A Medida Provisória n. 961, de 6 de maio de 2020 surge nesse momento delicado que o Estado Brasileiro se encontra, onde após a decretação do estado de calamidade, tem se percebido um achatamento econômico em virtude do isolamento social, trazendo para o Estado a necessidade de agir na conformação do processo econômico, onde um dos meios de ele promover essa intervenção sobre o domínio econômico, tem sido dinamizar os processos de contratações públicas, incentivando a agilidade nas licitações e consequentemente a injeção de recursos públicos para estimulação da participação das empresas privadas através de sua ação positiva.
Nos termos do seu art. 3º, essa norma entra em vigor imediatamente, todavia, já com termo final para perda de sua eficácia, que por enquanto - já que ele pode ser até prorrogado ou a Medida Provisória perder sua eficácia caso não seja convertida em lei -, será até 31 de dezembro deste corrente ano, conforme se depreende do seu art. 2º, que considerou seu termo final o mesmo do fim da vigência do estado de calamidade, previsto no art. 1º do Decreto Legislativo n. 6/2020.
O art. 2º trouxe sua dimensão objetiva de incidência, podendo ser aplicada a todos os contratos firmados no período do estado de calamidade decretado em nível federal, independentemente do seu prazo ou do prazo de suas prorrogações, portanto, promovendo ultratividade da norma em relação aos termos aditivos que decorram de avenças lastreadas na sua vigência.
A dimensão subjetiva de incidência da Medida Provisória n. 961/2020 prevista no seu art. 1º é ampla, aplicando-se a toda Administração Direta e Indireta de todos os entes federativos e aos poderes e órgãos constitucionalmente autônomos, como por exemplo, às Universidades Públicas.
Os incisos I, II e III do seu art. 1º, trouxeram as normas de estímulo positivo às contratações a serem realizadas pelo setor público, promovendo a agilidade necessária ao momento conjuntural que enfrentamos, expressão utilizada por Ramón Martín Mateo e Francisco Sosa Wagner (Derecho Administrativo Económico, 2a ed.. Madri: Pirámide. 1977; pp. 171-172) e reproduzida por Marcos Juruena Villela Souto (Estímulos Positivos. In: QUEIROZ, João Eduardo Lopes; CARDOZO, José Eduardo Martins; SANTOS, Márcia Walquiria Batista dos. Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Atlas. 2011; p. 743-744).
Para tanto, (i) promoveu o aumento dos valores para contratação direta previstos nos incisos I e II do caput do art. 24. da Lei n. 8.666/1993; (ii) possibilitou o pagamento antecipado desde que observada certas condições; (iii) permitiu a utilização do Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC (Lei n. 12.462, de 4 de agosto de 2011) sem limitação de seu objeto.
(i) Aumento dos valores para contratação direta previstos nos incisos I e II do caput do art. 24. da Lei n. 8.666/1993
A mudança de limites dos valores para dispensa com esta motivação, parece ter se espelhado no já fixado pelo art. 29. da Lei n. 13.303/2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
O quadro durante o estado de calamidade, modificado pelo art. 1º, inciso I da Medida Provisória n. 961/2020, será o seguinte:
Objeto |
Valor limite da dispensa por valor na Lei n. 8.666/1993 (atualizado pelo Decreto Federal n. 9.412/2018) |
Valor limite da dispensa por valor com a Medida Provisória n. 961/2020 (vigentes até 31 de dezembro) |
Obras e serviços de engenharia |
R$ 33.000,00 |
R$ 100.000,00 |
Compras e demais serviços |
R$ 17.600,00 |
R$ 50.000,00 |
As cautelas existentes nas contratações por dispensa de licitação continuam vigentes, principalmente quanto à necessidade de se apresentar 3 (três) orçamentos, conforme recomendado recentemente no ano de 2015 pelo Tribunal de Contas da União no Informativo n. 248. (originário dos Acórdãos n. 819/2005 e 1565/2015), relativamente à justificativa dos preços a serem praticados nas compras diretas, seja por dispensa ou por inexigibilidade de licitação: “(i) no caso de dispensa, apresentação de, no mínimo, três cotações válidas de empresas do ramo, ou justificativa circunstanciada se não for possível obter essa quantidade mínima; (ii) no caso de inexigibilidade, comparação com os preços praticados pelo fornecedor junto a outras instituições públicas ou privadas.”. Por força da Súmula n. 222. do Tribunal de Contas da União, aplicando-se essa orientação a todos os entes federados, devendo o processo administrativo licitatório deve ser sempre instrumentalizado com 3 (três) orçamentos com os mesmos objetos que comprovem ser o preço dotado de razoabilidade e conformidade com o mercado.
Que se diga ainda que, em relação às obras e os serviços de engenharia, tal como o inciso I do art. 24. da Lei n. 8.666/1993 já fixava condicionamentos, a Medida Provisória o manteve, aplicando-se a hipótese “desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente”, ou seja, a ressalva continua impedindo o fracionamento e o parcelamento das contratações, dizendo respeito a obras e serviços efetuados no mesmo local, com características comuns entre si e realizados simultaneamente, como ensina.
No caso da alínea “b”, do inciso I do art. 1º da Medida Provisória n. 961/2020, a redação também guardou a mesma correspondência do art. 24, inciso II da Lei Federal n. 8.666/1993, permitindo a dispensa “para outros serviços e compras no valor de até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e para alienações, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez”.
Continua sendo vedado pela Medida Provisória n. 961/2020 o retardamento e o fracionamento nas hipóteses de dispensa pelo valor.
O retardamento proibido é o imotivado, que se encontra previsto no parágrafo único do art. 8º da Lei n. 8.666/1993, consistindo na execução parcial ou parcelada de obras e serviços de engenharia, quando exista previsão orçamentária para a sua execução integral. De outro lado, a norma ressalva a possibilidade de retardamento caso haja despacho circunstanciado da autoridade superior ou por ela ratificado que demonstre e fundamente a insuficiência financeira ou a existência de motivo de ordem técnica.
Já o fracionamento, na definição de Calos Pinto Coelho Motta, “representa a utilização incorreta da modalidade licitatória em função do valor do objeto. Indica o mau planejamento da licitação na fase interna.” (Eficácia nas Licitações e Contratos, 12. ed. Belo Horizonte: Del Rey. 2011; p. 297). Nesse caso, o fracionamento ou o desmembramento de partes de obra, compra ou serviço, é vocacionado para que o valor possa ser enquadrado dentro dos limites de dispensa, ou seja, “o mesmo objeto é contratado por mais de uma vez com recursos orçamentários do mesmo exercício, com o fim de contornar o dever de licitar ou de licitar mediante modalidade que reduza o universo da competição”, o que será sempre reprovável, afirma Ivan Barbosa Rigolin (Fracionamento de objetos em licitação . In: Revista Fórum de Contratação e Gestão Pública, n. 62, ano 6, fev. 2007; p. 27-30.).
O roteiro para utilização das modalidades de dispensas licitatórias em função do baixo valor do objeto pretendido, é o seguinte (roteiro ampliado a partir das lições de Sidney Bittencourt, constante da obra “Contratando sem licitação: contratação direta por dispensa ou inexigibilidade”, São Paulo: Almedina, 2016; p. 362):
1. Solicitação do material ou serviço, com descrição clara do objeto;
2. Justificativa da necessidade do objeto;
3. Elaboração da especificação do objeto e, nas hipóteses de aquisição de material, das quantidades a serem adquiridas;
4. Elaboração de projetos (básico e executivo) para obras e serviços;
5. Indicação dos recursos para a cobertura da despesa;
6. Justificativa de preço, onde deve ser juntar ao processo pesquisa de no mínimo 3 (três) fornecedores do ramo do objeto licitado, devendo ainda utilizar o preço de referência disposto nos portais públicos. Em São Paulo a pesquisa de preços pode ser feita utilizando como referência o disposto no art. 2º do Decreto Estadual n. 63.316/2018, todavia, em homenagem ao que recomenda o Tribunal de Contas da União, a apresentação das três cotações válidas de empresas do ramo só poderá ser afastada, após justificativa circunstanciada se não for possível obter essa quantidade mínima, devendo o agente se responsabilizar pelos motivos apresentados para não apresentação da cotação das 3 (três) empresas;
7. Após ter os preços em mãos, devolver o menor deles a todas as empresas que foram cotadas, não identificando o nome da empresa que apresentou o preço mais vantajosos, solicitando cobertura e/ou abatimento percentual em relação ao menor apresentado, em homenagem ao princípio da economicidade. Portanto, deve ser demonstrado no processo a existência de tentativas de negociação para redução percentual dos valores, sob pena de não observância do princípio da economicidade.
8. Elaboração de Quadro Comparativo de Preços, para que se possa ter dimensão da economia alcançada, inclusive demonstrando o desconto percentual em relação ao menor valor cotado – em São Paulo essa determinação é regulamentada no art. 2º do Decreto Estadual n. 63.316/2018.
9. Anexação aos autos dos originais ou cópias autenticadas ou conferidas com o original dos documentos de habilitação ou de cópia do certificado de registro cadastral, que poderá substituir os documentos de habilitação quanto às informações disponibilizadas em sistema informatizado, desde que o registro tenha sido feito em obediência ao disposto na Lei n. 8.666/1993;
10. Autorização do ordenador de despesa;
11. Informação Técnica da Unidade;
12. Emissão da nota de empenho; e
13. Assinatura do contrato ou, se for o caso, retirada da carta-contrato, nota de empenho, autorização de compra ou ordem de execução do serviço.
Ressalta-se que o Parecer Jurídico nas hipóteses de dispensa do art. 24, inciso I e II, da Lei n. 8.666/1993, em nível federal, tem sido dispensável pela Orientação Normativa n. 46, de 26 de fevereiro de 2014 da Advocacia Geral da União: “Somente é obrigatória a manifestação jurídica nas contratações de pequeno valor com fundamento no art. 24, I ou II, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, quando houver minuta de contrato não padronizada ou haja, o administrador, suscitado dúvida jurídica sobre tal contratação. Aplica-se o mesmo entendimento às contratações fundadas no art. 25. da Lei n. 8.666, de 1993, desde que seus valores subsumam-se aos limites previstos nos incisos I e II do art. 24. da lei nº 8.666, de 1993”.
Importante destacar que nos termos do art. 49, inciso IV da Lei Complementar n. 123/2006, com redação dada pela Lei Complementar n. 147/2014, para as dispensas tratadas pelos incisos I e II do art. 24. da Lei n. 8.666/1993, as compras deverão ser feitas preferencialmente de microempresas e empresas de pequeno porte, remetendo à exclusividade prevista no inciso I do art. 48. da mesma Lei Complementar n. 123/2006.
Desta forma, a interpretação da norma contida no art. 49, inciso IV da Lei Complementar n. 123/2006, leva-nos a crer que as dispensas do inciso I e II da Lei n. 8.666/1993, atualmente, a partir da nova redação dada ao referido inciso IV do art. 49. pela Lei Complementar n. 147/2014, restringe-se às dispensas por valores contratadas com empresas de pequeno porte, microempresas e com cooperativas que se encontrem enquadradas nos termos do art. 34. da Lei n. 11.488/2007. Posição também defendida por Joel de Menezes Niebuhr: “Empresas médias ou grandes já não podem mais ser contratadas com base nas hipóteses de dispensa em comento, salvo se, pressupõe-se, não encontrar microempresas ou empresas de pequeno porte dispostas a fazê-lo, dentro das condições e preços considerados aceitáveis pela Administração Pública, o que, se acontecer, depende de justificativas.” (Dispensa e Inexigibilidade de Licitação, 4. ed. Belo Horizonte: Fórum. 2015; p. 243).
(ii) Pagamento antecipado desde que observada certas condições
A Lei n. 4.320/1964, veda no seu art. 62. o pagamento de despesa sem que se encontre liquidado o montante ser pago. A União e os Estados regulamentaram a questão.
Em nível federal, a possibilidade de pagamento antecipado nas contratações administrativas era excepcional, segundo asseverado no artigo 38 do Decreto n. 93.872, de 1986: “Art. 38. Não será permitido o pagamento antecipado de fornecimento de materiais, execução de obra, ou prestação de serviço, inclusive de utilidade pública, admitindo-se, todavia, mediante as indispensáveis cautelas ou garantias, o pagamento de parcela contratual na vigência do respectivo contrato, convênio, acordo ou ajuste, segundo a forma de pagamento nele estabelecida, prevista no edital de licitação ou nos instrumentos formais de adjudicação direta”.
Em nível estadual, como por exemplo no Estado de São Paulo, a restrição ao pagamento antecipado já se encontrava suspensa em virtude do Decreto Estadual n. 64.928, de 8 de abril de 2020, que no seu art. 1º já havia suspendido a sua impossibilidade prevista no art. 2º do Decreto Estadual n. 32.117/1990 (com sua redação atual pelo Decreto Estadual n. 43.914/1999) durante todo o estado de calamidade pública. Agora com a Medida Provisória n. 961/2020 a eficácia da redação tanto do atual art. 2º do Decreto Estadual n. 32.117/1990, quando do artigo 38 do Decreto n. 93.872, de 1986 encontra-se suspensa até o final deste corrente ano.
Anteriormente, o Tribunal de Contas da União já havia se manifestado reiteradas vezes sobre o caráter excepcional do pagamento antecipado, que somente seria possível mediante a presença das seguintes condições: a) previsão no edital de licitação ou nos instrumentos formais de adjudicação direta; b) interesse público devidamente demonstrado; c) apresentação de cautelas e garantias, o que deverá ser observado pelo gestor, na hipótese da presente avença se concretizar. Posições afirmadas nos Acórdãos: 2565-29/07-1-P, 1.552/2002-P, 918/2005-2ª C, 948/2007-P e 2.565/2007-1ªC.
Também a Advocacia Geral da União lavrou a Orientação Normativa n. 37/2011, recomendando a observância de 3 (três) critérios: “1) represente condição sem a qual não seja possível obter o bem ou assegurar a prestação do serviço, ou propicie sensível economia de recursos; 2) existência de previsão no edital de licitação ou nos instrumentos formais de contratação direta; e 3) adoção de indispensáveis garantias, como as do art. 56. da lei nº 8.666/93, ou cautelas, como por exemplo a previsão de devolução do valor antecipado caso não executado o objeto, a comprovação de execução de parte ou etapa do objeto e a emissão de título de crédito pelo contratado, entre outras.”
Já a doutrina o admitia, desde que com cautela. Marçal Justen Filho é claro no sentido de que “a Administração não poderá sofrer qualquer risco de prejuízo. Por isso, o pagamento antecipado também deverá ser condicionado à prestação de garantias efetivas e idôneas destinadas a evitar prejuízos à Administração”. Ponderando ainda que ele “não pode representar benesse injustificada da Administração para os particulares. A defesa ao fim buscado pelo Estado conduz a que, como regra o pagamento se faça após comprovada a execução da prestação a cargo do particular”. (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 17. ed. São Paulo: RT. 2016; p. 1095.)
De tal sorte, que o pagamento antecipado vinha sendo admitido apenas em condições especiais e excepcionalíssimas, previamente estipuladas no instrumento convocatório e contratualmente previstas, e sendo necessárias garantias que assegurem o pleno cumprimento do objeto.
Com a Medida Provisória n. 961/2020 não é diferente. O pagamento antecipado recebeu os seguintes condicionamentos:
a) represente condição indispensável para obter o bem ou assegurar a prestação do serviço (art. 1º, inciso II, alínea “a” da Medida Provisória n. 961/2020);
b) propicie significativa economia de recursos (art. 1º, inciso II, alínea “a” da Medida Provisória n. 961/2020);
c) previsão da possibilidade no edital ou no instrumento de adjudicação direta, ressalvando a necessidade de devolução integral do valor antecipado na hipótese de inexecução do objeto (art. 1º, §1º, incisos I e II da Medida Provisória n. 961/2020);
d) vedou-se o pagamento antecipado pela Administração na hipótese de prestação de serviços com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, que são aqueles serviços onde há a cessão de mão-de-obra pela Contratada, necessitando que ela mantenha, em regra no período integral e de forma exclusiva, funcionários à disposição da Administração, para que executem tarefas de seu interesse (art. 1º, §3º da Medida Provisória n. 961/2020);
Já o §2º do art. 1º da Medida Provisória n. 961/2020, ao mesmo tempo que faculta a Administração adotar cautelas aptas a reduzir o risco de inadimplemento contratual, exemplificando-as, acaba se apresentando como uma obrigação, tendo em vista o fato dessa norma, além de ser fruto do princípio da eficiência, ter o condão de gerar para o gestor que não observá-la, responsabilização civil pelos gastos inadequados, podendo serem inclusive tipificados como malversação de recursos públicos ao não se observar as cautelas sugeridas.
São elas: I - a comprovação da execução de parte ou de etapa inicial do objeto pelo contratado, para a antecipação do valor remanescente; II - a prestação de garantia nas modalidades de que trata o art. 56. da Lei n. 8.666, de 1993, de até trinta por cento do valor do objeto; III - a emissão de título de crédito pelo contratado; IV - o acompanhamento da mercadoria, em qualquer momento do transporte, por representante da Administração; e V - a exigência de certificação do produto ou do fornecedor.
Aliás, se não são obrigatórias em virtude da Medida Provisória, pode-se afirmar que o são em virtude da jurisprudência já consolidada do Tribunal de Contas da União, e por recomendação doutrinária, ambas fontes secundárias do direito administrativo.
A dias atrás, Marçal Justen Filho considerou que o pagamento antecipado, decorrente da Medida Provisória n. 961/2020, é adequado quando for para receber o bem de forma imediata. Entretanto, analisa que por meio do pagamento antecipado, o Estado pode também estimular a economia, financiando a produção do bem pelo particular em momento onde os recursos estão escassos. Entretanto, adverte que o benefício é um pressuposto da antecipação, ou seja, deve-se demonstrar que proporcionará uma significativa economia de recursos. Afirma o jurista que para que ele se proceda, deve se juntar elementos que comprovem que se o pagamento não for antecipado a Empresa não iria entregar o produto, e ainda ele sempre deve ser acompanhado de garantias e cautelas previstas no instrumento convocatório (Estado Brasileiro e Ordem Econômica no Séc. XXI. Aula remota ministrada no Instituto Brasiliense de Direito Público em 07 de maio de 2020. Acesso restrito: https://idp.instructure.com/courses/305).
Em relação ao pagamento antecipado nesse momento de pandemia, Renato Fenili, além de entender que fortalece o poder negocial da Administração, pois “se obedece mais claramente ao ditame do art. 15. da Lei de Licitações, ao se edificar condição de aquisição e pagamento mais próxima à práxis do setor privado”, considerou ser a saída adequada, posicionando pela existência de ganhos logísticos em dois primas: “(i) no combate à Covid-19, ao possibilitar a compra (por vezes mediante importação) de respiradores e demais insumos de saúde, em um mercado que está exigindo o pagamento antecipado como condição sine qua non de comercialização; (ii) no enfrentamento aos impactos econômicos da pandemia, ao possibilitar o aporte de recursos em nichos de mercado em crise, desde que, claramente, essa antecipação seja secundária ao intuito precípuo da norma, qual seja, a economia de recursos à seara governamental.” (MP nº 961/20: uma visão cartesiana dos sonhos do futuro. Disponível em: https://www.sollicita.com.br/Noticia/?p_idNoticia=16203&n=mp-n%C2%BA-961/20:-uma-vis%C3%A3o-cartesiana-dos-sonhos-do-futuro. Acessado em 7.5.2020).
(iii) Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC sem limitação de seu objeto
A Medida Provisória n. 961/2020 ressuscitou o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC (Lei n. 12.462, de 4 de agosto de 2011), agora sem limitação de seu objeto, tal como havia no art. 1º da sua lei de regência que o limitava para situações específicas, aplicando-se, portanto, às licitações e contratações de quaisquer obras, serviços, compras, alienações e locações.
A opção pela aplicação desta Lei deverá estar expressa no instrumento convocatório e acarretará a exclusão da Lei n. 8.666/1993, exceto em relação a algumas disposições que estão expressas na própria Lei n. 12.462/2011.
As Regras aplicáveis às licitações no âmbito do RDC estão disciplinadas a partir do art. 5º da Lei n. 12.462/2011.
A lei estabeleceu algumas diretrizes a serem observadas, como:
a) padronização do objeto do contrato quanto às especificações técnicas e de desempenho;
b) padronização dos instrumentos convocatórios e das minutas de contrato;
c) busca da maior vantagem levando em conta aspectos econômicos, sociais e ambientais;
d) compatibilidade com o setor privado no que tange à condição de aquisição e pagamento;
e) utilização de mão de obra, material, tecnologia e matérias-primas existentes nos locais de realização da obra (sempre que possível e desde que não prejudique a eficiência, e não ultrapasse os limites orçamentários);
f) parcelamento do objeto do contrato, de modo que haja maior participação dos licitantes.
Além dessas diretrizes, deverão ser respeitadas as normas relativas à proteção ambiental, à avaliação dos impactos de vizinhança e a proteção do patrimônio cultural, histórico, arqueológico e imaterial, no que se tem convencionado chamar de Licitação Sustentável.
O orçamento estimado para a contratação será publicado após o encerramento da licitação, tendo caráter sigiloso, disponibilizada apenas para os órgãos de controle. Porém, nos casos de julgamento, utilizando os critérios de maior desconto e melhor técnica, essa informação deverá constar no instrumento convocatório.
Para aquisição de bens, a Administração poderá indicar marca ou modelo, nas hipóteses referidas no art. 7º, I, a, b e c, além de ser possível exigir amostra do produto e certificação de qualidade, desde que justificadamente, e, ainda, solicitar carta de solidariedade do fabricante nos casos em que o licitante for revendedor ou distribuidor.
Para a contratação de obras e serviços de engenharia, podem ser utilizados os seguintes regimes: 1) empreitada por preço unitário; 2) empreitada por preço global; 3) contratação por tarefa; 4) empreitada integral; 5) contratação integrada.
Porém, a preferência será pelos regimes de empreitada por preço global, empreitada integral e contratação integrada, sendo que a escolha pelos demais só será possível diante da inviabilidade destas.
Em todos esses regimes, exceto no de contratação integrada, deverá haver um projeto básico aprovado pela autoridade competente e disponível para os interessados em participar da licitação, bem como, em qualquer que seja o regime adotado, é obrigatório o projeto executivo.
Pode-se dizer que o seu regime jurídico é caracterizado pelas fases da licitação do RDC, pelos modos de disputa, pela publicidade, pelos critérios de julgamento, pelo sigilo específico do orçamento, pelo fracionamento ou parcelamento do objeto, e pela eficiência na contratação.
As Fases da Licitação do RDC são: 1ª) preparatória; 2ª) publicação do instrumento convocatório; 3ª) apresentação de proposta ou lances; 4ª) julgamento; 5ª) habilitação; 6ª) recursal; 7ª) encerramento.
No caso de ser necessária a alteração do projeto a pedido da Administração, poderá ser realizada para melhor adequação técnica, sempre observados os limites do art. 65, § 1º, da Lei n. 8.666/1993.
O RDC permite que a Administração contrate mais de uma empresa para a execução do mesmo objeto, desde que seja conveniente, e possível a realização simultânea. Essa possibilidade só é vedada para os serviços de engenharia.
Além disso, poderá estabelecer remuneração variável para a contratada, de acordo com metas de desempenho, padrões de qualidade, sustentabilidade ambiental etc.
A fase de habilitação obedecerá aos mesmos critérios dos arts. 27. a 33 da Lei n. 8.666/1993, e havendo ou não a inversão de fases, os documentos relativos à regularidade fiscal só serão exigidos após o julgamento, ao licitante mais bem classificado.
Como se pode perceber, a fase de habilitação só acontece para o licitante vencedor, já que ocorre após o julgamento.
Poderá haver a participação de licitante sob a forma de consórcio, e podem ser exigidos requisitos de sustentabilidade ambiental.
Quanto aos Modos de Disputa, eles são dois: o aberto e o fechado. No aberto, os licitantes dão seus lances de modo público e sucessivo, e no fechado as propostas serão sigilosas até o dia determinado para divulgação. Essa prática era muito comum na década de 1970, quando, inclusive, havia um sistema de escolha da melhor proposta em que se fazia pela média ponderada das propostas e do preço orçado.
Trata-se de um sistema de escolha, e o argumento de que não se pode controlar preços que não são divulgados publicamente é uma falácia.
Quanto à publicidade, a divulgação do procedimento licitatório será feita mediante publicação no Diário Oficial do ente contratante, e, no caso de consórcio, do ente de maior “hierarquia”, sendo essa divulgação dispensada nos casos de obras que não ultrapassem R$ 150.000,00 e na aquisição de bens e serviços que não ultrapasse os R$ 80.000,00, em total afronta ao princípio constitucional da publicidade.
Outra forma de publicidade é pelo sítio eletrônico oficial de divulgação de licitações. Esse limite de dispensa da divulgação será considerado, em caso de o objeto a ser contratado ser parcelado, considerando-se a sua totalidade.
Os critérios de julgamento também conhecidos como tipos de licitação, deverão estar definidos no instrumento convocatório, sendo eles: 1) menor preço ou maior desconto; 2) técnica e preço; 3) melhor técnica ou conteúdo artístico; 4) maior oferta de preço; 5) maior retorno econômico.
O sigilo no RDC na verdade, não existe. O que o RDC estabelece é que o orçamento para a realização de obra e serviço seja elaborado anteriormente à licitação, mas que não seja divulgado nessa etapa inicial, de modo a evitar conluios ou manipulação dos preços. Tão somente isso!
Com efeito, assim que houver a entrega de propostas comerciais, o orçamento, bem como todos os demais preços ofertados, serão tornados públicos para a indispensável verificação de compatibilidade com o interesse público perseguido.
A própria norma diz que a partir da apresentação das propostas, eles se tornam públicos. É uma medida que pode trazer ganhos, dependendo do tipo e das condições da licitação, e das características da empresa licitante.
O fracionamento ou parcelamento do objeto, que poderá ser contratado em vários objetos menores como forma de agilizar a realização do interesse público, previsto expressamente na proposta do governo. Essa prática, até o presente, é rechaçada pelos Tribunais de Contas de todo o país.
Quanto à eficiência na contratação, vale destacar que o RDC, ao tratar das relações entre Estado e iniciativa privada, define que na contratação das obras e serviços, inclusive de engenharia, poderá ser estabelecida remuneração variável vinculada ao desempenho da contratada, com base em metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazo de entrega definidos no instrumento convocatório e no contrato, condicionando desembolsos e pagamentos ao atendimento de padrões e indicadores previamente estabelecidos, propiciando melhor avaliação e mensuração de resultados e contribuindo para a transparência das informações e, por consequência, dos aspectos essenciais do controle social e democrático.
No que diz respeito aos contratos, aplicam-se no regime Diferenciado de Contratações as regras específicas aplicáveis aos contratos, constantes da Lei n. 8.666/1993.
Realizada essa análise preliminar da Medida Provisória n. 961, de 6 de maio de 2020, pode-se concluir que observados os condicionamentos apresentados, ela pode ser instrumento útil para dinamizar contratações dentro desse complexo momento que estamos enfrentando, devendo os gestores públicos apenas observarem os requisitos operacionais para as dispensas por valores dos incisos I e II do caput do art. 24. da Lei n. 8.666/1993, para o pagamento antecipado, e para a utilização do Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC (Lei n. 12.462, de 4 de agosto de 2011), que embora não tenham sido explicitados nesta norma – à exceção do pagamento antecipado -, já se encontram sedimentados na doutrina, jurisprudência e nas decisões dos Tribunais de Contas.
No caso do RDC, surge uma oportunidade para experimentação generalizada de uma modalidade de licitação que foi pouco utilizada no direito administrativo brasileiro, quer por desconhecimento dos gestores, mas também pela limitação até então existente dos objetos consideráveis licitáveis.