CONDIÇÃO JURÍDICA DO ESTRANGEIRO

13/06/2020 às 11:39
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE A CONDIÇÃO JURÍDICA DO ESTRANGEIRO.

CONDIÇÃO JURÍDICA DO ESTRANGEIRO

 

Rogério Tadeu Romano  

 

Devemos distinguir asilo territorial, de asilo diplomático e, por fim, refúgio.

No Direito Internacional Público sabe-se que um Estado não é obrigado a aceitar, em seu território, o ingresso de estrangeiros, quer a título provisório, quer a título permanente. Sendo assim, o direito de admitir ou não estrangeiros em seu território ou de admitir ou não condicionalmente, ou de expulsá-los é uma consequência necessária da soberania estatal.

O asilo territorial é o recebimento de estrangeiro em território nacional, sem os requisitos de ingresso, para evitar punição ou perseguição baseada em crime de natureza política ou ideológica geralmente por crime praticado em seu país. Assim tal concessão tem por objetivo proteger uma pessoa que, por seus motivos políticos ou ideológicos, se sinta perseguida ou ameaçada.

Independente do que enuncia a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem de 1948, em seu artigo 27, ao prescrever que ¨Toda Pessoa tem o direito de procurar e receber asilo em território estrangeiro, em caso de perseguição que não seja motivada por delitos de direitos comuns(crimes comuns), e de acordo com a legislação de cada país, e com as convenções internacionais¨, a Constituição de 1988 prevê a concessão de asilo político, seja territorial ou diplomático, sem quaisquer restrições, sendo este um dos princípios pelos quais a República Federativa do Brasil deve se reger nas suas relações internacionais, como se lê do artigo 4º, inciso X.

Anoto, desde já, a lúcida ponderação do Ministro Nélson Hungria(Comentários ao Código Penal, volume I, tomo I, 5º edição, Rio de Janeiro, 1977, pág. 367), para quem ¨a indagação para outorga de asilo, seja o diplomático, seja o territorial, não deve limitar-se ao caráter político deste ou daquele crime imputado, mas atender, também, ao móvel político da acusação, ainda que esta seja, refalsadamente, por crime comum¨.Para o príncipe dos penalistas brasileiros, não só a perseguição por crimes políticos condiciona o asilo, senão também a perseguição por motivos políticos.

O asilo político tem a característica de ser ainda asilo territorial, concedendo-o o Estado ao estrangeiro que, tendo cruzado a fronteira e ingressado em seu  território, aí requereu o benefício. O asilo diplomático ou extraterritorial, por sua vez, é modalidade de asilo territorial, mas dotado de característica de provisoriedade e precariedade, e que é concedido, no âmbito da América Latina, pelo Estado fora do seu território, isto é, no território do próprio Estado onde o individuo estaria sendo perseguido. Tal concessão se dá em locais imunes à jurisdição daquele Estado, como embaixadas, representações diplomáticas, navios de guerra, acampamentos ou aeronaves militares. Lembro que, a teor do artigo 5º da Convenção de Caracas, que uma vez concedido o asilo, o Estado asilante pode pedir a saída do asilado para o território estrangeiro, sendo o Estado territorial obrigado a concedê-lo imediatamente, salvo por motivo de força maior. O salvo-conduto é requerido pela autoridade asilante  - normalmente o embaixador – a fim de que o asilado possa deixar o território do país com segurança para receber o asilo territorial no Estado disposto a recebê-lo, impedindo que o asilado seja detido no caminho da embaixada até o aeroporto internacional da capital do seu País.

Ora, e se o Estado se negar a dar esse salvo-conduto? Por certo, na linha do já decidido no precedente Haya de La Torre, Chefe do Partido Aprista Peruano, em rumoroso caso envolvendo o Peru, que lhe negou salvo-conduto, e a Colômbia, em cuja embaixada ele se refugiou, a Corte Internacional de Justiça entendeu que as partes, por princípios de cortesia e boa-vizinhança, devem chegar à solução prática, mas exigiu a caracterização do status de urgência para adoção da medida, exigido pela Convenção de Havana.  

Por sua vez, dele se distancia  o refúgio, instituto tratado na Lei 9. 474, de 22 de julho de 1997, que reconhece como refugiado, todo indivíduo que: devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora do seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa a ele regressar e, por fim, devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seus país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.

Tal redação segue àquela exposta na Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 1951, e seu Protocolo, de 1966.

Observa-se que o status de refugiado se dá não em virtude de uma perseguição política, que ocorre no caso do asilo, mas em virtude de perseguição por motivos de raça, religião ou por nacionalidade, ou ainda pelo fato de pertencer a determinado grupo social ou ter determinada opinião política.

Observe-se, a teor do artigo 8º da Lei 9.474, que o ingresso irregular no território nacional(o senador chegou ao território brasileiro em condições questionadas pela Bolívia, ao sair da Embaixada Brasileira, sem autorização daquele País), não constitui impedimento para o estrangeiro solicitar refúgio às autoridades competentes.

Satisfeitas as exigências, fica o solicitante amparado pelo Estatuto dos Refugiados de 1951, de forma a que se impeça a exclusão injustificada do refugiado para país onde já sofreu ou possa sofrer qualquer tipo de perseguição.

Cabe ao Comitê Nacional para Refugiados – CONARE-, em deliberação coletiva, a competência para analisar o pedido, seja: declarando o reconhecimento ou determinando a perda, em primeira instância, da condição de refugiado. No caso de decisão negativa, cabe recurso ao Ministro do Estado da Justiça, no prazo de quinze dias.

È certo que se poderá falar em deportação ou extradição. A causa da primeira é o não cumprimento dos requisitos necessários para o ingresso regular ou para a sua permanência no país, sendo causa diversa à prática do crime. Por outro lado, a prática de delito pode ser razão para expulsão ou extradição de estrangeiros, mas não para sua deportação. Anoto que a expulsão é medida repressiva por meio da qual um Estado retira de seu território estrangeiro que, de alguma maneira, ofendeu e violou as regras de conduta ou as leis locais, praticando atos contrários à segurança e a tranquilidade do país, sendo medida política administrativa.

Se autorizada pelo Supremo Tribunal Federal a extradição, compete ao Presidente da República decidir em definitivo, será dele a palavra final, com relação à conveniência, sendo perfeitamente possível que a autorização do STF não seja efetivada pelo Chefe do Executivo, do que se lê do artigo 84, inciso VII, da Constituição Federal.

Seja como for, distancia-se a extradição da abdução, que é o seqüestro de indivíduo que se encontra em dado Estado para ser julgado no território de outro, em violação às regras de Direito Internacional.  

O reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de eventual pedido de extradição, a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal, baseado nos fatos que fundamentaram a concessão do refúgio.  Havendo, por sua vez, expulsão, tal não resultará em sua retirada para país onde sua vida, liberdade e integridade física possam estar em risco.

Registro, por fim, que as situações que envolvem o refúgio não são individuais em que pessoas buscam asilo em dado país para a salvaguarda de sua vida, mas de situações onde vários seres humanos saem dos seus respectivos Estados, seja por razões econômicas, ou geradas por uma guerra civil ou ainda baseadas em perseguições por motivos de raça ou religião em direção a outro lugar onde possam obter proteção.

O que falar da expulsão de estrangeiros?

A Lei de imigração garante que o estrangeiro não deve ser deportado ou repatriado se correr risco de morrer ou de sofrer ameaças à sua integridade pessoal ao retorna ao país de origem.

Tem-se a expulsão: 

EXPULSÃO (art. 54) consiste em medida administrativa de retirada compulsória de migrante/visitante do território nacional, com impedimento de reingresso, na hipótese de condenação judicial transitada em julgado relativa à prática de: I – crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra ou crime de agressão; ou II – crime comum doloso passível de pena privativa de liberdade.

Não se procederá à repatriação, à deportação ou à expulsão de nenhum indivíduo quando subsistirem razões para acreditar que a medida poderá colocar em risco a vida ou a integridade pessoal.

O artigo 50, em seus parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º, institui prazo de 60 dias (renováveis por igual período) para a deportação, retirando da  PF o poder de deportação sumária. 

O artigo 51, caput e parágrafo 1º, abre espaço para a Defensoria Pública da União poder exercer a devida defesa do estrangeiro. 

A expulsão é medida repressiva por meio da qual um Estado retira de seu território o estrangeiro que, de alguma maneira, ofendeu e violou as regras de conduta ou as leis locais, praticando atos contrários a segurança e a tranquilidade do país. Fundamenta-se tal medida no interesse que se tem de preservar a segurança e a ordem pública e social do Estado expulsor, visando garantir a sua conservação. A medida é endereçada àqueles que, de qualquer forma, atentarem contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranquilidade ou moralidade pública e ainda a economia popular.

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A expulsão não é pena no sentido criminal. É medida político-administrativa sem intervenção, a priori, do Poder Judiciário no que tange ao mérito da decisão. Por ser uma medida administrativa discricionária pode ser objeto de impugnação se ela se der fora do limite dos motivos e objeto. Na medida em que arbitrário pode ser contestado em juízo.

O Brasil assim procede a ordem de expulsão se julgar conveniente e oportuno aos interesses nacionais tal decisão.

Não se descarta a possibilidade de habeas corpus para combater atos que violem os limites dos direitos humanos.

Expulso o estrangeiro não poderá voltar ao solo brasileiro, por força do artigo 338 do Código Penal.

As missões diplomáticas destinam-se a assegurar a manutenção de boas relações entre o Brasil e os Estados em que se acham sediados, bem como a proteger os direitos e os interesses do Brasil e dos brasileiros, como se lê da Lei 3.917, de 14 de julho de 1961.

A missão diplomática é integrada pelo Chefe da Missão (embaixador ou ministro), além de pessoal diplomático, administrativo e técnico e o pessoal de serviço.

Em 1961, foi assinada a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, que veio a codificar toa a matéria. A ênfase da Convenção é sobre a missão diplomática, relegando o chefe da missão a segundo plano.

Segundo a terminologia adotada a expressão agente diplomático abrange o chefe da missão ou um membro do pessoal diplomático da missão. No passado, sob o manto do Regulamento de Viena de 1815 tal expressão era reservada apenas ao chefe da missão.

Na escolha e nomeação dos agentes diplomáticos, cada Estado determina as qualidades e condições de idoneidade que devem possuir os seus agentes no exterior, bem como o modo de sua designação. É certo que, em muitos países, o pessoal diplomático constitui um corpo de funcionários de carreira.

Em geral, os agentes diplomáticos são nacionais do país que os nomeia, mas nada impede que pertençam a outra nacionalidade. Entretanto, a prática internacional desaconselha a escolha de um nacional do Estado junto a cujo governo o nomeado deve servir. Isso porque haveria uma dificuldade de conciliar os deveres do agente em relação aos dois Estados(o que escolhe e aquele da qual é nacional e onde vai servir).

Recomenda a prática do Direito Internacional Público que antes de efetuada a nomeação, o governo que resolve acreditar um agente diplomático junto a outro governo deve solicitar deste a aceitação a esse outro governo, ou, antes, deve informar-se confidencialmente junto a esse outro governo, sobre se tal pessoa será bem recebida como representante diplomático. Assim é bom saber se a mesma será persona non grata. A essa consulta, designa-se o nome de pedido de agrément  ou de agréation.

Partindo para o posto deverá o agente diplomático ter, além de outros documentos, um que o identifica e outro que o acredita. O primeiro é o passaporte diplomático e o segundo é a credencial.

O agente diplomático tem deveres que podem ser assim resumidos:  de representação, de observação e de proteção.

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, confirmou liminar deferida e que autoriza a permanência de diplomatas venezuelanos no Brasil enquanto durar o estado de calamidade pública e emergência sanitária reconhecido pelo Congresso Nacional. O mérito do Habeas Corpus (HC 184828) ainda será julgado, sem previsão de data.

No começo de maio de 2020, o ministro havia suspendido a expulsão por dez dias, até que o governo apresentasse informações sobre a urgência da retirada dos venezuelanos. A nova decisão foi tomada após análise das informações apresentadas por Ministério das Relações Exteriores, Advocacia-Geral da União e parecer da Procuradoria-Geral da República.

O ministro ressaltou na decisão que é válida a decisão do Presidente da República que determinou a expulsão por estar na sua esfera de discricionariedade política. Segundo Barroso, não se discute se o Presidente da República poderia ou não determinar a expulsão porque cabe a ele, Presidente, decidir sobre relações internacionais e reconhecimento (acreditação) dos diplomatas que representam os países estrangeiros.

Barroso entendeu, porém, que os efeitos da decisão que ordenou a retirada imediata devem ser suspensos enquanto durar a situação de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional. Isso porque não se trata de providência de urgência ou emergência que justifique romper o isolamento social recomendado pela OMS e todas as entidades médicas, expondo os diplomatas venezuelanos a uma longa viagem por terra, cruzando estados brasileiros em que a curva da doença é ascendente e os hospitais estão lotados.

“Diante do exposto, ratifico a medida liminar deferida para, sem interferir com a validade da decisão político-administrativa do Presidente da República, suspender temporariamente sua eficácia, assegurando que os pacientes permaneçam em território nacional enquanto durar o estado de calamidade pública e emergência sanitária reconhecido pelo Congresso Nacional.”

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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