Lei Geral de Proteção de Dados e Diálogo das Fontes - 3) Código Civil

10/08/2020 às 20:34
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O artigo prossegue no exame das relações da Lei Geral de Proteção de Dados com outros atos normativos no país que também tratam da proteção de dados, ao tratar do Código Civil.

Na sequência de textos sobre relações da Lei Geral de Proteção de Dados com outros atos normativos no país que também tratam da proteção de dados, após a análise da Constituição (clique aqui) e do Código de Defesa do Consumidor (clique aqui), passa-se ao Código Civil.

Apesar de não ser, no aspecto temporal, a primeira norma analisada nas interações da LGPD com outras leis de Direito Privado na proteção dos dados pessoais (porque o CDC regulou anteriormente a matéria, na tutela dos consumidores), o Código Civil é a norma geral das relações jurídicas privadas no país.

Portanto, nas relações jurídicas entre pessoas naturais e pessoas jurídicas de direito privado acerca da proteção de dados pessoais, em primeiro lugar deve ser avaliada a aplicação conjunta da LGPD com o Código Civil. Na sequência, caso se trate de relação de consumo, passa-se ao exame das normas do Código de Defesa do Consumidor incidentes ao caso.

O Código Civil (Lei nº 10.406/2002) é a norma básica e geral das relações jurídicas privadas no país, o que significa que é a lei que rege a vida das pessoas naturais e das pessoas jurídicas de direito privado, do nascimento até a morte. Especificamente para as pessoas naturais (titulares dos dados pessoais), a maior parte dos direitos e obrigações que tiver ao longo de sua vida será regulada por pelo menos um dispositivo do Código Civil.

Por isso, as suas normas também devem ser utilizadas na regulação da obtenção e do tratamento de dados pessoais, em conjunto com a Lei Geral de Proteção de Dados.

As normas relativas à proteção de dados no Código Civil são as seguintes:

1) Proteção do direito da personalidade (art. 12 do Código Civil): a regulação geral dos direitos de personalidade pelos arts. 11/21 do Código Civil possui como fundamentos a intransmissibilidade e irrenunciabilidade pelos titulares, logo, a menos que exista autorização expressa em lei, os titulares não podem, de modo voluntária, renunciar ou transferir os seus direitos de personalidade (que são aqueles relacionados a aspectos constitutivos da identidade, como o nome, o corpo, a imagem, entre outros). De forma específica, o art. 12 do Código Civil protege o titular dos dados pessoais contra atividades de tratamento que violem qualquer direito de personalidade, ao conferir a ele os direitos de “(...) exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”. A LGPD tem entre seus objetivos e fundamentos o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural (arts. 1º e 2º, VII) e protege a personalidade no direito de revisão das decisões automatizadas (art. 20);

2) Proteção da imagem e de representações da pessoa (art. 20 do Código Civil): o dispositivo tutela a imagem e outras formas de representação da pessoa natural (como, por exemplo, a voz e a escrita), que não podem ser publicadas, expostas ou, de qualquer forma, utilizadas, sem o consentimento prévio do titular. Na LGPD, o consentimento é a autorização do titular para a realização do tratamento de dados pelo controlador, e deve ser livre, expresso (manifestação positiva da vontade do titular), inequívoco, por escrito, revogável (revogabilidade do consentimento), de finalidade específica e limitada (art. 5º, II, da LGPD). Ainda, o consentimento não deve ser condicionado à assinatura de um contrato.

3) Proteção da vida privada (art. 21 do Código Civil): o dispositivo restringe de forma ampla o tratamento de dados, para tutelar a privacidade do titular. Tem fundamento constitucional na cláusula geral de privacidade (art. 5º, X e XII, da Constituição), que protege a vida privada, a honra, a imagem e a inviolabilidade de dados das pessoas naturais, além de assegurar o direito à indenização pelo danos materiais ou morais decorrentes da violação desses direitos. Recorda-se que estão entre os fundamentos da Lei Geral de Proteção de Dados a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem (art. 2º, IV, da LGPD) e os direitos do titular têm sua base principal nos direitos fundamentais de liberdade, de intimidade e de privacidade (arts. 1º e 17 da LGPD);

4) Liberdade contratual, exercida nos limites de sua função social (art. 421 do Código Civil): a regra, ao mesmo tempo, assegura e limita a autonomia da vontade na contratação. É um fundamento para o desempenho da atividade empresarial de captação e tratamento de dados, bem como da possibilidade de contratação do tratamento de dados com os seus titulares, observadas as funções sociais, ligadas especialmente à proteção dos direitos da personalidade;

5) Boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil): a observância de um padrão legal e moral de conduta nas relações contratuais também se aplica à proteção dos direitos da personalidade. O princípio da boa-fé objetiva deve ser observado desde a negociação das cláusulas contratuais de captação e tratamento de dados, durante a execução contratual e até o período pós-contratual (por exemplo, durante o período de guarda legal dos dados, para a preservação dos direitos, a realização de auditoria, entre outros fins);

6) Responsabilidade civil objetiva (art. 927, parágrafo único, do Código Civil): a responsabilidade civil do tratador de dados é definida pelo risco da atividade, ou seja, é objetiva. Da mesma forma que no Código de Defesa do Consumidor (arts. 12, 14 e 25, § 1º, do CDC), as pessoas envolvidas na cadeia da prestação de serviços de tratamento de dados podem ser responsabilizados, de forma objetiva e solidária, pelos incidentes ocorridos e os danos causados aos consumidores titulares de dados. Há regras semelhantes para a responsabilização do controlador e do operador no exercício de atividade de tratamento de dados pessoais (art. 42 da LGPD), com hipóteses específicas de excludentes da responsabilidade (art. 43 da LGPD).

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Em resumo, no que importa à proteção de dados pessoais, as normas do Código Civil conferem uma tutela genérica ao direito de personalidade, estabelecem os princípios fundamentais das relações privadas (especialmente a boa-fé objetiva e os limites da função social da liberdade contratual), da proteção da vida privada e de sua imagem, além das regras para a reparação civil nos incidentes com dados pessoais (vazamentos e outras situações).

Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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