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A coisa julgada inconstitucional no Código de Processo Civil

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05/05/2006 às 00:00
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6. Da necessidade de se conferir um novo disciplinamento à ação rescisória:

Sempre que o ordenamento jurídico não oferece os meios aptos à solução de determinada problemática, tem-se como corolário natural a utilização da criatividade pelos operadores do Direito com o escopo de resolvê-la, até que sobrevenha a alteração legislativa desejada.

A ação rescisória, com o seu atual regramento, revelou-se incapaz de dirimir eficazmente a questão aqui analisada. Assim, apesar dos inconvenientes já apontados, resulta digna de elogios a idéia de se buscar na querela nullitatis subsídio para se admitir o uso de vários remédios processuais no afastamento da coisa julgada.

O CPC de 1973, quando do seu advento, sentiu a necessidade de se modificar a ação rescisória, o que se depreende, por exemplo, da ampliação procedida do rol das hipóteses de rescindibilidade previsto no CPC de 1939.

Embora seja algo esposado por uma doutrina minoritária, entendemos que, enquanto não se constrói algo melhor, as hipóteses de cabimento da ação rescisória é que merecem ser revistas, bem como o prazo para a sua propositura. E achamos inviável a idéia de se atribuir ao STF competência privativa para afastar a coisa julgada inconstitucional, como o quer, por exemplo, Leonardo de Faria Beraldo.

O emérito Professor Alexandre Freitas Câmara, no que tange ao caso da coisa julgada inconstitucional, propõe algumas alterações no CPC que vale a pena copiar as suas palavras:

"A meu sentir, deve-se acrescentar um novo inciso ao art. 485 do Código de Processo Civil. Através deste novo dispositivo estabelecer-se-ia que a sentença de mérito transitada em julgado poderia ser rescindida quando ofendesse norma constitucional.

Não bastaria, porém, acrescentar este novo inciso ao art. 485 do CPC, mesmo porque a rigor tal dispositivo, sozinho, em nada inovaria, uma vez que – conforme já se viu – a rescisão da sentença inconstitucional já é possível com base no disposto no inciso V daquele artigo. A criação do novo inciso só se justificaria se este fosse a ‘pedra fundamental’ de um novo regime, que para se completar dependeria de outras regras.

Assim é que, criado o novo inciso a que me referi, seria preciso acrescentar-se, em seguida, um novo parágrafo ao mesmo art. 485 do CPC. Tal parágrafo estabeleceria que ‘a sentença de mérito transitada em julgado que ofende a Constituição só deixa de produzir efeitos após rescindida na forma prevista neste Capítulo, permitida a concessão, pelo relator, de medida liminar que suspenda temporariamente seus efeitos se houver o risco de que sua imediata eficácia gere dano grave, de difícil ou impossível reparação, sendo relevante a fundamentação da demanda rescisória’. Deste modo, a ‘ação rescisória’ passaria a ser o único meio adequado para a desconstituição da sentença transitada em julgado que ofende a Constituição da República.

Com este modelo que ora se propõe, estar-se-ia alcançando, a meu ver, um ponto de equilíbrio entre os dois valores que entram em conflito diante da sentença inconstitucional transitada em julgado, a segurança e a justiça. Afinal, a se adotar este modelo, a coisa julgada prevaleceria até o julgamento da ‘ação rescisória’, permitida a suspensão liminar da eficácia da sentença nos casos em que estivessem presentes o periculum in mora e o fumus boni iuris.

Para completar o sistema, porém, seria necessário acrescentar-se um parágrafo ao art. 495 do CPC, o qual estabeleceria que ‘sendo a ‘ação rescisória’ fundada em violação de norma constitucional o direito à rescisão pode ser exercido a qualquer tempo, não ficando sujeito ao prazo decadencial previsto neste artigo’.

Conseqüência inexorável da adoção do modelo aqui proposto seria a revogação do parágrafo único do art. 741 do Código de Processo Civil, que se tornaria incompatível com as novas regras adotadas." [36]

Importa acrescentar que a revisão criminal, irmã siamesa da ação rescisória, pode ser movida a qualquer tempo pela defesa, dada a relevância do bem liberdade para a nossa sociedade. Embora possa ser manejada quando se tratar de uma questão de aplicação do Direito, conforme dispõe o art. 621 do CPP ( I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal...), o legislador se preocupou mais em prevê questões de cunho fático a possibilitar o uso da revisão criminal (o princípio da verdade real sempre preponderou mais no Direito Processual Penal do que no Direito Processual Civil), consoante o inciso II do art. 621 do CPP (II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;) e, principalmente, o inciso III do mesmo artigo (III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena). Esta última e ampla hipótese - fato novo - pode, pois, ser utilizada para funcionar como "inspiração" para uma proposta de lege ferenda, a qual poderá solucionar, por exemplo, o caso dos julgados emitidos sem a realização do exame de DNA, além de outros casos relevantes e excepcionais que justifiquem a indeterminação do prazo para a ação rescisória.

Não vale, por fim, argüir que a ação rescisória é imprópria ao desiderato aqui proposto com fulcro na suposta diferença entre rescindibilidade e nulidade (acrescente ainda a anulabilidade). A confecção do art. 485 do CPC não se deu orientada por esta diferenciação. Exemplos disto são os casos de ausência da intervenção do Ministério Público quando a lei a considere obrigatória (art. 84 do CPC) e o da incompetência absoluta do juiz (art. 113, § 2°, do CPC) que, apesar de serem causas de nulidade do processo, ensejam a propositura da ação rescisória. Não há uma liame objetivo entre as hipóteses do art. 485 do Código Buzaid, mais parecendo que se trata de uma questão de política legislativa. A sentença e/ou acórdão podem, portanto, ser rescindidos quando contêm o vício da nulidade, da anulabilidade ou qualquer outro vício, desde que os mesmos se mostrem graves a ponto de merecerem ser expungidos através da ação rescisória.


7. Considerações Finais:

Num Estado Democrático de Direito, a coisa julgada material não pode funcionar como uma redoma para as sentenças e/ou acórdãos eivados de inconstitucionalidade ou de teratologia, porquanto a segurança jurídica, não sendo um valor absoluto, deve conviver harmoniosamente com outros valores, ficando em segundo plano quando estes se revelarem mais importantes. Daí a legitimidade de se relativizá-la em casos excepcionais.

A coisa julgada inconstitucional, nascida do esforço de se conferir uma sistematização à teoria da relativização da coisa julgada, ocorre quando o Direito é aplicado de forma acintosa à Constituição. Difere, pois, da hipótese em que a descoberta superveniente da verdade real torna injusta a decisão judicial com trânsito em julgado.

Deve-se, todavia, repelir a aplicação do princípio da fungibilidade no afastamento da coisa julgada, ou seja, não se pode querer atingir tal desiderato utilizando todo e qualquer meio processual. Isto ensejaria, dentre outros inconvenientes, a possibilidade de um juiz inferior anular a decisão de um Tribunal. Daí a necessidade, enquanto não se vislumbra algo melhor, de se conferir um novo disciplinamento à ação rescisória, até porque os casos que clamaram pela relativização da coisa julgada assemelham-se às hipóteses já previstas no art. 485 do CPC.

De tudo o que foi exposto, o que deve ficar é que este assunto urge o envidamento de esforços no sentido de lhe conferir um disciplinamento responsável e harmônico, bem diferente do que fez recentemente o Chefe do Poder Executivo ao inserir parágrafo único ao art. 741 do CPC.


8. Bibliografia Consultada:

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NOTAS

01 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. p.45/52

02NEVES, Celso apud NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). A Coisa Julgada Inconstitucional. p. 133

03 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. p.45

04Apud PINTO, José Augusto Rodrigues. A Autoridade da Coisa Julgada diante da Medida Provisória 2.180.

05 STJ - REsp. n.° 107.248/GO - 3ª Turma. Rel. Menezes Direito. Julgamento: 07.05.1998. DJU, de 29.6.1998

06 STJ - Resp. n.° 226.436/PR - Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Julgamento: 28.06.2001.

07 http://www.senado.gov.br/web/cegraf/pdf/22062001/13935.pdf

08 STJ – REsp. n.° 240.712/SP – 1ª Turma. Rel. José Delgado. DJU: 24/04/2000

09 Informação extraída principalmente de um trecho da entrevista concedida ao IBAP pela Procuradora do Estado do Ceará, Maria Lúcia de Castro Teixeira. Disponível em: http://www.ibap.org/boletimeletronico/be02/boletim02.htm> Acesso em: 17 jun. 2004.

10NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). A Coisa Julgada Inconstitucional. p. 161/164

11 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a Coisa Julgada Material.

12Ibidem

13Ibidem

14Ibidem

15 Antes do CPC de 1973, o prazo era prescricional de 05 anos, mas por força tão-somente do que dispunha o art. 178, § 10°, VIII, do CC/1916, porquanto o CPC de 1939 era silente sobre o mesmo. Não obstante, os casos de rescindibilidade eram bastante limitados e pouco utilizada era a ação rescisória, dada a relevância atribuída à segurança jurídica, bem como a preponderância de direitos disponíveis.

16 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade doProcesso. p. 73/74

17 Apud OLIVEIRA, Daniel Gomes de. Coisa Julgada Inconstitucional.

18 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a Coisa Julgada Material.

19Apud NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). A Coisa Julgada Inconstitucional. p. 165

20Ibidem. p. 107/108

21Ibidem. p. 108/109

22Ibidem. p. 24

23 STJ – REsp. n.° 12.586/SP. Rel. Waldemar Zveiter. Julgamento: 08/10/1991

24Ibidem.

25 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a Coisa Julgada Material.

26Apud NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). A Coisa Julgada Inconstitucional. p.169

27 Art. 884, § 5°: "Considera-se inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal."

28 STF – ADIn n.° 1.573-2/DF. Min. Rel. Sepúlveda Pertence. DJ: 12/06/1998

29 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a Coisa Julgada Material.

30STF – ADIn n.° 2418-3. Petição inicial.

31 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 439.

32 A título de atualização do texto, importa registrar que o STJ, no julgamento do REsp n.° 692.788/SC, entendeu que o parágrafo único do art. 741 do CPC é constitucional, mas que o mesmo só se aplica às decisões cujo trânsito em julgado tenha ocorrido após a entrada em vigor da MP que o introduziu no ordenamento jurídico.

33 SILVA, Bruno Boquimpani. O Princípio da Segurança Jurídica e a Coisa Julgada Inconstitucional.

34Apud NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). A Coisa Julgada Inconstitucional. p.115.

35MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade: uma análise das Leis n.° 9.868/99 e 9.882/99.

36Apud NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). A Coisa Julgada Inconstitucional. p. 174

37 CÂMARA, Alexandre Freitas. Relativização da Coisa Julgada Material.

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Sobre a autora
Gislene Frota Lima

advogada, analista previdenciária em Sobral (CE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Gislene Frota. A coisa julgada inconstitucional no Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1038, 5 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8354. Acesso em: 26 abr. 2024.

Mais informações

Monografia elaborada para obtenção do título de bacharel em Direito pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), sob a orientação do Prof. Emilio de Medeiros Viana.

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