O Governo Federal vem adotando uma série de medidas visando minorar os riscos econômicos em meio à pandemia do COVID-19. A velocidade neste momento é primordial para evitar que a crise economia se agrave. Com a economia comprometida o desemprego aumentará, o que agravará ainda mais a própria crise econômica pela diminuição do poder de consumo das pessoas (efeito “bola de neve”).
Sabe-se que o Congresso Nacional decretou Estado de Calamidade Pública no Brasil desde 20/03/2020 até 31/12/2020. Este espaço temporal é importante pois é nele onde as medidas extraordinárias terão aplicabilidade.
O Presidente da República nas últimas semanas proferiu diversas Medidas Provisórias, principalmente com o objetivo de preservar o emprego das pessoas, garantir a existência das empresas e reduzir o impacto social decorrente da crise instaurada pelo novo coronavírus.
No dia 01 de abril de 2020 fora publicada a MP 936 que institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e que dispõe sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública.
A MP 936 possui aplicação exclusiva para os empregados do setor privado, inclusive aprendizes (não cabendo suas medidas para a administração pública direta, indireta, empresas públicas, sociedades de economia mista ou organismos internacionais) e limitada ao período do estado de calamidade pública decretado.
Dentre as medidas possíveis a MP previu:
A redução proporcional de jornada de trabalho e do salário;
A suspensão temporária do contrato de trabalho;
O pagamento de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (instrumento criado para reduzir o impacto na vida financeira do trabalhador que tiver o seu salário reduzido ou suspenso).
Redução Proporcional de Jornada e Salário
A empresa poderá reduzir proporcionalmente o salário do empregado e a jornada de trabalho, limitado a 90 dias, desde que não seja reduzido o salário-hora pago, bem como que seja formalizado acordo escrito enviado ao empregado com antecedência de 2 dias antes do início da redução. A redução poderá ser apenas de 25%, 50% ou 75%.
Por exemplo: Se o empregado trabalhava 200 horas por mês e recebia R$2.000,00, com a redução de 25% passará a laborar 150 horas e receber R$1.500,00 durante o prazo de validade do contrato.
Há que se observar que o MP fez alusão ao termo “salário” e não “remuneração”. Pelo entendimento do artigo 457 da CLT entende-se como “remuneração” a soma do “salário” (formado por todas parcelas contraprestativas pagas pelo empregador) + “gorjetas” (ou outras parcelas pagas por terceiros aos empregados, como as “gueltas”, por exemplo).
Vale ressaltar que apesar da empresa não ser obrigada a adotar a redução no mesmo percentual para todos os empregados, é importante que a redução adotada seja a mesma para empregados em idênticas condições, evitando possível alegação futura de tratamento discriminatório e não isonômico, o que poderia levar à validade da medida implementada pela empresa.
Extinto o acordo entre empregador e empregado (seja pelo fim do prazo estabelecido no acordo, seja pela comunicação da empresa de antecipar o fim da redução) ou finalizado o estado de calamidade (o que ocorrer primeiro) os salários deverão ser retomados ao seu percentual normal de 100% em no máximo 2 dias.
Suspensão Temporária do Contrato de Trabalho
A outra medida que a empresa poderá adotar, segundo previsto pela MP 936 é a suspensão de contratos de trabalho dos empregados durante o estado de calamidade por até 60 dias (o que pode ser fracionado em 2 períodos de 30 não consecutivos).
Ou seja, se a empresa resolver suspender o contrato por 30 dias, retomar as atividades e posteriormente precisar suspender novamente, poderá assim proceder, porém somente por mais 30 dias.
É importante observar que a MP previu a hipótese em que a empresa resolva reduzir a jornada e o salário do empregado e, na sequência, resolva também suspender o contrato de trabalho, por exemplo.
Nestes casos o tempo máximo de redução proporcional de jornada e de salário e de suspensão do contrato de trabalho somados, ainda que sucessivos ou não, não poderá ser superior a 90 dias, observado, obviamente o limite da suspensão que é de apenas 60 dias.
Há, também, a necessidade de formalizar a suspensão do contrato por acordo escrito devendo a empresa encaminhar o acordo ao empregado com 2 dias de antecedência da suspensão.
Apesar se não ser devido o pagamento de salário ao empregado com o contrato de trabalho suspenso (tampouco os encargos salariais, por exemplo FGTS e INSS), durante a suspensão a empresa deverá manter o pagamento de benefícios (por exemplo o plano de saúde, vale alimentação etc., salvo no caso do vale transporte, cujo único objetivo é propiciar a locomoção do empregado da residência ao trabalho e vice e versa).
A empresa não poderá, durante a suspensão, manter o empregado com o contrato de trabalho suspenso em atividade (mesmo que em home office), sob pena de ficar descaracterizada a suspensão do contrato de trabalho e de ter que pagar o salário do empregado e os encargos sociais do período.
Finalizado o acordo de suspensão entre empregador e empregado (seja pelo fim do prazo estabelecido, seja pela comunicação da empresa de antecipar o fim da suspensão) ou finalizado o estado de calamidade (o que ocorrer primeiro) o contrato de trabalho deverá ser restabelecido em no máximo 2 dias.
Apesar de não ser devido salário ao empregado com o contrato de trabalho suspenso, no caso de empresas com receita bruta superior a R$4.800.000,00 em 2019, a suspensão do contrato de trabalho só poderá ocorrer mediante o pagamento de 30% do salário do empregado durante a suspensão (a título de Ajuda Compensatória Mensal, sem natureza salarial, a qual detalharemos mais à frente deste artigo).
A MP teve o cuidado de garantir este benefício apenas aos empregados de empresas maiores, as quais, em teoria, tem um poder econômico maior, e não onerar as empresas com receitas brutas menores.
Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda pago pela União
O Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda trata-se de um instrumento criado pela MP para reduzir o impacto na vida financeira do trabalhador que teve seu salário reduzido ou suspenso. Desde já é importante deixar claro que este benefício criado pela MP 936 não se confunde com o seguro-desemprego (este último utilizado apenas como base de cálculo para fins de pagamento do benefício emergencial).
Também não se confunde o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda pago pela União ao empregado com a Ajuda Compensatória Mensal paga pela Empresa ao empregado.
O Benefício Emergencial será pago pelo pela União após 30 dias da celebração do acordo para a redução da jornada e salário ou para a suspensão do contrato de trabalho.
Para que o benefício seja pago neste prazo a empresa deverá cumprir sua obrigação de informar ao Ministério da Economia a formalização de tal acordo (individual ou coletivo), sob pena de ter que pagar integralmente o salário do empregado. Na prática, a não informação ao Ministério da Economia faz com que o acordo não tenha efeitos.
A forma como a empresa prestará a informação (se via plataforma própria ou via eSocial, por exemplo), bem como a forma como o empregado receberá o benefício financeiro da União (se por meio de depósito em conta, por exemplo) será regulamentada em breve pelo Ministério da Economia.
Importante mencionar que em caso do empregado ser demitido futuramente, o recebimento do benefício da União não interfere em eventual recebimento do seguro-desemprego, desde que, claro, o empregado cumpra os requisitos para o percebimento do seguro-desemprego quando da demissão.
Outra obrigação que o empregador tem quando da redução salarial e da jornada ou no caso de suspensão do contrato de trabalho por meio de acordo individual escrito é a de comunicar o sindicato dos empregados no prazo de 10 dias a contar da celebração do acordo. No entanto a falta de comunicação neste sentido não inviabilizará o pagamento do benefício pela União.
Valor do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda
A base de cálculo do benefício emergencial pago pela União não será o salário do empregado, mas sim o valor do seguro-desemprego que este empregado receberia se fosse demitido (que varia de R$1.045,00 até R$1.813,03).
Nos casos em que houver redução da jornada e do salário, o percentual do seguro-desemprego a ser pago pela União ao empregado será o mesmo percentual da redução.
Por exemplo: Empresa reduz 25% da jornada de trabalho e do salário do empregado X. Este empregado passará a receber da União benefício emergencial no importe de 25% do valor que receberia no caso de seguro-desemprego.
Já nos casos em o contrato de trabalho for suspenso o empregado receberá:
100% do valor do seguro-desemprego que teria direito se fosse demitido, no caso da empresa onde trabalha possuir receita bruta inferior a R$4.800.000,00 em 2019;
70% do valor do seguro-desemprego que teria direito se fosse demitido, no caso da empresa onde trabalha possuir receita bruta superior a R$4.800.000,00 em 2019. Porém, neste caso o empregado não ficará desamparado, pois a empresa, como já dito no tópico da suspensão do contrato, deverá pagar ao empregado a Ajuda Compensatória Mensal no valor de 30% do salário que o ele já recebia;
Ou seja, a MP teve o cuidado de desonerar mais as empresas menores (principalmente aquelas inseridas no Simples Nacional) e de beneficiar mais os empregados de empresas maiores, as quais, em teoria, possuem um poder econômico maior.
O benefício pago pela União não se aplica no caso de empregado que ocupe cargo ou emprego público, cargo em comissão de livre nomeação e exoneração ou titular de mandato eletivo.
Também não terá direito ao benefício quem já recebe benefício do INSS como pensão, aposentadoria, ou outro benefício de prestação continuada; seguro-desemprego; ou a bolsa de qualificação profissional nos casos de empregado com o contrato de trabalho suspenso em virtude de participação em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador (instituído por convenção ou acordo coletivo).
Se o empregado tiver mais de um vínculo empregatício, o benefício pago pela União poderá ser recebido de forma cumulada pelo trabalhador, desde que cada empregador instaure a suspensão do contrato ou redução salarial e de jornada.
Em se tratando de empregado com contrato de trabalho intermitente formalizado até 01/04/2020 o valor do Benefício Emergencial pago pela União será no importe fixo de R$600,00 mensais pelo período de 3 meses (ainda que este trabalhador intermitente possua mais de um vínculo empregatício com empresas diferentes), não podendo, também, cumular este benefício com outro auxílio emergencial.
Estabilidade Provisória
Ao empregado que receber o Benefício Emergencial pago pela União por ter tido seu salário reduzido ou seu contrato de trabalho suspenso será detentor de estabilidade provisória no emprego pelo dobro do período da redução ou suspensão, a contar da implementação da medida.
Por exemplo: Se no dia 15/04/2020 a empresa X suspender o contrato de trabalho do empregado Y por 60 dias, este empregado Y terá estabilidade provisória de 120 dias a contar de 15/04/2020.
Caso o empregador desrespeite esta estabilidade provisória (demitindo o empregado sem justa causa), deverá indenizar o empregado (além dos demais pagamentos rescisórios) da seguinte forma:
no caso de redução do salário de 25% a 50%: pagará a título de indenização 50% do salário que o empregado teria direito no período da estabilidade provisória;
no caso de redução do salário de 50% a 70%: pagará a título de indenização 75% do salário que o empregado teria direito no período da estabilidade provisória;
no caso de redução do salário superior a 70% ou no caso de suspensão do contrato de trabalho: pagará a título de indenização 100% do salário que o empregado teria direito no período da estabilidade provisória;
Vale ressaltar que se for o empregado quem pedir demissão, nenhuma indenização (pela quebra da estabilidade) será devida na forma acima posta.
Ajuda Compensatória Mensal
A Ajuda Compensatória Mensal (paga pela empresa) não se confunde com o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (pago pela União).
A Ajuda Compensatória trata-se de verba indenizatória que as empresas podem pagar a seus funcionários no caso de redução salarial e de jornada ou no caso de suspensão do contrato de trabalho, observando-se as regras abaixo descritas.
A MP apenas obriga o pagamento da Ajuda Compensatória Mensal (e o faz no importe de 30% do valor do salário do empregado) nos casos de suspensão do contrato de trabalho por empresas que tiveram receita bruta em 2019 superior a R$4.800.000,00.
Esta Ajuda Compensatória Mensal deverá ter o seu valor definido no acordo individual que suspendeu o contrato de trabalho ou reduziu a jornada e o salário (ou no instrumento da norma coletiva com a mesma função).
A Ajuda Compensatória Mensal não terá natureza salarial, não integrará a base de cálculo do imposto de renda do empregado nem a base de cálculo de tributos e verbas previdenciárias incidentes sobre a folha de salário pagas pela empresa, sobre ela não incidirá o recolhimento do FGTS, bem como poderá ter o seu valor excluída do lucro líquido para fins de IRPJ e CSLL no caso de tributação pelo lucro real.
Implementação da Redução Salarial ou da Suspensão do Contrato por Negociação Coletiva
No caso de implementação da redução de jornada e de salário ou no caso de suspensão do contrato de trabalho por meio de negociação coletiva os percentuais da redução não estão limitados aos estabelecidos pela MP para quando implementada a redução por acordo individual (de 25%, 50% e 70%). Em caso de norma coletiva pode-se reduzir para qualquer percentual estabelecido na negociação coletiva.
Além disso, no caso de norma coletiva, o Benefício Emergencial pago pela União será:
inexistente: no caso de redução salarial e da jornada de até 25%;
25% do valor do seguro-desemprego que teria direito se fosse demitido: no caso de redução salarial e de jornada de 25% até 50%;
50% do valor do seguro-desemprego que teria direito se fosse demitido: no caso de redução salarial e de jornada de 50% até 70%;
70% do valor do seguro-desemprego que teria direito se fosse demitido: no caso de redução salarial e de jornada superior a 70%;
Forma de Implementação das Medidas
A MP 936 admite que a implementação da redução salarial e da jornada, bem como da suspensão do contrato de trabalho ocorra por meio de acordo individual entre empregado e empregador apenas nos seguintes casos:
empregado que receba até R$3.135,00 (3 salários mínimos);
empregado que receba mais de R$12.202,12 e que possua diploma de nível superior (hipersuficiente);
Vale notar que a alusão do texto da MP ao empregado que receba mais de R$12.202,12 e que possua diploma de nível superior decorre da figura do empregado chamado de hiperssuficiente, conforme disposto no artigo 444, parágrafo único da CLT (tema este já abordado em nosso artigo publicado na semana passada em: https://jus.com.br/artigos/84501/15-medidas-trabalhistas-para-a-contencao-da-crise-empresarial-instaurada-pelo-covid-19-mp-927-2020).
Nos demais casos, ou seja, de empregados que recebam mais de R$3.135,00 e menos de R$12.202,12 ou nos casos de empregado que recebam mias de R$3.135,00 e que não possuam diploma de nível superior, exige-se a implementação das medidas por meio de negociação coletiva.
Exceção à regra da negociação coletiva acima ocorre apenas no caso de redução de jornada e de salário de até 25% (menor percentual admitido pela MP), a qual poderá ser implementada também por acordo individual escrito, independente do salário do empregado ou do fato de ter ou não diploma de nível superior.
Há discussão doutrinária sobre a inconstitucionalidade da redução salarial com base apenas em acordo individual (sem negociação coletiva), mesmo que a MP a tenha permitindo. Para a corrente que entende inconstitucional baseiam-se na norma do artigo 7º, VI da Constituição Federal, a qual exige negociação coletiva para redução salarial.
Para a outra corrente que sustenta a constitucionalidade da norma, baseiam-se no fato de tratar-se de medida excepcional, valida por curto período de tempo e que visa um bem maior, que é a manutenção da ordem econômica e dos postos de trabalho ativos. Alegam que em casos extraordinários (como é o instaurado pelo novo coronavírus), medidas extraordinárias devem ser aplicadas.
Visando a segurança jurídica das relações, o ideal é que se provoque o sindicato, federação e confederação dos empregados para negociar a redução.
Caso os 3 entes sindicais não respondam, é importante que os empregados se reúnam e aprovem a redução salarial de forma coletiva (ainda que sem o ente sindical) e que formalizem o fato em ata (inclusive por meio eletrônico), visando cumprir a exigência constitucional da negociação coletiva.