tribunal de Justiça quanto a necessidade da comprovação do dolo ou culpa grave para fins de enquadramento das condutas dos agentes públicos no artigo 10 da Lei 8.429/92.[38]

Importar consignar que, quando da análise das provas, da conduta e da culpabilidade, também deve ser levado em consideração a complexidade da matéria e das atribuições exercidas pelo servidor público.

Consequentemente, a produção do relatório final da comissão, sucederá de uma análise holística do caso concreto, demonstrando-se quais as possíveis alternativas que poderiam ser tomadas pelo servidor diante da complexidade do caso e de suas competências, bem como a indicação do elemento subjetivo que caracterize dolo ou culpa grave.

Por fim, quanto ao impacto do artigo 28, a posteriori, nos procedimentos correcionais, pode-se vislumbrar as seguintes situações:

A primeira, em se tratando de processos inquisitoriais, como a sindicância investigativa, deve o Julgador verificar se a comissão sindicante juntou elementos probatórios suficientes para a continuidade processual. Em caso negativo, este deverá decidir entre arquivar o processo, aplicar medida de transição disciplinar ou retornar o processo para maiores diligências.

Em se tratando de sindicância patrimonial, embora seja dispensável o exercício do contraditório, é importante que ocorra, pois, por descuido e/ou desatenção podem ocorrer erros materiais nas declarações ao fisco, os quais impactam diretamente na evolução patrimonial do servidor, o que podem gerar uma falsa percepção de enriquecimento ilícito. Então, é preferível a autoridade oportunizar ao servidor que demonstre a boa-fé e possível ocorrência de erro, do que instaurar um processo disciplinar, muitas vezes oneroso, apenas para dar ao servidor a chance de se justificar.

No que concerne aos procedimentos contraditórios como o PAD comum e o de rito sumário, o artigo 28 impõe ao Julgador que a responsabilização somente se dará em casos de dolo ou culpa grave.

Desta maneira, não se pode presumir que o erro simples, culpa leve ou levíssima seja justificativa para medidas extremas que causem danos aos servidores de boa-fé, sob pena de implicar à Administração a compensação pelos prejuízos anormais ou injustos, tal como previsto no artigo 27 da LINDB.

 

6            PRINCIPAIS VANTAGENS E DESVANTAGENS DAS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI Nº 13.655/2018

 

A seguir serão tecidos breves comentários acerca das vantagens e desvantagens advindas pela Lei nº 13.655/2018 quanto a inserção dos dez novos dispositivos à LINDB. Mas antes vale a pena rever essas alterações da LINDB, sintetizadas por Oliveira como sendo as seguintes:

(1) clareza normativa (arts. 29 e 30): deve-se dar o máximo de clareza acerca da interpretação a ser adotada das normas para que o agente público saiba “as regras do jogo” previamente;

(2) responsabilização do agente público por infração hermenêutica (arts. 22 e 28): o agente público só pode ser punido por erro de interpretação no caso de erro grosseiro ou de dolo;

(3) invalidade de ato administrativo. Este último assunto pode ser desmembrado nestes sub-grupos temáticos: (1) princípio da motivação concreta (arts. 20 e 21, caput): o agente público precisa atentar para as consequências concretas de suas soluções jurídicas; (2) regime de transição (art. 23): no caso de mudança de entendimento, é preciso indicar como a realidade concreta será adaptada ao novo cenário jurídico; (3) princípio da menor onerosidade da regularização (art. 21, parágrafo único): no caso de invalidação de ato administrativo, deve-se indicar o caminho mais suave e menos oneroso para a regularização da realidade concreta;

(4) declaração de irregularidade sem pronúncia de invalidade (arts. 21, parágrafo único, e 22, caput e § 1º): em situação extrema em que a invalidação de um ato administrativo acarretaria consequências concretas muito graves, é lícito abster-se de pronunciar a invalidade para conservar o ato irregular;

(5) convalidação por compromisso com ou sem compensações (arts. 26 e 27), o que se insere na ideia de administração pública consensual ou dialógica: a administração pública pode celebrar termo de compromisso para regularizar situações irregulares ou cuja regularidade esteja sob significativa controvérsia jurídica; e

 (6) invalidade referencial (art. 24), o que envolve a ideia de modulação da interpretação no tempo: um ato administrativo pode ser considerado inválido ou válido diante do mesmo texto normativo, a depender da interpretação que preponderava no momento do nascimento desse ato.[39]

 

Consoante Marques Neto e Freitas, a segurança jurídica tem três pilares e a inclusão dos dez novos artigos da LINDB vieram para reforçá-los:

[...] A segurança jurídica tem uma vertente de estabilidade, na medida em que dá perenidade aos atos jurídicos e aos efeitos deles decorrentes, mesmo quando houver câmbios das normas ou no entendimento que se faz delas. Tem um vetor de previsibilidade, protraindo mudanças bruscas, surpresas, armadilhas. E por fim, tem um vetor de proporcionalidade ( e de ponderabilidade), na medida em que a aplicação do Direito não pode nem ser irracional, nem desproporcional. É exatamente nesses três sentidos que a Lei nº 13.655/2018 veio reforçar aplicação da segurança jurídica no âmbito do Direito Público. [40]

 

Conclui-se, assim, como principais vantagens das alterações da LINDB advindas da Lei nº 13.655/2018, o aprimoramento dos níveis de segurança jurídica e eficiência na interpretação e aplicação do direito público, de modo a promover maior senso de responsabilidade na tomada de decisão administrativa, priorizando-se a realidade dos fatos, a devida motivação e estudo das consequências jurídicas.

Antes da sanção da Lei nº 13.655/2018, o TCU apontou uma série desvantagens das alterações propostas pelo então Projeto de Lei nº 7448/2017, como, por exemplo:  a falta de discussão da  matéria (já que não houve consulta pública para os principais destinatários das alterações, os órgão de controle); que os comandos normativos exigiam de quem tem o poder de decisão que avalie as consequências práticas de suas decisões e isso seria exigir um exercício de futurologia por parte do julgador; que seria um retrocesso e criaria um irresponsabilidade do gestor público, entre outras coisas.[41]

No mesmo sentido, como desvantagens da Lei nº 13.655/2018, Colussi apontou que as alterações propostas possuem vários termos juridicamente abertos e abstratos, e contêm dispositivos de difícil a aplicabilidade, seja por conter termos vagos, seja pela impraticabilidade de serem empregados pelos órgãos a que se destinam.[42]

Neste momento posiciona-se a favor dessas alterações, pois são de suma importância para abrandar os efeitos da crise político-institucional brasileira e insegurança jurídica que se instalou nesses últimos cinco anos, com os escândalos de corrupção e o impeachment.  

A nova LINDB significa avanço para os gestores públicos e para os administrados, tendo em vista que prescreve novo parâmetro interpretativo.  Ressalte-se que tais alterações têm influência direta no controle administrativo e exercício do poder disciplinar, já que serão utilizadas como fundamento para a instauração dos procedimentos sancionadores. Os dispositivos inseridos trouxeram benefícios ao Direito Sancionador, posto que orienta a aplicação do direito dentro critérios racionais e proporcionais. 

 

7            CONCLUSÃO

 

O que se vê hoje na Administração Pública Federal é a cultura de quantos mais servidores punidos, melhor. Em vez de se procurar entender as causas das infrações e propor medidas preventivas, foca-se apenas na repressão e punição. Muitas vezes, existe a banalização da instauração de procedimentos correcionais, deixando-se de levar em conta os custos para a Administração de tais procedimentos e as consequências na vida dos servidores que são alvos de investigação.

Além de ser a ultima ratio, os processos sancionadores têm sido a primeira solução pensada pelos gestores, que se esquecem de analisar quais outras medidas resolutivas e pedagógicas podem ser adotadas ao caso concreto, e, por vezes, deixam de analisar o contexto da conduta à luz de critérios de razoabilidade e de proporcionalidade.

Verifica-se que as alterações insertas na LINDB, entre outras coisas, veio aclarar a interpretação do poder disciplinar e aplicação de sanções nos procedimentos correcionais, pois trazem importantes bússolas, como, por exemplo: 1) a necessidade de uma análise das consequências práticas de decisão que aplique sanção; 2) prevalência da motivação e razoabilidade; 3) consideração pela realidade enfrentada pelo gestor; 4) estabelecimento de súmulas e precedentes administrativos; 5) adoção de critérios transparentes de dosimetria das sanções; e 6) possibilidade de transação entre a administração e administrados.

Especialmente, em relação ao artigo 28 da LINDB, conclui-se que é essencial a demonstração da ocorrência de dolo ou culpa grave para a responsabilização de servidores públicos.  Assim, evitando-se decisões arbitrárias e instauração de procedimentos correcionais sem justa causa.

Ainda há um longo caminho a percorrer para o amadurecimento da Administração Pública e dos gestores públicos, para dar cumprimento a esse novo enfoque de segurança jurídica e razoabilidade trazidos pela nova LINDB. Por isso, devemos acompanhar e pesquisar com mais profundidade os efeitos dessa lei.  

Como sugestão de pesquisa, indica-se a realização de questionários ou estudos de casos nas Corregedorias Federais acerca dos efeitos das alterações da LINDB nos procedimentos correcionais. Também, que se apure a percepção dos servidores e analistas jurídicos a essas mudanças.       

 

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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