Direito Sindical

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20/06/2020 às 17:06
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Breve Análise da Evolução do Movimento Sindical no Brasil

Sabe-se que, tanto a origem, quanto o processo evolutivo do movimento sindical brasileiro, não ocorreram de forma "natural" quando comparado com os países precursores deste movimento no resto do mundo.

No Brasil as primeiras manifestações trabalhistas ocorreram de maneira limitada, sendo esparsas e não possuindo autonomia no campo do Direito. Pode-se atribuir tal fato à tardia extirpação do regime de escravatura do país, que, até então, concentrava a atividade econômica do país num âmbito rural.

No âmbito do Direito Sindical Brasileiro, Cássio Mesquita Barros ensina que:

A história do direito sindical brasileiro tem suas origens nas corporações de ofício, que existiam nas cidades de Olinda, Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro; não eram, contudo, idênticas às medievais e nem tão importantes. Na Bahia, em 1699, são encontradas corporações de oficiais mecânicos aglutinadas por funções idênticas, similares ou por conexão e a dos ourives. Essas corporações, além do caráter administrativo, eram, na verdade confrarias "de caráter religioso", nisso distinguindo-se das "bandeiras" portuguesas, aqui inexistentes.[1]

Observa-se, assim, que, no Brasil, assim como na maioria dos países do mundo, o desenvolvimento do associativismo teve início a partir do modelo das corporações de ofício.

Esclareça-se que as corporações de ofício se tratavam de instituições desenvolvidas na Idade Medieval, nas quais havia uma estrutura hierárquica, sendo esta formada pelos mestres (proprietários do estabelecimento - empregadores), aprendizes (menores vinculados ao ofício) e companheiros (auxiliares que prestavam serviços aos mestres após cumprir determinado período como aprendizes - trabalhadores). Vale mencionar que os companheiros possuíam como principal intuito chegar à posição de mestres, sendo que, no entanto, nem todos alcançavam tal objetivo, sendo esse cenário agravado a partir do momento em que se estabeleceu que apenas os filhos de mestres poderiam alcançar tal posição.

Nesta toada, verificava-se evidente contradição de interesses no âmbito das corporações de ofício, tendo em vista que eram privilegiados os interesses dos mestres, fato que gerava forte insatisfação por parte dos companheiros, levando os mesmos a buscar forma diversa de organização para a defesa de seus interesses. Importante ressaltar que as manifestações das corporações de ofício, no Brasil, não foram expressivas em relação a tal movimento no continente europeu.

Ressalte-se que, neste mesmo período, em decorrência da alteração dos modos de produção, especialmente influenciados pela Revolução Industrial, a partir do século XVIII, iniciou-se na Europa um processo de dissipação de ideais liberais, mais especificamente em relação às liberdades individuais. Nesse âmbito, evidenciava-se relação de incompatibilidade entre os ideais das corporações de ofício e os novos princípios liberais mencionados. Tais ideais acabaram por chegar ao Brasil e, inclusive, influenciaram a Constituição Imperial de 1824, culminando na proibição e consequente extinção das corporações de ofício.

Ocorre que, na referida época imperial, não havia no Brasil um cenário passível de impulsionar o desenvolvimento das associações de natureza trabalhista por si só, isso tendo em vista que o país se baseava numa economia essencialmente agrícola e escravocrata, não havendo, outrossim, grande número populacional à época.

Nesse sentido, as poucas corporações que existiam à época, após sua extinção, não foram de imediato substituídas por associações semelhantes, isto é, diferentemente dos países da Europa, o Brasil não teve o movimento sindical alavancado por iniciativa própria dos indivíduos interessados.

Poucas manifestações de cunho ideológico, étnico e social foram evidenciadas como tentativas de coalizão no ambiente profissional na época em questão.

Contudo, é possível constatar que uma das características do início do movimento sindical brasileiro era referente à pluralidade de associações, vez que não havia qualquer regulação legislativa acerca das mesmas pelo Estado.

De acordo com Evaristo de Moraes Filho,

O Sindicato somente ingressou no Direito Constitucional Brasileiro no ano de 1934, com a promulgação da Constituição Federal de 16 de julho. Anteriormente, já três leis haviam sido sancionadas regulando a sindicalização no período republicano. A Constituição de 24 de fevereiro de 1891, num regime pré-capitalista, limitava-se unicamente a proclamar, de modo geral, a garantia do direito da associação e reunião a todos os cidadãos (art.72, §8º). O §3º do mesmo dispositivo regulava as associações religiosas, regulamentado pela Lei n. 173, de 10 de setembro de 1893, que abrangia as associações fundadas para fins religiosos, morais, científicos, artísticos, políticos ou simples recreio.[2]

Utilizava-se o argumento de que, anteriormente à Proclamação da República, o Brasil era um país de economia essencialmente agrícola. Nessa esteira, à época, em oposição a tal argumento, Rui Barbosa defendia a implementação do movimento industrial no país: 

Se o Brasil é um país essencialmente agrícola, por isso mesmo cumpre que seja um país ativamente industrial.[3]

Dessa forma, entende-se que, após a abolição da escravatura em 1888, iniciou-se um processo de urbanização do país, o qual, cumulado com o início do fenômeno imigratório, pode ser considerado como fator determinante que impulsionou o desenvolvimento industrial nacional, e, desse modo, teve como consequência uma mudança brusca na atividade econômica predominante à época.

De acordo com Sérgio Buarque de Holanda:

A partir desse momento (1888), a vida brasileira desloca-se nitidamente de um pólo a outro, com transição para a "urbanocracia", que só de então em diante se impõe completamente.[4]

Nesta época houve fomento por parte do Estado em relação ao desenvolvimento industrial no Brasil, sendo um exemplo de tal fato a edição de novos dispositivos legais que favoreciam o protecionismo alfandegário.

Foi viabilizado neste cenário o surgimento dos primeiros sindicatos, sendo que as primeiras manifestações legislativas sobre o assunto se deram no apenas no início do Século XX.

Diferentemente dos demais países Europeus e dos Estados Unidos da América, o primeiro diploma normativo nacional tratava apenas do sindicalismo no âmbito agrícola, enquanto tais países editaram suas primeiras leis tratando das relações de trabalho no meio urbano/industrial. Tal fato foi apelidado por Cesarino Júnior como "inversão sindical brasileira", abrangendo este conceito, também, o fato de que, na Europa, os trabalhadores lutaram para formar livremente suas associações profissionais e de classe, enquanto, no Brasil, a organização sindical foi inicialmente concebida e estruturada pelo Estado.[5]

Neste contexto, tem-se o artigo 1º do Decreto Legislativo n. 979 de 06 de janeiro de 1903, o qual determinava que:

Art. 1º É facultado aos profissionais da agricultura e industrias ruraes de qualquer genero organizarem entre si syndicatos para o estudo, custeio e defesa dos seus interesses.[6]

É possível aduzir que se tratava mais de uma regulação de natureza econômica do que social ou política da atividade rural.

Em 05 de janeiro de 1907, o Decreto n. 1637 instituiu as sociedades cooperativas, estendendo o direito de se associação a sindicatos para todos os profissionais, inclusive os liberais. Observa-se, desse modo, que tal diploma legal foi muito mais audacioso ao estabelecer norma geral que constituiria base de todo o sistema sindical brasileiro até o momento. De acordo com Evaristo de Moraes Filho, tal dispositivo legal,

Como confessa seu próprio autor, deputado Joaquim Inácio Tosta, sofreu flagrante influência da lei francesa de 1884. Determinava em seu art. 1º: "É facultado aos profissionais de profissões similares ou conexas, inclusive as profissões liberais, organizarem entre si sindicatos, tendo por fim o estudo, a defesa e o desenvolvimento dos interesses gerais da profissão e dos interesses profissionais de seus membros.[7]

De acordo com o artigo 2º deste mesmo dispositivo legal, os sindicatos podiam constituir-se livremente, sem autorização do Estado, mas possuíam alguns requisitos limitadores, tais como o constante no parágrafo 2º desde mesmo artigo, o qual restringia a participação na direção dos sindicatos aos brasileiros natos ou naturalizados, bem como no artigo 7º, que estabelecia disposições que deveriam estar expressas em seus estatutos, sob pena de nulidade.

Desse modo, pode-se afirmar que, num panorama geral, tal lei era liberal, democrática, e respeitava a hoje denominada autonomia sindical, não havendo, outrossim, limitação quanto ao número de sindicatos existentes em cada profissão.

Entretanto, a despeito da boa qualidade do Decreto n. 1637, tanto o Estado, quanto a sociedade brasileira, não estavam preparados para a aplicação do mesmo no plano fático, isso devido à ausência de amadurecimento em relação à evolução do movimento sindical no país, que, até então, havia se dado de maneira pouco expressiva.

De acordo com Joaquim Inácio Tosta, um dos produtores do mencionado dispositivo legal:

O Estado deve limitar-se a estabelecer os moldes dentro dos quais as associações profissionais deverão organizar-se, a fim de obterem a personalidade civil e as garantias legais; não deve absolutamente cercear o espírito de associação, porque ele é que há de vivificar e fortalecer as classes sociais pela solidariedade dos interesses comuns, e regenerá-las em nosso país, como tem sucedido nas sociedades adiantadas da velha Europa. (...) O projeto é vazado todo nos moldes os mais amplos e com a maior largueza de vistas liberais; satisfaz, portanto, a todos os interesses, a todas as opiniões políticas.[8]

Nesta toada, pode-se entender que ambos os Decretos Legislativos n.979 de 1903 e n.1637 de 1907 marcaram a primeira fase do movimento sindical no Brasil, sendo que, contudo, tais disposições encontravam-se em nível ordinário, não havendo ainda disposição constitucional sobre o tema.

Vale mencionar que, neste período, fora do âmbito normativo, desde 1890, desenvolvia-se, predominantemente em São Paulo, a política do anarcossindicalismo, trazida pelos imigrantes italianos, e que, por certo período, foi amplamente divulgada no Brasil.

No entanto, tal movimento, mesmo tendo inspirado inúmeros movimentos sindicais de greve em 1919, perdeu expressão em 1920, desaparecendo posteriormente, não chegando a atingir sua finalidade de unificar o movimento operário, tendo, inclusive, dado início a uma tendência anti-sindical no país.[9]

Ressalte-se que apenas com a Reforma Constitucional de 1926 passou a constar na Constituição brasileira, pela primeira vez, referência à legislação do trabalho, alcançando tal matéria, portanto, status constitucional.

A Emenda Constitucional n. 22 de 03 de setembro de 1926 fez por bem alterar a redação do artigo 34, n. 28 da Constituição de 1891, a fim de fazer constar que "compete privativamente ao Congresso Nacional: legislar sobre o trabalho."[10]

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Entende-se que a referida emenda se preocupou em estabelecer disposições legais sobre o trabalho, tendo em vista o processo de desenvolvimento do país, fazendo constar pela primeira vez em nível constitucional disposições sobre a organização do trabalho.

Diante da crise de 1929 e a problemática do café brasileiro, foi vitoriosa Revolução de 1930 e a consequente ascensão política de Getúlio Vargas, sendo que, diante do contexto apresentado de crise econômica, de inúmeras greves e diminuição da produção, o Estado optou por adotar ideologias de cunho mais intervencionista, bem como por aquelas que defendiam a imposição de um governo mais forte.

Nesta esteira, foi editado o Decreto n. 19.443 de 26 de novembro de 1930, que instituiu o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, justamente seguindo tal linha de pensamento, tendo como principal função administrar e, em última análise, controlar a questão social e a organização das classes, utilizando como subterfúgio a função de amparar os trabalhadores brasileiros.

Desse modo, foi editada em 19 de março de 1931, por meio do Decreto n. 19.770, a denominada Lei dos Sindicatos, a qual possuía cunho evidentemente intervencionista, e, desse modo, cuidou de regular a sindicalização das classes patronais e operarias. Nesse sentido, Evaristo de Moraes Filho afirma que:

Procurou-se fazer uma lei prática, eficaz, de imediato cumprimento, sem objetivos políticos longínquos. Permaneceu-se no campo dos interesses profissionais próximos, sem outras finalidades remotas.[11]

Observe-se o texto literal dos artigos 1º e 2º do mencionado dispositivo legal:

Art. 1º Terão os seus direitos e deveres regulados pelo presente decreto, podendo defender, perante o Governo da República e por intermédio do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, os seus interesses de ordem econômica, jurídica, higiênica e cultural, todas as classes patronais e operárias, que, no território nacional, exercerem profissões idênticas, similares ou conexas, e que se organizarern em sindicados, independentes entre si, mas subordinada a sua constituição às seguintes condições:

a) reunião de, pelo menos, 30 associados de ambos os sexos, maiores de 18 anos;

b) maioria, na totalidade dos associados, de dois terços, no mínimo, dos brasileiros natos ou naturalizados;

c) exercício dos cargos de administração e de representação, confiado à maioria de brasileiros natos ou naturalizados com 10 anos, no mínimo, de residência no país, só podendo ser admitidos estrangeiros em número nunca superior a um terço e com residência efetiva no Brasil de, pelo menos, 20 anos;

d) mandato anual em tais cargos, sem direito à reeleição;

e) gratuidade absoluta dos serviços de administração não podendo os diretores, como os representantes dos sindicatos, das federações e das confederações, acumular os seus cargos com os que forem remunerados por qualquer associação de classe;

f) abstenção, no seio das organizações sindicais, de toda e qualquer propaganda de ideologias sectárias, de caráter social, político ou religioso, bem como de candidaturas a cargos eletivos, estranhos à natureza e finalidade das associações.

Art. 2º Constituídos os sindicatos de acordo com o artigo1º, exige-se ainda, para serem reconhecidos pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, e que adquirirem, assim, personalidade jurídica, tenham aprovados pelo Ministério os seus estatutos, acompanhados de cópia autêntica da ata de instalação e de uma relação do número de sócios com os respectivos nomes, profissão, idade, estado civil, nacionalidade, residência e lugares ou empresas onde exercerem a sua atividade profissional.

§ 1º Dos estatutos devem expressamente constar: os fins da associação; o processo de escolha, as atribuições e os motivos de perda de mandato dos seus diretores; os direitos e deveres dos sócios, a forma de constituição e administração do patrimônio social; o destino que se deve dar a este, quando, por exclusiva deliberação dos sócios, se dissolver a associação; as condições em que esta se extinguirá, além de outras normas de fundamento.

§ 2º As alterações introduzidas nos estatutos não vigorarão enquanto não forem aprovadas pelo ministro do Trabalho, Indústria e Comércio.[12]

Analisando-se os dispositivos em questão, infere-se que as condições elencadas pelo legislador evidenciam o caráter intervencionista e o início do controle estatal sob as atividades sindicais.

Vale ressaltar que, embora a Lei dos Sindicatos determinasse em seu artigo 9º a adoção do regime de unicidade sindical, era possível a agregação das classes interessadas em mais de uma modalidade conforme o art. 3º do mesmo dispositivo legal. Vejamos:

Art. 9º Cindida uma classe e associada em dois ou mais sindicatos, será reconhecido o que reunir dois terços da mesma classe, e, se isto não se verificar, o que reunir maior número de associados.

Parágrafo único. Ante a hipótese de preexistirem uma ou mais associações de uma só classe e pretenderem adotar a forma sindical, nos termos deste decreto, far-se-á o reconhecimento, de acordo com a fórmula estabelecida neste artigo.

Art. 3º Poderão os sindicatos, em número nunca inferior a três, formar no Distrito Federal em cada Estado, e no Território do Acre, uma federação regional, com sede nas capitais, e, quando se organizarem, pelo menos, cinco federações regionais, poderão elas formar uma confederação, com sede na capital da República. Denominar-se-á - Confederação Brasileira do Trabalho - a que se constituir por federações operárias e - Confederação Nacional da Indústria e Comércio - a que se constituir por federações patronais.[13]

Entende-se que, de maneira geral, o critério adotado para determinar a unicidade de representação era o de divisão por profissões idênticas, similares ou conexas, sendo, portanto, estabelecida por profissão, indústria ou empresa.

Neste diapasão, Waldyr Niemeyer afirma que nesse cenário desenvolveram-se três espécies de sindicatos, quais sejam os por empresa, indústria e por profissão/ofício.[14]

Em suma, podia se afirmar que o modelo sindical estabelecido por meio do Decreto n. 19.770 possuía as seguintes características predominantes: 

  • a sindicalização era facultativa; 
  • o sindicato foi colocado sob o manto estatal, passando a atuar como seu colaborador, e, portanto, limitando sobremaneira sua autonomia; 
  • o sistema adotado era o da unicidade sindical; 
  • era permitido, contudo, a formação de forma horizontal de confederações gerais, tanto de empregados, quanto de empregadores.[15]

Após a celeuma estabelecida por meio do governo discricionário de Vargas, em 16 de julho de 1934, foi promulgada a segunda constituição republicana do país, trazendo esperanças de uma fase social-democrata para os sindicatos, especialmente devido à implementação de disposição legal completamente oposta ao que até a data havia sido determinado por lei, isto é, em seu art. 120, parágrafo único, determinou a adoção do sistema de pluralidade sindical. Vejamos a redação original do mencionado artigo:

Art 120. Os syndicatos e as associacções profissionaes serão reconhecidos de conformidade com a lei.

Paragrapho unico. A lei assegurará a pluralidade syndical e a completa autonomia dos syndicatos.[16]

Oportuno destacar que tal alteração radical (do regime de unicidade para o de pluralidade sindical) já havia sido antecipada através do Decreto 24.694 de 12 de julho de 1934, o qual em seus artigos 1º e 5º, n. II, admitiam a pluralidade sindical. Vejamos:

Art. 1º Ficam, pelo presente decreto, instituidos os sindicatos como tipos específicos de organização das profissões que, no território nacional, tiverem por objeto a atividade lícita, com fins econômicos, de qualquer função ou mistér.

Art. 5º Para o efeito da sua constituição e reconhecimento, os sindicatos, deverão satisfazer os seguintes requisitos:

II - Quanto aos empregados:

a) reunião de associados, de um e outro sexo e maiores de 14 a nos, que representam, no mínimo, um têrço dos empregados que exerçam a mesma profissão na respectiva localidade, identificados nos têrmos do art. 38;[17]

Nesse sentido, extrai-se dos mencionados artigos que somente poderiam existir no máximo três sindicatos por profissão, sendo que, na realidade fática, apenas seriam constituídos dois sindicatos por profissão, tendo em vista a exigência mínima de um terço para cada sindicato.

Num âmbito geral, o Decreto 24.694 mostrava-se menos intervencionista e conferia mais liberdade de associação em relação ao Decreto 19.770.

Entretanto, a vigência do pluralismo sindical não demorou a acabar, tendo em vista que em 10 de novembro de 1937 foi revogada a Constituição Federal de 1934, sendo outorgada a Constituição de 1937 por Getúlio Vargas. Tal fato se dera numa época em que os governos totalitários alcançavam seu auge por todo o mundo.

Por óbvio que os ideais democráticos foram fulminados em face das disposições da Carta de 1937, a qual institui um Estado corporativo e autoritário, causando tamanho impacto na sociedade e na legislação brasileira, de modo que é possível observar resquícios de tal modelo de Estado até os dias atuais, como se observa por determinados dispositivos legais ainda vigentes que constituem a base do sistema sindical brasileiro.

Nesta conjuntura, vale destacar que o art. 138 da mencionada Constituição de 1937 corresponde quase que integralmente ao disposto na Declaração III da Carta del Lavoro italiana, instituída na vigência de um regime fascista, apenas se diferenciando em alguns pontos. Vejamos:

Art 138 - A associação profissional ou sindical é livre. Somente, porém, o sindicato regularmente reconhecido pelo Estado tem o direito de representação legal dos que participarem da categoria de produção para que foi constituído, e de defender-lhes os direitos perante o Estado e as outras associações profissionais, estipular contratos coletivos de trabalho obrigatórios para todos os seus associados, impor-lhes contribuições e exercer em relação a eles funções delegadas de Poder Público.[18]

Declaração III - A organização sindical ou profissional é livre. Mas somente o sindicato legalmente reconhecido e submisso ao controle do estado tem o direito de representar legalmente a categoria dos empregadores ou de trabalhadores para a qual é constituído; de tutelar-lhes, face ao Estado e outras organizações profissionais, os interesses; de estipular contratos coletivos de trabalho obrigatórios para todos os pertencentes da categoria, de impor-lhes contribuições e de exercitar, por conta disto, funções delegadas de interesse público.[19]

A semelhança entre os dispositivos é inequívoca, motivo pelo qual muitos doutrinadores defendem a proposição de que a Constituição de 1937 teria sido inspirada na mencionada Carta del Lavoro italiana.

Na sequência, é possível afirmar que, com a edição do Decreto-lei 1.402 de 05 de julho de 1939, bem como com a posterior edição da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei 5.452 de 01 de maio de 1943), foi realizada uma compilação dos dispositivos acerca de Direito Sindical que, até então, correspondiam a previsões esparsas no ordenamento jurídico brasileiro.

Entretanto, é possível afirmar que, com a edição de tais dispositivos legais, a liberdade sindical, praticamente inexistente na legislação pátria, foi totalmente restringida pelas disposições legais introduzidas no sistema sindical, retirando de maneira completa a autonomia das entidades sindicais.

O Decreto-lei n.1.402/1939 complementou a Constituição de 1937 com dispositivos legais que estabeleceram um controle minucioso dos sindicatos, prevalecendo alguns destes dispositivos em vigência até os dias atuais.

Nesse sentido, pode ser considerado como exemplo de tal fenômeno a instituição do denominado "imposto sindical" pelo Decreto-lei 2.377 de 08 de julho de 1940, estabelecendo sua obrigatoriedade a todos os exercentes de uma determinada categoria profissional ou econômica, independentemente de sua filiação às entidades sindicais, mas revertendo os valores arrecadados em favor destas, sendo, inclusive, destinada determinada cota dos valores ao Poder Público.[20]

Restava evidente o exacerbado intervencionismo estatal na atividade sindical e a ultrajante ofensa ao princípio da liberdade sindical preconizado pela Convenção 87 da OIT.

Nos anos seguintes, com a queda do Estado Novo e a promulgação da Constituição de 18 de setembro de 1946, era esperada e desejada a implantação de um processo de redemocratização do país, buscando, inclusive, reimplantar os ideais representativos da Constituição de 1934 em relação à atividade sindical.

Nesse sentido, foi editado o art. 159 da Constituição de 1946:

Art 159 - É livre a associação profissional ou sindical, sendo reguladas por lei a forma de sua constituição, a sua representação legal nas convenções coletivas de trabalho e o exercício de funções delegadas pelo Poder Público.[21]

O mencionado artigo, por não mais estabelecer a obrigatoriedade do denominado imposto sindical, bem como por preconizar o direito à livre associação e deixar sob reserva de lei ordinária as determinações acerca da constituição e organização dos sindicatos, pode ser considerado como um avanço deveras relevante no âmbito da liberdade sindical no que toca ao ordenamento jurídico pátrio.

No entanto, mencionada lei ordinária encarregada de decretar os parâmetros a serem adotados na atividade sindical brasileira até hoje não foi editada, isto é, permanece em vigência a grande maioria dos dispositivos legais editados à época do regime corporativo fascista, sendo que poucas alterações foram realizadas ao longo dos anos.

Nesse sentido, de acordo com Leôncio Martins Rodrigues,

Um dos fatos que chamam a atenção na história do sindicalismo brasileiro é a extraordinária persistência do tipo de sindicato esboçado após a vitória de Vargas e completado durante o Estado Novo. Atribui-se sua criação à influência das doutrinas fascistas então em moda, principalmente à Carta do Trabalho italiana. No entanto, depois de 1945, com a chamada, redemocratização do país o modelo de organização sindical que parecia ter sido uma imposição artificial da ditadura varguista (sob influência fascista) não sofreu alterações que afastassem sua essência.[22]

Vale ressaltar que com a Constituição de 24 de janeiro de 1967 e a Emenda Constitucional n.01 de 17 de outubro de 1969, novamente insurgiu-se o Estado Autoritário, retomando os ideais da Carta de 1937 e mais uma vez atacando a Liberdade Sindical em nosso Ordenamento Jurídico.

Pode-se mencionar que, tanto o artigo 159 da Constituição de 1967, bem como o artigo 166 da Emenda n. 01 de 1969 restabeleceram o caráter compulsório da contribuição sindical, inicialmente denominado "imposto sindical", sem, contudo, tratar do sistema de unicidade sindical, deixando tal matéria sob reserva de lei ordinária.

Art 159 - É livre a associação profissional ou sindical; a sua constituição, a representação legal nas convenções coletivas de trabalho e o exercício de funções delegadas de Poder Público serão regulados em lei.

§ 1º - Entre as funções delegadas a que se refere este artigo, compreende-se a de arrecadar, na forma da lei, contribuições para o custeio da atividade dos órgãos sindicais e profissionais e para a execução de programas de interesse das categorias por eles representadas.[23]

Art. 166. É livre a associação profissional ou sindical; a sua constituição, a representação legal nas convenções coletivas de trabalho e o exercício de funções delegadas de poder público serão regulados em lei.

§ 1º Entre as funções delegadas a que se refere êste artigo, compreende-se a de arrecadar, na forma da lei, contribuições para custeio da atividade dos órgãos sindicais e profissionais e para a execução de programas de interêsse das categorias por êles representadas.[24]

Desse modo, foi restabelecida a estrutura vertical preconizada pela Carta de 1937, suprimindo novamente a liberdade sindical do ordenamento jurídico pátrio.

Por anos perdurou tal situação, sendo o fim do regime autoritário marcado pela promulgação da Constituição Federal de 1988, denominada pela doutrina como "Constituição Cidadã", tendo em vista que deu início a um processo de redemocratização do país, introduzindo no ordenamento pátrio um amplo rol de direitos sociais.

No que toca à matéria sindical, tem-se que a Constituição de 1988 cuidou de tratar do assunto em seu artigo 8º:

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;

II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;

III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;

IV - a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei;

V - ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato;

VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;

VII - o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais;

VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.[25]

Como será analisado no presente estudo, a Constituição Cidadã, a despeito de seu caráter democrático e de prever expressamente algumas das facetas do princípio da liberdade sindical nos incisos I e V do artigo supracitado, pecou no que se refere aos incisos II e IV.

O disposto no inciso II constitui imposição estatal do sistema de unicidade sindical, assemelhando-se sobremaneira ao que era determinado pela Constituição de 1937, apenas deixando a cargo dos empregadores e trabalhadores a definição da base territorial, mas limitando-a na medida que proíbe a fixação da base em esfera inferior a um Município.

Em relação ao inciso IV, tem-se que evidencia caráter ainda mais intervencionista do que o estabelecido pela Carta de 1937, vez que instituiu dois tipos de contribuição, a confederativa e a fixada por lei, sendo entendida esta última como a contribuição sindical que, até 2017, ainda possuía caráter compulsório.

Ressalte-se que as disposições conferindo caráter compulsório à contribuição sindical apenas constaram das Constituições de 1937, 1967 e da Emenda Constitucional n. 1 de 1969, isto é, durante a vigência de governos autoritários, e, portanto, presença de tal disposição na Constituição Federal de 1988 denota um inequívoco retrocesso.

Tem-se que ao longo dos anos o caráter corporativista de tais contribuições foi de certa forma amenizado, isso por meio da edição de edição da Súmula Vinculante n.40 do STF [26] (que resultou da conversão da Súmula 666 do STF), publicada em 20 de março de 2015, a qual limita a exigibilidade da contribuição confederativa apenas aos filiados do sindicato respectivo, bem como pela extinção do caráter compulsório da contribuição sindical pela Lei 13.467/2017 (vulgarmente denominada Reforma Trabalhista), vez que alterou o artigo 579 [27] da Consolidação das Leis do Trabalho para o fim de fazer constar necessária a autorização prévia e expressa dos indivíduos sindicalizados como requisito para viabilizar o desconto da mencionada contribuição.

Apesar de tais alterações legislativas significarem avanços no que se refere ao princípio da liberdade sindical preconizado pela Convenção n. 87 da OIT, o inciso IV do artigo 8º da Constituição Federal de 1988 não deixa de ser uma afronta ao mencionado princípio em determinados aspectos.

Da mesma forma, no que se refere ao inciso II, do artigo 8º da Constituição Federal de 1988, referente à imposição estatal do sistema de unicidade sindical, tem-se que, a despeito de algumas tentativas frustradas de alteração do mencionado dispositivo, até o presente momento o mesmo permanece inalterado, podendo ser considerado como uma verdadeira manifestação corporativista/fascista no atual regime democrático.

Nesta trilha, considera-se tal fato como intrigante incompatibilidade presente no ordenamento jurídico pátrio atual, tendo em vista que inda vigoram diversos dispositivos de caráter eminentemente corporativista em pleno regime de democracia.[28]

Em que pese a presença das mencionadas incompatibilidades presentes no ordenamento jurídico vigente, observa-se uma crescente tendência favorável à alteração dos mencionados dispositivos legais, isso tendo em vista que se apresentam obsoletos em comparação com a realidade contemporânea do país.

Essa tendência pode ser demonstrada, de maneira mais evidente, pelas alterações trazidas pela Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), tanto pela já mencionada extinção do caráter compulsório da contribuição sindical, quanto pela introdução de determinados dispositivos legais que ampliam sobremaneira o poder de representação das organizações sindicais (sendo considerado, contudo, fator que não garante por si só a efetividade da representação sindical, tendo em vista a crise de representatividade que assola o país no momento).

Ademais, identifica-se a mencionada tendência por meio das recentes tentativas de alteração da legislação sindical, sendo tal fenômeno evidenciado pela edição da PEC 161/2019 e da PEC 171/2019, que, a despeito de não terem sido levadas à apreciação pelo Congresso Nacional, tinham como um de seus principais objetivos a alteração do dispositivo legal que impõe a adoção do sistema de unicidade sindical.

Ressalte-se, finalmente, que se encontra em tramitação a PEC 196/2019, intitulada "PEC da Reforma Sindical", a qual segue a mesma linha das anteriores acima mencionadas.

Diante de todo o exposto, observa-se que de fato a evolução do movimento sindical brasileiro não se deu de forma natural. O desenvolvimento das organizações sindicais no país ocorreu tardiamente, sendo que a evolução de tal movimento foi interrompida na medida em que determinou-se a sindicalização por meio de imposição legal, medida esta adotada numa época de governo autoritário, conferindo um caráter eminentemente corporativista à atuação e constituição dos sindicatos, os quais mostravam-se, e, de certa forma ainda se mostram, atrelados aos interesses e determinações do Estado.

Nesse sentido, entende-se que tal fenômeno, embora pudesse se mostrar como medida necessária à época, e que conferiu maior proteção ao movimento operário quando de sua imposição legal, não mais se mostra adequado frente à realidade social brasileira atual, isso tendo em vista que engessa o desenvolvimento natural do sindicalismo no país, não tendo, outrossim, acompanhado o processo de redemocratização iniciado em 1988, vez que alguns dos dispositivos legais balizadores do Direito Sindical pátrio ainda possuem a mesma redação legal da época em que foram editados, isto é, na vigência de um governo autoritário.

Desse modo, em vista da mencionada discrepância entre os dispositivos legais que tratam do movimento sindical pátrio e as reais necessidades da sociedade atual, um último ponto a ser mencionado é o de que tais incompatibilidades produzem efeitos negativos não apenas no âmbito nacional, mas também no plano internacional, vez que impedem a ratificação da Convenção n. 87 da OIT, porquanto são considerados como afronta ao princípio da liberdade sindical, preconizado pela mencionada convenção.

Dessarte, em face da análise histórica realizada, entende-se que, muito embora o movimento sindical brasileiro seja de fato recente e tenha apresentado certo desenvolvimento nos últimos anos (especialmente no que se refere à aproximações à tão almejada plena liberdade sindical), o sindicalismo no Brasil ainda se mostra demasiado imaturo, podendo ser tal justificado pelo amplo controle estatal que ainda é estabelecido pela legislação vigente em relação à atividade sindical.

Contudo, levando em conta as recentes atividades legislativas visando a alteração do sistema sindical brasileiro vigente, mostra-se cabível manter as esperanças em relação a um processo de amadurecimento do movimento sindical pátrio realizado conforme se espera, isto é, por meio da prática da atividade sindical de forma espontânea pelos nela interessados, e não por imposição do Estado, sendo viável, outrossim, manter as expectativas de uma retomada do processo de redemocratização do país iniciado em 1988.

Sobre a autora
Helen Rodrigues de Souza

Bacharel em Direito, graduada pela PUC - Campinas, Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Ibmec - SP, com participação em módulo internacional sobre Direitos Humanos e Sociais na Universidade Católica Portuguesa de Lisboa, cursando atualmente Pós-graduação latu sensu em Direito Previdenciário. Atualmente atua como advogada nas áreas Trabalhista, Previdenciária, Cível e de Família. OAB/SP 433.385

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Conteúdo originalmente publicado no Trabalho de Conclusão de Curso de Pós-Graduação em Direito e Processo do Trabalho pelo Ibmec-SP (27.04.2020), intitulado: A EFETIVAÇÃO DA PLENA LIBERDADE SINDICAL NO BRASIL E O ÓBICE DO SISTEMA DE UNICIDADE SINDICAL Autoria de Helen Rodrigues de Souza, Advogada e Especialista em Direito e Processo do Trabalho, Cursando Pós-Graduação latu sensu em Direito Previdenciário.

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