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Aspectos totalitários do Direito Civil Brasileiro

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16/05/2006 às 00:00
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Noção totalitária em outros dispositivos do Código Civil

O art. 1.230, CC, exclui da propriedade do solo "as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos em leis especiais." Além de violento ataque à propriedade particular, por seu conteúdo ideológico, reafirma o princípio totalitário de que o Estado é o grande sábio, onipotente, providenciar maior, gerenciador do que ele mesmo considera que deve gerenciar – o que é o erro lógico definido por Aristóteles [10] como petição de princípio.

Por sua vez, o art. 1.631, parágrafo único, do mesmo diploma, disciplina que quando, no exercício do poder familiar, houver divergência entre os pais, a solução será dada pelo juiz. O Estado-jurisdição imiscui-se no seio da família, em nefasta inobservância do princípio da subsidiariedade, e dita o que deve ser feito no sagrado ambiente doméstico. Assume, então, o Estado, a função de verdadeiro chefe de família, em medida antinatural, e absolutamente totalitária.

Enfim, como último exemplo de ingerência estatal onde não deveria, e cumprindo notar que nosso estudo fornece rol não exaustivo da capacidade de assimilação e legalização de idéias totalitárias, ainda que veladas e mascaradas, por parte do legislador brasileiro – reproduzindo técnica internacional, é bom que se diga –, cabe rápida leitura sobre o art. 1.565, § 2º, novamente do estatuto privatístico:

"Art. 1564. (...)

§ 2º O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito (...)."

Foge ao nosso escopo a análise sobre a moralidade ou juridicidade do planejamento familiar. Concedemos, para fins de debate, que seja admissível pela lei positiva. O que nos causa estranheza é a ausência de qualquer comando que institua o dever do Estado de auxiliar financeiramente as famílias com muitos filhos, e sem recursos suficientes para sustentá-los, o que é próprio do Estado, por sua natureza mesma (além de manter a média demográfica, melhorar os males do sistema previdenciário, e assegurar trabalhadores ativos para a Nação). Ao lado disso, o Estado recebe da lei a tarefa de contribuir para o planejamento, que não é próprio do Estado, não pertence ao grupo de suas finalidades institucionais. Recursos financeiros gerados pelos tributos de todos – até de quem nada tem a ver com o problema – serão utilizados para a implantação de programa caracterizador da introdução do Estado em sociedade inferior, forçando de modo sutil – mesmo que o final do artigo proíba isso – a limitação da natalidade. Melhor seria o Estado, ao invés de meter-se onde não deve, fazer a sua função de auxiliar as famílias numerosas, tarefa que lhe é natural. Recursos para tal não seriam desvirtuamento de produto tributário, mas fruto da solidariedade entre os indivíduos – sentimento que é perigoso para o Estado total.


Notas

01 DI PIETRO, Maria Sylvia Zannella. Direito Administrativo, 15ª ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 69

02 cf. Catecismo da Igreja Católica, 1883

03 "Permanece, contudo, imutável aquele solene princípio da filosofia social: assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem fazer com a própria iniciativa e esforço, para o confiar à coletividade, do mesmo modo passar para uma sociedade maior e mais elevada o que sociedades menores e inferiores, podiam conseguir, é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social. O fim natural da sociedade e da sua ação é coadjuvar os seus membros, e não destruí-los nem absorvê-los." (Sua Santidade, o Papa Pio XI. Encíclica Quadragesimo Anno, de 1º de maio de 1931, nº 79)

04 Sua Santidade, o Papa João Paulo II. Encíclica Centesimus Annus, de 1º de maio de 1991, nº 48

05Catecismo da Igreja Católica, 1885

06 cf. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, vol. 1 – Parte Geral, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 283; AZEVEDO, Álvaro Villaça. Bem de Família, 4ª ed., São Paulo: RT, 1999, cap. 2

07 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 13ª ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 44

08 "Segundo a ordem estabelecida por Deus, deve haver na sociedade príncipes e vassalos, patrões e proletários, ricos e pobres, sábios e ignorantes, nobres e plebeus, os quais todos, unidos por um laço comum de amor, se ajudam mutuamente para alcançarem o seu fim último no céu e o seu bem-estar moral e material na terra." (Sua Santidade, o Papa São Pio X. Motu Próprio Fin dalla Prima, de 18 de dezembro de 1903) "A igualdade entre os homens diz respeito essencialmente à sua dignidade pessoal e aos direitos que daí decorrer. (...) Quando nasce, o homem não dispõe de tudo aquilo que é necessário ao desenvolvimento de sua vida corporal e espiritual. Precisa dos outros. Aparecem diferenças ligadas à idade, às capacidades físicas, às aptidões intelectuais ou morais, aos intercâmbios de que cada um pôde ser beneficiar, à distribuição das riquezas. Os ‘talentos’ não são distribuídos de maneira igual. Essas diferenças pertencem ao plano de Deus; Ele quer que cada um receba do outro aquilo que precisa e que os que dispõem de ‘talentos’ específicos comuniquem seus benefícios aos que dele precisam. As diferenças estimulam e muitas vezes obrigam as pessoas à magnanimidade, à benevolência e à partilha (...)." (Catecismo da Igreja Católica, 1935-1937) "Segundo os ensinamentos do Evangelho, a igualdade dos homens consiste em que, cabendo a todos a sorte da mesma natureza, todos são chamados à dignidade altíssima de filhos de Deus, e também em que, havendo-se assinalado a todos um só e mesmo fim, todos hão de ser julgados pela mesma lei, para conseguir, segundo seus merecimentos, o castigo ou a recompensa. Entretanto, a desigualdade de direito e poder dimana do autor mesmo da natureza ‘de quem toda paternidade recebe seu nome no céu e na terra’ (Ef 3,15). Agora bem, de tal maneira se enlaçam entre si por mútuos deveres e direitos, segundo a doutrina e os preceitos católicos, as mentes dos príncipes e dos súditos que por uma parte se modera a ambição de mando, e por outra se faz fácil, firme e nobilíssima a razão da obediência." (Sua Santidade, o Papa Leão XIII. Encíclica Quod Apostolici Muneris, de 28 de dezembro de 1878)

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09 DI PIETRO, Maria Sylvia Zannella. op. cit., p. 550

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Sobre o autor
Rafael Vitola Brodbeck

Delegado de Polícia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRODBECK, Rafael Vitola. Aspectos totalitários do Direito Civil Brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1049, 16 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8389. Acesso em: 29 mar. 2024.

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