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Introdução ao estudo do Direito:

uma análise zetética da dogmática jurídica

14/05/2006 às 00:00
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1. Introdução

Nas Faculdades de Direito, a Introdução ao Estudo do Direito é a matéria encarregada de fornecer ao estudante as noções fundamentais para a compreensão do fenômeno jurídico.

Nessa disciplina, dois enfoques são possíveis: o estudo do Direito enquanto ciência ou sistema normativo – dogmática jurídica – e o estudo do Direito sob o ponto de vista de outras disciplinas que o têm como objeto – zetética jurídica –, tais como a Filosofia do Direito e a Sociologia do Direito. Ferraz Jr. (2003:41) afirma que "toda investigação acentua mais um enfoque que o outro, mas sempre tem os dois". Dessa maneira, surge a seguinte questão: qual dos enfoques deve ser acentuado para a aquisição de um conhecimento jurídico mais sólido? Tem razão o referido autor quando diz que se deve privilegiar o enfoque dogmático, porém sob uma análise zetética; ou seja, um estudo crítico da Ciência do Direito. Assim, este texto tem o propósito de mostrar por que se prefere tal abordagem e como foi desenvolvido o trabalho de monitoria na disciplina Introdução ao Estudo do Direito.

A exposição começa mostrando como se encontra o Direito na contemporaneidade. Em seguida, são explicados, mais detidamente, os enfoques teóricos admissíveis numa Introdução ao Estudo do Direito. Posteriormente, analisa-se a metodologia utilizada, no exercício da monitoria, para alcançar o objetivo de otimização do ensino, a saber: a formação de grupo de estudos. Na conclusão, é revelada a importância da disciplina e dos trabalhos da monitoria.


2. O Direito na Atualidade

Antes de falar do Direito nos correntes dias, é preciso fazer um breve comentário acerca da situação em que se encontra a sociedade contemporânea ou pós-moderna (1). Para isso, emprega-se, neste tópico, a terminologia utilizada por Hannah Arendt na obra A Condição Humana.

Nos dias atuais, a concepção do mundo é resultado da vitória da sociedade do animal laborans sobre a sociedade do homo faber. Enquanto nesta o centro dos cuidados humanos é a propriedade e o mundo divide-se em propriedades; na sociedade do animal laborans, o centro já não é o mundo construído pelo homem, mas a mera necessidade da vida; a pura sobrevivência (cf. Arendt, 2005:336).

Diferentemente do mundo do homo faber, no qual o significado das coisas se instrumentaliza – o significado que deveria ser dado pela ação, pelo pensar, pela política, pelo agir conjunto, passa a ser dado por uma relação funcional de meios e fins –, no mundo do animal laborans, tudo se torna absolutamente descartável, nada tendo sentido, senão para a sobrevivência de cada qual. Esta é uma verdadeira sociedade do consumo ou dos operários, em que os homens passam a ser julgados, todos, segundo as funções que exercem no processo de trabalho e de produção social.

Tratando do mesmo assunto, Ferraz Jr. (2003:27) coloca o seguinte:

Se antes, no mundo do homo faber, a força de trabalho era ainda apenas um meio para produzir objetos de uso, na sociedade de consumo confere-se à força do trabalho o mesmo valor que se atribui às máquinas, aos instrumentos de produção. Com isso, instaura-se uma nova mentalidade, a mentalidade da máquina eficaz, que primeiro uniformiza coisas e homens para, depois, desvalorizar tudo, transformando coisas e homens em bens de consumo.

Destarte, a sociedade do consumo baseia-se num interminável ciclo de produção de objetos de consumo, de tal modo que o produto final sempre é visto como meio para o aumento da produção. Na lógica dessa sociedade, tudo o que não serve ao processo vital é destituído de significado. Até a atividade de pensar torna-se ainda mais privilégio de poucos e somente é valorizada como mero ato de prever conseqüências. Percebe-se, assim, a valorização dos saberes técnicos. E, no Direito, essa lógica da sociedade do consumo torna-o mero instrumento de atuação, de controle, de planejamento, tornando-se a ciência jurídica um verdadeiro saber tecnológico.

Por conta disso, a Ciência do Direito, nesse contexto, costuma vislumbrar seu objeto – o direito posto e dado previamente – como um conjunto compacto de normas, instituições e decisões que lhe compete sistematizar, interpretar e direcionar, tendo em vista uma tarefa prática de solução de conflitos que ocorram socialmente. Desse modo, na atualidade, o Direito é visto como instrumento decisório, preocupando-se o jurista com a coerência e com a precisão do direito que ele postula, orientado para uma ordem finalista que protege a todos indistintamente.

Observa-se, conseqüentemente, que o Direito deixa de assentar-se sobre a natureza, sobre o costume, sobre a razão e sobre a moral para basear-se na uniformidade da própria vida social, da vida social moderna, com sua imensa capacidade para a indiferença – o homem, criador do Direito, é tido apenas como um bem de consumo. Apesar disso, a consciência de nossas circunstâncias não deve ser entendida como um momento final, mas como um ponto de partida. Não é, pois, com a mentalidade de resignação à situação contemporânea que se deve iniciar o estudo do Direito, mas sim com a de transição.


3. Enfoques Teóricos: Zetética e Dogmática

A importância de se fixar, logo no início da disciplina Introdução do Estudo do Direito, o enfoque teórico a ser adotado está relacionada à forma como se comunicam cada uma das ciências, visto que é normal haver divergências na linguagem adotada por elas. Na Física, por exemplo, a comunicação tem sentido estritamente informativo; já no Direito, além desse sentido, pode haver o diretivo (2). Ora, o uso que se fará da língua depende do enfoque adotado. Assim, o direito, como objeto, pode ser estudado de diferentes ângulos. Para esclarecê-los, Ferraz Jr. distingue, genericamente, entre um enfoque zetético e um dogmático, referindo-se ao jurista alemão Theodor Viehweg.

A palavra zetética vem de zetein, que significa perquirir, investigar. Por outro lado, a palavra dogmática vem de dokein, que significa ensinar, doutrinar. No enfoque zetético, predomina a função informativa da linguagem; enquanto, no dogmático, essa função combina-se com a diretiva, ganhando, esta, grande importância. A zetética é mais aberta, pois suas premissas são dispensáveis. Ou seja, elas podem ser substituídas, se os resultados não forem satisfatórios. Portanto, as interpretações devem conformar sempre as premissas aos problemas. Ao contrário, a dogmática é mais fechada, pois está presa a conceitos previamente fixados, obrigando-se a interpretações capazes de conformar os problemas às premissas. O enfoque zetético procura saber o que é uma coisa (o que é algo?); enquanto que o dogmático preocupa-se em possibilitar uma decisão e orientar a ação (como deve-ser algo?). Na zetética, não se questionam certos enunciados quando esses são admitidos como verificáveis e comprováveis; na dogmática, as premissas não são questionadas porque elas foram estabelecidas (por um arbítrio, por um ato de vontade ou de poder) como inquestionáveis.

No Direito, o campo da investigação zetética é bastante amplo. É este formado por disciplinas gerais que admitem, no âmbito de suas preocupações, um espaço para o fenômeno jurídico. Assim, são disciplinas zetéticas, por exemplo, a Filosofia do Direito, a Sociologia do Direito, a Criminologia, a Medicina Legal e a Psicologia Forense.

A dogmática jurídica é formada pela Ciência do Direito Penal, do Civil, do Constitucional, do Processual, do Tributário, do Administrativo, do Internacional etc. É uma disciplina definida como dogmática quando considera certas premissas, em si e por si arbitrárias, como vinculantes para o estudo, renunciando-se, assim, ao postulado da pesquisa independente. Por conseguinte, ao contrário das questões zetéticas, as questões dogmáticas são finitas, porquanto esbarram em um dogma, em um ponto de partida. Contudo, essa limitação teórica não deve ser associada a posicionamentos cognitivos demasiado restritivos, formais, intransigentes, cegos ao fenômeno jurídico. Ao contrário, consoante Ferraz Jr. (2003:49):

O jurista, ao se obrigar aos dogmas, parte deles, mas dando-lhes um sentido, o que lhe permite certa manipulação. Ou seja, a dogmática jurídica não se exaure na afirmação do dogma estabelecido, mas interpreta sua própria vinculação, ao mostrar que o vinculante sempre exige interpretação, o que é função da dogmática.

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Por todos os motivos citados, é evidente que o direito, enquanto objeto de conhecimento, deve ser visto de forma diferente, se o enfoque é dogmático ou zetético. Assim sendo, está certo Ferraz Jr. quando opta, com o intuito pragmático de orientar o estudo, por privilegiar a visão dogmática, uma vez que esse é o ângulo com que o Direito é conhecido e ensinado nas Faculdades de Direito. Como o mesmo autor coloca, tal opção não significa, de maneira alguma, um desprezo pela perspectiva zetética. Trata-se apenas de escolher uma tônica dominante. Tanto é que ele escolhe uma Introdução cujo objeto de reflexão é o Direito no pensamento dogmático e cuja análise desse é feita a partir de uma perspectiva zetética. Com isso, Ferraz Jr. (2003:51) define a nossa disciplina do seguinte modo: "Uma Introdução ao Estudo do Direito é uma análise zetética de como a dogmática jurídica conhece, interpreta e aplica o Direito, mostrando-lhe as limitações".

Essa abordagem revela-se modelar na medida em que atende plenamente às necessidades do aluno do primeiro semestre do curso: o ângulo interno – que é o da práxis jurídica – e o ângulo externo – que é o das modalidades por meio das quais o Direito insere-se na vida social, política e econômica. Ademais, haja vista a situação em que se encontra a sociedade e o Direito (ver item anterior), faz-se mister adotar, no início do curso de Direito, uma proposta de estudo que forneça ao aluno uma visão crítica do fenômeno jurídico.


4. Grupo de Estudos na Introdução ao Estudo do Direito

Não só no Brasil, mas em todo o mundo estudantes, professores e pesquisadores reúnem-se, constantemente, para discutir assuntos determinados. E, por meio de relatos, pode-se notar que esses grupos trazem sempre benefícios a todos os participantes, seja através da troca de conhecimentos, seja por meio dos métodos adotados no grupo (apresentações, leituras). Logo, a importância desse tipo de projeto é fundamental para a otimização do ensino e para o desenvolvimento da pesquisa.

Com o desígnio de iniciar o pensamento jurídico sob uma perspectiva crítica, utilizou-se, como metodologia da monitoria de Introdução ao Estudo do Direito, a formação de um grupo de estudos. No grupo, foram selecionadas as mais importantes matérias de Teoria do Direito. Além dos debates sobre variadas temáticas entre os participantes, cada um apresentou um trabalho oral e escrito de seu respectivo tema. O propósito dessas atividades era o de possibilitar aos alunos o uso de elementos fundamentais ao conhecimento, à interpretação e à aplicação do Direito; isto é: reflexão, argumentação e escrita.

O resultado positivo do grupo de estudos de Introdução ao Estudo do Direito foi revelado por meio de depoimentos escritos dos discentes, mas também através das notas por eles obtidas, do caráter relevante das discussões feitas em grupo e da avaliação das exposições orais e escritas realizadas pelos alunos, as quais pretendemos publicar.

A importância do trabalho docente desempenhado na monitoria, muito embora tenha sido mostrada mais intensamente no desenvolvimento e na coordenação do grupo de estudos, é também concernente à participação, juntamente com o professor-orientador, na preparação de material didático e nas atividades de classe.


5. Conclusão

Ao cabo de tudo o que foi dito, deve-se ressaltar que a Introdução ao Estudo do Direito deve, além de dar a possibilidade de entendimento, também dar a de criação e a de construção do saber jurídico, pois, nas palavras de Ferraz Jr (2003:29), "a ciência não nos libera porque nos torna mais sábios, mas é porque nos tornamos mais sábios é que a ciência nos libera". No que tange à monitoria, essa deve trabalhar sempre com o intuito de realizar os objetivos essenciais da disciplina, bem como ajudar na otimização do ensino ministrado pelo professor em sala de aula.


Notas:

(1) Sobre a aceitação ou a rejeição do termo "pós-modernidade", conferir em Guerra Filho, Willis Santiago. Autopoiese do Direito na Sociedade Pós-Moderna: Introdução a uma Teoria Social Sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p.24 e ss.

(2) Conforme Ferraz Jr., uma comunicação tem sentido informativo quando utiliza a linguagem para descrever certo estado de coisas. Tem sentido diretivo quando a língua é utilizada para dirigir o comportamento. Conferir em Ferraz Jr, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 39.


6. Bibliografia

ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução de Roberto Raposo. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Autopoiese do Direito na Sociedade Pós-Moderna: Introdução a uma Teoria Social Sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.

FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

MACHADO, Hugo de Brito. Introdução ao Estudo do Direito. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.

NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 23ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

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Sobre o autor
Bruno Cunha Weyne

Doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Autor do livro "O princípio da dignidade humana: reflexões a partir da filosofia de Kant" (Saraiva, 2013).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WEYNE, Bruno Cunha. Introdução ao estudo do Direito:: uma análise zetética da dogmática jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1047, 14 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8368. Acesso em: 22 nov. 2024.

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