Ensaio sobre a felicidade contemporânea

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14/07/2020 às 22:57
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[1] Tales de Mileto (624-546 a.C.) foi filósofo, matemático, engenheiro, homem de negócios e astrônomo da Grécia Antiga e, considerado, por alguns, o primeiro filósofo ocidental. De ascendência fenícia, nasceu em Mileto, antiga colônia grega, na Ásia Menor, atual Turquia. É considerado como um dos sete sábios da Grécia Antiga (Plutarco listou como Tales, Bias, Pítaco, Sólon, Quílon, Cleóbulo e Anacarses). Nunca houve consenso entre os historiadores, mas os únicos que sempre pertenceram ao grupo foram os quatro primeiros da lista, incluindo Tales de Mileto).

[2] Nietzsche traduziu um fragmento da obra de Anaximandro in litteris: "De onde as coisas têm o seu surgimento - lá também elas precisam ir perecer por necessidade; pois estas precisam pagar penitência e ser justiçadas pela injustiça segundo a ordem do tempo. Questiona-se se Anaximandro seria um autêntico pessimista grego, Aliás, Nietzsche parece responde com uma analogia a Schopenhauer in verbis: “A justa medida para avaliar qualquer pessoa é considerá-la como um ente que de fato não deveria de todo existir, e que expia sua existência por meio de toda sorte de sofrimento e pela morte: o que podemos esperar de tal ente”? “Não somos todos pecadores condenados à morte”? Expiamos nosso nascimento primeiro com a vida e, depois, com a morte”. (In: Nietzsche, F. Die Philosophie im tragischen Zeitalter derGriechen.; ______________ A Filosofia na Era Trágica dos Gregos. Tradução: Gabriel Valladão Silva. Porto Alegre: R: L&PM, 2011.)

[3] Há uma pintura intitulada "A Morte de Sócrates", em francês La Mort de Socrate de autoria de Jacques-Louis David que foi executada em 1787. Baseada na história contada por Platão no Fédon. Sócrates fora acusado de corromper a juventude de Atenas e ainda introduzir falsos deuses e, portanto, foi condenado a morrer tomando cicuta. O filósofo usa sua morte como final lição, pois ao invés de fugir quando a oportunidade surgiu, encara a morte calmamente. O Fédon retrata a morte de Sócrates e, é também o quarto e último diálogo de Platão a detalhar os dias finais do filósofo, que é também detalhada em Eutífron, Apologia de Sócrates e Críton.

[4] Adiáfora. Cínicos (v. cinismo) e estoicos (v. estoicismo) chamam de adiáfora, isto é, de indiferentes, todas as coisas que não contribuem nem para a virtude e nem para a maldade. Por exemplo, a riqueza, a saúde pode ser utilizada tanto para o bem quanto para o mal; são, portanto, indiferentes para a felicidade dos homens, não porque deixam os homens indiferentes (na realidade suscitam o seu desejo), mas porque a felicidade consiste somente no comportamento racional, isto é, na virtude. (Dióg. L. VII, 103-104).

[5] O cinismo foi uma escola filosófica grega criada por Antístenes, seguidor de Sócrates, aproximadamente no ano 400 a.C., mas seu nome de maior destaque foi Diógenes de Sínope. Estes filósofos menosprezavam os pactos sociais, defendiam o desprendimento dos bens materiais e a existência nômade que levavam. A origem dessa expressão é um tanto controvertida, pois alguns pesquisadores creem que ela provém do Ginásio Cinosarge, espaço no qual Antístenes teria edificado sua Escola, enquanto outros afirmam que esta deriva da palavra grega kŷőn, kynós, que significa ‘cachorro’, alusão à vida destes animais, que seria igual à pregada pelos cínicos. Aliás, o símbolo deste grupo era justamente a imagem de um cão.

De qualquer forma, porém, ela se origina do grego Kynismós, passando pelo latim cynismu, e assim chegando até nossos dias. Hoje, através de desvios de significado, este termo se refere àqueles desprovidos de vergonha e de qualquer sentimento de generosidade em relação à dor do outro. Mas não por acaso, pois os cínicos desejavam se desprender de todo tipo de preocupação, inclusive com o sofrimento alheio.

[6] O estoicismo foi uma das correntes filosóficas do helenismo mais influentes na Antiguidade. Essa escola de pensamento originou-se na cidade grega de Atenas próximo ao ano 300 a.C., embora seu fundador, Zenão, tenha sido um estrangeiro natural de Cítio (atual Lárnaca, na ilha de Chipre). O nome dessa escola originou-se do local em que esse pensador se reunia com seus discípulos, a saber, um pórtico do espaço público destinado à discussão política em Atenas — a ágora. Em todas as suas três fases, a herança socrática é evidenciada. O aspecto mais conhecido dessa escola de pensamento é sua perspectiva ética baseada na indiferença (ataraxia, em grego). Nela a filosofia é entendida como um exercício e não como uma atividade meramente intelectual. Esses pensadores acreditavam que tudo o que existe estava sob a determinação de uma força cósmica harmônica e que a virtude estaria em viver em acordo com o seu desígnio.

[7]  ABBAGNAMO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

[8] Nas derradeiras décadas, lógicos europeus e norte-americanos vêm tentando fornecer as bases matemáticas para a lógica e dialética, através da formalização, embora a lógica tenha sido relacionada à dialética que desde os tempos antigos. Lógica dialética é termo especialmente tratado no pensamento hegeliano e marxista.  O método dialético, frequentemente referido apenas como Dialética, é uma forma de discurso entre duas ou mais pessoas que possuem diferentes pontos de vista sobre um mesmo assunto, mas que pretendem estabelecer a verdade através de argumentos fundamentados e não simplesmente vencer um debate ou persuadir o opositor. Embora o ato em si seja fundamental na formação da filosofia, o termo foi popularizado apenas com o advento dos diálogos socráticos de Platão. Para estabelecer a dialética, Sócrates encontrou na Verdade o maior valor, propondo que a verdade poderia ser descoberta através da razão e lógica em uma discussão. Desta forma, Sócrates se opôs a retórica como uma forma de arte que visa agradar os ouvintes e também a oratória, que convence por vias emocionais, não requerendo lógica ou prova.

[9] Ataraxia (em grego antigo: Ἀταραξία ataraxia) traduz-se por "ausência de inquietude/preocupação", "tranquilidade de ânimo". Demócrito usou este termo ao afirmar "A felicidade é prazer, bem-estar, harmonia, simetria e ataraxia", mas foram os epicuristas, os céticos e os estoicos que puseram a ataraxia no centro de seu pensamento.

Os estoicos também procuravam tranquilidade mental, e, embora também tivessem visto a ataraxia como algo desejável e tivessem frequentemente feito uso do termo, a ataraxia, na qualidade de "ausência de preocupação", sempre foi o objetivo de vida dos epicuristas, sendo análogo ao estado de vida almejado pelos sábios estoicos, a saber, a apatheia (apatia), "ausência de paixões", que não deve ser confundida com o diagnóstico de apatia no sentido psicológico, caracterizado por uma perda de sensibilidade do indivíduo em relação aos estímulos cotidianos.

Apatheia (em grego: ἀπάθεια em grego: ἀ (a)- "ausência" e πάθος (pathos) - "sofrimento" ou "paixão") de acordo com a filosofia estoica, é um estado de espírito alcançado quando uma pessoa está livre de perturbações emocionais. É melhor traduzida como equanimidade, em vez de indiferença. Não deve ser confundida com o termo apatia - comum no ramo de psicologia e psiquiatria - considerado como um critério de diagnóstico que é caracterizado pela perda de interesse e retardo psicomotor, por exemplo em casos de depressão. De acordo com os estoicos, apatheia é a qualidade que caracteriza o sábio.

[10] Indiferença. Neutralidade afetiva que se opera por negação da preferência por supressão da hierarquia dos valores. As diferenças podem ser percebidas, mas são desprovidas de significado, de modo que a indiferença está para o valor o ceticismo está para o conhecimento. Ora, como ela abrange o domínio do vivido, pode conduzir ao tédio ou até - no limite - tirar o sentido da vida e de nós mesmos.

Daí a profundidade metafísica (eventual) da indiferença quando ela se torna patológica por carência do desejo.  Porém quando se consegue superar o desejo, a indiferença aparece então como o resultado de uma ascese quando é cultivada com o intuito de se chegar à sabedoria, como é o caso da adiáfora - ou indiferença estoica - que consiste em se desprender voluntariamente de tudo o que não depende de nós.

[11] Aristóteles afirmava que a virtude estava no meio termo entre o excesso e a falta de emoção (metriopatheia), os estoicos, por outro lado, buscavam a libertação de todas as paixões (apatheia). Ele procurou eliminar as respostas emocionais aos eventos externos que estão além do controle da pessoa. Para os estoicos, era a resposta racional ideal para um indivíduo, porque não podemos controlar os acontecimentos originários da vontade dos outros ou pela Natureza, só podemos controlar a nossa própria vontade. Isto não implica a perda de todo o sentimento ou cortar suas relações com o mundo. Um estoico realiza julgamentos e atos virtuosos experimenta a felicidade(eudaimonia) e bons sentimentos (eupatheia). O termo foi adotado por Plotino em seu desenvolvimento do neoplatonismo como a liberdade da alma de emoção conseguido quando se atinge o seu estado purificado.

[12] Nicômaco, viveu em c. 325 a.C., era o filho de Aristóteles. A Suda afirma que era de Estagira, um filósofo, aluno de Teofrasto, e de acordo com Aristipo, seu amante. Ele talvez tenha escrito um comentário sobre as palestras de seu pai em física. Nicômaco nasceu da escrava Herpilia. Os historiadores acreditam que Ética a Nicômaco seja uma compilação de notas de aulas de Aristóteles, provavelmente foi nomeado depois ou dedicado ao filho de Aristóteles. Diversas autoridades antigas podem ter confundido as obras éticas de Aristóteles com os comentários que Nicômaco escreveu sobre eles Fontes antigas indicam que a Nicômaco morreu em batalha quando ainda era um rapaz.

[13] Egesia de Cirente era filósofo grego antigo do século IV a.C., pertencente à escola cirenaica. Não abandonou o princípio fundamental segundo o qual a satisfação do homem é a satisfação de seu prazer, mas era pessimista, pois duvidava que isso poderia ser realmente alcançado. Para o filósofo, de fato, não há outros valores da vida fora do prazer da utilidade: "Gratidão, amizade e caridade não são nada, por isso escolhemos essas coisas não por nós mesmos, mas por razões de utilidade, sem as quais nem mesmo essas existem". (Diógenes Laércio, Vidas dos Filósofos, II, 93). Mas os prazeres da vida são muitas vezes inatingíveis e muitas dores, conhecimento é incerto e todos os eventos são finalmente dominados pelo tyche, o poder impessoal do acaso: «De fato, o corpo está cheio de mil sofrimentos e a alma sofre com o corpo e é perturbada e o destino faz com que as coisas que esperávamos vãs [...]» ( Diógenes Laércio, Vidas dos Filósofos , II, 94 ). Além disso, para os seguidores da Egesia, o prazer está ligado à mudança e à sensibilidade contingente, é algo relacionado ao indivíduo que sente: «Eles acreditavam que nada era agradável ou desagradável por natureza: por causa da raridade, novidade ou saciedade, acontece que alguns apreciam e outros não...”. [...]. Eles também desvalorizaram as sensações, porque não dão certo conhecimento, mas fizeram tudo o que consideravam razoável”. (Diógenes Laércio, ibidem) Para um extremismo da doutrina estoica e cínica, da qual os aspectos individualistas e moralistas são excluídos, segundo Egesia, o objetivo supremo do homem seria não apenas indiferença a todos os aspectos mundanos da existência. "Portanto, o homem sábio não se preocupará tanto em comprar bens como em evitar males, propondo como meta uma vida que não é cansativa nem dolorosa, que é realizada com um estado de espírito de indiferença pelo que produz prazer". Diógenes Laércio, Vidas dos Filósofos, II, 95 e segs.).

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[14] Como disse Marcuse, “o tempo compreendido de forma linear é vivido em relação a um futuro mais ou menos incerto” de forma que “o tempo pleno, a duração da satisfação, a duração da felicidade individual, o tempo como tranquilidade, só pode ser imaginado como sobre-humano...”. Esta pode ser uma alternativa para as reflexões atuais sobre sistemas produtivos, superando a antítese entre capitalismo e comunismo exagerados. (In: CABRAL, João Francisco Pereira. "A noção de progresso em Marcuse"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/a-nocao-progresso-marcuse.htm. Acesso em 08 de julho de 2020).

[15] A busca pela felicidade está naturalmente presente como um ideal a ser alcançado pelos indivíduos da espécie humana. Kant, em sua obra “Fundamentação da metafísica dos costumes”, pretende buscar e estabelecer o princípio supremo da moralidade e esclarece que para esse fim o ideal de felicidade não apresenta condições de fundamentar as leis da moralidade. Na obra “Crítica da razão prática”, Kant sustenta essa mesma posição, mas introduz o objeto do soberano bem, referente ao qual, a felicidade é o seu segundo elemento, mas condicionada às leis da moralidade e entendida como elemento necessário do soberano bem.

[16] O pietismo é um movimento oriundo do luteranismo que valoriza as experiências individuais do crente. Tal movimento surgiu no século XV, como oposição à negligência da ortodoxia luterana para com a dimensão pessoal da religião, e teve seu auge entre 1650-1800.

[17] Foi descrito por Russell no Prefácio como “não endereçado a intelectuais, ou àqueles que consideram um problema prático meramente como algo a ser discutido”. O uso que Russell faz da palavra “conquista” no título enfatizou sua alegação principal de que, exceto em casos raros, a felicidade não se apresenta simplesmente às pessoas, mas deve ser alcançada.

Ele argumentou que as multidões de homens e mulheres que sofrem de infelicidade poderiam alcançar a felicidade se prestarem atenção aos conselhos que ele oferece no livro. Russell passou mais tempo em A Conquista da Felicidade discutindo as causas da infelicidade do que as causas da felicidade. Ele reconheceu que algumas das muitas causas da infelicidade têm suas raízes no sistema social, e outras são o resultado da própria psicologia. Para Russell, o sistema social cria guerra, exploração econômica e acesso desigual à educação de alta qualidade, e emprega táticas de medo para desorientar as pessoas sobre seu lugar na sociedade.

[18] É reinventar a vida! Para Sartre, a vida é invenção e criação, e a felicidade não é inatingível. Ela é possível e reside no cuidado consigo, na autenticidade e na boa-fé...  Nossa natureza depende de nossas escolhas, e devido a isso, nossa felicidade também dependerá delas. É o que afirmou o filósofo francês Jean-Paul Sartre em sua obra “O Existencialismo é um Humanismo”: “Se verdadeiramente a existência precede a essência, o homem é responsável por aquilo que é.

Assim, o primeiro esforço é o de pôr todo homem no domínio que ele é, de lhe atribuir a total responsabilidade da sua existência. E, quando dizemos que o homem é responsável por si próprio, não queremos dizer que o homem é responsável pela sua restrita individualidade, mas que é responsável por todos os homens”. Dessa maneira, eliminando uma natureza pré-definida que nos dirá o que é ser feliz, podemos analisar uma outra perspectiva sobre o tema, afirmando que a felicidade se encontra na forma como fazemos nossas escolhas, ou seja, encarando a vida da maneira como ela realmente se apresenta, vivendo-a intensamente com responsabilidade.

[19] Quando o prazer é alcançado, encontramos felicidade. Esta felicidade pode ser pontual ou prolongada, a depender da forma como a pessoa reage à libido. Libido, portanto, não é apenas o prazer sexual. É uma pulsão de vida que nos traz encantamento e disposição para nos mover. E essa disposição é a base do conceito de felicidade. A melhor fonte de prazer está na sexualidade Para Freud, o que melhor realiza o prazer é a sexualidade. Mas essa sexualidade pode ser sublimada, isto é, convertida em outras formas de energia e interesse. A sublimação da pulsão sexual, segundo Freud, nos permite encontrar realização também no trabalho e na arte, por exemplo.

[20] A evolução do progresso quantitativo ou técnico que utiliza ou dispende uma grande quantidade de energia pulsional se deu em detrimento do progresso qualitativo ou humano. A tentativa de dominação da natureza pelos homens acarretou a dominação destes pela produtividade. Esta condiciona o comportamento dos indivíduos em sociedade, visando sempre atender apenas às suas necessidades. Mesmo quando o indivíduo se beneficia com alguma melhora nas suas condições de existência é sempre para que a produção tenha maior eficácia e rentabilidade.

A vida do indivíduo torna-se administrada, a visão linear do tempo determina o presente visando um futuro incerto, porém que se impõe a esse. O passado já não mais serve para nada. Se para Freud esta visão só possibilita a infelicidade, para Marcuse ela é o ponto chave para o desenvolvimento humano. As condições técnicas que surgiram para satisfazer as necessidades básicas do ser humano já permitem que se dê um salto qualitativo para o progresso deste mesmo ser humano.

Para isso, entretanto, é necessário dessublimar a cultura que só tende a produzir bens supérfluos e divulgar a aquisição de tais bens como fonte de liberdade e felicidade. Deve-se contrapor àquela visão linear de tempo, uma visão que tem apenas uma curva ascendente, uma visão do tempo pleno, de duração e satisfação reais. Para Freud, a infelicidade se caracteriza pela impossibilidade da realização dos desejos. Marcuse propõe a transcendência desses desejos a fim de alcançar a plena fruição das pulsões (claro, com o mínimo de repressão!) que caracterizam a verdadeira felicidade.

[21] Na concepção de Hegel a felicidade é viver uma vida simples, humilde e sem grandes preocupações, sem grandes acontecimentos, ou seja: é uma vida humilde e tranquila, sem grandes altos e baixos. As ideias acerca da honra foram retomadas pelo filósofo alemão Georg Hegel, que afirmou que o homem enfrenta sempre uma ‘luta pelo reconhecimento’ (fight for recognition). Hegel também retomou duas outras ideias de outros filósofos: luta e fuga e mestres e escravos. Ele reconhece a existência de duas classes de indivíduos: os que têm coragem e optam pela luta e os que não têm e optam pela fuga.

Apenas os indivíduos de coragem possuem uma autoconsciência universal que os tornam ‘mestres’ enquanto que os demais permanecem ‘escravos’ (indivíduos subservientes). Apenas os ‘mestres’ conseguem ser completamente livres; apenas o homem livre possui livre arbítrio; apenas o homem de livre arbítrio consegue ser moral; apenas o homem moral consegue alcançar a felicidade que vem do respeito, da dignidade e da honra.

[22] O filósofo adotou o pseudônimo de Victor Eremita, enquanto escrevia Enten - Eller, a obra mais importante de sua própria história literária e filosófica. Outro, foi Johannes Clímacus e Johannes Anticlímacus. Em verdade, Clímacus é o único heterônimo de Kierkegaard. Dizemos isso com base no fato de que ele dedicou uma atenção especial a este “autor” como a nenhum outro. Os “outros” eram, com propriedade, apenas pseudônimos. Sobre Clímacus, Kierkegaard se dedicou a escrever-lhe uma biografia própria, descrevendo-o como um autor com um estilo bem característico e uma psicologia particular. Kierkegaard o descreveu em 1842 em seus Papirer, e que foram descobertos somente após sua morte.

[23] Kierkegaard era da opinião de que a felicidade provém do fato de se estar presente no momento e de se gozar a viagem. A partir do momento em que paramos de transformar as nossas circunstâncias em problemas e começamos a pensar nelas como experiências, podemos tirar satisfação delas. A porta da felicidade abre só para o exterior; quem a força em sentido contrário acaba por fechá-la ainda mais.

De acordo com Kierkegaard, com o mandamento “amarás o teu próximo como a ti mesmo”, o Cristianismo pressupõe o amor-próprio. Mas não é uma exaltação de si mesmo, esse amor. Isso seria uma má interpretação do Cristianismo. “Pelo contrário, a ideia dele [do Cristianismo] é arrancar de nós homens o egoísmo”.  O egoísmo dos homens consiste em amar a si mesmo, mas o Cristianismo, com o mandamento, com esse “como a ti mesmo”, “arrebata dele o homem.

[24] Ayn Rand, uma filósofa e escritora russa naturalizada americana, abordou o tema da felicidade com uma enorme clareza e praticidade no seu livro A Virtude do Egoísmo, (The Virtue of Selfishness), publicado originalmente em 1961. Nesse livro Rand deixa clara a distinção entre a busca da manutenção da vida e a busca da felicidade.

Para ela, não se pode negar que os direitos sociais sejam necessários para a manutenção da vida de uma forma digna, mas afirmar que os direitos sociais são suficientes para a felicidade é uma extrapolação injustificada. Ao definir a felicidade, Rand levou em conta o fato de que cada indivíduo tem um conceito próprio sobre a mesma. Para ela “a felicidade é o estado de consciência que procede do alcance dos valores de cada indivíduo.

Se um indivíduo valoriza o trabalho produtivo, a sua felicidade é a medida do seu sucesso no serviço de sua vida. Mas se um indivíduo valoriza a destruição, como faz o sádico – ou a autoflagelação, como o masoquista – ou a vida depois da morte, como o místico – ou ‘curtições’ irrefletidas, como o motorista de um carro envenenado – a sua alegada felicidade é a medida do seu sucesso no serviço de sua própria destruição”.

[25] Que a felicidade não dependa do tempo, nem da paisagem, nem da sorte, nem do dinheiro. Que ela possa vir com toda simplicidade, de dentro para fora, de cada um para todos. Que as pessoas saibam falar, calar, e acima de tudo ouvir. Que tenham amor ou então sintam falta de não tê-lo. Que tenham ideais e medo de perdê-lo. Que amem ao próximo e respeitem sua dor. Para que tenhamos certeza de que: “Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade”. Carlos Drummond de Andrade

[26] Carlos Drummond de Andrade foi um poeta brasileiro (1902 - 1987), também cronista, contista e tradutor. Entre suas obras de maior destaque, Alguma poesia, Sentimento do mundo e A rosa do povo. Uma frase: “Há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons.”

[27] Sigmund Freud, em seu opúsculo “O Mal Estar na Civilização”, afirma que o homem anseia pela felicidade e que esta advém da satisfação de prazeres. Essas buscas pelas coisas que nos fazem bem provêm da satisfação (de preferência repentina) de necessidades represadas em alto grau. Ganhar na loteria será diferente para um endividado ou um milionário. O enfermo anseia por algo que uma pessoa saudável nem pensa.

Tornarmo-nos pessoas felizes é um impositivo do princípio do prazer que trazemos desde a origem e para o “pai” da psicanálise, isso não pode ser plenamente realizado. Mas nem por isso devemos [ou podemos] deixar de empreender esforços para nos aproximarmos ao máximo desse objetivo. Significativas fontes de sofrimento são: a) testemunhar a irreversível decrepitude e a certeza da mortalidade de nosso corpo; b) ameaças do próprio mundo externo, cuja destruição, seja fruto do poder superior da natureza ou da violência de nossos semelhantes sempre nos assombram e, c) a maçante tarefa de nos relacionarmos com os outros, no seio da família, em sociedade e no Estado.

As “lamparinas do juízo” nos forçam a reconhecer essa impotência: não há muito a fazer em relação às duas primeiras fontes de angústia. Só nos resta à sensatez de nos submetermos ao inevitável: “Nunca dominaremos completamente a natureza, e o nosso organismo corporal, ele mesmo parte dessa natureza, permanecerá sempre como uma estrutura passageira, com limitada capacidade de adaptação e realização”. Conviver pode ser complicado e nisso talvez consista a maior fonte de infelicidade (lembremo-nos do nosso artigo já publicado aqui, “Sartre – O inferno são os outros”).

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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