TEMA Nº 210 DE REPERCUSSÃO GERAL: SEGURADORA E MODULAÇÃO

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Artigo em que defendemos a modulação do Tema 210 do STF a fim de se ajustar aos casos de seguradores sub-rogados demandantes e do transportes aéreos de cargas, defendendo-se a primazia do princípio de reparação civil integral por justiça e ordem moral.

TEMA Nº 210 DE REPERCUSSÃO GERAL: SEGURADORA E MODULAÇÃO

 

Desde que ao julgar o RE 636.331/RJ o Supremo Tribunal Federal fixou o Tema nº 210 de Repercussão Geral, temos insistido que os seus efeitos não se projetam de maneira indistinta ao transporte de cargas: restringem-se tão somente ao extravio de bagagem no transporte de passageiros.

Não se discute aqui a incidência da Convenção de Montreal, mas uma aplicação criteriosa das condições que nela aparecem, principalmente quando nos debruçamos sobre a discussão acerca da possibilidade de limitar ao transportador de cargas, no conflito com a seguradora sub-rogada, a responsabilidade por danos, avarias, perda.

E várias são as razões  de ordem jurídica, dentre as quais a total dissimilaridade do precedente, a violação ao princípio da ampla reparação do dano, sua inadequação fulminante à dinâmica da segurador; de ordem fática, qual as próprias exceções previstas na Convenção de Montreal, como culpa grave e declaração de valor, e ainda o inadimplemento imotivado do contrato de transporte; de ordem histórica e social, como o anacronismo do cálculo limitativo e as consequências desastrosas para o mercado de seguro.

A maioria deles evita aparecer aqui para não alongar o comentário com temas já referidos em estudos anteriores. Neste momento o objetivo é tratar principalmente de outros dois outros pontos: 1) necessidade de modulação da decisão de repercussão geral; 3 2) impossibilidade de prejudicar o ressarcimento em regresso.

É possível tratar de ambos os temas monoliticamente, até porque chegam a se confundir em não poucas medidas.

Sempre que um dos Tribunais Superiores declara um precedente, é preciso direcionar a atenção no bem aplicá-lo. Justamente por sua importância e abrangência, não pode expandir a esmo as suas fronteiras, sem o devido cuidado para não estremecer, com os vigores estabanados da renovação irrefletida, a prudência marmórea do edifício jurídico; assim se resguarda ordem segura que deve oferecer a jurisprudência, sem arranques bruscos na direção contrária.

O suporte fático em que se buscará introduzir as finas hastes da inovação tem de se alinhar em simetria perfeita àquele que a gerou. Sem isso não é que o precedente não incide: ele sequer é precedente. E o raciocínio vale para a decisão de repercussão geral.

Além dos rigores geométricos que deve haver em situações irredutivelmente análogas, resistentes ao afastamento dramático de casos irmãos, existe outro detalhe a levar em conta: a modulação do precedente.

Modulação, segundo Teresa Arruda Alvim, “é o instituto concebido para concretizar, nos casos em que se entenda adequado prevalecer, o princípio da proteção à confiança (que se consubstancia na dimensão subjetiva da segurança jurídica), e portanto, no direito brasileiro, pode obstar o cabimento da rescisória, quando a jurisprudência dominante muda de rumo ou quando a lei, em que se baseia a decisão, seja tida por inconstitucional”.[1]

Interessa-nos especialmente uma parte da explicação: “quando a jurisprudência dominante muda de rumo”.

Ora, antes da decisão que formou o Tema 210, os Tribunais de Justiça e o Superior Tribunal de Justiça decidiam irresolutos em favor do princípio da reparação civil integral, ora fundados no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, ora abrigados no art. 944 do Código Civil.

Assim, as partes que demandaram confiantes na jurisprudência dominante não podem ser prejudicadas do nada, de maneira abrupta, pela aparente guinada que lhe traria o Tema 210. Isso sequer era previsível ao tempo do ajuizamento. Ter em vista esse grau da segurança que se perderia com uma reviravolta súbita é no mínimo justo, harmônico aos importantes princípios fundamentais do Direito: proporcionalidade, equidade, isonomia e, em especial, o da segurança jurídica.

O Ministro Luiz Fux é muito feliz ao dizer: “A raiz da vexata quaestio reside na fundamental segurança jurídica, que preceitua vedação à surpresa, a proteção da confiança e a previsibilidade do direito, como fatores essenciais ao adequado planejamento das atividades econômicas e correlatas”.[2]

Segurança jurídica que está enraizada na estrutura do Código de Processo Civil, fortemente influenciado pela Escola de Chicago e sua visão econômica do Direito. A cultura dos precedentes se torna mais forte, mais justa, mais equilibrada ao contemplar a modulação como importante mecanismo de calibragem (art. 927, CPC).

E continua o ministro:

Precisamente porque a alteração inopinada da jurisprudência acarreta severas dificuldades práticas, estabelece o novo Código de Processo Civil o dever de uniformidade, estabilidade, integridade, e coerência dos precedentes, os quais ganham caráter vinculante (artigos 926 e 927 do CPC/2015). Sob a perspectiva da análise econômica do Direito, o respeito aos precedentes é extremamente valioso, porquanto elabora um arcabouço informativo destinado a diminuir a possibilidade de erros judiciários, reduzindo o ônus ligados a limitações de tempo e de expertise dos aplicadores do Direito. Ademais, os agentes econômicos valorizam a segurança jurídica decorrente de um sistema de precedentes vinculantes. Ao passo que esses agentes são estimulados a se dedicarem a atividades mais produtivas quando seus direitos estão bem delineados e seguros, tem-se ainda o efeito desejável de redução no número de litígios”.[3]

 

Evidencia-se em sua fala a importância reservada à modulação, ferramenta legal capaz de desentortar injustiças, preparando as acomodações do lar para a chegada feliz do precedente.

Por isso é importante reiterar que a decisão de repercussão geral do Tema 210 não pode atingir as ações ajuizadas antes de sua existência ser nem mesmo cogitada no mundo jurídico, ações propostas com substrato em uma leitura do Direito completamente distinta, culturalmente antipática à limitação de responsabilidade da Convenção de Montreal.

Para além de qualquer discussão sobre a eventual incidência do Tema 210 nos casos de transportes de cargas em geral ou da primazia do princípio da reparação civil integral, a modulação ainda assim é de uma importância monstruosa.

Isso para o caso de realmente aplicar.

Pois bem recentemente, é certo, o próprio Supremo se manifestou contrário a estender a decisão para o contexto sub-rogatório da seguradora no transporte aéreo internacional de cargas.

No caso, em que atuamos em defesa da seguradora, o Tribunal de Justiça de São Paulo havia aplicado o Tema 210 e a limitação de responsabilidade em favor do transportador aéreo, e o Superior Tribunal de Justiça, afirmando por sua vez se basear na jurisprudência do STF, seguiu pelo mesmo caminho.

No entanto, chegando à análise do mesmo Supremo que deu origem à temática decisão, e de cujas implicações por isso estaria particularmente ciente, reformou o acórdão e ali reconheceu de forma bastante clara: o tema nº 210 não se aplicava ao contexto do transporte de cargas nem à atuação da seguradora sub-rogada.

Proferida no Ag. Reg. no RE 1.242.964/SP foi esta uma decisão de natureza instrumental que atingiu o direito substancial, espécie de pleito dentro do pleito (trial within the trial). Isto é, dando fim a toda a confusão que vinha surgindo aqui e ali nos Tribunais, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o tema nº 210, que versa especificamente sobre transporte de passageiros, nada tem que ver com os casos a envolverem inadimplemento contratual de transporte de cargas por desídia operacional do transportador.

 

 

A ratio decidendi diverge de forma considerável. E essa divergência inibe o alinhamento simétrico já comentado, que é imprescindível para a aplicação de um precedente. A decisão recorrida havia reconhecido a limitação de responsabilidade em favor do transportador, ignorando o princípio da reparação civil integral, prejudicando sobremaneira a seguradora sub-rogada. O Supremo Tribunal Federal não se manteve insensível a essa diferença. O Ministro Luiz Fux ali expôs com clareza solar as diferenças entre as situações:

“Impende destacar, ainda, a existência de distinção entre o caso sub examine, que versa sobre danos decorrentes de falha na prestação de serviço de transporte aéreo de cargas e o consequente direito de regresso decorrente de contrato de seguro, e o leading case objeto do Tema 210 da Repercussão Geral (RE 636.331, Rel. Min. Gilmar Mendes), em que controvertida a limitação da responsabilidade de transportadoras áreas de passageiros por extravio de bagagens em voos internacionais, não se aplicando à espécie, por conseguinte, a tese firmada no referido precedente.(Ag. Reg. no RE 1242964/SP, Rel. Min Luiz Fux, Primeira Turma, DJE 02.06.20)”.

 

E continuava o Ministro, reconhecendo o caráter atual e dominante na jurisprudência do seu pensamento:  “No mesmo sentido também foram as decisões monocráticas proferidas no RE 1.161.718, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 20/9/2018; no ARE 1.146.801, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 10/8/2018; no ARE 1.126.792, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 27/4/2018; no ARE 1.028.371, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 31/3/2017; no AI 773.833, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 19/6/2013, casos análogos ao presente.”

Isso porque, em um olhar mais aprofundado, o transporte de carga realmente não se confunde com o transporte de passageiros: faltas e avarias são coisas bem distintas de um simples extravio de bagagem. As implicações negociais são muito mais amplas e complexas, sobretudo quando aneladas ao contrato de seguro. Quando a seguradora pleiteia a reparação de danos, ela faz jus à reparação civil integral não só por conta do princípio estampado no art. 944 do Código Civil, mas também por força do enunciado de Súmula nº 188 do Supremo Tribunal Federal.

Suas reivindicações não derivam do contrato de transporte, nem guardam com ele relação senão acidental, pontual e insubmissa. Decorrem diretamente da lei, em vigência do contrato de seguro e em função do pagamento da indenização. A posição da seguradora sub-rogada é muito parecida com a do dono da carga. Mas não é igual. Surge, inclusive, uma distinção processual importantíssima, a respeito da causa de pedir de um e outro.

 

 

E é precisamente com base na própria Convenção que muitos Tribunais Estaduais têm rejeitado as disposições tarifadas no caso da seguradora, a exemplo desta decisão do Desembargador Melo Colombi:

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. TRANSPORTE AÉREO. CARGA. AVARIA. SEGURO. REGRESSO. CONVENÇÃO DE MONTREAL. DECADÊNCIA. LIMITE. 1. Ainda que a Convenção de Montreal se aplique a indenizações por dano material relativas a carga, é certo que a própria convenção observou que não afetaria direito de regresso. O direito de regresso, então, segue normas internas. 2. Não cabe aplicação da indenização tarifada da Convenção de Montreal quando a carga transportada é devidamente informada, inclusive quanto a seu valor. 3. O Mantra Siscomex supre a falta de protesto. Diante disso, não há que se falar em decadência por falta de protesto. 4. A empresa que efetivamente presta o transporte é parte legítima para responder por danos decorrentes desse serviço. 5. Recurso não provido.

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(TJSP - Ap. Cível nº 1061664-45.2019.8.26.0100 - 14ª Câmara de Direito Privado - rel. Melo Colombi - J. 12/02/2020)

 

Isso acontece porque a própria Convenção de Montreal prevê que o direito de regresso não pode ser prejudicado, e por consequência não se submete ao critério da limitação tarifada. É o que o art. 37 determina: “Nenhuma das disposições da presente Convenção afeta a existência ou não do direito de regresso da pessoa responsável pelo dano, contra qualquer outra pessoa.”.

Então, a despeito de qualquer outra discussão a respeito do assunto, é certo dizer que a limitação de responsabilidade simplesmente não é oponível à seguradora sub-rogada, exatamente como entendeu o Ministro Alexandre de Moraes, em voto no ARE 1.146.801:

“No caso dos autos, inaplicável o referido precedente paradigma, pois não se trata de transporte de passageiros e de bagagem, mas de vício na prestação de serviço de transporte aéreo de mercadoria e o consequente reconhecimento do direito de regresso da parte recorrida decorrente de contrato de seguro.”

 

Considerando que muitos litígios do gênero são patrocinados por seguradoras há ainda um outro elemento: o conflito que se daria entre o Tema nº 210 e a Súmula nº 188 do Supremo Tribunal Federal.

A Súmula deixa ver claramente a garantia de que goza a seguradora no direito de regresso, não deixa dúvida que há de reaver a integralidade dos valores que indenizou. Eventual aplicação do Tema 210 contra ela, destruindo as bases da Súmula, produziria uma série de imbróglios jurídicos e econômicos.

 

É como se o Supremo Tribunal Federal se desdissesse e, com isso, prejudicasse não apenas a companhia, mas todo o colégio de segurados (princípio do mutualismo) e, indiretamente, a sociedade, tendo em conta as consequências custosas que isso traria ao negócio de seguro, intimamente vinculado à vida comum pela função social que exerce.

Informadora do Código de Processo Civil, a própria visão econômica do Direito seria atingida, e todo um edifício de cálculos de seguro viria abaixo; em decorrência disso, a seguradora precisaria envidar esforços em uma reengenharia que desconsiderasse o peso do ressarcimento, mergulhado nas incertezas limitativas da Convenção.

Casos de descumprimento contratual de transporte de cargas, inseridos no contexto da sub-rogação da seguradora, não podem se submeter a esse critério, independentemente do pagamento do chamado frete ad valorem.

Em primeiro lugar porque a seguradora não pode ser prejudicada por aquilo que o segurado faz ou deixa de fazer em prejuízo do ressarcimento dela (art. 786, §2º, CC).

Em segundo lugar, a dinâmica entre seguradora e transportador, surgida da sub-rogação legal, não é precisamente a mesma da relação original de transporte. Nem deve ser encarada da mesma forma.

Em terceiro lugar, a seguradora pagou o valor inteiro. Por que doida razão haveria de receber somente a parte diminuta do ressarcimento, as migalhas que lhe sobra após esse estranho tarifamento, calculado ao peso da carga?

Ainda mais hoje em dia em que peso sequer é sinônimo de valor.

Basta imaginar as novas tecnologias: microchips, smartphones, remédios. Colocados sobre as balanças de antigamente, a levar em conta só o peso, e mais nada, seriam tidos por pequenas irrelevâncias, quase esvaziadas de valor em sua massa exígua e diminuta. Hoje é impossível entender assim; tendo em mente as alterações no mundo dos fatos, à luz da teoria tridimensional do Professor Miguel Reale, a limitação tarifada nos moldes atuais chega a carecer de toda lógica.

De fato, o eixo do transporte de cargas difere do pretenso precedente em que se tenta por vezes enquadrá-lo; constitui-se à base da estrutura sub-rogatória, a incutir no transportador impunido, que não foi vítima de nenhum desastre aéreo, o sentimento de que precisa realmente oferecer um serviço decente. Do contrário, é como se lhe permitissem gratuitamente causar danos às expensas do segurador alheio, com a limitação tarifada perdoando-lhe toda a dívida, sem precisar dar a menor, a mais escassa justificativa.

 

 

Envolvida pelos laços da imaginação e da hipótese, a limitação de responsabilidade em relação à seguradora seria essencialmente injusta. Enquanto seria obrigada por força do contrato de seguro a pagar a totalidade dos valores sinistrados, ela teria direito de se ver ressarcida sempre em valor inferior ao que indenizou. Passaria assim a existir um direito fundamentalmente torto, insensível ao bom senso ao qual ele nada passaria a dever, como se a própria Justiça se pusesse a um canto sentada, muda, as mãos atadas pela lei que jurou defendê-la.

No que diz respeito à modulação, é perfeitamente lícito supor que, houvesse ao menos identidade de matérias entre o Tema 210 e um caso de transporte aéreo internacional de carga frustrado, o precedente não seria aplicado de forma mecânica, com irrefletido automatismo.

Um Tribunal Superior não pode mudar num talho de foice o entendimento jurisprudencial de longa data, consolidado nos Tribunais em geral, sem realizar os devidos ajustes no processo de transição que se lhe seguirá. Também oferecem amparo a esse modo de ver, além do art. 927, §3º do Código de Processo Civil, os arts. 23 e 24 da LINDB, ali introduzidos pela Lei 13.655/2018 (Lei da Segurança Jurídica):

Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.

Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.

Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.”

 

Como diz a professora Teresa Arruda Alvim: “O artigo 24, por sua vez, tem o alcance que, a nosso ver, deve ser efetivamente atribuído ao instituto da modulação. Diz que, quando o Judiciário revê certo ato, contrato, ajuste etc., que tenha se completado à luz de “orientações gerais da época”, para se verificar da sua validade, devem-se levar em conta, como parâmetro, exatamente as orientações urgentes à época da ocorrência do ato, do contato etc., e não aquelas decorrentes de mudança de posicionamento posterior.”.[4]

Detivesse a decisão de repercussão geral sobre transporte de passageiros força de precedente ao transporte de cargas com inadimplemento culpável do contrato de transporte, ainda assim não seria aplicável aos litígios anteriores ao julgado, eis que a demanda se havia deflagrado quando ninguém colocava em dúvida a indenização integral.

Quando a seguradora realizou o pagamento da indenização e buscou judicialmente o ressarcimento, o cenário era um; no curso da disputa judicial muitas vezes insinuou tornar-se outro, capaz de lhe reduzir às migalhas o direito de regresso. Ajuizara a ação crente no princípio da reparação civil integral (art. 944, CC), sabedora do caráter legal da sub-rogação, protegida pelo §2º do art. 786 do Código Civil e fiel à efetividade da Súmula 188 do STF.

Certamente não o fez contando com uma limitação indenizatória surpresa, a aparecer qual um fantasma que não estava lá. Permitir essa fantasmagoria limitativa traria ferimentos graves a todo o segmento empresarial do seguro. Em consequência disso, além de colidir com o princípio da não-surpresa, causaria um ferimento grave à visão econômica do Direito, nos termos em que a entende a Escola de Chicago.

Pois é de se imaginar a imensidão dramática do prejuízo que numa lufada de ar entraria pela janela da jurisprudência, cruzaria os corredores da seguradora e, alcançando os cálculos de seguro, reviraria números do avesso, desregulando-os, sem aviso, de uma hora para outra.

De maneira nenhuma o tema nº 210 pode ser tido como precedente para os casos de transporte de cargas, sobretudo nos casos que envolvem seguro, tal como o asseverou o Supremo Tribunal Federal.

Ao discriminar os dois transportes, a Suprema Corte, pois, levou em conta um dos principais postulados da visão econômica do Direito, segundo o qual não se pode lesar um segmento inteiro da economia para favorecer um outro — muito menos nos casos em que este procedeu de forma ilícita e desastrosa.

E fez bem.

Pois, sabendo-se beneficiadas de antemão pela indenização tarifada no transporte de cargas seguradas, as companhias aéreas se sentiriam quase que motivadas a prestar um serviço ruim; a indenização securitária paga, ficariam como que encostadas, em desleixada posição, como que a saborear no prejuízo alheio os méritos da própria ineficiência.

 

Paulo Henrique Cremoneze e Leonardo Quintanilha

 

 


[1] Modulação na alteração da jurisprudência firme ou de precedentes vinculantes – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 15.

[2] Modulação na alteração da jurisprudência firme ou de precedentes vinculantes / Teresa Arruda Alvim – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 5 (Prefácio).

[3] Op. Cit., p. 6 (Prefácio)

[4]A FORÇA DA JURISPRUDÊNCIA NO CPC DE 2015 E A MODULAÇÃO, https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2020/1/2020_01_1389_1410.pdf

Sobre os autores
Paulo Henrique Cremoneze

Sócio fundador de Machado, Cremoneze, Lima e Gotas – Advogados Associados, mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos, especialista em Direito do Seguro e em Contratos e Danos pela Universidade de Salamanca (Espanha), acadêmico da ANSP – Academia Nacional de Seguros e Previdência, autor de livros jurídicos, membro efetivo do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo e da AIDA – Associação Internacional de Direito do Seguro, diretor jurídico do CIST – Clube Internacional de Seguro de Transporte, membro da “Ius Civile Salmanticense” (Espanha e América Latina), associado (conselheiro) da Sociedade Visconde de São Leopoldo (entidade mantenedora da Universidade Católica de Santos), patrono do Tribunal Eclesiástico da Diocese de Santos, laureado pela OAB Santos pelo exercício ético e exemplar da advocacia, professor convidado da ENS – Escola Nacional de Seguros e colunista do Caderno Porto & Mar do Jornal A Tribuna (de Santos).

Leonardo Quintanilha

Acadêmico de Direito. Membro do escritório MCLG - Advogados Associados

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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