A (des)necessidade do servidor público que exerça sua atividade laboral fora da circunscrição eleitoral de se desincompatibilizar

Direito Constitucional. Direito Eleitoral. Lei Complementar nº 64/90.

Leia nesta página:

O presente artigo visa analisar a situação do servidor público (estadual ou municipal) que objetiva se candidatar fora da circunscrição de suas atividades laborais.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo visa analisar a situação do servidor público (estadual ou municipal) que objetiva se candidatar fora da circunscrição de suas atividades laborais.

Será analisado aspectos constitucionais do ponto de vista das inelegibilidades, assim como as desincompatibilidade e afastamentos.

2. INELEGIBILIDADE e DESINCOMPATIBILIDADE

Os casos de inelegibilidades estão previstos na Constituição Federal, no seu art. 14, § 9º relata que:

Art. 14

§ 9º Lei Complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, com a finalidade de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício da função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

As inelegibilidades são casos de restrição ou inexistência do direito público político subjetivo passivo (direito de ser votado).

E, no § 9º, do art. 14, da CF/88 relata que compete a Lei Complementar estabelecer outros casos de inelegibilidade.

Sendo que os casos de inelegibilidade precisa ter a finalidade de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício da função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

Em cumprimento as referidas finalidades é que foi sancionada a Lei Complementar nº 64/90.

A alínea “l” do inc. II do art. 1º da LC 64/90, relata in verbis,

Art. 1º São inelegíveis:

I) os que, servidores públicos, estatutários ou não, dos órgãos ou entidades da Administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos Territórios, inclusive das fundações mantidas pelo Poder Público, não se afastarem até 3 (três) meses anteriores ao pleito, garantido o direito à percepção dos seus vencimentos integrais;

Extrairmos da inteligência da referida alínea que o objetivo da referida inelegibilidade foi cumprir a finalidade constitucional de proteger o pleito do abuso do exercício da função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

Preliminarmente podemos interpretar a comentada inelegibilidade, desde que haja possibilidade real de abuso do exercício da função, cargo ou emprego, que interfira desproporcionalmente no pleito eleitoral.

O Prof. Marcos Ramayana (Ramayana, 2011) aduz que a exegese interpretativa das inelegibilidades deve ser restritiva, pois, são exceção constitucional e infraconstitucional, in verbis

“Assim é indubitável que as inelegibilidades surgem como exceções constitucionais e infraconstitucionais, dentro do contexto normativo vigente. A exceção merece tratamento exegético restritivo, conforme diversos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais (TSE e STF) sobre o assunto.”

Corroborando com esse entendimento Marcilio Nunes Medeiros (Medeiros, 2017) relata que “por se tratarem de normas restritivas do direito à elegibilidade, as causas de inelegibilidade devem ser interpretadas restritivamente”.

Assim, a doutrina e jurisprudência criou o instituto da desincompatibilização, que é o afastamento do cargo ou função no período estabelecendo em lei, para que o ocupante do referido cargo ou função não incida na inelegibilidade.

Para o Prof. Frederico Alvim (Alvim, 2016), a desincompatibilização e o afastamento

“pode ser conceituado como o ato pelo qual o ocupante de determinada função pública dela se afasta, em prazo suficiente para que não se torne inelegível”

Em Parecer Técnico do Dr. Anderson de Oliveira Alarcon, citando Alvim 2016 relata que

“[...] encontra(m) justificativa na preservação da igualdade de oportunidades entre os candidatos, isto é, no imperativo equilíbrio da disputa, cuidando de depurá-la da influência abusiva de fatores políticos ou pondo óbice ao intento antirrepublicano de assenhoramento do poder, que fundamenta a própria existência dos processos eleitorais, prestigiando assim a renovação periódica da representação” (ALVIM, 2016, p. 172).

Por sua vez, a jurisprudência dispõe que

“[...] Desincompatibilização é o ato pelo qual o candidato é compelido a se afastar de certas funções, cargos ou empregos, na administração pública, direta ou indireta, com vistas à disputa eleitoral. Trata-se de previsão constitucional, prevista no art. 14, § 9º da CR/88 que busca proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego [...] (RE nº 7174, de 1º/09/09, disponibilizado no DJE de 10/09/2009)”.

Ainda,

“(...) Entende-se por desincompatibilização a saída voluntária de uma pessoa, em caráter provisório ou precário de direito ou de fato, de um cargo, emprego ou função pública ou privada, pelo prazo exigido em lei, a fim de elidir inelegibilidade que, se não removida, impede essa pessoa de concorrer a um ou mais mandatos eletivos. (...)” Ac. TRE-MG nº 1691, de 23\08\2004, publicado em Sessão.

Destarte que o intento da desincompatibilização e do afastamento é de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração pública direta ou indireta, tudo em prol da equidade eleitoral.

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Deste modo, o bem jurídico protegido é a lisura das eleições, com atenção acurada ao princípio republicano, de modo que a coisa pública não seja utilizada para fins privados, no caso, eleitoreiros e, assim, quebre por completo a igualdade de chances entre os competidores.

Pois o almejado é evitar que a proximidade funcional do pré-candidato com a Administração Pública venha a influenciar nas eleições, o que poderia causar desequilíbrio na disputa, ferindo o princípio da igualdade, uma vez que outros candidatos que não têm qualquer vínculo com poder público ficariam em desvantagem.

Outrossim, segundo Marcilio Nunes Medeiros (Medeiros, 2017), a desincompatibilização adotou o principio da territorialidade, na qual somente se exige o afastamento do cargo exercido em território coincidente ao da circunscrição eleitoral.

Veja o referido posicionamento (Medeiros, 2017), in verbis

Somente é exigível a desincompatibilização nos casos em que o cargo ou função é exercido na circunscrição da eleição. Se o interessado exerce suas funções em uma localidade e pretende candidatar-se em outra, não há necessidade de desincompatibilização.

O legislador presumiu que nas situações que induzem a desincompatibilização poderia haver influência indevida do candidato sobre o eleitorado em razão do exercício de suas funções, daí por que, díspares a circunscrição do pleito e o local das atividades, não incidem as regras de desincompatibilização. A conciliação entre o desempenho do cargo ou função em determinado local e a realização de campanha eleitoral em outro é matéria que escapa ao exame da Justiça Eleitoral, devendo, se for o caso, ser resolvida na esfera administrativa, sob o aspecto disciplinar. (grifamos)

Assim, também, é o entendimento de José Jairo Gomes (Gomes, 2017), in verbis

“vale registrar o entendimento segundo o qual – em eleição municipal – não é necessária a desincompatibilização de servidor público estadual (e, portanto, também o servidor federal) que não exerce suas funções no município em que pretende se candidatar. Nesse sentido: TSE – REspe no 12418/PI – DJe 1-7-2013”.

Esse é o entendimento pacifico da jurisprudência pátria:

"Diversamente do que fixado pelo voto condutor do aresto regional, a causa de inelegibilidade por ausência da desincompatibilização prevista na alínea 'I' do inciso 11 do art. 1º da LC nº 64/90 não se aplica, porque a candidata exercia cargo em comissão na Assembleia legislativa Estadual, em município diverso do qual pretendeu a candidatura à prefeitura municipal. Precedentes. Segundo este Tribunal, - desnecessária a desincompatibilização de servidor público – ainda que estadual- que exerce suas funções em município distinto do qual se pretende candidatar '(AgR-REspe nº 189-77/CE, Rei. Ministro Arnaldo Versiani, publicado na sessão de 27.9.2012)."(TSE, REsp n• 12418/PI, julg. 16/05/2013, rei. Laurita Hilário Vaz, pub. 01/07/2013).

Se a candidata a vereadora exerce cargo em comissão de secretária escolar em município diverso daquele no qual pretende concorrer, não é exigível a desincompatibilização de suas funções. As regras de desincompatibilização objetivam evitar a reprovável utilização ou influência de cargo ou função no âmbito da circunscrição eleitoral em detrimento do equilíbrio do pleito, o que não se evidencia na hipótese, em que a candidata trabalha em localidade diversa à da disputa (TSE, AR·REsp n• 6714/CE, julg. 07/03/2013, rei. Henrique Neves, pub. 09/04/2013}.

"Inelegibilidade. Servidor público estadual. Desincompatibilização. É desnecessária a desincompatibilização de servidor público - ainda que estadual - que exerce suas funções em município distinto do qual se pretende candidatar. Agravo regimental não provido. (TSE, AR-REsp n• 18977/CE, JUig. 27/ 09/2012, rei. Arnaldo Versiani, psess).

3. CONCLUSÃO

Pelo exposto, entendo, no presente artigo que o servidor estadual e municipal que exerce atividade laboral (local de trabalho) diverso do município e/ou da circunscrição do pleito de que pretende se candidatar não precisa se desincompatibilizar, pois, a finalidade é evitar a utilização do cargo ou influência do cargo ou função no âmbito da circunscrição eleitoral em detrimento do equilíbrio do pleito.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

RAMAYANA, Marcos, Direito Eleitoral. 12ª.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 201

MEDEIROS, Marcilio Nunes. Legislação eleitoral comentada e anotada. Salvador: JusPodivm, 2017

ALVIM, Frederico Franco. Curso de Direito Eleitoral. 2º Ed. Curitiba: Juruá, 2016

ALARCON, Anderson de Oliveira; BARCELOS, Guilherme Rodrigues Carvalho. Parecer Técnico. Brasília. 10 de jun. de 2016. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/dl/parecer1.pdf>. Acesso em: 26 de jun. de 2020.

Sobre o autor
Diego Avelino Milhomens Nogueira

Procurador Municipal, Advogado, consultor e assessoria jurídica na seara administrativa, pós-graduado em Advocacia Pública Municipal, e, Licitações e Contratos Públicos Municipais, Vice-Presidente da Comissão de Valorização das Procuradorias Municipais da OAB/TO.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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