Resumo: O Estatuto da Pessoa com Deficiência, elaborado com o objetivo principal de inclusão da pessoa com deficiência na sociedade, tem gerado discussões em razão das significativas alterações que ensejou na legislação civil, especialmente com relação à capacidade civil. Assim, este trabalho tem como objetivo geral analisar as mudanças promovidas quanto à capacidade civil e a relação da capacidade civil e o Estatuto da pessoa com deficiência. Trata-se de pesquisa qualitativa, realizada por meio de método dedutivo e de procedimento técnico bibliográfico e documental. Dessa forma, as reflexões iniciam com a análise do estatuto da pessoa com deficiência (Lei nº 13.146/2015) em relação aos direitos dos deficientes, sobretudo quanto à Educação e quanto aos negócios jurídicos em geral. Em segundo plano, far-se-á uma análise acerca da capacidade civil de fato, de exercício e plena, no sentido de buscar a compreensão de como a vigência do estatuto alterou a compreensão e interpretação acerca da capacidade civil e como esta capacidade se correlaciona e influencia a vida das pessoas, deficientes ou não. Neste sentido, promove-se ainda o estudo de como as mudanças em relação as regras quanto a capacidade civil acarretam alterações nos atos da vida civil em geral e nas relações patrimoniais, tendo em vista ser a capacidade civil um dos requisitos elementares da validade do negócio civil.
Palavras-chave: Estatuto da Pessoa com Deficiência. Capacidade. Dignidade.
Sumário: 1. Introdução; 2. O Direito e a Educação da Pessoa com Deficiência; 3. A Capacidade Civil e o Estatuto da Pessoa com Deficiência; 3.1. Capacidade Civil e seus Reflexos nos Atos Civis; 3.2. Capacidade Civil e Reflexos Patrimoniais; 4. Considerações Finais; Referências.
1. INTRODUÇÃO
A aplicação da lei 13.146/2015 se torna primordial para firmar e garantir os direitos das pessoas com deficiências, buscando o pleno direito de viver em igualdade com as demais, assim promovendo uma eletiva inclusão na educação, profissão e na sociedade. A intenção da pesquisa e apresentar como um todo; um panorama geral, sobre o estatuto da pessoa com deficiência e, as mudanças que tal lei trouxe em nosso ordenamento jurídico. A constituição assim como o estatuto da criança e do adolescente determinam o direto ao atendimento especializado na rede regular de ensino, promovendo ao estado e a sociedade a incumbência de se amoldarem às necessidades estruturais e institucionais para boa prestação da atividade educacional. Importante destacar o fato de que a própria constituição da República, prevê a educação como sendo direito de todos, dever do estado e da família. O estatuto da pessoa com deficiência, em seu artigo 28, reconhece o direito das pessoas com deficiência a oportunidade, e que deverá o Estado assegurar o sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida. Assim em conjunto com as demais legislações direcionadas a educação, reforça este novo paradigma da inclusão dos alunos com deficiência nas instituições de ensino regular, sejam elas públicas ou privadas, propiciando seu convívio com os demais.
O estatuto ainda proíbe e criminaliza as escolas particulares que cobrarem valores adicionais referentes ao atendimento com pessoas deficientes, procurando evitar eventuais discrepâncias ou injustiças contra estas pessoas. Uma crítica a este artigo do estatuto, e que não se pode garantir a educação simplesmente colocado o aluno com deficiência na escola. A educação inclusiva requer um sistema educacional inclusivo e complexo, compreendendo um conjunto de ações que precisam ser efetivadas, tais como: fornecimento de transporte adaptado, escolas sem barreiras arquitetônicas, qualificação dos funcionários da escola, capacitação do corpo docente para facilitar a comunicação, entre outras medidas eventualmente necessárias para o efetivo e satisfatório acesso à educação por parte de pessoas com deficiência.
Devido à dificuldade de pessoas deficientes na inclusão do ensino básico, superior e ao profissional, esta pesquisa se justifica através da análise em contribuição na área de educação, no final de 2015, onde, foi sancionada a lei 13.409 /15, ela atende no artigo 28 que chama o poder público a responsabilidade de garantir o acesso ao ensino básico, superior e educação profissional, e até mesmo tecnológica, em igualdade de oportunidade com as demais pessoas, que apoiou juntamente o estatuto do deficiente lei 13.146/15 sancionada em Julho de 2015. Propor mostrar lutados deficientes pelos seus direitos não valorizar a diferença, atribuímos que muitas vezes as inferiorizam, destacando apenas um de seus atributos e nem sempre de forma elogiosa. Elas são identificadas e reduzidas a uma única característica. Assim, a exclusão é imposta por uma sociedade supostamente feita para pessoas normais seja lá o que isso quer dizer, pessoas com deficiência têm sido discriminadas, isoladas, preconceitos e a catástrofes naturais. A tecnologia tem sido uma aliada importante, abrindo possibilidades até então imaginadas; os Direitos Humanos inspiraram leis, princípios e posturas de aceitação e, mais do que isso, de valorização do outro como ele é.
O presente trabalho tem como objetivo geral refletir sobre a dignidade da pessoa humana, de modo a promover e conscientizar o respeito às diferenças entre os indivíduos e identificar estrutura de apoio necessário ao deficiente em intervenções de defesa social. Além disto, buscar-se-á o apontamento de falhas e violações de direitos na prestação dos serviços de educação para pessoas com deficiências e informar a sociedade sobre os seus direitos e valorizar as diferenças; as alterações no sistema da incapacidade civil com a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência e a consequente (dês)proteção civil às pessoas vulneráveis que a legislação deveria proteger; demonstração de Normas especificas dos Direitos das pessoas com deficiência e a inclusão dessas pessoas no ensino básico, superior e tecnológico profissional e identificação da falta de profissionais qualificados para lidar com as diversidades da deficiência.
2. O DIREITO E A EDUCAÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
A educação é base da sociedade, junto a outros tantos pilares, sendo dever do Estado e direito de todos, em igualdade. O texto constitucional prevê a igualdade de oportunidades em todos os âmbitos, sobretudo, na educação básica. A Lei Federal 13.146/15, Lei Brasileira de Inclusão da pessoa com deficiência (LBI) também conhecida como Estatuto da Pessoa com deficiência, estabeleceu um novo marco na legislação brasileira que, após a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) se viu na necessidade de adaptar-se à nova sociedade tutelada, amoldando-se aos valores modernos e atuais.
Neste contexto, considerando os ditames da CDPD, Deiziele Rodrigues Silveira e Fernanda Paula Diniz2 afirmam que:
Cumpre destacar a criação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) pela Organização das Nações Unidas (ONU), que objetiva promover e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais pelas pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade, na qual o Brasil é signatário, sendo inserida em nosso ordenamento jurídico mediante o procedimento disposto no art. 5º, § 3º, da CR/88, adquirindo, assim, status de Emenda Constitucional, em 2009... Recentemente foi introduzida no nosso ordenamento jurídico a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, por meio da Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, que tem como base os ditames da CDPD. A LBI tem como propósito a inclusão social e exercício da cidadania pelas pessoas com deficiência por meio da promoção e proteção, em condições de igualdade, do exercício dos direitos e liberdades fundamentais.
Segundo Cury3, anteriormente, o direito a educação da pessoa com deficiência, ou seja, as pessoas com necessidades especiais, por muito tempo tiveram pouco acesso à educação, e seus direitos a liberdade para o desenvolvimento e realizações de exercer seus direitos sociais. Entretanto, isso vem se superando com o crescimento através de lutas contra a desigualdade destes fatos, criando oportunidades através de leis e obrigações, garantindo o desenvolvimento da pessoa com deficiência e não somente na educação, mas na capacidade de várias modalidades.
Daí a instrução se tornar pública como função do Estado e, mais explicitamente, como dever do Estado, a fim de que, após o impulso interventor inicial, o indivíduo pudesse se autogovernar como ente dotado de liberdade e capaz de participar de uma sociedade de pessoas livres4.
A partir do oferecimento da educação o indivíduo possui um suporte para garantia e o direito a atividades e oportunidades para reduzir a desigualdade. A educação transforma o sujeito, e assim o mesmo passa a ter o direito de agir, e de se desenvolver. Adequar e se defender está diretamente relacionada a um direito social. A pessoa deficiente deve ser considerada um indivíduo que tem capacidade suficiente e apta as todas as oportunidades que lhe é oferecida. No caso da educação, não gira somente em torno de se frequentar uma escola, mas sim lhe dar a oportunidade de ter o direito de ser um cidadão comum5. Sendo assim o estado tem o dever e a obrigação de facilitar a todo cidadão o acesso à educação e neste modo a necessidade de aprender deixando de ser concedida como favor e caridade para ser tida como direito social.
A deficiência era tida como uma doença, não reconhecendo a pessoa com deficiência como sujeito de direitos. Pessoas mesmo com todas as suas diferenças físicas, intelectuais, psicológicas, são detentoras de igual dignidade, embora sejam diferentes pela sua individualidade, pela condição humana apresentam as mesmas necessidades de um atendimento educativo. O acesso à educação é também um meio de abertura que dá a pessoa de se reconstruir, constituindo, além disso, parâmetro de construção da personalidade e da sociedade como um todo
Acerca do direito à educação conferido às pessoas com deficiência e em relação à obrigação da prestação Estatal deste serviço, o art. 28. da Lei 13.146/15 assim determina:
Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar:
I - sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida;
II - aprimoramento dos sistemas educacionais, visando a garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena;
III - projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado, assim como os demais serviços e adaptações razoáveis, para atender às características dos estudantes com deficiência e garantir o seu pleno acesso ao currículo em condições de igualdade, promovendo a conquista e o exercício de sua autonomia;
IV - oferta de educação bilíngue, em Libras como primeira língua e na modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas;
V - adoção de medidas individualizadas e coletivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social dos estudantes com deficiência, favorecendo o acesso, a permanência, a participação e a aprendizagem em instituições de ensino;
VI - pesquisas voltadas para o desenvolvimento de novos métodos e técnicas pedagógicas, de materiais didáticos, de equipamentos e de recursos de tecnologia assistiva;
VII - planejamento de estudo de caso, de elaboração de plano de atendimento educacional especializado, de organização de recursos e serviços de acessibilidade e de disponibilização e usabilidade pedagógica de recursos de tecnologia assistiva;
VIII - participação dos estudantes com deficiência e de suas famílias nas diversas instâncias de atuação da comunidade escolar;
IX - adoção de medidas de apoio que favoreçam o desenvolvimento dos aspectos linguísticos, culturais, vocacionais e profissionais, levando-se em conta o talento, a criatividade, as habilidades e os interesses do estudante com deficiência;
X - adoção de práticas pedagógicas inclusivas pelos programas de formação inicial e continuada de professores e oferta de formação continuada para o atendimento educacional especializado;
XI - formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional especializado, de tradutores e intérpretes da Libras, de guias intérpretes e de profissionais de apoio;
XII - oferta de ensino da Libras, do Sistema Braille e de uso de recursos de tecnologia assistiva, de forma a ampliar habilidades funcionais dos estudantes, promovendo sua autonomia e participação;
XIII - acesso à educação superior e à educação profissional e tecnológica em igualdade de oportunidades e condições com as demais pessoas;
XIV - inclusão em conteúdos curriculares, em cursos de nível superior e de educação profissional técnica e tecnológica, de temas relacionados à pessoa com deficiência nos respectivos campos de conhecimento;
XV - acesso da pessoa com deficiência, em igualdade de condições, a jogos e a atividades recreativas, esportivas e de lazer, no sistema escolar;
XVI - acessibilidade para todos os estudantes, trabalhadores da educação e demais integrantes da comunidade escolar às edificações, aos ambientes e às atividades concernentes a todas as modalidades, etapas e níveis de ensino;
XVII - oferta de profissionais de apoio escolar;
XVIII - articulação intersetorial na implementação de políticas públicas.
Temos que refletir pois é mais fácil prestar atenção aos impedimentos e às aparências do que aos potenciais e capacidades de pessoas com algum tipo de deficiência ou necessidade especial. A inclusão nas escolas precisa resgatar o respeito humano e a dignidade, no sentido de possibilitar o seu desenvolvimento e o acesso a todos os recursos da sociedade por parte desse segmento pois possui um papel fundamental na promoção de atitudes positivas no sentido da inclusão de pessoas portadoras de deficiência na sociedade6.
A educação precisa ser usada como instrumento para a solução do problema que acontece no desenvolvimento da autonomia e capacidade da pessoa com deficiência. No momento em que a educação é utilizada para adquirir um conhecimento, no mesmo momento as pessoas deficientes desenvolvem um método de comportamento para guiarem a si mesmas, e quando elas organizam sua própria atividade de acordo com uma forma social de comportamento, conseguem com sucesso, impor a si mesmas uma atitude social7.
A sociedade precisa assumir mais condições necessárias para oportunidades, garantidas nas leis onde estabelecem a educação é direito de todos, garantindo atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência necessário que os profissionais da escola sejam capazes de oferecer oportunidades de atendimento educacional que vejam as necessidades, as limitações, as potencialidades os interesses de cada aluno, ou seja, individualizando o ensino de acordo com sua necessidade específica é entendido no sentido de se proporcionar aos deficientes condições de alcance e manutenção com um ótimo nível de funcionamento nos planos físico, intelectual, sensorial, psíquico ou social, de forma que possam contar com os meios apropriados para modificar suas vidas, tornarem-se cada vez mais independentes de suas dificuldades de vida de cada um, pois não basta que o aluno apenas receba uma escolarização de boa qualidade, hoje há como implantar tecnologias que atendem qualquer tipo de problema que poderá dar suporte ao indivíduo que tenha necessidades especiais8
Ele poderia estar saindo da escola sem estar preparado para conviver na sociedade, em especial no local de trabalho proporcionado aos alunos uma contribuição mais objetiva e mais concreta no que se refere à realidade do mercado de trabalho. Uma das consequências negativas dessa situação tem sido a quase total dificuldade enfrentada pelos usuários como, alunos, aprendizes, clientes, e pacientes na hora de procurarem empregos abertos na comunidade uma pequena porcentagem deles consegue ingressar no mercado de trabalho, principal característica era o preconceito e a discriminação em relação às pessoas com deficiência que desejassem trabalhar9.
Deste modo, o que se apresenta aqui é uma vasta obrigação do Estado/governo em relação às pessoas com deficiência, de modo que é dever dele garantir a esta parcela da população o amplo, irrestrito e igualitário acesso à educação, em todos os níveis (fundamental, médio, técnico e superior) além de garantir a acessibilidade estrutural das instituições, para que possam receber tais alunos de forma equânime e justa e a implementação de políticas públicas que visem a inclusão social, educacional e de trabalho das pessoas portadoras de deficiência.
Sobre a necessidade imperial de aumento da acessibilidade, Bezerra apud David Augusto Fernandes10 afirma que:
Portanto, contata-se que a acessibilidade se apresenta como um direito em si mesmo e, também, como um direito meio, sem a qual não é possível, muitas vezes, exercer, com dignidade, autonomia e independência, outros direitos também humanos e fundamentais, como é o caso do direito à educação, à saúde, ao lazer, ao trabalho, à moradia, entre tantos outros.
Assim, considerando a fundamentalidade da acessibilidade na qualidade de vida das pessoas com deficiência, atenta-se à necessidade de aprofundamento das políticas públicas, tendo em vista que toda a sociedade deve voltar-se à inclusão deles, em âmbito escolar ou não, promovendo a igualdade material constitucionalmente estabelecida e utopicamente perseguida.
3. A CAPACIDADE CIVIL E O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Primeira disposição específica do atual código civil, a Personalidade e a Capacidade civil merecem especial destaque nesta análise acadêmica. É da capacidade civil plena que decorrem todas os demais direitos e obrigações da pessoa humana em seus vários aspectos e esferas. Neste sentido, o Código Civil Brasileiro apresenta, do art. 1º ao art. 39, disposições acerca da personalidade e capacidade civil, bem como seus marcos iniciais, finais, e as consequentes limitações ou mitigações que podem sofrer.
Acerca do tema, é necessária a separação teórica entre capacidade de direito ou de gozo e capacidade de fato ou exercício. No primeiro caso, trata-se da possibilidade de gozar dos próprios direitos, ou seja, é a possibilidade de ser sujeito do direito. Aqui, não se faz distinção qualquer, de modo que, se há pessoa, há capacidade, visto que esta decorre da personalidade civil, que se inicia com a concepção, conferindo ao nascituro direitos inerentes à pessoa humana. De outro modo, no segundo caso, o que mais nos interessa, a capacidade apresenta-se como possibilidade ou não de exercer os direitos que lhe são conferidos11. Nos termos dos artigos 3º, 4º e 5º do código civil, a capacidade civil é assim tutelada:
Art. 3º - São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.
Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.
Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.
Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:
I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;
II - pelo casamento;
III - pelo exercício de emprego público efetivo;
IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;
V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.
Neste diapasão, surge a necessidade de compreensão da capacidade civil legalmente estabelecida, sendo certo que são absolutamente incapazes os maiores de 18 anos, desde que ausentes os motivos incapacitantes a que tratas os artigos apresentados acima, ou desde que que cumpridas as determinações legais para tanto.
Com peculiar e notória didática, Flavio Tartuce12 apresenta a seguinte fórmula:
CAPACIDADE DE DIREITO (GOZO) + CAPACIDADE DE FATO (EXERCÍCIO) = CAPACIDADE CIVIL PLENA
Para o autor, a capacidade civil plena estará presente no indivíduo que unir sua capacidade de direito inerente à condição de pessoa humana à capacidade de, de forma fática, exercer, ou exigir o exercício, de seu direito, em nome próprio. Sem a necessidade de representação, tutela ou curatela.
Com idêntica mestria, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald13 definem a personalidade jurídica e a capacidade:
Conexo ao conceito de personalidade, porém sem que com ele se confunda, exsurge a ideia de capacidade. É que enquanto a personalidade tem alcance generalizante, dizendo respeito a um valor jurídico reconhecido a todas os seres humanos (e elastecido para alcançar também agrupamentos de pessoas), dizendo respeito a um valor jurídico reconhecido a todas as pessoas, a capacidade jurídica concerne à possibilidade daqueles que são dotados de personalidade serem sujeitos de direito de relações patrimoniais. Em síntese apertada, porém completa: enquanto que a personalidade tende ao exercício das relações existenciais, a capacidade diz respeito ao exercício de relações existenciais.
De igual modo, em outras palavras, ORLANDO GOMES apud Pablo Stolze Gagliano14, conceitua a capacidade jurídica da seguinte forma:
A capacidade de direito confunde-se, hoje, com a personalidade, porque toda pessoa é capaz de direitos. Ninguém pode ser totalmente privado dessa espécie de capacidade”. E mais adiante: “A capacidade de fato condiciona-se à capacidade de direito. Não se pode exercer um direito sem ser capaz de adquiri-lo. Uma não se concebe, portanto, sem a outra. Mas a recíproca não é verdadeira. Pode-se ter capacidade de direito, sem capacidade de fato; adquirir o direito e não poder exercê-lo por si. A impossibilidade do exercício é, tecnicamente, incapacidade”
Ora, é certo que a capacidade civil, tanto atrelada à própria personalidade e seus direitos, reflete na vida privada do cidadão, de modo que este parâmetro é o limiar da possibilidade ou não da pessoa ter, exercer e exigir o exercício de seus direitos. Ao incapaz, reserva-se a possibilidade de ser representado, por tutor ou curador, para ver satisfeitos seus desejos, interesses e direitos previamente constituídos. Assim, é latente a interpretação de que a alteração do dispositivo constitui clara evolução social. Sobre o tema, Maria Aparecida Gugel15 leciona que:
Nessa nova visão o que importa é a pessoa, ela é o sujeito do direito e terá sempre a garantia do exercício desse direito, por ela própria ou por meio de apoio. O apoio instrumentaliza o exercício da capacidade legal para que possa efetivamente viver com autonomia – trata-se da aplicação do princípio da dignidade/igualdade real ou dignidade/inclusão.
Desta forma, vemos aqui a reafirmação da evolução promovida pela Lei Federal 13146/15, Estatuto da pessoa com deficiência, que confere a esta parcela de cidadãos maiores direitos, prerrogativas e possibilidades na busca de oportunidades e da vida digna em sociedade.
3.1. Capacidade civil e seus reflexos nos atos civis
O código civil sofreu, com a vigência da Lei 13146/15, substanciais alterações no que tange aos conceitos de capacidade civil, incapacidade e direitos de pessoas com deficiência. Porém, o advento do estatuto da pessoa com deficiência fez mais que alterar os requisitos de configuração da (in)capacidade ou da personalidade da pessoa humana.
O antigo texto do código civil, pré Estatuto de proteção à pessoa com deficiência, determinava requisitos específicos para aferição da capacidade que, por vezes, limitava os atos de vida civil, como casamento, lavratura de testamento, entre outros. Tal limitação se demonstra desumana e segregadora, visto que o dispositivo legal afastava a igualdade entre as pessoas e deixava à margem pessoas portadoras de deficiência. Deste modo, a atualização legislativa busca expressamente a igualdade entre as pessoas, determinando como discriminatória a desigualdade de oportunidades, conforme art. 4º do estatuto16.
Sobre o tema, Viviane Cristina de Souza Limongi17 demonstra a indignidade presente na limitação aos deficientes, sobretudo quando são tolhidos de suas possibilidades sociais, culturais, econômicas e familiares. A autora afirma que:
Obviamente que retirar da pessoa com deficiência o direito ao casamento, à sexualidade, ao convívio social é o mesmo que lhe aprisionar a alma, impedir o livre e necessário desenvolvimento de sua personalidade e coarctar a liberdade de escolher seu projeto de vida, o que não se deve admitir em uma estrutura básica e justa de sociedade, como ensina John Rawls. Afinal, uma sociedade bem ordenada e justa confirma a autonomia das pessoas, oferecendo-lhes o direito a autodeterminarem-se e executarem um plano racional de vida, em condições mais ou menos favoráveis, com a confiança de realização de suas intenções. Esse caminho, segundo Rawls, é o da felicidade.
Assim, o que presenciamos no novo texto legislativo é a ampliação de direitos das pessoas com deficiência e a criação de obrigações ao estado e a sociedade como um todo, visando, em geral, a inclusão social, educacional e cultural, além da materialização dos direitos a igualdade, propriedade (patrimônio), dignidade e liberdade. Deste modo, a atualização legislativa promove, em verdade, a inclusão das pessoas com deficiência aos preceitos constitucionalmente estabelecidos.18
3.2. Capacidade civil e reflexos patrimoniais
Neste sentido, cumpre destacar que as teorias de capacidade civil afetam, sobretudo, a autonomia da vontade da pessoa, além, por óbvio, de interferir substancialmente na esfera patrimonial do cidadão, tendo em vista que as teorias de incapacidade visam, além de outros objetivos, à proteção patrimonial dos incapazes.
Conforme lecionam Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald19, a leitura e interpretação do art. 104. do Código Civil condiciona a validade do negócio jurídico a quatro requisitos, elementares, essenciais e complementares: Agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e forma adequada (prescrita ou não defesa em Lei) e vontade exteriorizada conscientemente, de forma livre e desembaraçada.
Nesta feita, o que se denota é que as pessoas incapazes não podem, em regra, realizarem negócios jurídicos, tendo em vista o possível não atendimento aos requisitos 1 e 4 elencados acima pelos autores.
Não se pode deixar de inferir que as limitações ao negócio jurídico afetam, sobretudo, pessoas portadoras de deficiências mentais, pois estas podem, potencialmente, se apresentar impeditivas ou restritivas quanto à expressão de vontade da pessoa. Nestes casos, por óbvio, a pessoa portadora de deficiência poderá (deverá) ser representada por curador ou tutor, sob pena de nulidade do negócio jurídico.
Acerca do tema, complementar o entendimento de Limongi20 de que:
Se há falta de capacidade da parte no momento de celebração do negócio – decorrente de condições físico-psíquicas que excluem a possibilidade de entendimento e vontade – o ordenamento impõe sua invalidade que variará de acordo com o nível de atentado da norma jurídica... A grave violação à norma de interesse público pressupõe a sanção de nulidade pois é do interesse social que negócios jurídicos indesejados e prejudiciais ao desenvolvimento de uma sociedade equilibrada e solidária não sejam prejudicados.
Assim, podemos estabelecer que a alteração da Lei retirou os aspectos de incapacidade anteriormente estabelecidos, configurando como única regra geral a etária. Porém, de certo que a limitação a certos negócios jurídicos se faz necessária por proteção a pessoas portadoras de deficiência.
A incapacidade por deficiência deixou de ser regra, como o era antes da vigência da LBI, de modo que a regra de incapacidade atual (menores de 16 anos) ainda implica na impossibilidade de celebração de negócios jurídicos. Assim, com legislação atual, as pessoas portadoras de deficiência podem, em regra, celebrar qualquer ato ou negócio jurídico, estando incluídas nas regras gerais de Direito Civil.
Sobre a possibilidade de celebração de negócios jurídicos Deiziele Rodrigues Silveira e Fernanda Paula Diniz 21 preconizam que:
À vista disso, em princípio, não mais se aplicaria a pessoa com deficiência o art. 166, I, do CC/02, que estipula a nulidade do negócio jurídico praticado por pessoa absolutamente incapaz, e tampouco o artigo 171, I, do CC/02, que determina a anulabilidade do negócio jurídico praticado por pessoa relativamente incapaz, uma vez que aquela não é mais considerada incapaz, limitando-se esta última disposição às pessoas com deficiência que se encontrarem curateladas, tendo em vista que, a partir de agora, a incapacidade da pessoa com deficiência quando declarada será relativa e alcança apenas aspectos patrimoniais e negociais. Da mesma forma, tendo em vista a capacidade plena reconhecida à pessoa com deficiência, em princípio, não mais se aplicaria a esta o art. 198, I, do CC/02, que impede ou suspende a aplicação da prescrição aos absolutamente incapazes, e tampouco o art. 208, do CC/02, que impede ou suspende a aplicação da decadência aos absolutamente incapazes
Ora, o que se denota na atual redação Legal é que, na tentativa de promover a igualdade e a autonomia da vontade, o legislador incorreu em possível desproteção da pessoa com deficiência, tendo em vista que, potencialmente podem elas serem partícipes de negócios jurídicos sem que tenham parâmetros normais e naturais de razoabilidade e discernimento, considerando que todos os deficientes são, em regra, capazes, excetuando-se apenas aqueles que, por força de decisão judicial, estiverem curatelados. Assim, a proteção jurídica promovida pelo código civil de 2002 ser reveste de desproteção em relação aos negócios jurídicos, sobretudo, patrimoniais.