A CLONAGEM DE CARTÕES VISANDO FRAUDE DO BENEFÍCIO DE AUXÍLIO EMERGENCIAL E A TRANSFERÊNCIA FRAUDULENTA DE VALORES DE CONTA-CORRENTE

14/06/2020 às 09:58
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE O CRIME DE CLONAGEM DE CARTÕES ENVOLVENDO O RECEBIMENTO DO BENEFÍCIO DO AUXÍLIO EMERGENCIAL.

A CLONAGEM DE CARTÕES VISANDO FRAUDE DO BENEFÍCIO DE AUXÍLIO EMERGENCIAL E A TRANSFERÊNCIA FRAUDULENTA DE VALORES DE CONTA-CORRENTE

Rogério Tadeu Romano

I – O FATO

Segundo o Diário de Pernambuco, em 21 de maio de 2020, cresce a preocupação com relação a clonagem de cartão para recebimento do benefício de auxilio emergencial.

Ali se disse:

“A Polícia Federal alerta para um novo golpe de clonagem do cartão do Bolsa Família. A fraude ocorre nos terminais eletrônicos com o objetivo de sacar os valores correspondentes ao auxílio emergencial que varia entre R$ 600 e R$ 1.200 reais. Na terça-feira (19) a Polícia Federal em Vila Velha, no Estado do Espírito Santo, prendeu duas pessoas com 238 cartões clonados do Bolsa Família e conseguiu recuperar cerca de R$ 26 mil do auxilio emergencial roubado. Devido a esta descoberta, a PF orienta para que todos os beneficiários tomem alguns cuidados para evitar cair no golpe. 

Os suspeitos instalam dispositivos maliciosos e câmeras nas máquinas de autoatendimento das agências da Caixa Econômica Federal e conseguem captar os dados dos cartões. Segundo a PF, os suspeitos sobrepõem através de fita adesiva dupla face, um falso mecanismo de entrada do cartão magnético para copiar a trilha do cartão, aliado a uma microcâmara que fica perto do teclado para filmar a digitação da senha. Os dispositivos possuem um mecanismo eletrônico que é capaz de gravar as trilhas do cartão e filmar a senha que está sendo digitada. 

Após um tempo, os criminosos voltam ao banco e retiram os equipamentos que foram colocados e depois confeccionam cartões falsos do Bolsa Família com as trilhas capturadas e de posse das senhas realizam saques em dinheiro do auxílio emergencial, causando prejuízo financeiro aos beneficiários que tanto necessitam desse dinheiro durante a pandemia do coronavírus. Esses estelionatários geralmente usam as chamadas “frentes falsas”, onde toda a parte frontal do terminal eletrônico é sobreposto ao original para simular a frente de um caixa verdadeiro. 

Um notebook é instalado por trás do equipamento com um mecanismo interligado tanto no local de introdução do cartão magnético quanto no dispositivo do teclado aliado a um programa que simula todas as principais operações bancárias, porém nunca consegue finalizar a transação, aparecendo sempre uma mensagem de erro. A intenção dos bandidos é copiar e enviar via internet (este dispositivo possui um chip com modem que envia através da web todas as informações para o bandido) a trilha do cartão do bolsa família como também a digitação da senha nas teclas alfa numérica.”.

II – A CLONAGEM DE CARTÕES  

O agente se vale de fraude – clonagem de cartão – para retirar indevidamente valores pertencentes ao titular da conta bancária. A fraude é usada para burlar o sistema de proteção e de vigilância do banco sobre os valores mantidos sob sua guarda, crime este que configura o delito de furto qualificado. Há, na hipótese, um furto mediante fraude.

Observe-se que embora esteja presente tanto no crime de estelionato, quanto no de furto qualificado, a fraude atua de maneira diversa em cada qual. No primeiro caso, é utilizada para induzir a vítima ao erro, de modo que ela própria entrega seu patrimônio ao agente. Por seu turno, no furto, a fraude visa a burlar a vigilância da vítima, que, em razão dela, não percebe que a coisa lhe está sendo subtraída.

Na hipótese de transações bancárias fraudulentas, onde o agente se valeu de meios eletrônicos para efetivá-las, o cliente titular da conta lesada não é induzido a entregar os valores do criminoso, por qualquer artificio fraudulento. Na realidade, o dinheiro sai de sua conta sem qualquer ato de vontade ou consentimento. A fraude é utilizada para burlar a vigilância do banco, razão pela qual se tipifica o crime em furto mediante fraude.

Ensinou José Henrique Pierangelli(Manual de Direito Penal Brasileiro. V. 2. Parte Especial. 2° Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007) que “Subtrair, como já observado, tem no vernáculo o sentido de tirar, surripiar, trazer para seu poder uma coisa alheia. Por conseguinte, o fato material no delito de furto não está constituído apenas pela mera apreensão da coisa, posto que há necessidade de que ocorra a efetiva subtração em face da custódia alheia e que o poder sobre a coisa seja exercido, sem maiores atropelos, por um tempo mais ou menos duradouro. Observamos que, se não houver subtração, mas entrega da coisa não haverá furto, mas outro delito. E mais, se a entrega se realiza, como decorrência de uma conduta fraudulenta do agente, haverá estelionato, e não furto. Aqui se estabelece uma clara distinção entre o furto com fraude e o estelionato, entrega voluntária, ainda que esteja viciada pelo engodo.”

Na matéria tem-se da jurisprudência do STJ:

 Tem-se do AgRg no AREsp 1172397 / RN, AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2017/0245871-7, em que foi Relator o Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 19 de fevereiro de 2018:

AGRAVO  REGIMENTAL  NO  AGRAVO  EM  RECURSO ESPECIAL. FURTO MEDIANTE

FRAUDE.  DESCLASSIFICAÇÃO  PARA O DELITO DE ESTELIONATO. NECESSIDADE

DE EXAME APROFUNDADO DE PROVA. SUM. N. 7/STJ.

I  -  Concluindo  as instâncias ordinárias, soberanas na análise das

circunstâncias  fáticas  da  causa,  que  o agravante praticou furto

mediante  fraude,  chegar a entendimento diverso, desclassificando a

conduta   para  estelionato  implica  no  revolvimento  do  contexto

fático-probatório,  inviável  em sede de recurso especial, a teor da

Súmula n. 7/STJ.

II  -  "Mostra-se  devida  a condenação do recorrente pelo delito de

furto, e não pelo de estelionato, quando verificado que o acusado se

valeu  de  fraude  -  clonagem de cartões - para burlar o sistema de

proteção   e   vigilância  do  Banco,  com  o  objetivo  de  retirar

indevidamente   valores   pertencentes   aos  titulares  das  contas

bancárias."

(RHC  21.412/SP,  Rel.  Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA,

julgado em 06/05/2014, DJe 29/09/2014) III - Agravo regimental a que

se nega provimento.

Da mesma maneira, se tem no RHC 21412 / SP, Relator Ministro Rogério Schietti Cruz, SEXTA TURMA, DJe 29/09/2014, quando se disse:

“Mostra-se devida a condenação do recorrente pelo delito de furto,

e não pelo de estelionato, quando verificado que o acusado se valeu

de fraude - clonagem de cartões - para burlar o sistema de proteção

e vigilância do Banco, com o objetivo de retirar indevidamente

valores pertencentes aos titulares das contas bancárias.”

No REsp 1412971 / PE, Relatora Laurita Vaz, DJe 25/11/2013, foi dito:

“1. O furto mediante fraude não se confunde com o estelionato. A

distinção se faz primordialmente com a análise do elemento comum da

fraude que, no furto, é utilizada pelo agente com o fim de burlar a

vigilância da vítima que, desatenta, tem seu bem subtraído, sem que

se aperceba; no estelionato, a fraude é usada como meio de obter o

consentimento da vítima que, iludida, entrega voluntariamente o bem

ao agente.

2. Hipótese em que o Acusado se utilizou de equipamento coletor de

dados, popularmente conhecido como "chupa-cabra", para copiar os

dados bancários relativos aos cartões que fossem inseridos no caixa

eletrônico bancário. De posse dos dados obtidos, foi emitido cartão

falsificado, posteriormente utilizado para a realização de saques

fraudulentos.

3. No caso, o agente se valeu de fraude - clonagem do cartão - para

retirar indevidamente valores pertencentes ao titular da conta

bancária, o que ocorreu, por certo, sem o consentimento da vítima, o

Banco. A fraude, de fato, foi usada para burlar o sistema de

proteção e de vigilância do Banco sobre os valores mantidos sob sua

guarda, configurando o delito de furto qualificado.”

De outra parte, tem-se o que foi julgado no CC 101900 / RS, Relator ministro Jorge Mussi, DJe de 6 de setembro de 2010, onde se disse:

1. A obtenção de vantagem ilícita através da compra em

estabelecimentos comerciais utilizando-se de cartões de crédito

clonados configura, a princípio, o delito de estelionato, o qual se

consuma no momento de realização das operações.

2. O fato de os cartões falsos utilizados terem sido fabricados em

outro estado da federação não se mostra importante para a

investigação do crime em comento.

3. Comprovada a prática de estelionato, fixa-se a competência pelo

local em que se obteve a vantagem patrimonial em detrimento alheio.

4. Conflito conhecido para declarar competente o JUÍZO DE DIREITO DA

VARA DE INQUÉRITOS POLICIAIS DE CURITIBA - PR, o suscitado.

Trago à discussão a decisão do STJ em que foi Relatora a ministra Laurita Vaz:

Assim, tem-se que, no furto mediante fraude, esta é utilizada pelo agente com o fim de burlar a vigilância da vítima que, desatenta, tem seu bem subtraído, sem que se aperceba; no estelionato, a fraude é usada como meio de obter o consentimento da vítima que, iludida, entrega voluntariamente o bem ao agente. Na hipótese em tela, o agente se valeu de fraude – clonagem do cartão –para retirar indevidamente valores pertencentes ao titular da conta bancária, o que ocorreu, por certo, sem o consentimento da vítima, o Banco. A fraude, de fato, foi usada para burlar o sistema de proteção e de vigilância do Banco sobre os valores mantidos sob sua guarda. Note-se que, em nenhum momento, houve a participação de funcionários do Banco no episódio. Assim, não houve sequer a possibilidade de induzimento de"alguém em erro", como exige o tipo penal do estelionato, que não prescinde do vínculo psicológico, e muito menos da efetiva entrega do bem com vício de consentimento. Houve, sim, a indevida transferência da titularidade – subtração – do numerário da conta bancária – coisa alheia móvel –, com a sub-reptícia quebra da vigilância eletrônica do sistema informatizado de dados – fraude –, delito que somente foi detectado pelo Banco-vítima depois de o titular da conta queixar-se. Assim, mostra-se acertado o enquadramento jurídico do fato realizado pelas instâncias ordinárias, que proferiram decisão condenatória com lastro no art. 155, § 4.º, inciso II, do Código Penal, não sendo necessário, nesse ponto, qualquer reparo.(STJ - REsp: 1412971 PE 2013/0046975-4, rel. Min. Laurita Vaz, 5ªTruma, j. 07.11.2013).

Observo o artigo publicado por Eduardo Luiz Santos Cabette, com título: “Furto mediante fraude e estelionato no uso de cartões de crédito e/ou débito subtraídos ou clonados: tipificação penal, competência e atribuição de polícia judiciária”, defende que a prática comum de fraude com uso de cartões clonados tem subsunção legal perfeita no crime de furto qualificado mediante fraude. O autor defende sua posição com os seguintes fundamentos (grifo nosso):Em relação à infração penal a ser tipificada nesses casos de fraudes com cartões de crédito e/ou débito subtraídos ou clonados a tipificação que tem sido considerada mais correta pela doutrina e jurisprudência é a de furto mediante fraude (artigo 155, §2º, II, CP) e não de estelionato (artigo 171, CP). Isso porque o que distingue essas infrações é a participação da vítima na concessão do patrimônio ao fraudador, o que não ocorre nesses casos, já que o autor do ilícito atua à revelia da vítima que, geralmente, vem as saber da lesão patrimonial sofrida somente depois de algum tempo. Portanto, na verdade, o que ocorre é uma fraude para possibilitar uma subtração por parte do agente e não uma fraude para fazer com que a vítima entregue seu patrimônio, fato que configura o furto mediante fraude e descarta a tipificação de estelionato. [...] Observe-se que se o cartão é clonado, a vítima de nada sabe e em nada contribui. Depois o agente, por sua própria conta perpetra a compra, empréstimo ou retirada de dinheiro, de modo que o lesado em nada contribui. O mesmo ocorre quando o cartão é subtraído e usado posteriormente.”

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Os autores que defendem que seja furto qualificado mediante fraude, ressaltam que no caso em tela não ocorre o induzimento de alguém em erro (elementar do estelionato), não sendo assim possível caracterização dessa tipificação. Como não há participação de funcionários do banco no episódio, não há como se falar em estelionato, e sim em furto qualificado mediante fraude, sendo essa a orientação esposada pelo STJ, como guardião da lei federal.

III  – O FURTO QUALIFICADO

Configura o crime de furto qualificado a subtração de valores da conta corrente, mediante transferência bancária fraudulenta, sem o consentimento do correntista(CC 86.241/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJU de 20 de agosto de 2007).

O delito de furto mediante fraude, previsto no art. 155, § 4º, inciso II, doCP, consistente na subtração de valores de conta-corrente mediante fraude utilizada para ludibriar o sistema informatizado de proteção de valores mantidos sob guarda bancária, deve ser processado perante o Juízo do local da conta fraudada.

Em relação à infração penal a ser tipificada nesses casos de fraudes com cartões de crédito e/ou débito subtraídos ou clonados a tipificação que tem sido considerada mais correta pela doutrina e jurisprudência é a de furto mediante fraude (artigo 155, § 2º., II, CP) e não de estelionato (artigo 171, CP). Isso porque o que distingue essas infrações é a participação da vítima na concessão do patrimônio ao fraudador, o que não ocorre nesses casos, já que o autor do ilícito atua à revelia da vítima que, geralmente, vem as saber da lesão patrimonial sofrida somente depois de algum tempo. Portanto, na verdade, o que ocorre é uma fraude para possibilitar uma subtração por parte do agente e não uma fraude para fazer com que a vítima entregue seu patrimônio, fato que configura o furto mediante fraude e descarta a tipificação de estelionato.

Neste sentido, manifestaram-se Fabbrini Mirabete e Renato N.( Manual de Direito Penal. Volume II. 28ª. Ed. São Paulo: Atlas, 2011., expondo as orientações jurisprudenciais sobre a temática:

“Distingue-se o furto mediante fraude, em que o engodo possibilita a subtração, do estelionato, em que o agente obtém a posse da coisa que lhe é transferida pela vítima por ter sido induzida a erro. Na jurisprudência, apontam-se as seguintes diferenças: no primeiro há tirada contra a vontade da vítima; no segundo, a entrega é procedida livremente; no primeiro, há discordância da vítima; no segundo, o consentimento; no furto, há amortecimento da vigilância; no estelionato, engodo; naquele, o engano é concomitante com a subtração; neste, é antecedente à entrega; a conduta do furto é de tirar, no estelionato é enganar para que a vítima entregue a coisa”. [1]

Este tem sido o entendimento esposado pelo STJ e pelo STF (v. G. STJ, HC 61.512/;RJ, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª. Turma, DJ 05.02.2007, p. 284; STJ, HC 60.026/SC, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª. Turma, DJ 09.10.2006, p. 331; STJ, HC 54.544/SC, rel. Min. Gilson Dipp, 5a. Turma, DJ 01.08.2006, p. 490; STF, HC 88.905/GO, rel. Min. Gilmar Mendes, 2a. Turma, DJ 13.10.2006, p. 67).

Para Cezar Roberto Bitencourt(Tratado de direito penal: parte especial. 4. ed. v. 3. São Paulo: Saraiva, 2008, pág.27),  “no furto, a fraude visa desviar a oposição atenta do dono da coisa, ao passo que no estelionato o objetivo é obter seu consentimento, viciado pelo erro, logicamente.” O mesmo autor diz que o dissenso da vítima no furto e a sua aquiescência no estelionato são pontos inconfundíveis nos crimes em questão. Perfilhando tal entendimento, temos Fernando de Almeida Pedroso(apud Bitencourt, Cezar Roberto, op. cit.,p. 28.) que diz que “há unilateralidade do furto majorado pela fraude, pela dissensão da vítima no apoderamento, e há bilateralidade do estelionato, pela aquiescência –embora viciada e tisnada –do lesado.”

Nesse mesmo sentido, Rogério Sanches Cunha(Direito penal: parte especial. v. 3. 3.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, pág. 137) entende que, no furto mediante fraude, a fraude é aplicada no intuito de diminuir a vigilância da vítima sobre a coisa e possibilitar a subtração. A vítima não percebe que está sendo despojada de seu patrimônio. No estelionato, por outro lado, a fraude objetiva fazer com que a vítima, em erro, entregue o seu bem espontaneamente ao agente.

Fernando Capez(Curso de direito penal: parte especial. v. 2. 10.ed. de acordo com as Leis n.12.015 e 12.033 de 2009. 2. tir. São Paulo: Saraiva, 2010,p. 449),  do mesmo modo, esclarece que a fraude que qualifica o furto é o engodo, o ardil empregado pelo agente para diminuir a vigilância da vítima sobre a coisa e realizar a subtração, ao passo que, no estelionato, é a própria vítima que, iludida, entrega voluntariamente o bem ao agente. O referido autor cita o entendimento jurisprudencial a respeito da hipótese em que o indivíduo, a pretexto de comprar um veículo, pede para experimentá-lo e foge com ele, caracterizando o furto mediante fraude, e não o estelionato. Vê-se, portanto, que, há casos em que, mesmo que a vítima entregue voluntariamente o bem ao agente que dele se apodera, o crime será de furto mediante fraude e não de estelionato.

Em seus ensinamentos, Luiz Regis Prado(Curso de direito penal brasileiro: parte especial –arts. 121 a 249. v. 2. 8.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 420-421) vai um pouco além da definição adstrita ao comportamento da vítima, ou seja, à espontaneidade da entrega do bem. Diz o autor que, no furto mediante fraude, há uma subtração clandestina do bem, enquanto no estelionato a vítima entrega voluntariamente o bem ao agente “ou permite que este o use para o fim por ele preconizado.”

Ensinou Damásio de Jesus(Direito penal: parte especial. v2. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.363-364) que no furto, a fraude serviria para iludir a vigilância do ofendido que, em virtude dela, não tem conhecimento de que o bem está saindo da esfera de seu patrimônio e ingressando na disponibilidade do agente; no estelionato, a vítima, por estar em erro, voluntariamente despoja-se de seus bens. Importante frisar que, nesse último caso, a utilização do verbo despojar evidencia, com clareza, que a vítima tem consciência de que seus bens estão saindo de seu patrimônio e passando para a esfera de disponibilidade do autor.

Ensinou Guilherme de Souza Nucci(Código penal comentado, 8ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, pág. 718) que a fraude é uma manobra enganosa destinada a iludir alguém, configurando ainda uma forma de ludibriar a confiança que se estabelece naturalmente nas relações humanas. Assim, o agente que cria uma situação especial, voltada a gerar na vítima um engano, tendo por objeto praticar uma subtração da coisa alheia móvel, incide nessa figura qualificada.

III – A COMPETÊNCIA PARA INSTRUIR E JULGAR O CRIME

É competente para instruir e julgar o crime em foco é o Juízo do local da consumação do delito de furto, ou seja, onde se dá a subtração do bem da vítima.

Assim no crime de furto mediante fraude, a infração consuma-se no local onde ocorre a retirada do bem da esfera de disponibilidade da vítima, no momento em que ocorre o prejuízo que advém da ação criminosa.

O delito em questão consuma-se no local da agência bancária onde o correntista fraudado possui a conta, nos termos do art. 70 do Código de Processo Penal – CPP.

Bem elucidativo o posicionamento externado no CC 86.862/GO, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJU de 3 de setembro de 2007, de que, no caso de fraude eletrônica para subtração de valores, o desapossamento da res furtiva se dá de forma instantânea, já que o dinheiro é imediatamente tirado da esfera de disponibilidade do correntista. Assim a competência para processar e julgar o delito de furto mediante fraude é o do lugar onde o dinheiro foi retirado, em obediência ao artigo 70 do Código de Processo Penal. Veja-se, a propósito, o que foi decidido no CC 126014, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, 14 de fevereiro de 2013.

Esta tem sido a ótica dos tribunais superiores:

“Em se tratando de crime de furto mediante fraude, a competência, como regra geral, será do local onde ocorrer a consumação do delito (art. 70 do PP) (STJ, AgRg. N. CC 110767/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, S3, DJe 17.02.2011)

Não importa que a ação criminosa tenha se operado.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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