Resumo: As regras de Direito Internacional regem a imunidade de jurisdição para os agentes diplomáticos. As imunidades conhecidas como prerrogativas diplomáticas não eximem o agente de cumprir a lei interna de cada país, ou seja, a obrigação de respeitar os regulamentos locais referentes à segurança, saúde pública, entre outros. Porém, as normas internas de cada país devem ser de ordem geral e não podem restringir, de modo algum, o exercício efetivo dos deveres dos agentes diplomáticos. A tese da imunidade penal não tem como enfoque a impunidade criminal. A lei penal brasileira é protegida pelo princípio da extraterritorialidade penal, que estabelece a possibilidade de aplicação das leis de um Estado a fatos ocorridos fora do seu território. Outrossim, entende-se que somente através da análise de casos práticos que ocorreram em território nacional, é que se torna possível verificar se o instituto da imunidade serve ou não como uma forma de subtrair a aplicação da lei penal local, desviando-se totalmente do intuito originário de tais privilégios e consequentemente gerando um abuso da imunidade penal diplomática a qual afeta o Estado Democrático de Direito. Viabilizando assim a efetividade da aplicação lei penal.
Palavras-chave: Imunidade; Agente; Diplomacia; Lei; Punibilidade.
Sumário: 1. Introdução. 2. A origem sobre a Convenção de Viena e sua relação com o agente diplomata. 3. Territorialidade das leis penais. 4. A aplicação da jurisdição local diante os crimes cometidos por agente diplomáticos. Considerações finais. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Entende-se como agente diplomático é um funcionário através do qual um Estado ou a Santa Sé tem relações com outro Estado, Santa Sé ou uma organização internacional. São agentes diplomáticos: chefe de uma missão diplomática e seus associados.
Esses agentes possuem imunidades que são atribuídas devido a sua função, asseguradas na Convenção de Viena (Decreto nº 56.435/1965). Infelizmente a sociedade não enxerga que por mais que os agentes possuam as imunidades, e acabam se questionando: “a lei penal é eficaz aos crimes cometidos por agentes diplomáticos?”.
Sobre o questionamento exposto acima entende-se que, primeiramente é através do Decreto Legislativo nº 103 de 1964, foi fato crucial para a aprovação da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, sendo que esta estabelece algumas imunidades e privilégios aos representantes oficiais dos Estados, esclarecendo assim o porquê dessas imunidades.
Outrossim, seja qual for a situação, o agente diplomático não ficará impune por atos ilícitos por ele praticado, sendo, em regra, processado e julgado pelo Estado acreditante, mas podendo ser também pelo Estado acreditado.
Entende-se que, um objetivo central serve para direcionar o estudo e compreender o que são imunidades diplomáticas e como se dá a aplicabilidade da lei penal frente aos delitos cometidos pelos agentes diplomáticos. Já os objetivos específicos ira auxiliar o entendimento, primeiramente identificar o que é a Convenção de Viana, as imunidades diplomáticas frente aos agentes diplomáticos, segundo analisa a aplicabilidade da lei penal aos agentes diplomáticos, mesmo possuindo imunidades, e pra finalizar discutir a respeito da responsabilização dos agentes diplomáticos diante dos crimes cometidos por eles.
Por fim, a metodologia utilizada nessa pesquisa bibliográfica ou revisão de leitura, será à revisão bibliográfica, com a presença de citações de autores dos últimos oito anos, e tem como fonte de pesquisa livros, site, monografias. Por ter sido pautada na exposição de ideias, traz um texto dissertativo.
2. A ORIGEM SOBRE A CONVENÇÃO DE VIANA E SUA RELAÇÃO COM O AGENTE DIPLOMATA
A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, ou mais conhecida como (CVDT) é um tratado do direito internacional que tem a finalidade de estabelecer as regras comuns para a assinatura de tratados entre Estados-nações. Arquitetada em 1969, com o auxílio da Comissão de Direito Internacional (CDI), uma instituição das Nações Unidas, após quase duas décadas de planejamento, a Convenção só foi efetivada em 1980.
O diplomata é resumidamente definido como um funcionário público que trabalhará no exterior por seu Estado na manutenção de relações internacionais com outras soberanias, tratando de diversos assuntos julgados relevantes para a soberania das nações e harmonia entre elas. Por tão importante papel, goza de privilégios e garantias a ele concedidos pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961.
Nota-se que o referido tratado se divide em 53 (cinquenta e três) artigos e estabelece desde as definições dos cargos até as imunidades e penalidades aplicáveis a cada agente. Logo em seu preâmbulo, a CVRD (Convenção de Viena e Relações Diplomáticas), reconhece a existência e importância dos agentes diplomáticos, desde os tempos mais remotos, e, sempre frisando e reafirmando os princípios constantes na Carta das Nações Unidas, sendo eles: o princípio da igualdade soberana dos Estados, da manutenção da paz e da segurança internacional e do desenvolvimento das relações de amizade entre as Nações.
Inicialmente, é indispensável a conceituação de “missão diplomática”, sendo ela composta por um conjunto de pessoas nomeadas por um determinado Estado, chamado Estado acreditante, para representá-lo perante o território de um Estado estrangeiro, definido como Estado acreditado. Já no que se refere às funções das missões diplomáticas, estas encontram-se expressamente dispostas, não como rol taxativo, no artigo terceiro da CVRD (Convenção de Viena e Relações Diplomáticas), abaixo transcrito:
As funções de uma Missão diplomática consistem, entre outras, em:
a) representar o Estado acreditante perante o Estado acreditado;
b) proteger no Estado acreditado os interesses do Estado acreditante e de seus nacionais, dentro dos limites permitidos pelo direito internacional;
c) negociar com o Governo do Estado acreditado;
d) inteirar-se por todos os meios lícitos das condições existentes e da evolução dos acontecimentos no Estado acreditado e informar a esse respeito o Governo do Estado acreditante;
e) promover relações amistosas e desenvolver as relações econômicas, culturais e científicas entre o Estado acreditante e o Estado acreditado.
2.1. O AGENTE DIPLOMATA
O agente diplomático, que é o chefe de missão, possui três deveres principais, quais sejam, o de representação, de negociação e de acompanhamento. O primeiro dever é o de representação, o segundo dever é o de negociação, por fim, o terceiro dever é o de acompanhar o desenvolvimento do Estado acreditado. Em razão do papel e função que desenvolvem, os referidos acima, possuem proteção integral que é oferecida pela CVRD (Convenção de Viena e Relações Diplomáticas), através das imunidades e privilégios previstos no referido instrumento.
Ocorre que, se os agentes diplomáticos estivessem sujeitos, como qualquer outra pessoa, as interferências locais tanto de ordem política quanto jurídica, eles poderiam ser influenciados, o que prejudicaria o exercício pleno de suas funções. Sobre a razão de ser desses institutos, Mazzuoli disserta:
Com a finalidade de permitir aos agentes diplomáticos o exercício pleno e sem restrições dos deveres que lhe são inerentes, a representação dos Estados que lhe outorgam certos privilégios e prerrogativas inerentes à função, sem os quais não poderiam livremente e com independência exercer os seus misteres. E isto contribui para fomentar as relações cada vez mais amistosas entre os Estados na medida em que dá aos agentes diplomáticos as condições necessárias para uma atuação eficiente, propiciando o crescente progresso da sociedade internacional. Seguindo o mesmo entendimento.
2.2. AS IMUNIDADES DIPLOMATAS
Feitos esses esclarecimentos, é possível destacar, da leitura da CVRD (Convenção de Viena e Relações Diplomáticas), quatro espécies principais de imunidades e privilégios: imunidades das missões diplomáticas (arts. 22, 24 e 27), imunidade do agente e seus pertences (art. 29 e 30), imunidade em relação aos tributos (art. 23, 28 e 34) e imunidade jurisdicional (art. 31). Imunidade das missões diplomáticas os arts. 22, 24 e 27 da CVRD (Convenção de Viena e Relações Diplomáticas), dispõem que os locais das missões são invioláveis, sendo que para penetrá-los é necessário o consentimento do Chefe da Missão. Ademais, o Estado acreditado tem o dever de proteger tais lugares, bem como os bens neles situados, a livre comunicação, a correspondência, as malas, os arquivos, os documentos e etc. Sobre a importância dessa imunidade, Vincenzo Rocco Sicari afirma:
A imunidade mais importante para a missão diplomática é a inviolabilidade da sede e da residência particular dos agentes diplomáticos. [...] a missão não poderia funcionar caso não tivesse abrigo das buscas policiais, pois estas últimas, poderiam permitir o conhecimento de todos os segredos. A missão diplomática deve funcionar em sua plenitude e para que isso aconteça, todo tipo de intervenção do Estado acreditado deve ser impedido, a não ser nas hipóteses em que a própria lei autoriza como, por exemplo, quando o Chefe da Missão permitir a entrada dos Agentes do Estado, pois só assim a missão diplomática atingirá seu principal objetivo.
Imunidade do agente e seus pertences está relacionado ao agente diplomático, assim como a sua residência, seus documentos e correspondências, goza da mesma inviolabilidade e proteção acima descrita, sendo este o entendimento dos artigos 29 e 30 da CVRD (Convenção de Viena e Relações Diplomáticas). Por conta dessa inviolabilidade, não pode o agente diplomático sofrer qualquer ato coercitivo, ofensivo ou violento, devendo o Estado acreditado adotar todas as medidas cabíveis para impedir qualquer tipo de ofensa contra a pessoa do agente, sua liberdade ou dignidade. Imunidade em relação aos tributos.
Os agentes diplomáticos, conforme artigos 23, 28 e 34 da CVRD (Convenção de Viena e Relações Diplomáticas), estão isentos do pagamento de impostos e taxas fixadas pelo Estado acreditado. Todavia, alguns autores defendem que os tributos referentes à alguma situação pessoal do agente, devem ser pagos. Já os tributos que dizem respeito à missão diplomática em si, não precisam ser recolhidos pelos agentes, em razão da imunidade aqui indicada. Vale destacar que o próprio artigo 34 da CVRD (Convenção de Viena e Relações Diplomáticas), prevê algumas exceções a essa imunidade, quais sejam:
a) os impostos indiretos que estejam normalmente incluídos no preço das mercadorias ou dos serviços;
b) os impostos e taxas sobre bens imóveis privados situados no território do Estado acreditado, a não ser que o agente diplomático os possua em nome do Estado acreditante e para os fins da missão;
c) os direitos de sucessão percebidos pelo Estado acreditado, salvo o disposto no parágrafo 4 do artigo 39;
d) os impostos e taxas sobre rendimentos privados que tenham a sua origem no Estado acreditado e os impostos sobre o capital referentes a investimentos em empresas comerciais no Estado acreditado;
e) os impostos e taxas que incidem sobre a remuneração relativa a serviços específicos;
f) os direitos de registro, de hipoteca, custas judiciais e imposto de selo relativos a bens imóveis, salvo o disposto no artigo 23.
Assim, excluindo-se as exceções acima descritas, os agentes diplomáticos possuem imunidade quanto ao pagamento de impostos e taxas. Tal imunidade decorre da observância da cortesia internacional e da reciprocidade que deve existir entre as nações.
A Imunidade jurisdicional que possuem os agentes diplomáticos, isto é, estão imunes à jurisdição civil, administrativa e penal do Estado acreditado, segundo o artigo 31 da CVRD (Convenção de Viena e Relações Diplomáticas), não podendo ser presos nem processados por aquele Estado. Mais uma vez, o objetivo principal dessa imunidade é o de garantir tenha algum receio sobre a possibilidade de represálias ou outras consequências de ordem pessoal. Contudo, apesar da existência da imunidade jurisdicional, esta diz respeito somente à jurisdição do Estado acreditado e não do Estado acreditante, de forma que deve o agente diplomático ser submetido à jurisdição de seu Estado de origem diante do cometimento de algum ilícito.
Além disso, a referida imunidade é estendida aos familiares do agente diplomático, desde que estes vivam sob sua dependência no exterior, consoante se depreende do artigo 37 da CVRD (Convenção de Viena e Relações Diplomáticas). No tocante a imunidade à jurisdição penal, de acordo Vincenzo Rocco Sicari, “esta imunidade é absoluta, valendo tanto para os atos realizados no exercício da função diplomática quanto para os atos privados”. Além de ser absoluta, ela também é irrenunciável. Vale lembrar que essa imunidade não impede que o Estado acreditado investigue o crime praticado pelo agente.
Ao contrário, a polícia local deve investigar com todo vigor o crime ocorrido e colher todas as provas e informações necessárias ao seu esclarecimento. Após, o Estado acreditado deve remeter tais informações às autoridades do Estado acreditante, para que esse sim possa exercer sua jurisdição sobre o representante e tomar as providências adequadas para o seu processo e julgamento, segundo artigo 31, item 4 da CVRD (Convenção de Viena e Relações Diplomáticas). Dessa forma, a imunidade à jurisdição penal não significa impunidade, pois o agente diplomático sofrerá as consequências de seus atos perante seu Estado originário.
Nessa perspectiva, é importante ressaltar que: A imunidade da jurisdição penal não significa, porém, impunidade; assim como a imunidade de jurisdição civil não é sinônimo de irresponsabilidade. A CVRD (Convenção de Viena e Relações Diplomáticas), previu em seu artigo 31, parágrafo 4, que o agente diplomático não está isento da jurisdição do Estado acreditante, ou seja, responderá perante os tribunais de seu país pelos ilícitos que, porventura, venha a praticar quando em função no exterior, desde que a ação seja transferida para aqueles tribunais. Já no que tange a imunidade à jurisdição civil e administrativa, estas comportam algumas exceções, elencadas no artigo 31 da CVRD, abaixo colacionado:
O agente diplomático gozará de imunidade de jurisdição penal do Estado acreditado. Gozará também da imunidade de jurisdição civil e administrativa, a não ser que se trate de:
a) uma ação real sobre imóvel privado situado no território do Estado acreditado, salvo se o agente diplomático o possuir por conta do Estado acreditado para os fins da missão.
b) uma ação sucessória na qual o agente diplomático figure, a título privado e não em nome do Estado, como executor testamentário, administrador, herdeiro ou legatário.
c) uma ação referente a qualquer profissão liberal ou atividade comercial exercida pelo agente diplomático no Estado acreditado fora de suas funções oficiais.
Outrossim, entende-se que os requisitos apresentados no artigo acima são de grande subsídio para a melhor compreensão das imunidades na jurisdição penal, civil, e administrativa e suas respectivas exceções.
3. TERRITORIALIDADE DAS LEIS PENAIS
Estado, do latim status – estar firme – é uma forma de organização humana composta por quatro elementos: povo, território, soberania e finalidade.
Pode-se definir o Estado [...] como um ente jurídico, dotado de personalidade internacional, formado de uma reunião (comunidade) de indivíduos estabelecidos de maneira permanente em um território determinado, sob a autoridade de um governo independente e com a finalidade de zelar pelo bem comum daqueles que o habitam. Assim, pode-se dizer que os Estados nascem a partir do momento em que ele reúne os elementos essenciais à sua constituição. (MAZZUOLI, 2008, p. 384-385).
A citação acima, faz referência ao papel e dever do estado frente a comunidade (grupo de indivíduos) e como se dá sua administração através de um ente titularizado e designado como governante que se assegura na aplicabilidade das leis de sua territorialidade.
3.1. A territorialidade temperada das leis penais brasileiro
O art. 5º do Código Penal Brasileiro estabelece a territorialidade das leis penais brasileiras, determinando sua aplicação sobre o território nacional.
Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.
§ 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.
§ 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil. (BRASIL, 1940)
Entretanto, afere-se do caput do referido artigo que essa aplicação não ocorre em prejuízo de tratados, convenções e regras de direito internacional. Assim, em virtude desses documentos internacionais – sendo o Brasil signatário e tendo promovido sua promulgação –, poderá ocorrer mitigação da territorialidade penal, deixando-se de aplicar a lei brasileira a um fato ocorrido no território nacional. Devido a essa ressalva, conclui-se que o Brasil não adota o princípio da territorialidade de forma rígida. Na verdade, optou-se pela chamada territorialidade temperada: embora a territorialidade das leis penais seja a regra, existem casos em que ela poderá ser afastada, de acordo com os documentos internacionais que o Brasil integre ao seu ordenamento jurídico.
Pelo princípio da territorialidade, aplica-se a lei penal brasileira aos fatos puníveis praticados no território nacional, independentemente da nacionalidade do agente, da vítima ou do bem jurídico lesado. A lei brasileira adota essa diretriz como regra geral, ainda que de forma atenuada ou temperada (art. 5º, caput, do CP), uma vez que ressalva a validade de Convenções, tratados e regras internacionais. (BITENCOURT, 2009, p. 184).
Diante do exposto acima, nota-se que a cada caso aplicado a punibilidade vai ser considerada por atenuação ou temporariedade.
3.2. A extraterritorialidade da lei penal
Embora a lei penal tenha vigência apenas no território nacional, a comunidade internacional reconheceu que sua mera territorialidade era insuficiente para garantir a ordem, para que os Estados pudessem viver em paz (OLIVEIRA, 1994, p. 155), alcançando todos os fatos que se necessitava regular. Assim, criou-se a Extraterritorialidade Penal, que estabeleceu a possibilidade de aplicação das leis de um Estado a fatos ocorridos extra territorium.
Os efeitos extraterritoriais da jurisdição do Estado decorrem sempre de um vínculo fático do evento com o território e se justifica sempre em razão desse vínculo, seja ele a nacionalidade dos agentes, seja o objeto de determinado negócio ou relação jurídica, quer ainda se refira a valores que direta ou indiretamente afetem o Estado, em seus domínios territoriais. (MAGALHÃES, 1985, p. 191)
Tal mecanismo é regido por uma gama de princípios que são:
-
a) Princípio da Proteção Real ou Defesa: determina que o Estado deve lançar “[...] o manto protetor da lei nacional sobre determinados bens, contra as agressões onde quer que ocorram [...]” (OLIVEIRA, 1994, p. 155). São aqueles bens que, desprotegidos, afetam a própria existência do Estado como Ente Soberano, daí a necessidade de receberem proteção do Estado mesmo no estrangeiro (HUNGRIA, p. 144. apud TOLEDO, 2000, p. 48). Não é autorização para intervenção na autoridade, mas garante ao Ente Soberano afetado a retribuição pela lesão sofrida.
b) Princípio da Nacionalidade ou Personalidade: tal princípio é dividido em dois sub-princípios: princípio da nacionalidade ativa e da nacionalidade passiva. A questão da nacionalidade ativa segue a regra de quilibet est subditus legibus patriae suae et extra territorium (qualquer um está submetido às leis de sua pátria ainda que fora do território desta), para impedir que a conduta criminosa deixe de ser punida quando o criminoso busca refugiar-se em sua pátria. Assim sendo, havendo como punir a conduta praticada extra territorium, mostra-se que nenhuma conduta criminosa foge de sua correspondente pena. Quanto ao sub-princípio da nacionalidade passiva, este alcança casos em que a vítima é o nacional, autorizando o Estado a submeter às suas leis os autores da infração, em defesa de seu cidadão, respeitando as condições estabelecidas para fazê-lo, sob pena de invasão de competência estrangeira.
c) Princípio da Justiça Universal ou Cosmopolita ou da Universalidade: reflete a preocupação dos Estados, enquanto partes da comunidade internacional, na luta contra o crime, cooperando entre si para a repressão de tais práticas (TOLEDO, 2000, p. 48). São crimes atentatórios contra a própria humanidade (tais como o genocídio, tráfico de seres humanos etc.). Em outras palavras, a conduta tida como penalmente reprovável é assim vista por todos os Estados e por eles punível.
d) Princípio da Representação: “é uma aplicação do princípio da nacionalidade, mas não a do agente ou da vítima, e sim do meio de transporte em que ocorreu o crime” (MELLO, 1978, p. 35. apud MIRABETE, 1998, p. 70). Quando um crime ocorre a bordo de aeronaves e embarcações privadas, estando estas em território estrangeiro, e lá não seja submetido à justiça, aplica-se a lei do país de origem desses meios de transporte.
Os princípios acima citados, fazem menção de como devem ser conduzidas as normas efetivas em cada território, eles servem de base para auxiliar o entendimento do indivíduo acerca da extraterritorialidade e a efetividade dos entes responsáveis.
3.3. Extraterritorialidade das leis penais brasileiras
O Brasil regulamenta a extraterritorialidade no art. 7º de seu Código Penal, bipartindo-a em incondicionada (art. 7º, I, § 1º) e condicionada (art. 7º, II, §§ 2º e 3º). Estabelece o art. 7º, I e § 1º, do Código Penal:
Art. 7º. Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:
I - os crimes:
a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;
b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público;
c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço;
d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; [...]
§ 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro. (BRASIL, 1940, grifo nosso).
Dessa maneira, esse artigo serve de subsídio para efetivação da extraterritorialidade das leis penais brasileiras, e aplicação da mesma ao ente estrangeiro que veio a cometer algum destes delitos destes citados.
Os crimes referidos nas alíneas de “a” a “c” são respaldados pelo Princípio da Proteção, devido à importância dos bens jurídicos tutelados ao Estado brasileiro, enquanto a alínea “d”, I do art. 7º do Código Penal baseia-se na Justiça Universal. Cezar Bitencourt (2009, p. 189) critica a extraterritorialidade incondicionada, considerando uma consagração de um injustificável bis in idem, visto que o agente pode ser punido mesmo que condenado ou absolvido no exterior. Todavia, como o próprio autor observa, tal situação é corrigida pelo art. 8o do Código Penal, que determina que a pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas. A extraterritorialidade condicionada está prevista no inciso II do art. 7º, onde deverão ser cumpridos os requisitos determinados pela letra da lei:
Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: [...]
II - os crimes:
a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;
b) praticados por brasileiro;
c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. [...]
§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições:
a) entrar o agente no território nacional;
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.
§ 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior:
a) não foi pedida ou foi negada a extradição;
b) houve requisição do Ministro da Justiça.
(BRASIL, 1940, grifos nossos)
O artigo acima, faz a explanação de como se dá a punibilização ao cometimento do ente estrangeiro a um delito, se atender as condições previstas no artigo anterior citado. Faz menção também ao cumprimento da pena.
O art. 7º, II, “a”, do Código Penal possui incidência do Princípio da Justiça Universal; já o art. 7º, II, “b”, do Código Penal, do Princípio da Nacionalidade Ativa: tendo a Constituição determinado, em seu art. 5º, LI, não extradição de brasileiros, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei, não poderia esta garantia tornar o Brasil “[...] num valhacouto de brasileiros criminosos nem, muito menos, há de dar-lhes garantia da impunidade.” (OLIVEIRA, 1994, p. 158). O art. 7º, II, “c”, do Código Penal possui orientação fundamentada no Princípio da Representação (BITENCOURT, 2009, p. 190) e, no § 3º, utiliza-se do Princípio da Nacionalidade Passiva para atingir as condutas por ele abrangidas.