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EC 30: a emenda do calote dos precatórios

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01/10/2000 às 00:00
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III – CONCLUSÃO

Por tais razões, reveladoras de uma das interpretações que podem ser dadas ao tema, concluímos pela inconstitucionalidade material parcial da Emenda 30/2000, por descumprimento de inúmeros e prestigiados princípios de natureza constitucional, todos protegidos por cláusulas pétreas inamovíveis (8).

Vamos aguardar o posicionamento do Judiciário, que poderia muito bem, numa demonstração de independência jurídica e de proteção da Constituição, seguir a seguinte lição de KONRAD HESSE:

"Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional, fortalece o respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado, mormente ao Estado democrático. Aquele que, ao contrário, não se dispõe a esse sacrifício, malbarata, pouco a pouco, um capital que significa muito mais do que todas as vantagens angariadas e que, desperdiçado, não mais será recuperado"

("A Força Normativa da Constituição", Ed. Sérgio Antônio Fabris, 1991, p. 23) (9).

Por fim, não se olvide da plena possibilidade da discussão judicial desse tema, porque poderá será pedida a declaração de inconstitucionalidade de parte da Emenda, mesmo diante do caso concreto, na via do controle difuso ou incidental da constitucionalidade dos atos normativos, reconhecido pela doutrina como "modalidade de fiscalização da validade de atos normativos exercido por qualquer órgão judicial, no curso de processo de sua competência e cuja decisão tem o condão, apenas, de afastar a incidência da norma viciada" (GILMAR FERREIRA MENDES, "Controle de Constitucionalidade", Ed. Saraiva, 1990, p. 202), sendo evidente que isto também poderá ser pleiteado diretamente ao STF, na via do controle concentrado (art. 102, I, "a", da CF/88). Já quanto à possiblidade de uma Emenda ser declarada inconstitucional, cabe revelar ser isto absolutamente pacífico, na jurisprudência (cf. RTJ 151/755, 154/779 e 156/451 (10)) e na doutrina (cf. RODRIGO LOPES LOURENÇO, "Controle da Constitucionalidade à Luz da Jurisprudência do STF", Ed. Forense, 1998, p. 73).


NOTAS

1. É do filósofo GUSTAV RADBRUCH ("Filosofia do Direito", Ed. Armênio Amado, Coimbra, 6ª ed., p. 355) lição que certamente foi olvidada pelo Congresso Nacional: "pode dizer-se que o Estado não é chamado ao poder de legislar senão porque promete, e não pode deixar de prometer, sujeitar-se às leis que ele próprio faz; esta sujeição é a condição para ele poder ser chamado a legislar".

2. Segundo a doutrina, "a finalidade última das cláusulas pétreas vem a ser a preservação dos princípios constitucionais por ela abarcados. As cláusulas pétreas, ao encerrarem uma decisão de subtrair certos princípios à regra geral de disponibilidade da Constituição pelo povo e seus representantes revelam, em última análise, um esforço no sentido de garantir aos princípios identificadores da Constituição um grau ótimo de força normativa" (MÁRCIA MILHOMENS SIROTHEAU CORRÊA, "Caráter Fundamental da Inimputabilidade na Constituição", Ed. Sérgio Antônio Fabris, 1998, 136).

3. Quanto a este artigo do ADCT, por se tratar de norma constitucional originária, de hierarquia idêntica às normas do corpo permanente da Constituição, não há como questionar sua constitucionalidade, em razão mesmo da jurisprudência do STF, que é no sentido de que "não tendo o Supremo Tribunal Federal, como já se salientou, jurisdição para fiscalizar o Poder Constituinte originário, não pode ele distinguir as exceções que, em seu entender, sejam razoáveis das que lhes pareçam desarrazoadas ou arbitrárias, para declarar estas inconstitucionais" (ADIn nº 815/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES).

4. O mesmo ilustre Ministro, em outra oportunidade, anotou que: "Uma Constituição escrita não configura mera peça jurídica, nem é simples estrutura de normatividade e nem pode caracterizar um irrelevante acidente histórico na vida dos povos e nas nações. Todos os atos estatais que repugnem a Constituição expõem-se à censura jurídica dos Tribunais, especialmente porque são írritos, nulos e desvestidos de qualquer validade" (ADIn nº 293-7/DF).

5. Segundo GERALDO ATALIBA ("República e Constituição", Ed. RT, 1985, p. 134), "a igualdade é, assim, a primeira base de todos os princípios constitucionais e condiciona a própria função legislativa, que é a mais nobre, alta e ampla de quantas funções o povo, republicanamente, dicidiu criar. (...) Toda violação da isonomia é uma violação aos princípios básicos do próprio sistema, agressão a seus mais caros fundamentos e razão de nulidade das manifestações estatais. Ela é como que a pedra de toque do regime republicano".

6. É de novo a doutrina especializada que revela algo importante quanto ao tema do direito adquirido: "Daí se pode inferir, sem censura jurídica, que, por meio de reforma constitucional – Poder Constituinte Derivado --, o direito adquirido não pode sofrer modificação, e muito menos abolição, pois se encontra no rol dos direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal, conforme salienta seu art. 5º, ‘caput’" (BELIZÁRIO ANTÔNIO DE LACERDA, "Direito Adquirido", Ed. Del Rey, 1999, p. 23).

7. Segundo aquele autor, "o princípio entronca nos institutos jurídicos de Roma, que proibiam estender disposições excepcionais, e assim denominavam as do Direito exorbitante, anormal ou anômalo, isto é, os preceitos estabelecidos contra a razão do Direito; limitava-lhes o alcance, por serem um mal, embora mal necessário" (ob. cit., p. 225).

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8. Também não seria demasiado lembrar, ainda outra vez, do magistério dos doutos, que afirmam, em uníssona voz, que "a idéia de efetividade, conquanto de desenvolvimento relativamente recente, traduz a mais notável preocupação do constitucionalismo nos últimos tempos. Ligada ao fenômeno da juridicização da Constituição, e ao reconhecimento e incremento de sua força normativa, a efetividade merece capítulo obrigatório na interpretação constitucional. OS GRANDES AUTORES DA ATUALIDADE REFEREM-SE À NECESSIDADE DE DAR PREFERÊNCIA, NOS PROBLEMAS CONSTITUCIONAIS, AOS PONTOS DE VISTA QUE LEVEM AS NORMAS A OBTER A MÁXIMA EFICÁCIA ANTE AS CIRCUNSTÂNCIAS DE CADA CASO" (LUÍS ROBERTO BARROSO, "Interpretação e Aplicação da Constituição", Saraiva, 1996, p. 218, sem destaque no original).

9. Quanto ao efetivo cumprimento da Constituição, doa a quem doer, vale citar AGAPITO MACHADO ("Sentenças Cíveis na Justiça Federal", Ed. Ciência Jurídica, p. 53): "O Juiz só tem compromisso com a Lei e a Constituição. Esse compromisso do juiz, todavia, não deve permanecer apenas nas publicações extraprocessos, portanto, como mera figura de retórica. O juiz só se ajoelha diante de Deus; em momento algum temerá cumprir e fazer cumprir a Constituição de seus país, principalmente quando chamado a proferir decisão dentro do devido processo legal".

10. Apenas como exemplo, vale citar recente decisão do STF: "Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, do poder constituinte derivado, incidindo em violação à Constituição originária, pode ser declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua é de guarda da Constituição" (RDA 191/214). Evidente que podendo a Emenda ser declarada inconstitucional pelo STF na via do controle concentrado, o mesmo poderá ocorrer na modalidade do controle difuso ou incidental.

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Sobre o autor
André Luiz Borges Netto

advogado constitucionalista em Campo Grande (MS), professor universitário, mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES NETTO, André Luiz. EC 30: a emenda do calote dos precatórios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/841. Acesso em: 27 abr. 2024.

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