O direito processual prevê sistemas recursais com a finalidade de modificação, integração ou correção das decisões proferidas, garantindo a possibilidade da parte se insurgir contra o pronunciamento e atribuindo legitimidade as decisões pelo cabimento da impugnação.
Dentro desse sistema, os Embargos de Declaração possuem peculiaridades que lhe são dignas de menção.
O instituto tem origem lusitana, conforme ensina Moacyr Lobo da Costa1, e pela origem colonial do Brasil, remonta, no direito brasileiro, as ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas e ao Código de Processo Civil de 1939 (art. 862).
Sempre presente ao longo de nossa experiência processual, os Embargos tiveram sua natureza jurídica controvertida pela doutrina, que basicamente se divide em duas posições:
A primeira delas defende, em síntese, que se trata de mero instrumento processual com a restrita finalidade de “aprimorar a qualidade formal dessa decisão” e que com ele “não se pretende a reforma ou anulação da decisão, função dos recursos, mas somente o seu aclaramento ou complementação”2
A segunda e majoritária corrente aponta a natureza recursal dos Embargos de Declaração, argumentando que ele possui os requisitos necessários para tal classificação – permite a revisão da decisão, exige o preenchimento dos pressupostos de admissibilidade, obsta a preclusão da decisão e permite a sua modificação, não se limitando ao esclarecimento ou integração 3. Ademais, acrescentamos aqui a opção do legislador, com sua previsão expressa como um dos recursos no art. 994. do atual Código de Processo Civil.
Feitas essas considerações chamamos a atenção especificamente para o inciso primeiro do parágrafo único do art. 1.022. do NCPC que tem a seguinte redação:
“Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que:
I - deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento;”
Ainda que para parcela da doutrina tal dispositivo não inove ou complemente o inciso II do art. 1.022, considerando a redação do art. 489. §1º do Novo CPC4, entendemos que diante da importância que os precedentes vêm assumindo nos pronunciamentos jurisdicionais, com cada vez mais mecanismos de uniformização de jurisprudência (súmulas vinculantes, incidente de assunção de competência ou julgamento de casos repetitivos), o legislador deu ênfase a essa hipótese de cabimento, dirimindo dúvida ou interpretações diferentes sobre a necessidade de enfrentamento expresso da matéria e de seu cabimento como forma de omissão.
Antes mesmo da alteração legislativa, os tribunais superiores tinham precedentes admitindo os embargos declaratórios como forma de adequação a jurisprudência (Informativo 406 do STJ), o que já ilustrava uma tendência ao alargamento das hipóteses de cabimento do recurso, ainda que não fosse uma posição pacífica nos tribunais, o que foi abraçado pelo legislador no Novo Código de Processo Civil.
O interessante é que, para além da previsão legal de necessidade do órgão julgador se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento, a primeira turma do STF, no julgamento de Embargos Declaratórios na Reclamação 15724 entendeu que
“o novo Código de Processo Civil prevê a hipótese de cabimento de embargos de declaração para reajustar a jurisprudência firmada em teses que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça adotarem. Portanto, antes do trânsito em julgado é legítimo readequar o julgado anterior para ajustá-lo à posição do Plenário.” 5
No caso em julgamento, a turma aplicou precedente superveniente à decisão prolatada:
“O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - A questão processual que nós estamos definindo aqui, e que eu acho que é importante, é saber se, antes do trânsito em julgado e em embargos de declaração, é possível dar efeitos infringentes à decisão anterior, para ajustá-la à nova jurisprudência.”
Ora, não se pode dizer que essa interpretação dada ao dispositivo cuida de um caso de omissão, afinal, no momento do julgamento não havia o precedente paradigma firmado sobre o qual o órgão prolator da decisão devesse se manifestar. Também não vislumbramos hipótese de contradição ou mesmo obscuridade – pelo mesmo argumento – o paradigma não existia.
A interpretação anterior à alteração da lei processual quanto ao cabimento dos embargos de declaração para adequação jurisprudencial, ainda que não superveniente, tinha como fundamento a economia processual. Parece-nos o mesmo fundamento para o entendimento. Celeridade, economia processual e a razoável duração do processo.
Portanto, não se chega à outra conclusão senão a que nesse julgamento o STF cria nova hipótese de cabimento recursal, alargando o escopo do dispositivo, seguindo uma a tendência bem definida do Novo Código de Processo Civil quanto à valorização de precedentes e uniformização jurisprudencial, em homenagem aos princípios mencionados.
Por outro lado, nessa criação em que os Embargos de Declaração são utilizados como verdadeiro vetor de uniformização jurisprudencial, para além de sanar omissões, contradições, obscuridades ou erro material, temos mais um manifesto caso de ativismo judicial, que deve ser sempre visto com reservas. O ideal é que essa opção, por mais pertinente que seja o entendimento, pertença ao legislador e por decorrência ao discurso democrático, próprio do parlamento, não ao Poder Judiciário.
Veremos se a posição se manterá, a questão claramente não está resolvida.
Referência bibliográfica
1 COSTA, Moacyr Lobo da. Origem dos Embargos no Direito Lusitano. Rio de Janeiro: Borsoi, 1973.
2 NEVES, Daniel Amorim Assumção. Manual de direito processual civil – Vomume único. Salvador: Ed.Juspodivm, 2017
3 Moreira, Barbosa, Comentários ao Código de Processo Civil. 11ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003 v.5.
4 NEVES, Daniel Amorim Assumção. Manual de direito processual civil – Vomume único. Salvador: Ed.Juspodivm, 2017.
5 Informativo 976, STF.