Capa da publicação Agrotóxicos: injustiça ambiental e impacto nas comunidades rurais
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O uso de agrotóxicos: uma análise da injustiça ambiental brasileira e o impacto provocado nas comunidades rurais em decorrência da sua dispersão

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14/06/2022 às 14:00

Resumo:


  • O uso de agrotóxicos no Brasil tem causado sérios impactos ambientais e à saúde das comunidades rurais, com relatos frequentes de intoxicações e doenças relacionadas à exposição a esses produtos químicos.

  • A falta de políticas públicas eficientes e o poder de influência do agronegócio na política têm contribuído para o aumento da injustiça ambiental, com a liberação recorde de novos agrotóxicos e flexibilização das regras de controle e fiscalização.

  • Alternativas tecnológicas e métodos alternativos de produção agrícola, como o uso de micróbios e manipulação genética, apresentam-se como soluções promissoras para reduzir a dependência de agrotóxicos e mitigar os impactos socioambientais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. DEFENSIVOS, AGROTÓXICOS OU BIOCIDAS?

Atualmente, o Brasil conclui seudécimo ano na liderança do ranking de maior consumidor de agrotóxicos do planeta. Utilizam-se 7,3 litros de veneno para cada um dos habitantes do país, volume que, em 2017, resultou em 11 registros de intoxicação por exposição a agrotóxicos por dia (REVISTA GALILEU, 2018).

dossiê chamado “Alerta sobre os Impactos dos Agrotóxicos na Saúde”, elaborado pela Associação Brasileira de Saúde Pública (ABRASCO), mostra que há um exagero tanto no manuseio irregular, quanto na permissividade legal da sua tolerância.

No Brasil, o limite permitido de glifosato (agrotóxico mais comercializado) na água potável é 5 mil vezes maior do que países da União Europeia por exemplo.

Agrotóxicos são utilizados em 27% das pequenas propriedades rurais, que são responsáveis pelo fornecimento de 70% da comida que para na mesa do brasileiro. Por outro lado, 80% das propriedades grandes, com mais de 100 hectares e geralmente ocupadas com sistemas de monocultura voltada à exportação, utilizam veneno em seus processos. O que rola por aqui é um exagero mesmo, principalmente se comparada à realidade dos países da União Europeia. Por lá, a legislação afirma que a água potável pode conter 0,1 miligramas por litro de glifosato, o herbicida mais vendido no mundo. Por aqui o limite mínimoé 5 mil vezes maior. No caso do feijão e da soja, a lei brasileira permite o uso no cultivo de quantidade 400 e 200 vezes superior ao permitido na Europa (REVISTA GALILEU, 2018).

A associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) faz um alerta através do dossiê com artigos científicos, mostrando a real necessidade de políticas que possam proteger e promover a saúde humana e de ecossistemas.

Esse dossiê é uma manifestação da ABRASCO, entidade que surgiu através de lutas sociais pela redemocratização do Brasil. O dossiê informa que, no período de 2002 a 2011, o consumo de agrotóxicos no Brasil cresceu 42% (599,5 milhões de litros em 2002 e 852,8 milhões de litros em 2011).

Segundo os dados do IBGE, a área cultivada com culturas permanentes e temporárias cresceu 25%, no período de 2002 a 2011 (54,5 milhões de hectares em 2002 e 68,1 milhões de hectares em 2011).

Na safra de 2011, no Brasil, foram plantados 71 milhões de hectares de lavoura temporária (soja, milho, cana, algodão) e permanente (café, cítricos, frutas, eucaliptos), o que corresponde a cerca de 853 milhões de litros (produtos formulados) de agrotóxicos pulverizados nessas lavouras, principalmente de herbicidas, fungicidas e inseticidas, representando média de uso de 12 litros/hectare e exposição média ambiental/ ocupacional/alimentar de 4,5 litros de agrotóxicos por habitante (IBGE/SIDRA, 1998- 2011; SINDAG, 2011).

No decorrer dos anos, o ramo da agricultura no Brasil cresceu e cresce de uma forma conturbadora, e com ela veio junto as complicações na saúde das pessoas, pondo em risco principalmente pessoas que convivem com exposição direta com esses produtos na zona rural.

O atual cenário de avanço dessa agricultura moderna não muda muito, os dados são crescentes, como exemplo o Plano Agrícola e Pecuário (PAP 2018/2019), anunciado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, no qual o governo concederá R$ 194,37 bilhões em créditos para financiar e apoiar a comercialização da produção agropecuária brasileira.

Segundo o secretário de Política Agrícola do Ministério, Wilson Vaz, “o plano tem a função de reunir um conjunto de medidas propostas pelo governo para apoiar o setor produtivo agrícola e suas cooperativas” (BRASIL, 2018).

Esse apoio contínuo de financiamentos se estende até os dias atuais, o atual governo e a nova política vai ser trabalhado melhor no terceiro capítulo desse trabalho, mas já podemos adiantar estes dados como exemplo de como esse mercado dos agrotóxicos continua em grande expansão, prejudicando cada vez mais de forma perigosa o meio ambiente e a saúde das pessoas.

Segundo o IBAMA, em 2017, os agricultores brasileiros usaram 540 mil toneladas de ingredientes ativos de agrotóxicos, cerca de 50% a mais do que em 2010.

A revista de pesquisa brasileira FAPESP (Fundação de Amparo à pesquisa do Estado de São Paulo) mostra que a safra de grãos evoluiu de 149 milhões de toneladas em 2010 para 238 milhões em 2017.

A venda de agrotóxicos no Brasil movimenta a média de US$ 10 bilhões por ano, representando 20% do mercado global, estimado em US$ 50 bilhões (FAPESP, 2018).

Segundo uma publicação noticiada pelo CCST (Centro de Ciência do Sistema Terrestre) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais brasileiro (INPE), desde 2008, o Brasil está na liderança do ranking mundial no consumo de agrotóxicos. O crescimento de compra e venda no mercado desses produtos químicos tiveram um aumento de 90%, enquanto isso no Brasil foi 190% o crescimento desse mercado, dados estes divulgados pela ANVISA (INPE, 2016).

3.1. Impacto nas comunidades rurais e tradicionais: o custo da saúde humana

O relatório da Human Rights Watchmostra que são crescentes também os casos referentes às intoxicações agudas e crônicas nas comunidades rurais de todo Brasil (HUMAN RIGHTS WATCH, 2018).

A toxicologia, conforme documento publicado pela Secretaria de Saúde do Estado do Paraná, “é a ciência que estuda os efeitos decorrentes da interação de substâncias químicas com o organismo. Sendo a intoxicação um processo patológico causado por substâncias endógenas ou exógenas, causando desequilíbrio fisiológico, consequente das alterações bioquímicas no organismo” (PARANÁ, [s.d.]).

Há três tipos de intoxicações:

  • INTOXICAÇÃO AGUDA: Decorre de um único contato (dose única- potência da droga) ou múltiplos contatos (efeitos cumulativos) com o agente tóxico, num período de tempo aproximado de 24 horas. Os efeitos surgem de imediato ou no decorrer de alguns dias, no máximo 2 semanas. Estuda a relação dose/resposta que conduz ao cálculo da DL50.

  • INTOXICAÇÃO SUB-AGUDA OU SUB-CRÔNICA: Exposições repetidas a substâncias químicas – caracteriza estudos de dose/resposta após administrações repetidas.

  • INTOXICAÇÃO CRÔNICA: Resulta efeito tóxico após exposição prolongada a doses cumulativas do toxicante ou agente tóxico, num período prolongado, geralmente maior de 3 meses a anos (PARANÁ, [s.d.]).

A Secretaria de Saúde do Estado do Paraná,através do programa de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos (VSPEA),publicou um material técnico chamado “Intoxicações Agudas por Agrotóxicos, Atendimento Inicial do Paciente Intoxicado”, cujo objetivo principal é o fornecimento de conhecimento sobre o assunto para prestação de um serviço de melhor qualidade para atendimento da saúde pública e oferecer devido atendimento às pessoas intoxicadas (PARANÁ, 2018).

O tipo de intoxicação que vai ser trabalhada no presente estudo será a intoxicação ambiental, que se dá através do solo, ar, águas, nas proximidades de áreas pulverizadas com agrotóxicos, direcionando o estudo no caso para as comunidades rurais.

É importante trabalhar cada elemento dos agrotóxicos para sabermos o grau de gravidade de uma intoxicação que varia conforme o tempo de exposição, forma de contaminação, toxidade da substância e concentração utilizada.

As vias de intoxicação podem ser através do contato com: a pele (dérmicas, ou cutâneas); absorção pelo ar de gases, vapores, aerossóis (inalatória); contato ocular (ocular); entrada de substância líquida ou sólida, pela via oral ou nasal (aspiração); e, por fim, as digestivas, que são intoxicações intencionais, ou mais graves.

Existe uma facilidade maior das comunidades rurais sofrerem intoxicação devido estarem à deriva da pulverização dos produtos tóxicos. Isso ocorre, porque o vento desvia do alvo a ser pulverizado, atingindo locais não previstos pela pulverização, como também lavagem de equipamentos, escoamento pelas chuvas, causando intoxicação do solo e sistema hídrico.

Esse desvio do alvo a ser pulverizado, ocasionado pelo vento, apresenta não só efeitos negativos para a saúde das pessoas que convivem ou residem naquele ambiente, mas, também impactos em todo o ecossistema de organismos vivos: ar, solo, água, fauna e flora.

Dados mostram que, em média, 40 mil pessoas deram entrada no sistema de saúde brasileiro devido à exposição por agrotóxicos em dez anos, entre ano de 2007 a 2017. As informações levantadas pelo Ministério da Saúde mostram que a média de intoxicação é de sete pessoas por dia no Brasil. Matéria retirada da revista Exame, relata que o número de mortes por esses agentes químicos tem crescido de maneira exponencial, conforme mostra o levantamento feito pelo Ministério da Saúde entre 2007 a 2017:

Cerca de 40 mil pessoas foram atendidas no sistema de saúde brasileiro após serem expostas a agrotóxicos nos últimos dez anos, segundo um levantamento inédito feito pela Pública com base nos dados do Ministério da Saúde. Desse total, 26 mil pacientes tiveram intoxicação confirmada por médicos, com sinais clínicos como náuseas, diarreias ou problemas respiratórios, ou mesmo alterações bioquímicas no sangue e urina detectados por exames laboratoriais (REVISTA EXAME, 2018).

Há uma crítica dos próprios órgãos referentes às informações levantadas, pois não são dados que expressam a realidade total pelo fato de levarem em conta apenas os casos hospitalares, expondo apenas uma parcela dos casos de intoxicação. Outro fator é que, para cada caso de intoxicação notificado, tem-se a estimativa que outros 50 casos não foram notificados. Nessa linha, a Fundação Oswaldo Cruz (2015) acrescenta:

Ao analisar os óbitos decorrentes de intoxicações ocupacionais por agrotóxicos, registrados pelo Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, a pesquisadora do Icict e coordenadora do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas - Sinitox, Rosany Bochner, trouxe à tona um problema grave de saúde pública: a subnotificação ou notificação irregular dos óbitos causados por esses agravos, fato que acaba dificultando não só as pesquisas como também as notificações judiciais contra as empresas produtoras de agrotóxicos.

É interessante notar que a intoxicação por agrotóxico não é considerada um agravo de notificação compulsória no Brasil, embora seja considerada de interesse nacional e notificada pelas unidades de saúde no Sinan (conforme Portaria nº 777/GM, 28/04/2014). O próprio Ministério da Saúde estima que a subnotificação faz com que, para cada evento de intoxicação por agrotóxico notificado, há outros 50 não notificados.

Segundo dados do Sinitox, foram registrados, no período de 2007 a 2011, 26.385 casos de intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola, 13.922 por agrotóxicos de uso doméstico, 5.216 por produtos veterinários e 15.191 por raticidas. Os agrotóxicos são o terceiro grupo responsável pelas intoxicações, com 11,8% dos casos. Antecedido pelos medicamentos (28,3%) e animais peçonhentos (23,7%) (ICICT/FIOCRUZ, 2015).

A maior problemática da poluição por agrotóxico é pelo uso inadequado desse produto, de forma a causar danos ao solo, à saúde humana e à biodiversidade, outra agravante também é a falta de fiscalização, os produtores rurais não sabem utilizá-lo adequadamente.

A quantidade utilizada pelos brasileiros de agrotóxicos está muito acima do permitido pelos organismos mundiais, pois mesmo o Brasil liderando a produção agrícola no mundo, ele também é um dos países mais atrasados no mundo em relação ao controle dos agrotóxicos.

Todo mundo está exposto de alguma forma a esses produtos, a sociedade está tão refém e tão cercada destes produtos, que acaba não dando a real importância ao tema. Se tornou algo banal ao ver social, virando de costas para os riscos que a saúde humana tem sido exposta.

Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal do Mato Grosso – UFMT constatou a presença de agrotóxico no leite materno, na qual algumas mães foram detectadas com até 6 tipos diferentes do produto.

Tal pesquisa foi realizada na cidade de Lucas do Rio Verde, com 45 mil habitantes, situada na região central do Mato Grosso. Entre os produtos encontrados no leite materno, havia presença de substâncias proibidas há mais de 20 anos, tais como DDE, que é um derivado do DDT, proibido em 1998, por causar infertilidade masculina e abortos espontâneos, má formação fetal e câncer (FOLHA DE SÃO PAULO, 2011).

Às vezes não temos a real noção do alcance dessas substâncias. Antes mesmo que o alimento chegue às nossas mesas, é importante ter consciência que comunidades rurais são atingidas diariamente, de forma bem mais impactante que nas zonas urbanas, e isso é devido uma carência na proteção dos seus direitos. E o presente trabalho vem frisar justamente isso, a necessidade de melhoria dos instrumentos legais de controle dos agrotóxicos.

O caso exemplificado acima, noticiado pela Folha de São Paulo, da presença de agrotóxicos no leite materno, demonstra justamente o que Rachel Carson, anos atrás afirmava: até mesmo quem não é afetado de forma instantânea, acaba virando vítima fatal devido as toxinas permanecerem por muito tempo dormente no organismo e ambiente, acumulando-se e manifestando anos depois como uma doença obscura, cuja origem é quase impossível de identificar.

Os instrumentos legais de controle dos agrotóxicos são previstos na Constituição Federal, no seu Art. 225, § 1º, V, onde está consolidada a necessidade do controle da comercialização, produção, emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, para a qualidade da vida e para meio ambiente.

A Lei Nº 7.802/89 dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, embalagem, rotulagem, transporte, armazenamento, comercialização, propaganda comercial, utilização, importação, exportação e o destino final dos resíduos ou embalagens, o registro, classificação, controle e a inspeção e fiscalização dos agrotóxicos. Essa lei foi regulamentada pelo Decreto n. 4.074, de 4 de janeiro de 2002.

O controle dos agrotóxicos é feito por registro, esse registro é um “ato privativo de órgão federal competente, que atribui o direito de produzir, comercializar, exportar, importar, manipular, ou utilizar o agrotóxico, componente ou afim” (art. 1º, XLII, do Dec. N. 4.074/2002).

A competência para realizar o registro é o órgão federal (Art. 3º, caput,da Lei 7.802/89), isso não impede também que Estados criem o seu próprio sistema de registro e cadastro dentro de sua competência, conforme o Art. 24, V, VI, VIII e XII, CF. Os Estados e o Distrito Federal também são responsáveis, em parte, pelo controle dos agrotóxicos, como, por exemplo, legislar sobre o armazenamento destes em respeito ao art. 10 da Lei 7.802/89.

É importante saber que há diferentes registros, e um outro registro de diferente modalidade é o registro especial temporário destinado à pesquisa e experimentação, como fundamento de constatar a eficiência da aplicabilidade desses produtos, conforme previsão do art. 1º, XLIII, do Dec. N. 4.074/02.

Para a comercialização de agrotóxicos é necessário um receituário próprio, prescrito por profissionais legalmente habilitados, sob pena de responsabilização administrativa, civil e penal pelos danos causados à saúde das pessoas e meio ambiente, previsto nos artigos 13 e 14 da Lei n. 7.802/89. Existe inclusive legislação para as regras e procedimentos referente ao transporte dos agrotóxicos, como está no art. 63 do Dec. N. 4.074/02.

Só poderá haver a produção, importação, exportação, comercialização e utilização dos agrotóxicos se previamente registrado por órgão federal, de acordo com as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde, meio ambiente e da agricultura (art. 3º, caput, Lei n. 7.802/89).

Há três órgãos governamentais responsáveis pela comercialização dos agrotóxicos no Brasil: a) Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, cuja função é analisar a eficácia e pertinência do produto; b) Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, que avalia os impactos na saúde humana; c) Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Nacionais Renováveis – IBAMA, que analisa as reações dos agrotóxicos no meio ambiente.

As empresas que têm o registro, devem apresentar semestralmente ao IBAMA e órgãos envolvidos no registro as informações sobre o produto. O IBAMA tem função também de definir a “ecotoxidade” do princípio ativo do veneno, estabelecendo classificação de periculosidade que pode variar em até 4 níveis na ordem crescente sobre sua periculosidade: I, II, III, IV.

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O IBAMA também é responsável por fazer a reavaliação de produtos em uso quando há indícios de dano ao meio ambiente, devendo ser respeitado a Instrução Normativa n. 17 do IBAMA, de maio de 2009. Com isso, o órgão tem importante função de informação para sociedade para saber quais os produtos mais usados, onde estão sendo comercializados, índicies de toxidade e quais princípios ativos têm, inclusive, também, auxilia o governo na fiscalização e regulamentação dos produtos.

Segundo dados atualizados em 25/06/2018 do IBAMA, em conformidade com o art. 41 do Dec. 4.074/02, os dez ingredientes ativos mais vendidos no ano de 2017, no Brasil, foram: em 1º lugar, o glifosato e seus sais; em 2ª posição, o 2,4 - D; o 3º colocado ficou o Mancozebe; o 4º, o Acefato; na 5ª posição, ficou o óleo mineral; na 6ª, a Atrazina; o 7º lugar foi ocupado pelo óleo vegetal; a 8ª colocação pertence ao Dicloreto de paraquat; na 9ª, imidacloprido; e o 10º lugar é do Oxicloreto de cobre (IBAMA, 2018).

O IBAMA calcula que, em 2017, foram registrados 259 novos produtos formulados:

Em 2017, 126 empresas titulares de registro de produtos “Químicos e Bioquímicos” encaminharam relatórios semestrais de agrotóxicos em atendimento ao artigo 41 do Decreto n° 4.074/2002. Foram recebidos 6.356 relatórios: 2.465 de produtos técnicos (PT) e 3.891 de formulados (PF). Houve um aumento no número de relatórios recebidos em 2017 em comparação a 2016 em razão de novos registros concedidos. Calcula-se que em 2017 tenham sido registrados 259 novos produtos formulados, de acordo com dados extraídos do Sistema de Agrotóxicos do Ibama.

Os relatórios de produtos formulados recebidos abrangem um total de 329 ingredientes ativos. Desse total, 88 terão valores de comercialização divulgados por corresponderem a marcas comerciais cujos ingredientes ativos tenham no mínimo três empresas detentoras de registro. Os 88 ingredientes ativos corresponderam a uma venda total de 487,5 mil toneladas no mercado interno, representando 90% do valor total das vendas de ingredientes ativos em 2017, que corresponde a 539.944,95 toneladas (IBAMA, 2018).

Os agrotóxicos têm diversas classificações, seja pelo nível de toxidade como vimos anteriormente, ou também serem classificados no que se refere ao alvo a ser combatido pelo agrotóxico, por exemplo:

Os agrotóxicos podem ser classificados, de acordo com a praga a que se destinam, como inseticidas (contra insetos em geral), larvicidas (contra larvas de insetos), formicidas (contra formigas), acaricidas (contra ácaros de plantas) carrapaticidas (contra Garrapatos de animais), nematicidas (contra nematóides parasitas de plantas, que formam nódulos ou “galhas” nas raízes), moluscicidas (para combate a moluscos), rodenticidas (para combate a roedores em geral), raticidas (para combate a ratos, em particular), avicidas (para controle de algumas aves comedoras de sementes), fungicidas (contra fungos), herbicidas (contra ervas daninhas e outros vegetais indesejáveis, mesmo do porte de arbustos ou árvores).

Por extensão, incluem-se também na definição de agrotóxicos os agentes desfolhantes (p. ex., 2, 4-D e 2, 4, 5-T), os antibrotantes (p. ex., hidrazida malêica, que tem como impureza a hidrazina, que é um produto cancerígeno), os dessecantes (p. ex., o paraquat) e os conservadores de madeiras (p. ex., pentaclorofenol, com algumas impurezas como o hexaclorobenzeno — responsável por uma síndrome denominada porfiria cutânea tardia — e uma dioxina bastante tóxica) (SCIELO/CADERNOS DE SAÚDE PÚBLICA, [s.d.]).

O material técnico mencionado anteriormente no decorrer do trabalho, chamado “Intoxicações Agudas por Agrotóxicos, Atendimento Inicial do Paciente Intoxicado”, lançado pela Secretaria de Saúde do Estado do Paraná, apresenta também aclassificação pelo grupo químico. Como podemos ver, em seguida, são inúmeros grupos químicos:

a) Organofosforados: São derivados dos ácidos contendo fósforo em sua molécula (ácidos fosfóricos, tiofosfórico, e ditiofosfórico). Mais comumente utilizados como inseticidas e acaricidas agrícolas. Atuam sobre a acetilcolina, ou seja, no sistema nervoso central e periférico. Alguns exemplos são inseticidas à base de malation, clorpirifós, temefós, acefato, fenitrotion, paration, metamidofós; b) Carbamatos: São derivados do ácido carbâmico. O uso doméstico é comum, como os inseticidas carbofuram e aldicarbe; c) Piretróides: São derivados sintéticos das piretrinas naturais, encontradas em extratos vegetais, como os extraídos das flores de Chrysanthemum cinerariaefolium. São exemplos de piretróides sintéticos os inseticidas como a deltrametrina, cipermetrina, lambdacialotrina e permetrina; d) Glicina substituída – (N - (fosfonometil) glicina): Desenvolvido com a finalidade de herbicida não seletivo, sistêmico, pósemergente, utilizado comumente em agricultura associados ou não a sementes transgênicas e em ambientes domésticos. Princípio ativo denominado glifosato; e) Bipiridilos: São compostos que atuam por meio da formação de radicais livres com o oxigênio; utilizados comumente como herbicidas, como por exemplo, paraquate, diquate; f) Ditiocarbamatos (DTCs): Pertencem a um grupo de agrotóxicos organossulfurados de ação fungicida, tais como mancozeb, tiram; g) Dinitrofenóis: Atuam promovendo o déficit energético desacoplando as ligações do ATP. Como exemplo, temos os herbicidas 2,4-D; 2,5T; h) Organoclorados: Hidrocarbonetos que se caracterizam por conter em sua estrutura um ou mais anéis aromáticos ou cíclicos saturados, com alto poder de persistência no meio ambiente como o DDT, BHC, Aldrin, Dieldrin; i) Organomercuriais: São agrotóxicos a base de mercúrio (Hg), geralmente utilizados como fungicidas, por exemplo, o acetato de fenilmercúrio. No Brasil, são proibidos mas podem ser encontrados como produtos de contrabando. Muito utilizado nas culturas de morango e batata (PARANÁ, 2018).

Rachel Carson denomina os agrotóxicos como “biocidas” pelo alto poder de alterar e contaminar a terra, ar, rios, oceanos, onde as vítimas acidentais no meio dessa prática humana não são levadas em conta. Temos toda uma cadeia e ciclo de vida que envolve todos esses elementos naturais, que vai dos pequenos aos grandes animais, incluindo o ser humano que acaba se tornando uma vítima acidental. Por isso, trataremos agora, de forma resumida, sobre os efeitos dessa contaminação nos recursos naturais.

De todos os recursos naturais existentes no planeta, a água é considerada o mais importante e a problemática da sua contaminação não é levada em conta, mesmo sabendo que pode contaminar todo meio ambiente e humanidade. Com as chuvas, os produtos químicos infiltram no solo, chegando até aos lençóis freáticos, rios, mares, lagos que, por sua vez, acabam contaminando a vida aquática e prejudicando todo o ciclo de vida, como, por exemplo, o fenômeno da “eutrofização”, que deixa grandes extensões aquáticas sem vida.

A água deve ser pensada como uma cadeia de vida, que vai desde às células verdes e plânctons tão pequenos que servem de alimento para outros seres maiores, que vão até os peixes, os quais servem de alimento também para outros animais como aves, guaxinins e seres cada vez maiores, podendo virar em uma cadeia cíclica de envenenamento sem fim.

À medida que as águas subterrâneas são contaminadas com agrotóxicos, há o perigo não apenas de substâncias venenosas, mas causadoras de câncer que acabam chegando aos suprimentos de água pública.

A revista Exame divulgou uma matéria como amostra dessa cadeia de contaminação nas águas, utilizando dados colhidos e lançados pelo Ministério da Saúde, que atuou em uma pesquisa de forma conjunta com a organização suíça “Public Eye”, a Agência Pública e Repórter Brasil, feitas para o Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (SISAGUA), segundo a qual, entre período de 2014-2017, atestou que:

Nesse período, as empresas de abastecimento de 1.396 municípios detectaram todos os 27 pesticidas que são obrigados por lei a testar. Desses, 16 são classificados pela Anvisa como extremamente ou altamente tóxicos e 11 estão associados ao desenvolvimento de doenças crônicas como câncer, malformação fetal, disfunções hormonais e reprodutivas.

Entre os locais com contaminação múltipla estão as capitais São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Manaus, Curitiba, Porto Alegre, Campo Grande, Cuiabá, Florianópolis e Palmas.

Os números revelam que a contaminação da água está aumentando a passos largos e constantes. Em 2014, 75% dos testes detectaram agrotóxicos. Subiu para 84% em 2015 e foi para 88% em 2016, chegando a 92% em 2017. Nesse ritmo, em alguns anos, pode ficar difícil encontrar água sem agrotóxico nas torneiras do país.

Entre os agrotóxicos encontrados em mais de 80% dos testes, há cinco classificados como “prováveis cancerígenos” pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos e seis apontados pela União Europeia como causadores de disfunções endócrinas, o que gera diversos problemas à saúde, como a puberdade precoce.

Do total de 27 pesticidas na água dos brasileiros, 21 estão proibidos na União Europeia devido aos riscos que oferecem à saúde e ao meio ambiente.

A falta de monitoramento também é um problema grave. Dos 5.570 municípios brasileiros, 2.931 não realizaram testes na sua água entre 2014 e 2017 (REVISTA EXAME, 2019)

Quando nos deparamos com esses dados, a preocupação aumenta ainda mais com o perigo exposto na mistura dessas substâncias químicas, que acabam formando um coquetel tóxico com efeitos desconhecidos ao organismo humano e a real gravidade dessa combinação de substâncias químicas.

A eutrofização é outra problemática que engloba os agrotóxicos em relação à água. O fenômeno se dá devido ao acúmulo de nutrientes na água, especialmente pelo fósforo e nitrogênio. Uma das principais fontes desses nutrientes são derivados da agricultura pelo uso de fertilizantes e agrotóxicos que, por diversos meios, chegam nos lençóis freáticos, rios e oceanos.

Isso faz com que as algas e cianobactérias cresçam muito, a ponto de criar um desequilíbrio que ocasiona a pouca troca de gases, baixando consideravelmente a quantidade de oxigênio da água, matando os animais e plantas daquela região eutrofizada, já que sem oxigênio naquele ambiente impossibilita a vida desses seres.

O solo terrestre também não fica fora das consequências que os agrotóxicos trazem. A importância do solo é imensurável para a existência de vida no planeta, uma vez que as plantas não cresceriam sem o solo, como também não haveria vida animal sem as plantas. O solo e os seres de infinita abundância e diversidade que vivem nele são capazes de sustentar o manto verde da terra.

O ciclo do solo não tem começo nem fim, está em constante transformação, e os menores seres, invisíveis ao olho nu, como as bactérias e fungos filiformes que ali fazem morada, ocasionam mudanças químicas de grande importância para convertimento de elementos derivados da água e do ar, em formas sincronizadas e equilibradas para uso das plantas e seres vivos (a mágica da vida).

Esse ciclo e transformação vem acorrendo de forma ininterrupta por bilhões de anos naturalmente até o planeta começar a ter contato com as substâncias tóxicas manuseadas pelos humanos e interromper esse ciclo. As bactérias e fungos são os responsáveis por vários ciclos como a decomposição, que reduz os resíduos vegetais e animais a seus componentes minerais, como também função cíclica de elementos químicos como carbono e nitrogênio pelo solo e ar.

Sem as bactérias fixadoras de nitrogênio, por exemplo, as plantas morreriam, e sem contar em outros organismos que formam o dióxido de carbono, que ajudam a decompor as rochas, reduzindo e transformando em minerais, ferro, enxofre e manganês, disponibilizado para as plantas.

Existem outras formas de vida no solo também, que vão das minhocas e formigas até alguns mamíferos, com funções importantes, como, por exemplo, o trabalho de arejar o solo, melhorando sua drenagem e penetração da água nas camadas mais profundas onde as plantas crescem.

O solo faz parte de uma incrível teia de vida que agora está em risco com os agrotóxicos, que são usados em larga escala nas lavouras. Não foi medido ainda o impacto desses agentes químicos quando entram em contato com o incontável número de seres que habitam no solo. Desse modo, podemos deduzir que não há como aplicar um produto para combate de pragas destruidoras de plantação sem destruir os outros seres que ali estejam.

Exemplo clássico disso são os herbicidas como o 2,4-D, que provocam a interrupção temporária da nitrificação (processo que torna o nitrogênio atmosférico disponível para as plantas). Lembrando que o herbicida 2,4-D, como vimos anteriormente, com dados do IBAMA, ocupa a segunda posição de agrotóxicos mais comercializados no Brasil.

Outra agravante dos inseticidas no solo é sua longa permanência, que chega a durar anos, ou até mesmo ficam permanentes no tempo após sua aplicação. Os agrotóxicos têm esse longo poder de permanência não só no solo, mas também nos organismos vivos, como mencionado anteriormente na pesquisa realizada pela UFMT, em uma cidade do Mato Grosso, que foi detectado no leite materno a presença de um pesticida proibido há mais de 20 anos.

O manto verde do planeta que é formado pelas plantas e sustentam a vida animal também é afetado, seja pela absorção de um solo já contaminado, ou por ser atingida de forma acidental das pulverizações que tinham como alvo outras espécies de planta. Isso põe em risco toda a cadeia animal, que vão dos menores aos maiores animais essenciais para vida humana, como o caso das abelhas selvagens e outros polinizadores que correm risco de extinção e sua maior causa de mortalidade é o envenenamento pelos agrotóxicos.

É negligente falarmos que o ser humano não faz parte dessas vítimas incidentais, uma vez que fazemos parte e dependemos diretamente desses outros organismos vivos e recursos naturais, principalmente quando voltamos ao assunto da injustiça ambiental nas comunidades rurais, que acabam sendo atingidas de forma mais drástica e desproporcional na parcela de contaminação em relação aos moradores da zona urbana.

Essas comunidades são vítimas diretas quando pulverizadores poderosos lançam um jato de veneno por todas as partes em fazendas e florestas. Com a forma discriminada que esses produtos são lançados, não só o inseto-alvo ou planta-alvo estão sujeitos ao toque do veneno.

A pulverização dos agrotóxicos pode se dar através de tratores, aviões ou por trabalhadores do campo, que portam uma ferramenta mecânica de jato pulverizador, essa pulverização acaba atingindo alvos que não são desejados, conhecido mais como desvio, ou deriva da pulverização.

Dentre essas modalidades de pulverização, a aérea é sem dúvidas a que mais causa impacto na natureza e saúde humana. Uma pesquisa realizada pela EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), coordenada por Aldemir Chaim, mostra que apenas 1/3 do produto pulverizado por aviões atinge as plantas, ou seja, mais da metade do produto aplicado não atinge o alvo:

[...] normalmente ocorre uma “deriva técnica” com os atuais equipamentos de pulverização, que mesmo com calibração, temperatura e ventos ideais, deixam apenas cerca de 32% dos agrotóxicos pulverizados retidos nas plantas; 19% vão, pelo ar, para outras áreas circunvizinhas da aplicação e 49% vão para o solo e, após algum tempo, parte se evapora, parte é lixiviada para o lençol freático e outra parte se degrada (EMBRAPA, 2004).

No Brasil, temos inúmeros casos dessa deriva ou desvio das pulverizações, principalmente da pulverização aérea, que nos chamam a atenção e tem sido centro de grandes debates.

Como veremos, a seguir, são inúmeros os casos que chamam atenção desse drástico cenário de envenenamento de comunidades rurais, frágeis, vulneráveis ao sistema político e do agronegócio. Exemplo emblemático é o de uma escola pública localizada no Assentamento Pontal dos Buritis, em Rio Verde, no sudoeste de Goiás, que em maio de 2013, logo após um avião agrícola sobrevoar a escola, 122 alunos com idade entre 7 e 16 anos e alguns professores foram atingidos pelo pesticida lançado.

Segundo o Corpo de Bombeiros informou na ocasião do fato, 122 alunos entre 7 e 16 anos de uma escola da localidade foram atingidos pelo pesticida lançado de um avião pulverizador no período da manhã. Após o incidente, algumas crianças e adolescentes começaram a apresentar náuseas, coceiras pelo corpo e dor de cabeça.

Das 42 pessoas que foram encaminhadas para os hospitais de Rio Verde e Montividiu, 36 foram intoxicadas e 29 precisaram ficar internadas. O agrotóxico, considerado de baixa toxicidade, é o Engeo Pleno, usado no combate a pragas nas lavouras de milho e sorgo. Três pessoas ligadas à Aerotex – o piloto, um funcionário e o dono da empresa – chegaram a ser presos, mas foram liberados após o pagamento de fiança no valor de R$ 25 mil (JORNAL OPÇÃO, 2013).

Acontece que os problemas não acabam por aí, 5 anos após o ocorrido, alunos e professores da região continuam sendo expostos aos agrotóxicos.

Em uma denúncia feita por Hugo Alves dos Santos, que, na época era diretor da escola, inclusive foi vítima da intoxicação, relata que perdeu o cargo de diretor da escola e hoje é professor em outras 5 escolas rurais daquela região, e que em todas as 5 escolas, os alunos são intoxicados e expostos diariamente pelos agrotóxicos pulverizados nas plantações aos redores (REPÓRTER BRASIL, 2018).

O relatório da Human Rights Watch, “Você Não Quer Mais Respirar Veneno”, vem justamente documentar casos como este, de intoxicações por agrotóxicos que atingem de forma brutal as vítimas que vivem no campo.

Nesse relatório foi realizada uma pesquisa em 7 localidades rurais do Brasil, que incluem escolas rurais, comunidades rurais, indígenas e quilombolas, que fazem divisa de suas casas e convivência diária com as lavouras das fazendas.

No ano de 2017 e 2018, foram entrevistadas um total de 73 pessoas afetadas por essa deriva da pulverização de agrotóxicos.

Em todos os sete locais, as pessoas descreveram sintomas consistentes com a intoxicação aguda por agrotóxicos após verem pulverização de agrotóxicos nas proximidades, ou sentirem o cheiro de agrotóxicos recentemente aplicados em plantações próximas. Esses sintomas geralmente incluem sudorese, frequência cardíaca elevada e vômitos, além de náusea, dor de cabeça e tontura (HUMAN RIGHTS WATCH, 2018, p. 03).

Não só a intoxicação crônica, mas também a aguda é uma séria preocupação para saúde pública, como vimos anteriormente, a exposição repetida em doses baixas de agrotóxicos resulta problemas como a infertilidade, má formação fetal, câncer e inúmeras doenças que não sabemos qual a sua real extensão, uma vez que os efeitos de diferentes substâncias químicas são acumulados no organismo e efeitos ainda são desconhecidos.

Esse contato, do nascimento até a morte em pequenas exposições recorrentes, não importa quão leve seja, contribui para a ação progressiva de produtos em nosso corpo para o envenenamento cumulativo. Esse acúmulo de várias fontes diferentes cria uma exposição total que não pode ser medida. Diferentes agrotóxicos têm efeito cumulativo e podem levar vários anos de armazenagem no organismo, e o problema está nessa cumulação de produtos, pois a ANVISA, ao fazer a aprovação de um agrotóxico, leva em consideração apenas o efeito individual de cada substância e não em consideração a interação desse conjunto que pode produzir efeitos diferentes daqueles provocados de forma individual, desconhecendo assim o real alcance da sua toxidade.

O risco dessas comunidades aumenta ainda mais quando levamos em conta não só a atual exposição aos produtos aplicados, mas o que já foram aplicados anos atrás, uma vez que alguns desses produtos têm o poder de persistir por longos períodos naquele local.

O exemplo é o caso ocorrido em 2006, na cidade rural de Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso, exatamente a mesma cidade mencionada anteriormente no presente trabalho, onde realizaram estudos que apresentaram até 6 diferentes tipos de agrotóxicos presentes no leite materno de mães naquela cidade.

Isso porque a cidade foi tomada por uma nuvem de veneno, a nuvem se originou de uma pulverização aérea em uma plantação de soja vizinha da cidade que acabou atingindo pessoas, casas, escolas, plantas frutíferas, hortas. Não conseguiu saber ao certo a extensão desse desastre, mas a Revista Galileu publicou uma matéria sobre o assunto, como se observa abaixo:

Os alunos descrevem um cenário desolador. “Tinha crianças no chão coçando, vomitando, gente desmaiando, vários passando mal”, lembra Sara. Um dos pequenos, Isaque, coçou tanto a barriga que a deixou coberta de escoriações. Ao todo, 29 crianças e 8 professores foram levados até o hospital da cidade de Montividiu, a 57 quilômetros, a mais próxima dali. De acordo com o Ministério Público, contando com os casos não levados ao hospital imediatamente, foram 92 intoxicações (18 adultos e 74 crianças e adolescentes). Também houve casos de alunos que, atingidos, não tiveram problema. Na volta às aulas, uma semana depois, a substância ainda estava no ambiente. “Todos os dias tinha criança passando mal e sendo levada pro hospital”, afirma Hugo. “Essa substância fica até 100 dias; as crianças provavelmente estavam se reintoxicando ao voltar para a escola”, diz a médica e pesquisadora da Fiocruz, Lia Giraldo, parte de uma comissão de especialistas que visitou o colégio no final de junho. Após a visita, as aulas foram suspensas até que uma desinfecção apropriada ocorresse, já em julho, férias escolares.

Três meses depois, Talya, Vanessa, Renata e outras crianças voltam quase toda a semana aos médicos se queixando de mal-estar. Vanessa foi internada 3 vezes. Renata coleciona remédios diferentes a cada consulta. “Temos 12 crianças que ainda passam mal com frequência”, diz Hugo. “Há um temor que isso gere problemas de longo prazo.

Uma série de pesquisas que começou a ser divulgada em 2010 pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e pela Fiocruz é a responsável pelo alerta. Foram identificados agrotóxicos em amostras de chuva, no ar, na água consumida pela população, na urina de crianças e de professores e no leite materno de 62 nutrizes (20% de todas as mães de recém-nascidos, segundo os pesquisadores). Também havia traços de agrotóxicos em sapos, e o índice de malformação nos anfíbios era superior ao da população de controle de outra cidade, onde não havia contaminação por agrotóxico (REVISTA GALILEU, [s.d.]).

Outro caso semelhante é o de Limoeiro do Norte, município localizado no Ceará, chamando atenção o alto número de internações por intoxicação de agrotóxicos, no período de 2004 a 2005, onde houve o aumento de 83% dos casos de intoxicação, passando de 604 para 1.106 casos no ano de 2005.

A médica e pesquisadora da Universidade Federal do Ceará, Dra. Raquel Rigotto reuniu diversos cientistas para estudar, durante 4 anos, as regiões que apresentavam maior número de casos de intoxicações no estado.

A pesquisa titulada de “Estudo epidemiológico da população da região do Baixo Jaguaribe/CE exposta à contaminação ambiental em área de uso de agrotóxicos” foi realizada pelo Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará e apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Ministério da Saúde.

Conforme matéria da Revista Galileu, o resultado foi assustador:

[...] os pesquisadores também constataram que a taxa de mortalidade por câncer nos municípios era 38% acima da verificada em outras 12 cidades da região que não usam agrotóxicos. Além disso, foram constatados traços de pesticidas na água que servia os trabalhadores. Alguns locais chegavam a concentrar 12 substâncias diferentes. Para os pesquisadores, mesmo que os níveis não ultrapassassem o limite máximo permitido, a ciência não permite afirmar que há segurança na exposição a múltiplos agroquímicos de uma vez (REVISTA GALILEU, [s.d.]).

Outro caso de comunidade exposta pelo Brasil, é a aldeia Guyraroka, como reporta a Human Rights Watchem uma entrevista realizada na comunidade indígena de Mato Grosso do Sul, em que a exposição da aldeia pela lavoura é muito grande, a ocupação das lavouras fica apenas a 50 metros da entrada da aldeia, atingindo de forma direta as pessoas que ali vivem.

A Human Rights Watch, entrevistou um total de 11 pessoas dessa aldeia, entre elas mulheres, homens e crianças Guarani Kaiowá, e foram relatados por eles diversas ocorrências de intoxicação aguda pela pulverização terrestre e aérea de agrotóxicos que vêm ocorrendo, ano após ano, e envenenando a aldeia, cada vez mais, em grande proporção.

Impressionantemente, em uma recente matéria, publicada em maio de 2019, há o relato de um caso de intoxicação de crianças e adolescentes da mesma comunidade indígena entrevistada pela HRW. A matéria disponibilizada pela“Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida”, que é um conjunto de organizações e pessoas que buscam combater os agrotóxicos, noticiou que quatro crianças e dois adolescentes da mesma comunidade indígena deram entrada no atendimento médico por intoxicação aguda por agrotóxicos.

Quatro crianças e dois adolescentes Guarani Kaiowá precisaram de atendimento médico, na semana passada, após intoxicação provocada pelo contato com calcário e agrotóxicos utilizados em área da Fazenda Remanso localizada a 50 metros da escola indígena de uma retomada que compõe a Terra Indígena Guyraroka, em Caarapó, no Mato Grosso do Sul. As crianças têm entre um e dois anos; os adolescentes, 17 e 18 anos.

As vítimas foram encaminhadas para o pronto-socorro do Hospital Municipal de Caarapó e se recuperam. As crianças e jovens apresentaram asma, tosse seca, falta de ar, vômito, dores no tórax, estômago e na cabeça. Seis cachorros também foram intoxicados, sendo o principal sintoma inchaço na barriga; dois não resistiram e morreram (CAMPANHA PERMANENTE CONTRA OS AGROTÓXICOS E PELA VIDA, 2019).

Outro caso semelhante e que fez parte da mesma pesquisa da HRW, foi o de uma comunidade quilombola, localizada no estado de Minas Gerais, a comunidade tem cerca de 60 pessoas, que residem em casas humildes e estão expostas a 20 metros de distância de uma grande plantação de cana de açúcar.

Foram entrevistadas 21 pessoas dessa vez, com relatos de intoxicação frequente. Quando os aviões pulverizam suas casas, interrompem as atividades de horta e também dificultado qualquer contato com o ambiente externo.

E casos semelhantes tem se tornado corriqueiros em zonas rurais de todo Brasil, em proporções cada vez maiores, como é o caso recorde de intoxicação no Estado do Paraná, que aconteceu no dia 07 de novembro de 2018 por uma pulverização no município de Espigão Alto do Iguaçu (centro oeste paranaense).

O caso foi relatado pela “Pública”, que é uma agência de jornalismo investigativo. A matéria reportada contabilizou um total de 96 pessoas intoxicadas, entre elas 52 crianças de uma escola rural que fica à margem de uma lavoura, onde o veneno estava sendo aplicado.

Quase cem pessoas foram intoxicadas no início de novembro no município de Espigão Alto do Iguaçu com PARAQUATE, um agrotóxico que está proibido na Europa desde 2007. O pequeno município, de 5 mil habitantes, fica no centro-oeste paranaense, 356 quilômetros da capital, Curitiba.

Trata-se do caso com mais vítimas na história recente do estado, responsável por 17% da produção nacional de grãos como soja e milho, numa área correspondente a pouco mais de 2% do território brasileiro. Dos 96 afetados, 52 são crianças, a maioria alunos de uma escola rural que funciona colada à área agrícola onde o veneno estava sendo aplicado.

Crianças e adultos que entraram em contato com a nuvem de PARAQUATE relataram sintomas como fortes dores de cabeça, estômago e barriga, tonturas e vômitos. Todos condizentes com os de intoxicação aguda pelo agrotóxico, segundo o pesquisador Luiz Cláudio Meirelles, especialista em agrotóxicos da Fiocruz e gerente-geral de Toxicologia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de 1999 e 2012. “Essas são reações bem típicas de intoxicação aguda por PARAQUATE, que também pode causar irritações de pele e lesões, principalmente na mucosa e na língua”, diz. (PÚBLICA – AGÊNCIA DE JORNALISMO INVESTIGATIVO, 2018).

O perigo da pulverização não se apresenta apenas no ar que é respirado e entra em contato com a pele, mas torna-se ainda mais grave com a penetração e absorção em todo meio ambiente e coisas, incluindo solo, águas, alimento, pequenas hortaliças e plantações dessas comunidades as quais geralmente são fonte de renda para essas pessoas.

O atual cenário brasileiro da contaminação da água tem gerado indignação entre especialistas e população, os dados são alarmantes e apresentam sérios riscos à saúde pública. É comum estudos demonstrarem uma contaminação hídrica em regiões rurais muito maiores do que comunidades urbanas que também não estão fora do alcance desses produtos.

Importante pesquisa que colabora para o assunto, é uma análise da contaminação por agrotóxicos em fontes de água de comunidades agrícolas no extremo sul da Bahia, ocorrido entre os anos de 2015 e 2016, a pesquisa e matéria foi publicada pela Revista REVINTER (Revista Intertox de Toxicologia).

Nesse estudo, as amostras de água foram coletadas de 36 poços, 11 cisternas, cinco rios, três nascentes e uma represa, totalizando 56 pontos no extremo sul da Bahia, sendo fontes diretas para o consumo humano. É importante ressaltar que todos estes pontos de coletas eram localizados em comunidades não atendidas pelo serviço de rede de abastecimento de água e esgoto.

O resultado das amostras coletadas apresentou níveis altíssimos de contaminação:

A análise das amostras de água apresentou níveis significativos de agrotóxicos apontados pelo método enzimático acetilcolinesterase. Das 56 (100%) amostras de água analisadas de diferentes fontes (poços; cisternas; rios; nascentes; represa), 39 (69,64%) encontravam-se acima do limite permitido por lei e apenas 17 (30,36%) apresentavam-se abaixo do estabelecido pela legislação.

Dos 36 (100%) poços analisados, 28 (77,8%) apresentaram contaminação por agrotóxico em suas águas e apenas oito (22,2%) não apresentaram contaminação. Das 11 (100%) cisternas, seis (54,5%) estavam contaminadas e cinco (45,5%) sem contaminação. Dos cinco (100%) rios analisados, dois (40%) estavam contaminados e três (60%) sem contaminação. Em todas as três (100%) nascentes analisadas apresentaram contaminação por agrotóxico, enquanto que na única represa analisada não houve contaminação (REVISTA REVINTER, 2017).

A Portaria do Ministério da Saúde Nº 2.914, de 12 de dezembro de 2011, estabelece limites toleráveis de substâncias químicas que podem estar presentes na água. A portaria dispõe, ainda, sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade (BRASIL, 2011).

Ao deparar com tal informação, veio a inquietude reflexiva sobre o fato de que o ser humano, ao estar exposto por diversas fontes, tem capacidade de ter um acúmulo de produtos químicos no organismo, criando uma exposição total que não pode ser medida.

Sendo assim, não há o que se falar em um limite tolerável ou segurança em quantidade específica segura de qualquer quantidade específica de resíduo de agrotóxico que possa estar presente na água, no alimento e no ar.

Não há dúvidas que o uso indiscriminado de agrotóxicos é um gerador de injustiça ambiental enorme nas comunidades rurais. O Brasil tem sido muito falho e negligente no que diz respeito à proteção dessas comunidades e meio ambiente. Há uma carência legislativa proposital em regulamentar estes assuntos, como veremos em seguida, no terceiro capítulo. Fora que, em relação às poucas normas existentes, os fazendeiros desrespeitam a proibição de pulverizar nesses espaços.

Grande exemplo dessa carência legislativa no Brasil é termos apenas um regulamento, que é uma Instrução Normativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), N. 02, de 03 de janeiro de 2008, que trata sobre a distância mínima de 500 metros para pulverização aérea, conforme determina o art. 10º, inciso I, a, in verbis:

Art. 10. Para o efeito de segurança operacional, a aplicação aeroagrícola fica restrita à área a ser tratada, observando as seguintes regras:

I - não é permitida a aplicação aérea de agrotóxicos em áreas situadas a uma distância mínima de:

a) quinhentos metros de povoações, cidades, vilas, bairros, de mananciais de captação de água para abastecimento de população;

b) duzentos e cinquenta metros de mananciais de água, moradias isoladas e agrupamentos de animais;

II - nas aplicações realizadas próximas às culturas susceptíveis, os danos serão de inteira responsabilidade da empresa aplicadora;

III - no caso da aplicação aérea de fertilizantes e sementes, em áreas situadas à distância inferior a quinhentos metros de moradias, o aplicador fica obrigado a comunicar previamente aos moradores da área;

IV - não é permitida a aplicação aérea de fertilizantes e sementes, em mistura com agrotóxicos, em áreas situadas nas distâncias previstas no inciso I, deste artigo;

V - as aeronaves agrícolas, que contenham produtos químicos, ficam proibidas de sobrevoar as áreas povoadas, moradias e os agrupamentos humanos, ressalvados os casos de controle de vetores, observadas as normas legais pertinentes (BRASIL/MAPA, 2008).

Devido à falta de fiscalização pelos órgãos, os fazendeiros desrespeitam a maioria das regras e acabam pulverizando florestas, rios, córregos, solo, casas, escolas, pessoas, pequenas produções rurais vizinhas, contaminando toda fonte de água, renda e alimentação desses moradores rurais.

Com base em dados coletados desde 2007, do Ministério da Saúde, cerca de 26 mil pessoas tiveram intoxicação por agrotóxicos confirmada pelos médicos, conforme um levantamento feito pela “Pública” – Agência de Jornalismo Investigativo.

Segundo os registros, na maior parte dos casos o paciente foi curado. Mas há centenas de casos de mortes: 1.824 pessoas morreram devido à intoxicação e outras 718 pessoas permaneceram com sequelas, como insuficiência respiratória, problemas nos rins ou lesões no fígado.

O levantamento foi feito com base em registros de 2007 a 2017 no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde. Os dados revelam também uma grande quantidade de tentativas de suicídio por agrotóxicos e milhares de envenenamentos no ambiente de trabalho (PÚBLICA – AGÊNCIA DE JORNALISMO INVESTIGATIVO, 2018).

Fixar tolerância e impor quantidades seguras para a população de ingerir agrotóxicos, a nosso ver, é autorizar a contaminação das águas e alimentos consumidos com substâncias venenosas a fim de que o agricultor e a indústria de agroquímicos possam adquirir uma produção mais lucrativa.

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Sobre o autor
Saulo Seregatte

Advogado Tributarista Bacharel em Direito pela UNDB Especialista em Direito Tributário pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SEREGATTE, Saulo. O uso de agrotóxicos: uma análise da injustiça ambiental brasileira e o impacto provocado nas comunidades rurais em decorrência da sua dispersão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6922, 14 jun. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/84542. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito do Centro Universitário de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito. Orientador (a): Prof.ª Ma. Mari Silva Maia da Silva

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