Ensaio sobre a felicidade contemporânea

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14/07/2020 às 22:57
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O presente texto não tem a ousadia de esgotar tão vasto e precioso tema, mas, contudo, traçar-lhe as principais referências, principalmente em tempos de pandemia.

Palavras-chave: Filosofia. Felicidade. Idade Contemporânea. Significado e significante.

 

É extremamente desafiador conceituar objetivamente o que seja, afinal, a felicidade humana. Trata-se de conceito humano e mundano submetido a uma miríade de variantes que vão desde aspecto geográfico, cultural, econômico, filosófico e, principalmente, metafísico.

 

O mais remoto filósofo a tratar do tema foi Tales de Mileto[1] que afirmava que julgava feliz quem tem “corpo são e forte, boa sorte e alma bem formada”. Vale lembrar que a expressão “boa sorte” é muito reverenciava, pois dela dependia a felicidade.

 

Conclui-se que feliz é quem tem físico saudável acompanhado de um intelecto e espírito equilibrados. Em grego, a felicidade significa eudaimonia, que significa literalmente “bom demônio”. Afinal, ter boa sorte significava, para os gregos ter um “bom demônio” ao invés de um mal.

 

O ser feliz era quem dispunha desse “bom demônio”, o que está relacionado diretamente com a sorte de cada um. O demônio era uma espécie de semideus que acompanhava os seres humanos.

 

Já para Sócrates que adotava visão dualista do homem, enfatizava a necessidade de satisfazer igualmente os desejos e necessidades tanto do corpo como da alma, alcançando um equilíbrio entre estes. Antístenes veio completar tal raciocínio ao enunciar que o homem feliz é aquele que é autossuficiente.

 

Entre os séculos X a V a.C., o pensamento grego tendeu considerar os maus demônios como sendo os mais frequentes que os bons e, também, passaram apresentar uma visão pessimista da existência humana[2].

 

A mais autêntica expressão desse pessimismo grego é dada pelo antigo provérbio grego, segundo o qual “a melhor de todas as coisas é não nascer”. E, foi a filosofia que rompeu com essa visão pessimista e ainda procurou estabelecer orientações para que o ser humano procurasse a felicidade.

 

Desde antigos gregos, vive-se em busca da felicidade e tal busca é compartilhada por filósofos, teólogos, psicólogos e cientistas sociais.

 

Demócrito de Abdera (aproximadamente 460 a 370 a.C.) julgava que a felicidade era “a medida do prazer e a proporção da vida”. E, para tanto, o homem precisava deixar de lado as ilusões e os desejos para atingir a serenidade. Sendo a filosofia, o instrumento que possibilitava esse processo.

 

Foi Sócrates que deu nova acepção à felicidade, postulando que esta não estava relacionada apenas à satisfação de desejos e necessidades do corpo, pois para o filósofo o homem não era só o corpo, mas, principalmente a alma. Então, o território da felicidade é o da alma.


Desta forma, a felicidade somente poderia ser atingida por meio da conduta virtuosa e justa. Afinal, mesmo quando Sócrates sofreu uma injustiça de seu julgamento, e, ainda por ser convicto de estar sendo justo, não se intimidou nem diante da condenação à morte por tribunal ateniense e, cercado de seus discípulos bebeu a fatídica taça de cicuta[3]. E pareceu estar feliz em seus derradeiros momentos de vida.

Entre os discípulos de Sócrates, Antístenes (445-365 a.C.) deu toque peculiar à noção de felicidade de seu mestre, considerando o homem feliz é o homem autossuficiente. E, tal autossuficiência, em grego, se chama autarquia que continuou vinculada à felicidade nos sete séculos seguintes...

 

Interessante é noção de adiáfora[4] que, para os gregos, especialmente os cínicos[5] e os estoicos[6] denominavam os indiferentes que são todas as coisas que não contribuem nem para virtude, nem para maldade.

 

Exemplificavam com a riqueza e a saúde que podem ser utilizadas tanto para o bem, como para o mal; são, portanto, indiferentes, para a felicidade dos homens; não porque deixem os homens indiferentes, na realidade, suscitam o desejo, mas porque a felicidade consiste somente no comportamento racional, ou seja, na virtude.

 

Segundo a filosofia estoica, não há lugar ou vez para o acaso e desordem. Posto que vige uma racionalidade universal no mundo (cosmos) e o objetivo moral (as escolas filosóficas deste período dão forte ênfase ao aspecto moral). E, por isso deve-se submeter tal racionalidade à natureza.

 

Ou seja, seguir a natureza o que significa seguir a vida de virtude, pois, se a natureza é boa e racional, então, o homem deve procurar viver segundo a razão e o bem, isto é tornar-se virtuosos.

 

O estoicismo é notadamente caracterizado pelo primado de questões morais, e Abbagnano[7] resumiu como sendo os principais fundamentos da filosofia estoica:

1) a divisão da filosofia em lógica, física e ética;

2) concepção da lógica como dialética[8];

3) análise sobre a teoria dos signos (antecedente da semiótica moderna);

4) conceito de razão divina (logos);

5) a razão é um guia infalível para o ser humano;

 6) exaltação da apatia como ideal do sábio[9], ou seja, ausência de toda paixão perturbadora do espírito;

6) doutrina cosmopolita: o homem como cidadão do mundo.

 

Aliás, os estoicos distinguiam três significados de indiferença[10], a saber: o primeiro indicava aquilo pelo que não se sente desejo nem repulsa, como pelo fato de que os cabelos ou estrelas existam em número par. Já o segundo entendimento indica aquilo pelo que se sente excitação ou repulsa, mas não mais por isto do que por aquilo, como no caso de duas moedas idênticas das quais é preciso escolher uma.

 

E, o terceiro e derradeiro sentido, afirma-se que é indiferente o que não contribui nem para a felicidade, nem para infelicidade, como a saúde e a riqueza, ou noutros termos, aquilo que se pode fazer bom ou mau uso.

 

Bom alertar que a felicidade é diferente de bem-aventurança que é o ideal de satisfação independente da relação do homem com o mundo, por isso, limitada à esfera contemplativa e religiosa.

 

O maior discípulo de Sócrates foi Platão e levou a especulação filosófica sobre a felicidade de onde deixara o seu mestre. Pois Platão considerava que todas as coisas têm sua função.

 

De forma que, a função do olho é ver, a do ouvido, é ouvir e, enquanto que a função da alma é ser virtuosa e justa de modo que, exercendo a virtude e a justiça, assim naturalmente obtém a felicidade. A função da alma é obter a felicidade pela virtude[11].


Convém assinalar que as noções de virtudes e de justiça integram certa vertente de pensamento filosófico chamada de “ética” que se dedica especialmente a investigação de costumes, visando identificar os bons e os maus.


Afinal, para Platão a ética não estava restrita aos negócios privados, devendo ser posta em prática também em negócios públicos.

 

De modo que para Platão entendia que a função do Estado era realmente tornar os homens bons e felizes. Numa clara ligação existente entre a ética e a política conforme bem definida na obra de Platão e Aristóteles, que dedicou uma obra à questão da felicidade, a Ética a Nicômaco[12] (que é nome de seu filho e, para quem dedicou a obra).

 

Apesar de amigo de Platão, Aristóteles criticou o idealismo de seu mestre, reconhecendo a necessidade de elementos essenciais como a boa saúde, a liberdade (uma vez que a escravidão era a tônica) e a boa situação socioeconômica para que alguém seja feliz.

 

A relação que muitas vezes se estabeleceu entre felicidade e prazer tem o mesmo significado, isto é, a conexão existente ao estado definido como felicidade e a relação com o próprio corpo, com as coisas e com os outros.

 

A tese segunda a qual a felicidade é o sistema de prazeres foi expressa com toda a clareza por Aristipo que fez a distinção entre prazer e felicidade.


O fim é o prazer particular, a felicidade é o sistema de prazeres particulares em que se somam também os passados e os futuros.

 

Egesias[13] que negava a possibilidade de felicidade negava-a justamente pelo fato de que os prazeres são demasiado raros e passageiros.

 

Platão, por sua vez, negava que a felicidade consistisse no prazer e, a julgava, ao contrário relacionada com a virtude. Os felizes são aqueles por possuírem a justiça e a temperança; os infelizes são assim por possuírem maldade dizia Platão em Górgias; no Banquete são chamados de felizes: aqueles que possuem bondade e beleza. Mas, justiça e virtudes, possuir bondade e beleza, significa ainda ser virtuoso.

 

Para Platão, a virtude outra coisa não é senão a capacidade da alma de cumprir seu próprio dever, ou seja, de dirigir o homem da melhor maneira. Conclui-se que a noção platônica de felicidade é relativa à situação do homem no mundo e aos deveres que aqui lhe cabem.

 

Quanto a Aristóteles insistiu no caráter contemplativo da felicidade, em seu grau superior, a bem-aventurança, e, ainda, apresentou noção mais ampla definindo-a como “certa atividade da alma, realizada em conformidade com a virtude”.

 

A felicidade não exclui, mas inclui a satisfação das necessidades e das aspirações mundanas. Segundo Aristóteles, os felizes devem possuir três espécies de bens que se podem distinguir, quais sejam, os exteriores, os do corpo e os da alma.

 

Em verdade, os bens exteriores, assim como qualquer instrumento, têm um limite dentro do qual desempenham sua função utilitária de instrumentos, mas além do qual se tornam prejudiciais ou inúteis para quem os possui.

 

Os bens espirituais, ao contrário, quanto mais abundantes, mais úteis. Cada qual merece a felicidade na medida da virtude, do tino e da capacidade de bem agir que possui, tomemos o exemplo a divindade, que é feliz e bem-aventurada, não graças aos bens exteriores, mas por si mesma, por aquilo que esta é, por natureza.

 

Por outro lado, a partir de um conjunto de raciocínios que têm por base o fato de o homem é um animal racional, daí a instituição da felicidade intelectual.

 

E, Aristóteles concluiu que a maior virtude nossa é a “alma racional”, é o exercício do pensamento. Assim, a felicidade se identifica com a atividade pensante do filósofo, o que, inclusive aproxima o ser humano da divindade.

 

Ainda na extensão prática das ideias de Aristóteles que considerou a política[14] como extensão da ética e, nesse sentido, para o filósofo é também uma função do Estado criar condições para o cidadão ser feliz.

 

Mais tarde, no mundo helênico se desenvolveram três escolas filosóficas que vão se estender até o fim do Império Romano, forma as chamadas filosofias helenísticas. Tais estas, por caminhos diferentes chegam a mesma conclusão de que para ser feliz, o homem deve ser não é autossuficiente, mas desenvolver a atitude de indiferença com relação a tudo ao seu redor. Portanto, a felicidade era apatia o que na época, não possuía o sentido patológico que possui hoje.

 

Ainda entre os filósofos helênicos, podemos reverenciar Epicuro (341- 271 a.C.) para deixar patente a ideia de “apatia” não significa abdicar ao prazer... O prazer era essência à felicidade preconizada por esse filósofo, cuja filosofia é igualmente chamada de hedonismo (hedome, em grego, significa prazer).

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Epicuro esclarece numa carta a um discípulo, que não se refere ao prazer “dos dissolutos e dos crápulas” e, sim, ao da impassibilidade que liberta de desejos e necessidades.


Em sua ética, Epicuro apontou a felicidade como sendo diretamente ligada ao prazer. Seria o prazer o início e o fim de uma vida feliz. O homem é inclinado a buscar o prazer e a fugir da dor através do critério do prazer é que nos avaliamos e a todas as coisas.


Epicuro enunciou in litteris: “Só há um caminho para felicidade. Não nos preocuparmos com coisas que ultrapassam o poder da nossa vontade”. O prazer era crucial para Epicuro e o chamado hedonismo, mas não se refere ao prazer dos crápulas e, sim, aquilo que liberta de todos os desejos e necessidades.

 

Foram muitos os filósofos que discutiram e debateram sobre a felicidade plena, mas as ideias mais interessantes sobre o tema vêm mesmo de Epicuro de Samos, um ateniense que viveu no século IV a.C.

 

E, afirmou que a felicidade pode ser atingida por prazeres moderados e que tais trazem um estado de tranquilidade.

 

Acautelou Epicuro que se os desejos forem exacerbados, pode ser fonte de perturbações constantes, dificultando o encontro da felicidade, que é a manutenção da saúde do corpo e a serenidade do espírito.

 

De fato, o homem sereno procura serenidade para si e para os outros. E, naturalmente, as pessoas não podem viver de forma agradável se não forem prudentes, gentis com os outros e justas em suas atitudes e pensamentos, o que permite viver de forma pura e prazerosa.

 

A filosofia de Epicuro, porém, ressaltou que é preciso ter muito cuidado com os prazeres. Pois, trazem mais dor do que felicidade.

 

Afirmou in litteris: “Nenhum prazer é em si um mal, porém, certas coisas capazes de engendrar prazeres trazem consigo maior número de males do que de prazeres".

 

Com a decadência e morte do mundo helênico e advento da Idade Média e felicidade desapareceu da pauta da filosofia principalmente por seu aspecto terreno. A felicidade não interessou ao filósofo Agostinho de Hipona (354- 430 d.C.), Anselmo de Cantebury ou Tomás de Aquino (1225-1274) todos santos da Igreja Católica. Afinal para a sociedade teocêntrica dos tempos medievos mais importante que a felicidade, o que é mais relevante é a salvação da alma.

 

Os filósofos só retornaram a se dedicar ao conceito de felicidade na Idade Moderna, com o pensamento de John Locke, Leibniz, na virada do século XVII e XVIII, que identificaram a felicidade com o prazer duradouro.

 

Mais tarde, o filósofo iluminista Immanuel Kant[15] (1724-1804) na sua obra “Crítica da Razão Prática” definiu a felicidade como “a condição do ser racional no mundo, para quem, ao longo da vida, tudo acontece de acordo com seu desejo e vontade...”.

 

Para o filósofo pietista[16], a felicidade além de ser um direito do homem, se coloca no âmbito do prazer e do desejo e, nada tem a ver com a Ética e, portanto, não seria um tema que venha interessar a investigação filosófica. E, a argumentação kantiana era tão convincente que o tema praticamente pulverizou-se nas escolas filosóficas que o sucederam.

 

Porém, o mundo da língua inglesa, contemporâneo à época de Kant, a noção de felicidade ganhou destaque no pensamento político, tanto que passou a ser um direito do homem, conforme consignado expressamente da Constituição dos EUA de 1787 e que fora inspirada francamente no Iluminismo.

 

No século XX, a filosofia anglo-saxônica veio trazer nova reflexão através de Bertrand Russel[17] (1872-1970) que escreveu a obra “ A conquista da felicidade” utilizando a investigação lógica para ao final, concluir que é necessário alimentar uma multiplicidade de interesses e de relações com as coisas e com os outros para homem ser feliz. Sintetizando, a felicidade reside na eliminação visceral do egocentrismo.


Em 1989, o filósofo Julían Marias também dedicou ao tema, uma obra intitulada “A felicidade humana” onde estudou a história da felicidade desde a Antiguidade Clássica até nossos dias.

 

Por sinal, Marias ainda ressaltou a ausência da reflexão filosófica sobre a felicidade no contemporâneo contexto, apontando que isso seja mesmo o sintoma de que o atual mundo seja terrivelmente infeliz.

 

Atualmente, os filósofos da liberdade declaram que “não há moral geral” (Jean-Paul Sartre[18]) mas, apenas escolhas de existência. A felicidade não é mais um fim a ser atingido, mas uma função cíclica e intermitente, só se configurando a medida em que a afirmamos.

 

Freud[19] estabeleceu o vínculo profundo entre a liberdade e a felicidade humana, de um lado e, a sexualidade do outro. Sendo que a sexualidade fornece a fonte original da felicidade e da liberdade e, ao mesmo tempo, a razão de suas restrições necessárias na civilização (Herbert Marcuse[20]).

 

Portanto, para Sigmund Freud “a felicidade não é um valor cultural” está subordinada às exigências do trabalho e da produção.

 

Para Kierkegaard, precursor do existencialismo contemporâneo e que foi muito marcado por angústias pessoais e familiares às quais somou-se a crise provocada pelo rompimento de seu noivado por essa razão, desenvolveu uma indissociável tendência ao trágico. Atacou o cristianismo e, particularmente luteranismo de sua pátria, valorando contra a religião estabelecida, a vivência da religiosidade.

 

Combateu Hegel[21] e a metafísica especulativa por seu intenso caráter abstrato e sua busca do universal, defendendo a necessidade de uma filosofia existencial.

 

Dotado de forte estilo irônico e polêmico e, igualmente, poético e lírico, Soren apesar de não ter nenhuma preocupação teórica ou sistemática, muito longe da tradicional forma de tratado filosófico, tendo utilizado em quase todas suas obras sob pseudônimo[22].

 

Para o filósofo dinamarquês[23], o homem é um ser que se caracteriza pelo desespero que se origina das contradições de sua existência e de sua distância de Deus: “o homem é uma síntese de infinito e de finito, de temporal e de eterno, de liberdade e de necessidade”.

 

Em sua obra intitulada “Estágios do caminho da vida” (de 1845) formulou doutrina de três níveis de consciência, o primeiro era o estético no qual o indivíduo busca a felicidade no prazer, cuja fugacidade, entretanto, leva ao desespero inevitável. No nível ético, por sua vez, procura alcançar a felicidade através do cumprimento do dever, sendo, no entanto, condenado ao eterno arrependimento devido as suas falhas; e o derradeiro nível, o religioso em que o homem busca Deus, entretanto, a verdadeira fé é a angústia da distância de Deus.

 

A felicidade no messianismo (do aramaico meschîkha) com significado de ungido ou escolhido diante da crença absoluta na vinda do Messias, o enviado de Deus que teria a missão de libertação do povo judeu do domínio estrangeiro e, ainda, sua condução à Terra Prometida e à vida em paz. Para os judeus, o Messias ainda não chegou. Já, para os cristãos, já esteve entre nós, na pessoa de Jesus Cristo e, voltará novamente no fim dos tempos.

 

É na crença de que há um líder carismático que seria capaz de salvar seu povo e conduzi-lo à felicidade e de à glória. O messianismo acredita ser capaz de salvação e de mudar os rumos da história e obter a eterna felicidade.

 

Na sociedade contemporânea[24] diante de abundância de informação, não existe mesmo muito tempo para leitura e reflexão, só para filmes, séries, novelas e muita propaganda. É o que chamamos de indústria cultural que nos adestra sempre, criando desejos e aguçando nossa capacidade de consumir, significando isso felicidade.

 

Zygmunt Bauman declarou textualmente: "Somos aquilo que podemos comprar", sendo essa uma característica de nosso tempo. Então, ser feliz, nos dias de hoje, é questão de ser capaz de consumir. Na profunda Modernidade Líquida, de Bauman, ilustrou a situação: enfim, nada mais é feito para durar, nem mesmo a felicidade.

 

Aliás, como profetizou o poeta Carlos Drummond de Andrade[25]: "Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade"[26]. Afinal, a busca da felicidade torna-se quase um dever no mundo pós-moderno e obtê-la é desejo comum a quase todas as pessoas. Ao analisar o conceito de felicidade, focando o papel da sociedade e da cultura, vem a psicanálise refletir como a vida em sociedade que exige sacrifícios pulsionais da ordem do desejo, causando no sujeito certo mal-estar. É o famoso mal-estar da civilização[27].

 

O termo modernidade foi cunhado para denominar um período de transição da Idade Média para um novo mundo, tem sua origem na palavra “modernus”, derivado de “modo”, ou seja, a maneira ou o modelo de algo, seguindo a formatação da palavra latina “Hodiernus”, derivada de “hodie”, ou seja, “hoje”. Utilizada então para designar a diferença entre esse novo mundo e o antigo, o “modo de hoje”, ou modernidade, passa a ser de um projeto para uma realidade cada vez mais intensa, dinâmica e acelerada.

 

Ao período que se segue em decorrência ao moderno, chama-se costumeiramente de pós-moderno, e sugere-se pelo nome um período posterior à modernidade, sem que o mesmo se caracterize por uma ruptura com o período ao qual é antecedido.

 

Havendo, portanto, um processo decorrente do anterior, evidenciado especialmente na segunda metade do século XX, onde profundas transformações tecnocientíficas e sociais implicaram em mudanças paradigmáticas nas instituições que regiam a sociedade – o estado, a igreja, a família, a escola – a pós-modernidade pode ser ora considerada como o produto do projeto moderno de globalização, que (...) inclui processos que hibridizam – colocando culturas, formas de ser, estilos de vida, um de frente com o outro – e processos que homogeneízam – negando o local em favor de um global destituído de ambiguidade, num processo de padronização radical.

 

Conclui-se, portanto que a temática felicidade, tida como objeto de desejo, é pouco estudada cientificamente, e não existe como um conceito já pronto e fechado, abrindo espaços para novas pesquisas acerca de tão precioso tema.

 

Em tempos de pandemia de Covid-19 a felicidade pode até ser definida com o não contágio da virose e, a possibilidade de sobreviver de forma harmoniosa o isolamento social. Além naturalmente de cuidar adequadamente de crianças, adolescentes e idosos da família. É fundamental o sentimento de solidariedade para a construção do sentimento de felicidade.

 

 

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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