O RECONHECIMENTO DA PRERROGATIVA DE FORO E A QUESTÃO DA NULIDADE DOS ATOS DECISÓRIOS PRATICADOS PELO JUÍZO RECONHECIDO COMO INCOMPETENTE

29/06/2020 às 09:56
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O ARTIGO DISCUTE TEMA PROCESSUAL DIANTE DE FATO CONCRETO.

O RECONHECIMENTO DA PRERROGATIVA DE FORO E A QUESTÃO DA NULIDADE DOS ATOS DECISÓRIOS PRATICADOS PELO JUÍZO RECONHECIDO COMO INCOMPETENTE

Rogério Tadeu Romano

I – O FATO

A defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) vai pedir na Justiça a anulação de todos os atos de investigação sobre o suposto esquema de rachadinha, que envolve o ex-assessor Fabrício Queiroz, em seu gabinete na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio). A medida foi anunciada pela advogada de Flávio, Luciana Pires, após a 3ª Câmara Criminal decidir na tarde de hoje que o juiz Flávio Itabaiana, titular da 27ª Vara Criminal do Rio, não tinha competência para conduzir o processo do Caso Queiroz.

"Como o Tribunal de Justiça reconheceu a incompetência absoluta do juízo de primeira instância, a defesa agora buscará a nulidade de todas as decisões e provas relativas ao caso desde as primeiras investigações. A defesa sempre esteve muito confiante neste resultado por ter convicção de que o processo nunca deveria ter se iniciado em primeira instância e muito menos chegado até onde foi", disse Luciana Pires em nota.

Como cada desembargador votou:

  • Relatora e desembargadora Suimei Cavalieri: votou contra o habeas corpus, e a favor da validade das decisões de Itabaiana;
  • desembargadora Mônica Toledo: votou a favor do habeas corpus e a favor da validade das decisões;
  • Paulo Rangel: votou a favor do habeas corpus e foi contrário à validade das decisões praticadas em primeiro grau.

Anoto, desde já, que não são cabíveis os embargos infringentes e de nulidade em habeas corpus.

II – A NULIDADE NO PROCESSO PENAL

A nulidade processual, à luz do princípio da instrumentalidade das formas, está ligada a questão do prejuízo.

Necessário distinguir entre nulidade absoluta e nulidade relativa.

A nulidade relativa diz respeito ao interesse da parte e determinado processo.

As nulidades relativas dependem de valoração das partes quanto à existência e a consequência de eventual prejuízo, estando sujeitas a prazo preclusivo quando não alegadas a tempo e a modo.

Fala ainda a doutrina em prejuízo presumido em sede de nulidade absoluta.

Na verdade, na nulidade absoluta, há uma verdadeira afirmação do sistema jurídico da existência de prejuízo.

Configuram vícios passíveis de nulidades absolutas as violações aos princípios fundamentais do processo penal como, por exemplo:

a) Contraditório;

b) Juiz natural;

c) Ampla defesa;

d) Imparcialidade do juiz;

e) A existência de motivação dos atos judiciais.

As nulidades absolutas dizem respeito a vícios gravíssimos, que afetam o processo como um todo uma vez que não respeitados princípios constitucionais.

As nulidades relativas, em regra, dependem da iniciativa e do interesse da parte que foi prejudicada, como se lê do artigo 565 do Código de Processo Penal, uma vez que ̈nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que não haja dado causa, ou para que tenha concorrido. ̈

Tratando-se de nulidade relativa e não sendo ela arguida oportunamente pela parte, em sua defesa, a competência do juiz fica prorrogada, não sendo declarado o vício. Tal não impede que o juiz, antes de iniciar a audiência de instrução de julgamento, em prol do princípio da identidade física do juiz, de ofício, reconheça a sua incompetência, remetendo os autos ao juízo competente.

Com relação a mudança de competência face a reconhecimento do réu a cargo ou função que determine a prerrogativa de foro, é Eugênio Paccelli Oliveira (Curso de Processo Penal, 10ª edição, Rio de Janeiro, Lumen Juris, pág.681) quem disse que nessa hipótese de modificação de competência absoluta não haverá de se falar na necessidade de ratificação de qualquer dos atos até então praticados. Isso porque os aludidos atos teriam sido praticados por autoridades constitucionalmente a tanto legitimadas seja pela competência (juiz) seja pela atribuição (Ministério Público), ao tempo e espaço das respectivas práticas.

III – OS PRINCÍPIOS DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS E DA CAUSALIDADE

É certo que se fala, no processo penal, na instrumentalidade de formas.

Para tal é fundamental a leitura do artigo 566 do Código de Processo Penal, como se lê: ̈não será declarada a nulidade do ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa. ̈

Deve ser analisada a capacidade do ato nulo influir na decisão da causa. Se influir será caso de discussão da nulidade, é o princípio da instrumentalidade das formas.

Se o ato nulo não tiver concorrido qualquer prejuízo para a atuação das partes ou da jurisdição, não há razão para o reconhecimento de declaração da nulidade como se lê do artigo 563 do Código de Processo Penal.

É o princípio da instrumentalidade das formas processuais que fundamenta o artigo 566 do Código de Processo Penal, no sentido de que não será declarada a nulidade do ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa.

Bem explicitou Mirabete (Processo Penal, São Paulo, Atlas, 1991, pág. 565) que se os atos processuais têm como fim a realização da justiça e esta é conseguida apesar da irregularidade daqueles, não há razão para renová-lo. O processo é um instrumento, um meio para formulação da verdade, e não um fim.

Por outro lado, fala-se na aplicação do princípio da causalidade.

Como se lê do artigo 573§ 1º, do Código de Processo Penal, se a consequência jurídica do ato nulo, que vicia o processo, é a declaração de sua nulidade, nada mais lógico que a nulidade estenda-se aos atos que sejam subsequentes àqueles e que lhe sejam dependentes.

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IV – A APLICAÇÃO DO CPC DE 2015

Mas, entendo que a matéria deve merecer aplicação do Código de Processo Civil de 2015, uma vez que o próprio CPP permite a aplicação da lei processual civil de forma subsidiária.

A esse respeito, Daniel Amorim Assumpção Neves ensinou:

“No novo diploma processual o tratamento passa a ser homogêneo, prevendo o art. 64§ 4º do Novo CPC que os atos praticados por juízo incompetente são válidos, devendo ser revistos ou ratificados (ainda que tacitamente) pelo juízo competente. Significa dizer que durante o período de trânsito dos autos, que compreende a remessa dos autos pelo juízo que se declarou incompetente e sua chegada ao juízo competente, todos os atos já praticados continuaram a gerar efeitos, ficando a continuidade da eficácia de tais atos condicionados à postura a ser adotada pelo juízo competente que receberá os autos” (Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Editora JusPodium, 2016. p. 166).

Código de Processo Penal não trata do assunto de forma contrária ao NCPC.

Embora o art. 567 do CPP disponha que “a incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao juiz competente”, a leitura desse dispositivo em conjunto com o art. 563 daquele diploma normativo permite inferir que, mesmo na seara penal, o aplicador da lei deverá sempre procurar a convalidação e o aproveitamento dos atos processuais praticados.

O art. 64§ 4º, do CPC vigente, adotando orientação inovadora, optou por homenagear a estabilidade e estimular o aproveitamento dos atos praticados pelo juízo reconhecido como incompetente, conservando seus efeitos até a ulterior e necessária manifestação do juiz natural da causa.

§ 4º do art. 64 do CPC de 2015 dispõe que os efeitos das decisões serão conservados, “salvo decisão judicial em sentido contrário”. O legislador conferiu ao órgão de cassação, portanto, uma espécie de poder geral de cautela, a fim de que, nos casos em que tal se fizer necessário, proceda esse último, de imediato, à análise da conveniência de se manter um ou mais atos decisórios.

Por essas razões, entendo que caso a decisão que reconheceu a prerrogativa de foro para o senador Bolsonaro seja mantida, não seriam anulados os atos decisórios praticados pelo juízo de primeiro grau.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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