5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em suma, com base na necessidade funcional, os agentes diplomáticos gozam da Imunidade Penal Ilimitada – prevista no art. 31, parágrafo 1, da CVRD, promulgada pelo Brasil através do Decreto nº 56.435, de 8 de junho de 1965 (BRASIL) –, extensível, inclusive, aos membros de sua família. Fazendo com que se afaste o Princípio da Territorialidade Penal em razão da função exercida pelo diplomata, não permitindo a aplicabilidade das leis penais do país onde se encontra exercendo a diplomacia em nome de seu país.
A lei brasileira, inclusive, no art. 5º, caput, do Código Penal, estabelece que, embora a regra seja a territorialidade, isto não prejudica o estabelecido em tratados, convenções e regras de Direito Internacional dessa maneira, a CVRD, adotando-se a forma temperada desse princípio. É notório que o crime, contudo, ocorre em todos os lugares, envolve todo o tipo de povo e toma diversas formas e proporções. Na vida em sociedade, o crime é de preocupação de todos, e por isso foi criado o mecanismo para punir os delitos tipificados nas leis nacionais ocorridos extra territorium: a Extraterritorialidade.
Nota-se que a própria CVRD de 1961, em relação ao agente diplomático, prevê a extraterritorialidade das leis: com a preocupação de que o diplomata poderia abusar da imunidade penal, estabelece que esse deve respeitar as leis locais do território onde exerce suas funções – art. 41, parágrafo 1 - e, em seu art. 31, parágrafo 4, afirma que a imunidade conferida a esse funcionário não o isenta da jurisdição do país de origem.
Tal previsão corresponde ao disposto no Código Penal brasileiro art. 7º, II, “b”, que determina a aplicação da lei penal brasileira a crimes cometidos por brasileiro no exterior. Sendo a diplomacia, por força constitucional, reservada a brasileiros natos – e a Constituição Federal vedar, em seu art. 5º, LI, a extradição de nacionais, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins –, não poderia ser diferente, ou o país se transformaria em refúgio de nacionais infratores.
Dessa maneira entende-se que, caso o crime esteja previsto no art. 7º, I, do Código Penal – Extraterritorialidade Incondicionada –, também não terá como se escusar da jurisdição penal do Brasil, ainda que o Estado brasileiro tivesse renunciado à imunidade penal de seu agente, pois o disposto no § 1º do referido artigo determina sua submissão às leis brasileiras ainda que absolvido ou condenado no exterior.
Ocorrido o crime, o Estado Acreditante pode renunciar à imunidade penal de seu agente para que sobre ele recaiam as leis penais locais ou retirar o diplomata do local. Esse pode, ainda, ser expulso pelo Estado Acreditado, principalmente diante da recusa de renúncia da imunidade penal. Isso permite a aplicação das leis penais locais, e, com maior facilidade, a apuração dos fatos envolvendo o delito: aquele é o lugar do crime; lá estão, em regra, vestígios, testemunhas, vítimas e, sobretudo, a coletividade mais afetada por aquela conduta, pois o crime é um ataque à própria coletividade e seus bens mais caros.
Porém, esse procedimento é raro, e pouco visto pelos cidadãos pois representa entregar um nacional à soberania estrangeira e afastar a sua própria sobre o funcionário através do qual um Estado se faz representar. Assim, caberia, então, ao Estado Acreditante processar e julgar o infrator, por força da Convenção de Viena e da Extraterritorialidade – ambas utilizadas pelo Brasil.
Contudo, tal evento traz dificuldades na apuração do crime, oitiva das testemunhas e vítimas, acompanhamento do processo pelos interessados etc. Note-se ainda que, caso o fato não seja crime no país de origem, não há como ocorrer a persecução penal, visto que sua tipificação não existe nas leis penais. Não se pode deixar de mencionar ainda que o Estado pode, simplesmente, quedar-se inerte.
Constata-se que a aplicação da lei penal, nesses casos, não é apenas condicionada ao afastamento ou não da imunidade penal do agente diplomático, mas aos próprios interesses das soberanias em manter esse ou aquele bom relacionamento . Dessa maneira surge uma indagação: “A lei penal é eficaz aos crimes cometidos por agentes diplomáticos?”
Cada vez mais, Estados cooperam entre si para diversas finalidades, e o Direito Penal está presente nesse rol. Todavia, é necessário que, especialmente na seara criminal, os Estados procurem olhar para o fato, sobretudo, sob o viés do Princípio da Justiça Universal, e compreender que o crime não afeta esse ou aquele povo, mas sim toda a humanidade, sendo a falha em puni-lo o símbolo do fracasso de todas as comunidades humanas que se comprometeram a rechaçá-lo.
Dessa maneira conclui-se que a lei penal é atuante porém a execução, a fiscalização, e a aplicabilidade necessitam maior efetividade e constante aperfeiçoamento. Para a melhoria dessa realidade faz-se necessário a efetivação e a comunicação dos órgãos competentes através de medidas com maior amparo de punibilização, investigando desde de seu ingresso da carreira de cada agente e suas respectivas ações/atitudes corriqueiras verificando assim se o mesmo está realmente exercendo sua função ou está se aproveitando das suas imunidades para se beneficiar e até mesmo ocultar delitos que cometem ou que venham a cometer .
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Abstract: International law rules govern immunity from jurisdiction for diplomatic agents. The immunities known as diplomatic prerogatives do not exempt the agent from complying with the national law of each country, that is, the obligation to respect local regulations regarding security, public health, among others. However, the internal rules of each country must be of a general nature and must in no way restrict the effective exercise of the duties of diplomatic agents. The thesis of criminal immunity does not focus on criminal impunity. Brazilian criminal law is protected by the principle of criminal extraterritoriality, which establishes the possibility of applying the laws of a State to events occurring outside its territory. Furthermore, it is understood that only through the analysis of practical cases that occurred in national territory, it is possible to verify whether the immunity institute serves or not as a way to subtract the application of the local criminal law, deviating totally from the originating from such privileges and consequently generating an abuse of diplomatic criminal immunity which affects the Democratic Rule of Law. Thus enabling the effectiveness of the application of criminal law.
Key words: : Immunity; Agent; Diplomacy; Law; Punishment.