Palavras- Chave: Revisão Contratual. Resolução Contratual. Princípios Contratuais. Fato do Príncipe. Caso Fortuito. Força Maior.
O princípio da relatividade pode ser analisado sob prisma objetivo e o subjetivo. No primeiro se relaciona ao objeto comum do contrato e enunciado segundo Orlando Gomes in litteris: “o contrato tem efeito apenas a respeito das coisas que caracterizam prestação”. (In: Contratos. 18ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p.44). Já sob o prisma subjetivo que ora se analisa, entende-se sucintamente, que o contrato produz efeitos somente entre as partes contratantes.
O que foi negociado entre as partes não pode beneficiar e nem prejudicar a terceiros. Exceto nos casos previstos como estipulação em favor de terceiro[1]. E, também no artigo 1.134 do Código Civil francês que deve ser apontado como consagração do princípio da relatividade.
As convenções só tem efeitos entre as partes contratantes, estas não prejudicam terceiros e só lhe trazem benefícios nos casos previstos pelo artigo 1.121 CC. E as cláusulas não podem ser revogadas senão por mútuo consenso ou por causa que a lei autorize. Devem ser executadas de boa-fé.
Aliás, a necessidade dessa releitura do princípio é percebida nas pertinentes palavras de Antônio Junqueira de Azevedo segundo o qual: “Não é possível que, ao final, do século XX, os princípios do direito contratual se limitem àqueles survival of fittest[2], ao gosto de Spencer, no ápice do liberalismo sem peias; seria fazer tábula rasa de tudo que ocorreu nos últimos cem anos”.
A atual diminuição do campo de atuação do Estado não pode significar a perda da noção conquistada com tanta luta, e sofrimento, de tantos povos e tantas revoluções de harmonia social. O alvo hoje é equilíbrio entre sociedade, Estado e indivíduo.
Reduzido o Estado, é preciso, agora saber harmonizar a liberdade individual e solidariedade social. As mitigações sofridas pelo princípio da relatividade dos efeitos contratuais são expressas no adágio res inter alios acta allis neque nocere neque prodesse potest, que tem no Código Civil Francês, artigo 1.165.
E sua explícita manifestação no direito positivo está presente na Constituição Federal de 1988 e, posteriormente, no Código Civil de 2002 e por leis esparsas, com destaque principalmente a Lei 8.078/1990 (CDC) que conferiram densidade normativa aos valores consagrados na Lex Magna e apontam na esfera contratual, em seu conjunto para uma necessária releitura do princípio da relatividade.
A propósito sobre as mudanças do panorama contratual contemporâneo é obrigatória a leitura do brilhante doutrinador Flávio Tartuce, notadamente o texto que sobre “Função Social dos Contratos: do Código de Defesa do Consumidor, ao Novo Código Civil. São Paulo: Método, 2005).
O princípio da relatividade dos efeitos contratuais em seu tradicional entendimento, qual seu tradicional entendimento, qual seja o de que os contratos somente produzem efeitos perante as partes que o pactuaram, não prejudicando e nem beneficiando terceiros.
E, tal entendimento está intimamente relacionado com o significativo papel dado à autonomia privada com fundamento da obrigatoriedade do contrato. Por essa razão é que se precisa analisar dois importantes princípios contratuais: o da autonomia privada e obrigatoriedade dos contratos.
A supervalorização da autonomia privada[3], que, em derradeira mirada, fundamenta a concepção de que os contratos somente produziam efeitos perante as partes, pois foram estes que manifestaram suas vontades para sua formação e que cede, gradualmente, diante da constatação de que a formação dos contratos não de se subordina tão-somente à vontade manifestada pelas partes, bem como deve-se perceber que a obrigatoriedade do contrato em face do entendimento de que a proteção conferida pelo Estado ao cumprimento dos pactos está vinculada à observância, quando da contratação e durante a execução do contrato, de certos valores instituídos pelo ordenamento jurídico.
Dentro do contexto da despatrimonialização do direito civil vige uma tendência normativo-cultural consistente na valoração da situação patrimonial como subordinada ao livre desenvolvimento da pessoa.
De sorte que vivenciamos um processo de remarcação dos limites da autonomia privada. Porém, é certo que tal fenômeno não se deu apenas no âmbito do direito contratual e de seus princípios, mas em dimensão irradiada por todo ordenamento jurídico, partido da Constituição Federal brasileira, que se impõe aos operadores de Direito enxergar (ou iluminar) toda a legislação sob o crivo de seus valores.
No Código Civil brasileiro de 2002 a influência da alteração paradigma é notada desde sua elaboração e, a partir de diretrizes que nortearam o legislador durante sua elaboração e que traçou como relevante a eticidade[4], a socialidade[5] e operabilidade[6].
Opondo-se ao individualismo absolutista até o solidarismo social, procedendo-se repaginação dos princípios contratuais clássicos, decorrentes das inter-relações destes os “novos” princípios tais como o da boa-fé objetiva, do equilíbrio econômico do contrato[7] e a função social do contrato.
Tais princípios reciprocamente considerados delimitam a nova face do direito contratual, a nova disciplina dos contrários no direito brasileiro. A concepção clássica do contrato é baseada no individualismo filosófico e o liberalismo econômico fundamentavam as sociedades ocidentais do século XVIII e XIX.
Acreditava-se, na época, que o máximo de incremento da riqueza de Nação e o bem-estar da coletividade seria alcançado pela diretiva liberal do laissez-faire, laisser passer. É parte da expressão em língua francesa laissez faire, laissez aller, laissez passer, que significa literalmente "deixai fazer, deixai ir, deixai passar".
A expressão laissez faire significa “deixar fazer”, e representa uma das principais ideias da economia liberal. O modelo econômico defende que o Estado deve garantir apenas as condições adequadas, como o direito à propriedade. O restante deve se desenvolver de forma natural. Livre mercado – saiba o que é e como funciona A versão completa em francês é “laissez faire, laissez aller, laissez passer, le monde va de lui-même”, que é traduzida para “deixai fazer, deixai ir, deixai passar, o mundo vai por si mesmo”. A expressão também é conhecida na forma grafada com hífen (laissez-faire[8]) Fonte: Suno Research em <a href="https://www.sunoresearch.com.br/artigos/laissez-faire/">Laissez faire: o que é a expressão fundamental do liberalismo</a> Acesso em 9.4.2020.
Pois cada cidadão teria a mais ampla liberdade para buscar a concretização de seus interesses particulares, sem qualquer consideração quanto a um possível interesse social (supra-individual).
Os limites dos contratantes nessa época eram estritamente negativos e, além disso, estes iram tolerados em estreita medida. Havia simples proibições a formar a moldura dentro da qual a liberdade de contratar poderia se expandir sem controles.
Vedava-se a celebração de certo contrato ou a inserção de determinada cláusula no teor do contrato. Apontou Enzo Roppo “a proibição de incluir ainda que voluntária e conscientemente as cláusulas limitadoras da atividade própria, tais como os pactos de não-concorrência, destinados a limitar irrazoavelmente determinada atividade produtiva.
Aliás, a irrestrita liberdade de contratar lastreava-se na premissa fundamental de que havia real igualdade entre as partes contratantes. Pois as revoluções burguesas e as sociedades destas nascidas haviam eliminado os privilégios legalmente instituídos, caracterizadores do Antigo Regime[9], proclamando a igualdade de todos cidadãos diante da lei.
Essa igualdade formal[10], como atualmente se vê se distingue, era o fundamento para que, ainda que só no âmbito da retórica, pudesse ser defendida a imanente justiça das trocas realizadas por meio do contrato.
E, segundo o entendimento daí decorrente seria desnecessária a tutela pelo Estado da igualdade substancial do contrato, uma vez que sendo as partes livres de contratar e juridicamente iguais, a justiça da relação (entendida como equilíbrio isonômico do contrato) seria automaticamente assegurada pelo fato manifestadas, conforme os interesses particulares das partes.
Em um momento de sobrevalorização ada liberdade individual a intervenção estatal, ainda que destinada a coibir abusos que chegava a ser compreendidas como arbitrários.
Novamente a magistral lição de Orlando Gomes in litteris: “O princípio da igualdade de todos perante a lei conduziu logicamente à indiferença da ordem jurídica pela situação das partes de qualquer contrato. No pressuposto dessa igualdade meramente teórica, presumia-se que os interessados em contratar precediam o contrato, qualquer que fosse de livre discussão, na qual seus interesses divergentes encontravam, afinal, um denominador comum.
Como toda obrigação importa em limitação da liberdade individual, o contratante que a assumisse estaria praticando ato livre de todo constrangimento, já que tinha a liberdade de celebrar, ou não o contrato.
Por princípio, a limitação da liberdade haveria de ser voluntária e os efeitos jurídicos do contrato realizado, fossem quais fossem, presumiam-se queridos e desejados pela parte.
A omissão da lei na determinação do conteúdo dos contratos justificava-se diante do princípio que assegurava a liberdade dos contratantes na sua formação.
Partes iguais e livres não precisavam de interferência legislativa para impedir a estipulação de obrigações onerosas ou vexatórias. O poder de contraí-las livremente, após as discussões das condições contratuais foi tido como um dos aspectos fundamentais da liberdade de contratar, tanto que os primeiros passos para evitar que um dos contratantes, por sua posição mais favorável, impusesse ao outro sua vontade, eliminando as negociações preliminares sobre o conteúdo do contrato, foram considerado intoleráveis restrições à liberdade.
In litteris; “Quando alguém decide alguma coisa a respeito de um outro é sempre possível que este faça àquele algum tipo de injustiça, mas toda injustiça é impossível quando ele decide por si próprio” (Metafísica dos Costumes apud Negreiros, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas, 2ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.27).
Nesse contexto, a vontade manifestada é o cerne do contrato, daí derivando os princípios contratuais qualificados como clássicos, a saber: autonomia privada, obrigatoriedade do contrato e a relatividade dos efeitos do contrato.
São três princípios do direito contratual do século XIX que giravam em torno da autonomia da vontade e assim formularam que: a) as partes podem convencionar o que querem e, como querem, dentro dos limites da lei. O princípio da liberdade contratual tem dimensão lato sensu, a saber: b) o contrato faz lei entre as partes (art. 1.134 do Código Civil francês[11]), pacta sunt servanda, princípio da obrigatoriedade dos efeitos contratuais; c) contrato somente vincula as partes, não beneficiando nem prejudicando a terceiros, princípio da relatividade dos efeitos contratuais.
Os grandes movimentos sociais havidos no final do século XIX e da primeira metade do século XX obrigaram os juristas reconhecerem o papel da ordem pública, acrescentando-se, pois segundo alguns doutrinadores, um quarto princípio dito o princípio da supremacia da ordem pública ( na verdade, que funciona como um limite que propriamente como um princípio[12]).
Segundo a doutrina de Francisco Amaral a “autonomia privada é o poder que os particulares têm de regular, pelo exercício de sua própria vontade, as relações dais quais participam, estabelecendo-lhe o conteúdo e respectiva disciplina jurídica”.
A autonomia privada, âmbito contratual, engloba a liberdade da contratar e a liberdade de contratual. A primeira é a liberdade conferida a todas as pessoas para celebrarem pelos de acordo com sua vontade e necessidade; a segunda, por sua vez, enfoca o conteúdo do contrato, sua consistência interna, tendo foco nas cláusulas que compõem a avença.
Em sua concepção clássica, a liberdade contratual seria limitada, tão-somente pelos preceitos de ordem pública e pelos bons costumes[13]. Na concepção liberal tradicional, os princípios da obrigatoriedade do contrato e da relatividade dos efeitos do contrato advém da autonomia privada.
Em resumo, isso ocorre em virtude de que, sendo o contrato formado por dias manifestações livres de vontade (princípio da autonomia privada) suas cláusulas somente se impõem àqueles que consentiram (princípio da obrigatoriedade dos efeitos de contrato), de modo que os terceiros que não manifestaram da vontade não estão vinculados aos efeitos obrigatórios deste advindos (princípio da relatividade dos efeitos do contrato).
A autonomia privada foi então remodelada à medida em que se confronta com a boa-fé objetiva, que estabelece, um uma de suas facetas a observância de deveres, quando da formação do contrato e quando de sua execução, não advindos da autonomia privada, mas que ainda assim impõem sua observância por parte dos contratantes, sendo sua não observância sancionada à luz da responsabilidade contratual.
O princípio da obrigatoriedade ou da intangibilidade do conteúdo do contrato (pacta sunt servanda) expressa que, uma vez celebrado o contrato, observados os pressupostos legais para sua constituição, será este obrigatório para as partes que livremente o celebraram.
A expressão mais citada e positivada desse princípio está no artigo 1.134 do Código Civil francês[14]. As mitigações sofridas pela obrigatoriedade está relacionadas com o desequilíbrio econômico contemporâneo à formação do vínculo contratual, é o chamado desequilíbrio genético, bem como a perda superveniente do equilíbrio econômico, que é chamado de desequilíbrio funcional, conforme o caso, ocorrerá o reconhecimento da nulidade do contrato ou anulação do item ou cláusula causadora do desequilíbrio e, ainda, pode ocorrer a sua revisão, ou mesmo sua resolução contratual.
Isto se aplica aos contratos cíveis tais como de aluguel, de fornecimento de mercadorias, de transportes, de financiamentos, de mútuo e, etc. Já quanto à revisão contratual à luz do CDC[15] que é considerado um dos mais modernos em sede de defesa do consumidor, sendo um microssistema jurídico autônomo.
Cuida-se da revisão contratual por onerosidade excessiva previsto no artigo 6º, inciso V do CDC. Que prevê expressa modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou a sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.
Convém, sublinhar que a revisão contratual no CDC é um direito básico do consumidor. Lembremos que o consumidor é a parte vulnerável no microssistema jurídico do CDC.
A primeira parte do dispositivo do CDC prevê o instituto de lesão que surgiu no direito romano[16] e, tem sua origem em duas constituições imperiais, de Diocleciano (285 a.C.) conhecida como a Lei Segunda e a Constituição de Maximiliano (artigo 294 a.C.) conhecida como a Lei Oitava[17].
O CDC somente exige que os fatos supervenientes, mas que sejam imprevisíveis. A superveniência aliada à quase impraticabilidade da prestação contratual, permitem a revisão do contrato para melhor adequá-lo ao que foi pactuado pelas partes. A boa parte da doutrina filia-se ao entendimento e adoção pelo CDC pela teoria da base do negócio jurídico[18], pois tal tese não se exige a imprevisibilidade do fato superveniente para autorizar a revisão contratual.
Conclui-se que a onerosidade excessiva deve ser desencadeada por um evento anormal superveniente à formação do vínculo contratual, não devendo ser necessariamente imprevisível.
O referido evento futuro deve alterar sobremaneira os fundamentos da contratação, isto é, deve tomar o cumprimento do contrato praticamente impossível devido á onerosidade gerada pelo fato superveniente.
Frise-se que o consumidor não tem direito de pleitear a revisão contratual apenas por não querer se esforçar para o cumprimento do contrato. E, os fatos supervenientes devem anormalmente onerar de maneira crucial a prestação, de tal forma que os esforços do consumidor para o cumprimento do contrato sejam frustrados.
A aferição de onerosidade excessiva deve ser feita objetivamente e não se deve utilizar da revisão contratual para premiar a torpeza do mau pagador contumaz ou devedores que agem de má-fé.
O princípio da relatividade dos efeitos do contrato analisado sob o prisma objetivo é ilustrado pelo adágio res inter alios acta allis neque nocere neque podesse potest, o aforisma seria, resultado da combinação de três passagens do Codex de Justiniano, não sendo, nesta versão, propriamente de origem romana.
O que foi negociado entre as partes não pode prejudicar e nem beneficiar terceiros para que, somente, em momento posterior, seja possível uma releitura do princípio, efetuada em consonância com o atual desenvolvimento jurídico.
Durante longo tempo as sanções decorrentes ilícitas cíveis ou não, eram cumpridas por todos do grupo ao qual pertencia o infrator, sem que tivessem para tanta concorrido para o dano.
Assim, o princípio da relatividade se desenvolveu impedindo que os efeitos, no contrato, da inadimplência de um dos membros pudessem resultar em consequências para demais membros da família, da tribo, ou da cidade, o que representa uma evolução no sentido ético e humanista.
Deve-se ao formalismo do direito romano como causa para a enunciação da relatividade naqueles termos. Pois somente os que realmente participaram da formação do contrato e consequentemente de seus rituais formais é que poderiam se vincular.
Esclarece Humberto Theodoro Neto: “A stipulatio somente tinha eficácia entre aqueles que haviam pronunciado as palavras[19] preestabelecidas para o negócio entabulado”. Em virtude da influência da legislação francesa diversos foram os códigos que trouxeram também a regra expressa.
Nesse sentido, encontram-se os artigos 1.257 CC espanhol, artigo 1.195 do CC argentino e art. 1.372 CC italiano. No direito brasileiro não há expressa disposição legal do princípio, não obstante, sob a regência do Código Civil de 1916, tal princípio seria deduzido, a contrario sensu, do artigo 928 segundo a qual: “A obrigação, não sendo personalíssima, opera assim entre as partes, como entre seus herdeiros”.
João Manoel Carvalho Santos ao comentar o artigo 928 do Código Civil de 1916 estabelecia in litteris: “Em outras palavras, a obrigação produz efeito entre as partes. Em se tratando de contratos, há uma regra que exprime bem essa verdade; o contrato vale como lei entre as partes. (In: Código Civil brasileiro interpretado 13ª edição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, v. XIII, p.9).
O princípio da relatividade ainda atualmente orbita em torno do princípio da autonomia privada e, dessa forma do próprio conceito de contrato, sendo este entendido como “acordo de vontades produtivo de efeitos obrigacionais na esfera patrimonial”.
Na lição de Orlando Gomes: “Em síntese, ninguém pode tornar-se credor ou devedor contra a vontade se dela depende o nascimento do crédito ou da dívida”. Estes que manifestaram exposição aos terceiros, aqueles que não partes”.
É curial sublinhar que o conceito de parte não se confunde com o de pessoa física ou jurídica. O escorreito será entender o conceito de parte como centro de interesses, objetivamente homogêneos, dessa forma uma parte do contrato pode perfeitamente ser compostos por duas ou mais pessoas.
O entendimento de que as partes devem ser complementado pois não são apenas que se manifestarem suas vontades no momento de formação do vínculo contratual são compreendidos como partes, mas também aqueles que passam a ocupar a posição do contratante por sucessão ou transmissão inter vivos ou causa mortis.
Elucidando o conceito de partes do contrato, são os contratantes, aqueles que contrataram, emitiram as respectivas declarações negociais por si mesmos ou através de representantes, sejam voluntários ou legais, e que ao momento considerado constituem a ocupar a posição dos contratantes originários, ou de quem entretanto, haja passado a ocupar a posição destas.
São terceiros em relação ao direito de crédito, é quem não for sujeito da relação obrigacional, quem, não for, pois credor nem devedor.
Lembremos que na ultrapassada concepção clássica, a qualidade de parte era definida para manifestação da vontade ao momento da conclusão do contrato; na nova concepção proposta por Ghestin[20] é a vontade de estar ligado ao contrato, quer no ato na formação, quer no ato de execução. (In: Negreiros, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2ª edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.224).
No que tange aos efeitos internos do contrato, ou seja, aos direitos e obrigações dos contratantes, o contrato é como se inexistisse para terceiros, uma vez que sua execução não pode ser pedida em face daquele que não participou nem é diretamente, nem por representação na formação do contrato e, da mesma forma, este não pode vir pleitear a sua execução.
Ocorre que daí à defesa de que terceiros, em absoluto, podem agir como se o contrato existisse há uma grande distância e se tal, em passado recente, já foi deferido hoje, à luz de uma sociedade de que se exige, constitucionalmente, seja solidária não deve prevalecer.
É relevante a distinção operada pela doutrina francesa nesse aspecto acerca da distinção entre relatividade e oponibilidade, citada por AntÇonio Junqueira de Azevedo.
Orlando Gomes enunciava essa distinção estabelecendo que é indispensável distinguir a existência do contrato os efeitos internos. A existência de um contrato é um fato que não pode ser indiferente a outras pessoas, as quais se torna oponível.
O terceiro não pode ignorar o contrato e tem dever de respeitá-lo e não pode agir como se ignorasse sua existência e seus efeitos jurídicos. Desta forma, distinguem-se os efeitos internos e os efeitos externos do contrato, sendo que os primeiros somente vinculam somente as partes, e é com relação a esses efeitos que se cogita no princípio de relatividade ; no que tange aos efeitos externos, cogita-se, então de operabilidade.
Abordando a revisão contratual tanto no âmbito do Código Civil e no Código de Defesa do consumidor, diante das recentes premissas principiológicas que mudaram a tendência individualista das relações contratuais para uma vertente mais preocupada com a função social.
O que admite francamente a revisão[21] ou a resolução contratual em virtude de eventos imprevisíveis e extraordinários que possam surgir no decorrer da execução dos contratos quando ocorrer fato superveniente que provoca a desproporção manifesta da prestação.
Lembremos que a aplicabilidade do pacta sunt servanda começou ser relativizada e a observar a cláusula rebus sic stantibus, como uma própria cobrança das necessidades sociais que não suportaram mais a predominância de relações contratuais com desequilíbrios, cláusulas abusivas e má-fé.
Com o advento do Código Civil de 2002, deu-se o rompimento com caráter puramente individualista. E, seus então novos dispositivos legais passaram a disciplinar um conjunto de interesses estruturados no princípio da socialidade, em que, por exemplo, a força obrigatória dos contratos é mitigada para proteger o bem comum e a função social do contrato.
Diante das disposições do Código Civil de 2002 tem-se a seguinte classificação para as formas de extinção dos contratos, a saber: 1. extinção normal; 2. extinção por vício; 3. extinção por resilição; 4. extinção por resolução.
É sabido que a extinção normal decorre do cumprimento direto da obrigação, a extinção por vício ocorrerá por nulidade ou anulabilidade do negócio obrigacional firmado entre as partes, já a extinção por resilição poderá ser bilateral ou unilateral e depende unicamente da vontade dos contratantes. A resolução refere-se à inexecução, seja culposa ou involuntária do pactuado.
É sabido que a resolução opera a finalização do contrato or descumprimento das obrigações por uma das partes ou de ambas, seja por culpa sua ou ato estranho à sua vontade, que pode ser caso fortuito, força maior e onerosidade excessiva.
Fato do príncipe é, de acordo com os ensinamentos de Diogo Moreira Netto (2009) uma ação estatal de ordem geral, que não possui relação direta com o contrato administrativo, mas que produz efeitos sobre este, onerando-o, dificultando ou impedindo a satisfação de determinadas obrigações, acarretando um desequilíbrio.
O factum principis ou fato do príncipe é previsto no artigo 486 da CLT é ato da Administração Pública de natureza administrativa ou legislativa que gera a completa impossibilidade de execução do contrato de trabalho, considerado pela doutrina como espécie do gênero força maior (artigo 501 da CLT).
Exige-se como requisitos para caracterização do fato do príncipe que o evento seja inevitável, que haja nexo de causalidade entre o ato administrativo/legislativo e a paralisação do trabalho; que impossibilidade absolutamente a continuação do negócio e, por fim, que o empregador não concorra para a sua ocorrência.
Observa-se que não haverá factum principis se o ato da autoridade não impedir absolutamente a continuidade do trabalho, apenas tornando-a mais difícil ou onerosa. A causa de cessação do contrato supõe impossibilidade absoluta de continuação do trabalho.
Impossível vislumbrar factum principis quando o empregador concorre para a paralisação do trabalho, agindo de modo ilícito, irregular ou simplesmente culposo. Isso porque, sendo o factum principis espécie de força maior, a constatação de culpa ou de mera imprevidência do prejudicado exclui as razões que justificam sua invocação.
Sendo pertinente citar que, no caso da vedação dos bingos por meio da MP 168/04, a posição majoritária da doutrina e jurisprudência se firmou pela inexistência de factum principis, pois a autorização para a prática do jogo de azar era precária e de constitucionalidade duvidosa desde o início.
No caso da terceirização ilícita, há expressa vedação na Súmula 331 do TST, de teor público e notório, justificando com maior facilidade a não configuração do fato do príncipe.
Em se tratando de contrato administrativo a situação se enquadra na hipótese do artigo 78, XII da Lei 8666/93 estando presentes as razões de interesse público.
A rescisão contratual com tal fundamento tem previsão legal, circunstância que afasta a natureza de força maior. Trata-se, pois, de risco comum e inerente a atividade daqueles que contratam com a Administração Pública, integrando-se, portanto, ao próprio risco do empreendimento.
Ademais, o Estado assume a responsabilidade seja quando o fato do princípio é ato fundado em conveniência e oportunidade, seja quando for ato vinculado.
O fundamento do fato do príncipe reside na noção de que a Administração Pública, se causar danos ou prejuízos aos administrandos, ainda que em benefício da coletividade, deve indenizá-los. É o caso, por exemplo, quando a lei proíbe a exploração de determinada atividade, outrora permitida, suprime a empresa pública ou até extingue cartório. É o que se verifica ainda na hipótese de encerramento de atividade em virtude de desapropriação do local em que funcionava a empresa. E, em tais casos, tanto a doutrina como jurisprudência admitem a ocorrência do fato do príncipe.
É possível alegar que a prestadora de serviços tenha direito à reparação pelos danos sofridos pela rescisão antes do termo final do contrato, tal relação de cunho administrativo é estranha ao contrato do trabalho e não elide a responsabilidade do empregador pelo pagamento de verbas rescisórias.
Por fim, ainda que se caracteriza a ocorrência do fato do príncipe a obrigação do Poder Público abrange somente os valores diretamente resultantes da rescisão do contrato laboral, a saber, as indenizações previstas nos artigos 478, 489 ou 497 da CLT quando aplicáveis os quarenta porcento do FGTS e conforme ainda a parcela da jurisprudência, o aviso-prévio indenizado.
Pois as demais parcelas rescisórias são mesmo de responsabilidade do próprio empregador porque relacionadas aos fatores geradores ANTERIORES à própria ruptura do vínculo trabalhista.
O factum principis se distingue ligeiramente da força maior, pois depende de determinação de autoridade governamental, em que a empresa tem de encerrar ou paralisar a atividade por determinação da autoridade pública.
A denominada “Teoria do Fato do Príncipe” funde-se na premissa de que a Administração Pública não pode causar danos ou prejuízos aos seus administrados, ainda que em benefício da coletividade; desse modo, sendo inevitáveis os prejuízos, surge a obrigação de indenizar.
A jurisprudência, em que pese não ser tema latente nas demandas processuais, segue no sentido de responsabilizar a Administração Pública pelo pagamento, seja na análise do caso concreto, conforme o TRT da 3ª região - MG, quanto a interpretação do dispositivo celetista, conforme o TST:
TRT3 - “FACTUM PRINCIPIS”. DESAPROPRIAÇÃO. RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. RESPONSABILIDADE. AVISO PRÉVIO INDENIZADO. MULTA DE 40% DO FGTS. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Deve ser admitida a ocorrência do “factum principis” quando a rescisão do contrato de trabalho decorrer de ato da administração pública que não pode ser evitado pelo empregador, que se vê obrigado a encerrar suas atividades econômicas. Órgão: Turma Recursal de Juiz de Fora/TRT 3ª Região. Processo: RO 0001757-58.2013.5.03.0036. Disponibilização: DEJT – 19/02/2015 TST - "AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. CONFIGURAÇÃO DO FACTUM PRINCIPIS. DESAPROPRIAÇÃO DE TERRENO RURAL. FIM SOCIAL DA PROPRIEDADE. RESPONSABILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 486 DA CLT. Verificado que o posicionamento adotado no acórdão regional baseou-se na interpretação do artigo 486 da CLT, e que a interpretação conferida não atenta contra a literalidade da mencionada norma, não há de se falar em modificação do julgado. Sendo indiscutível a natureza interpretativa da matéria combatida, certo é que, se uma norma pode ser diversamente interpretada, não se pode afirmar que a adoção de exegese diversa daquela defendida pela parte enseja violação literal dessa regra, pois essa somente se configura quando se ordena expressamente o contrário do que o dispositivo estatui. Nesta senda, competia ao Recorrente demonstrar a interpretação diversa dos dispositivos em questão entre Tribunais Regionais do Trabalho ou a SBDI-1 desta Corte, nos termos do artigo 896, "a", da CLT, ônus do qual não se desincumbiu. Agravo de Instrumento conhecido e não provido" (AIRR-1770-57.2013.5.03.0036, 4ª Turma, Relatora Ministra Maria de Assis Calsing, DEJT 18/12/2015).
Vê-se então que a aplicação do “factum principis” aponta como medida viável para a Empresa quando da rescisão dos contratos de trabalho por força maior, considerando toda sua estrutura, não se limitando, mas, sobretudo, financeira, ainda que em benefício da própria coletividade, deve ser imputada à Administração Pública a responsabilidade pelo pagamento da indenização rescisória.
Responsabilidade contratual cinge-se nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo as exceções previstas em lei.
Na hipótese de caso fortuito ou força maior, o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
O caso de fortuito ou força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não eram possíveis evitar ou impedir.
O caso fortuito pode ser interno ou externo. Caso Fortuito Interno - se caracteriza por toda situação causada pela imprevisibilidade, e, portanto, inevitável que se encontra relacionada aos riscos da contratação estipulado, ligado à pessoa ou à coisa. Exemplo: greve de funcionários que impedem a execução das atividades normais de uma empresa, que se obrigara a entregar determinado produto.
Caso Fortuito Externo - este se caracteriza como sendo imprevisível e inevitável, porém, não guarda ligação direta com a obrigação, como é o caso dos fenômenos da natureza, entendidos como acontecimentos naturais, tais como os raios, a inundação e o terremoto.
A força maior, por sua vez, representa acontecimento relacionado a fatos externos, independentes da vontade humana, que impedem o cumprimento das obrigações.
Esses fatos externos podem ser: ordem de autoridades (fato do príncipe), fenômenos naturais (raios, terremotos, inundações, etc.) e ocorrências políticas (guerras, revoluções, convulsões sociais, etc.). Vide no Código Civil vigente os artigos 389 a 393.
Denomina-se factum principis ou fato do príncipe, ou ainda, fato da Administração lato sensu, toda e qualquer providência da iniciativa dos poderes públicos que torna mais onerosa a situação daquele que contrata seja com a Administração, ou com outro particular.
Ao passo que a teoria da imprevisão[22] está subordinada aos fatos independentes da vontade da Administração e do concessionário e que originam a álea econômica, o fato do príncipe pressupõe ato voluntário da Administração Pública e que nos coloca em face da álea administrativa.
Por álea lato sensu entende-se toda a ocorrência futura que influi na economia dos contratos. Dividem-se em econômicas e administrativos, sendo que essas últimas, interferem na execução dos contratos administrativos por iniciativa dos poderes públicos.
Existem as áleas ordinárias que representam acontecimentos desfavoráveis que as partes assumiram o risco de correr por ocasião do contrato. E, chamam-se áleas extraordinárias os acontecimentos que desafiam todos os cálculos que as partes puderam fazer por ocasião do contrato.
Existem duas condições tipificadoras ou caracterizadoras do fato do príncipe, a saber:
1. A medida do Poder Público (seja em forma de lei, MP, regulamento, decreto, decisão executória especial e, etc.). cujo o efeito rompe o equilíbrio do contrato;
2. O elemento de imprevisão, se a medida tomada pelo Poder Público intercorrente estivesse nas previsões das partes, no ato de contratar, não haverá possibilidades de indenização, no momento em que se realiza.
Há ainda o fato do príncipe negativo que consiste num gravame trazido ao contrato por motivo de ab-rogação ou da não aplicação de texto legislativo ou regulamentar com a aplicação do qual contava o outro contratante.
Ilustrando um caso de fato do príncipe negativo, temos uma cidade que concedera a particular o serviço de limpeza e transporte do lixo residencial, publicando, nesse sentido, regulamento de política que impunha aos habitantes obrigações que iriam permitir o funcionamento normal do serviço.
A Administração Pública, no entanto, deixa de obrigar o cumprimento de normas estatuídas, que passam a ser letra morta. E, por esse motivo, o rendimento da empresa é inferior àquilo com que contava o concontratante.
Note-se que é bastante complexa é a noção jurisprudencial francesa quanto ao fato do príncipe parecendo ter havendo estreitamente de sentido no que tange àquela designação.
Deve-se isso as inúmeras situações enquadráveis anteriores, na teoria do fato do príncipe, ficam atualmente fora do âmbito desta teoria para integrarem o campo da teoria da imprevisão, o que é de capital importância porque o direito do contratante à indenização difere conforme a teoria.
De fato, enquanto que na teoria da imprevisão o direito de indenizar surge apenas quando a situação do particular contratante sofreu verdadeiro transtorno, tornando-se insustentável, pela teoria do fato do príncipe, o direito de indenização existe quase sempre. Por outro viés, ao passo que o fato do príncipe gera direito a reparação integral, a imprevisão, por sua vez, dá origem apenas a participação nos novos encargos surgidos.
É bastante difícil aferir qual seja o exato âmbito de aplicação da teoria do príncipe, pois, em virtude do jus imperii do Estado, qual seria o quantum de poder conferido à autoridade administrativa ou estatal para modificar, unilateralmente, o que pactuou? Ou que seus cidadãos pactuaram entre si.?
Cretella Júnior apontou duas hipóteses a serem consideradas e que representam dois casos distintos, que ocorre na prática cotidiana administrativa, a saber: as medidas que promanam da própria autoridade que celebrou o contrato e as medidas que promanam de autoridade diversa daquela que concluiu o contrato.
No primeiro caso, surge o direito à parte contraente, pesadamente onerada, a ressarcir-se dos prejuízos advindos da mudança verificada. E tal teoria tem aplicação plena, nos casos em que a Administração Pública contratante onera pesadamente a situação do particular contratante, não de modo direto e flagrante, mas de modo indireto e sutil através de medidas que afetam mediante refrangimento ou refração.
A aceitação in casu da teoria do fato do príncipe dar-se tão-somente se ficar demonstrado cabalmente o nexo de causalidade existente entre a medida tomada e a perturbação da economia do contrato, como também que a perturbação experimentada foi capaz de tornar impossível o que se pactuou.
Já o segundo caso é dado pela repercussão que possam ter, sobre a situação do contratante, as medidas de ordem legislativas, disciplinares, regulamentar em caráter geral, mas que impactam a economia do contrato celebrado, visto que ao entrarem em vigor tornam impossível ou inexequível o contrato pactuado.
Na doutrina francesa se observa que foram três fases distintas pelas quais passou o Conselho de Estado Francês, quando chamado a manifestar-se em casos semelhantes.
Em sua primeira fase, firmou-se jurisprudência no vetor de deixar o particular contratante desprotegido do direito à indenização, em virtude do princípio adotado por aquela Corte de que o Estado é irresponsável pelas consequências dos atos legislativos.
Na segunda fase, orientou-se a jurisprudência em conceder abrigo e agasalho à teoria do fato do príncipe, desde que os elementos alterados tais como preço, imposto, salários e, etc, tivessem assumido, dentro do espírito do contratante um principal papel decisório no momento do contrato. Ou ainda, que a modificação verificada tivesse chegado mesmo a perturbar a economia do contrato.
Na terceira fase, por sua vez, inclinou-se o Conselho de Estado francês para a tese de que, no caso, não tenha aplicação a teoria do fato do príncipe, mas sim, a teoria da imprevisão. Pois o factum principis só poderia ser invocado quando as medidas então tomadas são de iniciativa da própria Administração na condição de signatário do contrato.
A obrigação de indenizar em razão do factum principis confere ao que contrata com a Administração Pública, o direito de total indenização pelos danos sofridos. Danos in lato sensu, a saber: patrimonial e extrapatrimonial, bem como, lucros cessantes.
Os estudiosos administrativistas procuram responder satisfatoriamente a natureza jurídica da obrigação de indenizar em razão do fato do príncipe. Destacando-se Maurice Hauriou que procurou basear-se na noção do enriquecimento sem causa, mas observou o conceituado doutrinador francês, que a noção do enriquecimento sem causa é muito restrita para explicar cabalmente as consequências pecuniárias causadas pelo fato do príncipe.
Procurou-se também justificar a obrigação indenizatória na noção de responsabilidade sem culpa da Administração Pública. E, in casu, porém, é esclarecer que se trata de responsabilidade contratual.
Realmente, o direito à indenização resta presente, neste caso, com a mais importante equilíbrio financeiro ou equação financeira, que consiste considerar o contrato administrativo como um todo, no qual os interesses das partes se condicionam.
Ora, se o equilíbrio inicialmente mantido é alterado, prejudicando o particular contratante, tem este o direito à uma indenização pecuniária para que restabeleça o equilíbrio contratual violado.
Tal regra do equilíbrio é considerada como efeito da intenção comum entre os contratantes, isto é, como autêntica cláusula contratual, ainda que não estipulada expressamente, para todos os efeitos, é como se o tivesse. Resta subentendida. Trata-se de cláusula implícita in re ipsa.
Em verdade os teóricos franceses e o próprio Conselho de Estado, inadvertidamente, chegaram a identificar, em alguns casos, a imprevisão e o fato do príncipe.
Na teoria da imprevisão, o evento imprevisto é circunstância ou conjunto de circunstâncias econômicas extraordinárias, independentes da vontade dos contratantes, como, por exemplo, a súbita elevação de preço da matéria-prima e dos salários, que se verifica no transcurso ou como consequência de grandes crises políticas, sociais ou internacionais, como uma guerra ou pandemia.
A teoria da imprevisão tem por fim (nos contratos administrativos) fazer com que a Administração Pública participe, até certo ponto e temporariamente, dos prejuízos sofridos pelo contratante. E, não tem por objetivo reparar danos.
O fato do príncipe, ao revés, tem por fim, quando influir sobre a situação econômico-financeira do contratante, outorgar-lhe o direito de exigir a reparação definitiva do prejuízo causado pela Administração, sob o aspecto supletivação do preço. Portanto, exige-se a equidade de forma que o contratante não sofra nem prejuízo e nem mesmo redução de sua renda, em consequência de medida tomada pela Administração Pública.
O fato do príncipe reflete uma aplicação da teoria geral da reparação equitativa do dano causado por iniciativa alheia.
Concernente aos contratos administrativos podemos concluir, a saber:
a) os contratos administrativos diferem dos contratos privatísticos ou cíveis em diversos pontos, principalmente no quantum de sua imutabilidade.
b) Estando em jogo os altos interesses da coletividade e ainda a supremacia da ordem pública, tem a Administração Pública a total faculdade de impor unilateralmente ao particular contratante modificações posteriores, que tanto alteram o que de início se pactuou, ou seja, a mutabilidade dos contratos administrativos é permitida;
c) a teoria jurídica que tenta justificar a fundamentação da responsabilidade pecuniária da Administração Pública, quando, em virtude de medidas tomadas, e que oneram sobremaneira a execução do contrato por parte do particular, está o Estado obrigado a indenizar e recebe o nome de teoria do fato do príncipe;
d) o direito à indenização, sempre possível quando ocorre o fato do príncipe, constitui a mais relevante aplicação da teoria da equação financeira, que explica o equilíbrio econômico que deve existir entre os contratantes e sua consequente restauração, quando momentaneamente alterado.
Sem dúvida, o melhor caminho é o diálogo e negociação norteada por boa-fé afim de dirimir os conflitos, principalmente os oriundos de locações sejam residenciais ou comerciais.
Indubitavelmente a pandemia e decretação do estado de calamidade pública no país engrossaram os violentos impactos na sociedade civil, notadamente os contratos.
Aqui no Estado do Rio de Janeiro, o Decreto 46.970 de 13 de março de 2020 determinou a suspensão, pelo prazo de quinze dias, das atividades coletivas de cinema, teatro e afins. E, ainda, outro Decreto 46.973 de 16 de março do mesmo ano, em seu artigo 5º estabeleceu que o fechamento de shopping center, centro comercial e estabelecimentos congêneres.
Tais medidas legislativas vem em razão da anterior recomendação prolatada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e do governo brasileiro tanto federal como estadual no sentido de que as pessoas adotem o isolamento social para deter ou conter o tráfego infeccioso do covid-19.
A causa dessas restrições impostas atingem o locatário, que é ab initio, inimputável a ambas as partes contratantes, não apenas porque a pandemia se caracteriza como força maior, mas porque muitas das restrições impostas materializam-se em forma de fato do príncipe.
De sorte que as consequências negativas da pandemia devem ser arcados por ambos contratantes, podendo até mesmo resultar na resolução do mesmo. Lembrando que essa impossibilidade superveniente é temporária posto que tais restrições certamente cessarão, assim que retiradas pelo Poder Público por sua clava legislativa.
Por analogia, no caso de deterioração inimputável da coisa, prevista no artigo 567 do Código Civil, segundo a qual, se durante a locação, se deteriorar a coisa alugada, sem culpa do locatário, a este caberá pedir redução proporcional do aluguel ou resolver o contrato, caso já não sirva a coisa para fim a que se destinava.
De fato, o fechamento dos shopping centers e congêneres tornou tais locações inviabilizadas em seu contexto econômico, mas, em verdade, trata-se de deterioração temporária, portanto, seria vedada a resolução. De forma que, merece apenas a revisão contratual para promover os ajustes necessários e restaurar o equilíbrio econômico contratual. Além de atender adequadamente ao princípio da conservação do contato.
Quanto as locações comerciais, mesmo que ainda não tenha transcorrido três anos previstos no artigo 18 da Lei 8.245/1991, aplica-se o Código Civil brasileiro supletivamente aos contratos de locação comercial.
O maior busilis parece o cálculo da redução no valor locatício, que deverá considerar a composição do aluguel e ser proporcional à restrição sofrida pelo locatário. Mesmo quando a atividade do locatário esteja suspensa, o aluguel continua devido, pois conserva, como é sabido, a posse do imóvel e neste mantém seus equipamentos, mercadorias e, etc, além de usufruir de serviços providenciados pela administradora dos shopping centers, tais como segurança e limpeza.
Realmente não é fácil chegar à solução, seja em face da excepcionalidade vivenciada pela pandemia e das medidas governamentais restritivas. Portanto, o melhor é mesmo uma mediação pautada no diálogo, na boa-fé, propiciando a redução equitativa do aluguel com forma em analogia autoriza o artigo 567 CC e, conciliar todos os interesses envolvidos.
Outra hipótese para reflexão é o contrato de empreitada celebrado entre construtora e incorporador, com o fito de realizar edificação de empreendimento residencial ou comercial, sob a modalidade de empreitada global, dotada de preço certo e prazo determinado.
É sabido que segundo os artigos 619 e 620 do vigente Código Civil brasileiro, o empreiteiro assume como regra os riscos da oscilação de custos de mão de obra e de materiais, bem como os riscos ordinários quanto ao prazo de conclusão de obras E, sua responsabilização perante o incorporador é contratual, salvo disposição em contrário regida pelo Código Civil.
Aliás, a doutrina estrangeira propugna pela securitização dos contratos, para prover a devida indenização sobre os riscos e deveres assumidos pelos contratantes.
Mas, com determinação legal advinda do governo brasileiro que impôs a imediata paralisação de obras, bem como a restrição de acesso de empregados aos canteiros de obras, ou ainda, pela eventual escassez de materiais de construção no mercado, por consequência, a execução da empreitada é impactada com possível reflexo no prazo, no custo e, até nos dois simultaneamente.
Resta o empreiteiro amparado pelas previsões do artigo 383 CC que prevê a exclusão de responsabilidade por caso fortuito ou de força maior) e, ainda, do artigo 478 CC que prevê a revisão ou resolução por excessiva onerosidade superveniente. Pois estão presentes todos os pressupostos legais capazes para amparar a pretensão de exclusão de responsabilidade.
As consequências de seu inadimplemento têm que ser mitigadas por excludentes de fato de príncipe (força maior) afastando assim a mora voluntária bem como seus efeitos, tais como a multa, juros de mora, danos emergentes, lucros cessantes que estejam relacionados ao atraso na execução da empreitada.
Desta forma, o incorporador é impedido de imputar ao empreiteiro os encargos, salvo se houver expressa cláusula em contrário, o que também poderá ser considerado como cláusula abusiva[23], pois no caso da pandemia de COVID-19[24] seria de todo imprevisível e irresistível. Não teria responsabilidade nem mesmo por eventuais custos trabalhistas derivados do período de suspensão da execução de obras, mesmo que tal fato venha efetivamente onerar a folha de pagamento do empreiteiro construtor.
É indispensável que o diálogo sobre os impactos da pandemia, como o fato do príncipe se opera particularmente entre os contratantes de contrato de execução futura, seja continuada ou diferida.
Para afastar o desequilíbrio contratual deve-se arbitrar novo valor e prazos para a empreitada e novas condições objetivas para o cumprimento contratual, tal como preveem os artigos 317 e 479 do Código Civil brasileiro vigente
Por outro lado, o eventual aumento ou majoração, dos custos de insumos e mão de obra tenderia a ser absorvido pelo reajuste contratual promovido em revisão do contrato, que pode ser atrelado ao índice econômico apropriado, possibilitando um repasse em posteriormente, ao preço final da unidade.
Porém, tal aumento só se mostra como efetivo problema, se provocar um descompasso entre o valor de mercado do imóvel e o preço reajustado contratualmente, de forma a propiciar a onerosidade superveniente para o consumidor.
No CDC cumpre-se ressaltar que se adotou a teoria correlata, a chamada teoria da base objetiva[25] ou quebra da base objetiva do contrato, prevista no artigo 6, inciso V. E, seus pressupostos diferem dos previstos no Código Civil, tornando-se mais flexível em sua aplicação. É fundamental, portanto, atender ao rol de direitos básicos definidos no CDC, enquadrando-se o adquirente como consumidor.
É direito básico do consumidor haver a revisão do contrato de consumo quando por fato superveniente, sobreviver onerosidade excessiva para o consumidor.
Assim, dispensou-se, com sensatez, o requisito da imprevisão, limitando-se a lei exigir a superveniência, e que seja extraordinário às condições originalmente pactuadas acarretando assim a inexorável onerosidade excessiva para o consumidor.
Com as medidas adotadas pelo governo estadual do RJ[26] o sinalagma dos contratos locatícios dos shopping centers e congêneres resta impactada resultando no desequilíbrio superveniente entre o custo do aluguel e encargos e o proveito (uso regular da coisa e dos serviços agregados que até mesmo pela absoluta destruição da contraprestação no caso de compulsório fechamento e absoluto de tais estabelecimentos comerciais.
Deve-se pleitear a redução do aluguel equitativamente a redução do proveito do imóvel, sendo medida compatível dentro da teoria da imprevisão e da exceção do contrato não cumprido.
De sorte que o aluguel somente retornaria aos parâmetros naturais e originais contrato após a cessação da causa de impossibilidade ou de desequilíbrio contratual.
Por fim, precisamos avaliar a flexibilização do nexo de causalidade que tem sido estudada pelo direito civil contemporâneo. O nexo de causa flexível surgiu em parte, em face da insuficiência das teorias atinentes à causalidade, tem-se procurado reparar a vítima antes mesmo de qualquer discussão técnica mais profunda.
Anderson Schreiber apud Tartuce demonstra que tal flexibilização é decorrente das dificuldades existentes sobre a miríade de teses relativas ao nexo causal. Muitas vezes se depara com a presunção do nexo de causalidade que em verdade se trata de mera etapa lógica de sua verificação, em que o juiz recorre às regras comuns de experiência ou a uma suposta normalidade dos fatos para aferir afinal se existe a relação de causalidade entre a atividade lesiva e o dano.
Contudo, em diversas ocasiões, o recurso a expediente mais drástico, tal como a desconsideração de uma excludente de causalidade ou a aplicação de teorias que, sem se propor a explicar o significado da causalidade jurídica, logram expandir a margem de discricionariedade do juiz.
Na perspectiva da flexibilização do nexo, cogita-se na aplicação da teoria da causalidade alternativa, pela qual se responsabiliza qualquer membro de um grupo que acabou por causar dano.
O próprio conceito de responsabilidade pressuposta, o qual surgiu de forma preventiva para eventos futuros que decorrem da exposição ao perigo ou ao risco, é apropriado para demonstrar tal abrandamento teórico.
Quanto à causalidade alternativa, já abordada em tópico anterior deste capítulo, vale lembrar que ela tem grande incidência nos casos de responsabilidade coletiva, denominada também de responsabilidade anônima, presente nas hipóteses fáticas em que o dano foi causado por um grupo de pessoas, sem que seja possível individualizar a contribuição causal de cada um dos agentes para o prejuízo gerado, muitas vezes de enorme proporção. Exemplificando, podem ser citadas as grandes manifestações públicas que descambam para a violência, as brigas entre torcidas ou de outros grupos identificáveis e os conflitos armados entre facções criminosas.
A abordagem feita pelo presente artigo englobou contratos cíveis, contratos de trabalho[27], contratos administrativos e de consumo analisando as possíveis mitigações advinda pela pandemia do Covid-19. Sinceramente, além dos esclarecimentos, espero que tenha representado um incentivo para dialogicamente compor todos os conflitos de interesses oriundos do desequilíbrio da base objetiva negocial.
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