O filme Bicho de Sete Cabeças, inspirado no livro Contos dos Malditos e dirigido por Laís Bodanzky, retrata a vida de Neto (Rodrigo Santoro), um adolescente filho de pais conservadores que, em busca de aceitação entre um grupo de amigos, inicia-se no uso de maconha, consumo de álcool e práticas delinquentes. No decorrer da narrativa, o pai do personagem, Wilson, ao encontrar um cigarro de maconha na roupa do filho, obriga-o a ser internado em um manicômio. Nesse contexto, a obra cinematográfica expõe as desumanas condições às quais o protagonista é submetido devido à má administração do órgão.
O filme retrata, com muita propriedade e realismo, cenas em que Neto vivencia diversos abusos contra os direitos humanos. Exemplos disso incluem as vezes em que ele foi preso em solitárias sem alimentação e sem condições mínimas de higiene; torturas realizadas a partir de choques elétricos na cabeça, supostamente como forma de tratamento, mas que podem ser interpretadas como punição por sua tentativa falha e desesperada de fuga. Esses atos configuram penas cruéis — muitas vezes aplicadas regularmente a outros pacientes, resultando na perda de consciência de si —, o que é proibido no Brasil pela Constituição Federal. Além disso, Neto e os demais pacientes são obrigados a consumir medicamentos sem consulta prévia ou diagnóstico adequado. Esses medicamentos, ao provocarem aumento de peso, são utilizados para transmitir aos familiares uma falsa impressão de progresso no tratamento. Observa-se, ainda, a violação do direito à privacidade em cenas que mostram pacientes inutilizando roupas no meio do pátio.
A corrupção é outro elemento que permeia o sistema manicomial retratado no longa. O único médico da instituição demonstra estar interessado apenas no recebimento de verbas governamentais, afirmando que é necessária a chegada de mais pacientes, mesmo aqueles sem transtornos mentais, e agindo com ciência das condições desumanas do local — condições que ele próprio muitas vezes endossa. Em um momento do filme, Neto consegue finalmente deixar a instituição, mas as sequelas das torturas psicológicas e físicas que sofreu são evidentes. O tratamento, que deveria resultar em uma melhor inclusão social, controle do vício em drogas e atenuação de maus hábitos comportamentais, culmina em um olhar vazio, ausência de vontade de viver e atitudes opostas à sua antiga personalidade. Na tentativa de agradar sua mãe, Neto aceita uma vaga de emprego, embora relute inicialmente devido à sua falta de capacidade e bem-estar psicológico. Contudo, ele não se adapta e tem dificuldades para se concentrar nas tarefas. A ausência de autocontrole — possivelmente decorrente da medicação inadequada e dos choques elétricos — leva-o a se descontrolar em uma festa, comportamento que resulta em sua nova internação, submetendo-o novamente a todas as atrocidades anteriormente vividas.
A falta de empatia dos enfermeiros da instituição em relação aos pacientes agrava a violação da dignidade humana. Os pacientes são colocados na solitária como forma de punição, sem alimento ou local adequado para necessidades fisiológicas, o que os expõe ao risco de contrair doenças, ferindo os direitos à saúde, à liberdade e à dignidade. Não obstante, há omissão de socorro por parte de um enfermeiro que, ao perceber que Neto tentava cometer suicídio ao atear fogo dentro da solitária, demora alguns minutos para impedi-lo. O filme também critica uma sociedade intolerante, que apenas julga e aponta erros, rejeitando tudo o que foge dos padrões estabelecidos. O título do longa é emblemático, pois reflete o enredo no sentido de que Neto poderia não ter sofrido tantas atrocidades se houvesse um bom convívio e diálogo com seus pais. A decisão de resolver o “problema” de forma imediatista resultou em danos mentais graves e irreversíveis para o jovem.
O Estado, ao não fiscalizar esses locais, demonstra extrema negligência, considerando que é responsável por assegurar os direitos fundamentais dos cidadãos. A obra cinematográfica contribuiu para importantes mudanças no tratamento psiquiátrico em manicômios. Após o lançamento do filme, entrou em vigor a Lei nº 10.216/2001, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica, que dispõe sobre os direitos das pessoas em tratamento psicológico, reconhecendo-as como cidadãos e garantindo-lhes assistência digna e adequada. Desde a promulgação dessa lei, muitos tratamentos passaram a ser realizados sem necessidade de internação ou privação do convívio familiar.