Atuação das Guardas Municipais no trânsito em Municípios com autarquia municipal

10/08/2020 às 22:12
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O artigo objetiva analisar a atuação das guardas municipais no trânsito em municípios com autarquia municipal e qual o seu papel na segurança pública a partir da Constituição Federal de 1988. As guardas municipais podem desempenhar o papel de fiscalizador do trânsito na esfera municipal?

Resumo: O artigo objetiva analisar a atuação das guardas municipais no trânsito em municípios com autarquia municipal. Realizou-se uma revisão bibliográfica considerando as contribuições de autores como: MOTTA FILHO (2006); MORAES (2013) e TEZA (2011), entre outros, procurando enfatizar pontos importantes sobre as guardas municipais como suas atribuições, elencadas no art. 144, § 8º, da Constituição Federal de 1988. Concluiu-se que, a atuação no trânsito de veículos por parte da guarda municipal é ainda limitada, pois, para certas infrações (de competência estadual) o município não é legítimo para autuar, fiscalizar e/ou punir, salvo se este for integrante do Sistema Nacional de Trânsito e conveniado com o governo estadual. Entretanto, mediante jurisprudência do STF (RE 658.570/MG), vem se entendendo a legitimidade das guardas municipais para agir com poder de polícia em infrações de trânsito de competência do Estado quando a autuação da infração é pertinente ao objetivo de sua existência, ou seja, resguardar bens, instalações ou serviços do Município. É o que também preceitua o Código Brasileiro de Trânsito (Lei n.º 9.503, de 23 de setembro de 1997), e o Artigo 5º, Inciso VI, da Lei 13.022/2014 sobre a fiscalização no trânsito municipal e os convênios.

Palavras-chave: Guarda Municipal. Poder de Polícia. Trânsito de Veículos.


Introdução

O presente artigo tem como tema a atuação das guardas municipais no trânsito em municípios com autarquia municipal e qual o seu papel na segurança pública a partir da Constituição Federal de 1988.

Em resposta ao clamor popular por mais segurança, independentemente do meio pela qual ela seja proporcionada, autoridades municipais, com o propósito de complementar o efetivo policial disponibilizado pelo Estado, optam pela criação da Guarda Municipal como instituição auxiliar no combate à violência junto às polícias estaduais – Polícia Militar e Polícia Civil.

A sociedade, carente de atenção e querendo ver sua reivindicação atendida pelas autoridades competentes, de modo geral, apoia a criação da Guarda Municipal com a certeza de que os problemas relativos à Segurança Pública serão solucionados.

Dentre os problemas de segurança encontra-se a questão do trânsito, que em muitos municípios brasileiro é carente de fiscalização.

Conforme e Machado (2010), a evolução do trânsito no Brasil e o aumento exacerbado do número de veículos no país trazem como consequência os inúmeros acidentes de trânsito, muitos deles resultando em mortes.

Percebe-se que as causas não estão apenas ligadas a essa evolução, mas também a irresponsabilidade e imprudência dos que compõem o trânsito, onde se verifica que a maioria dos acidentes é causada por uma ação ou omissão do condutor.

Questiona-se: as guardas municipais podem desempenhar o papel de fiscalizador do trânsito na esfera municipal?

Mediante tal problemática, Teza (2011) explica que a resposta deve levar em conta o que dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil, a qual estabelece que compete às guardas municipais o objetivo de proteção dos bens, instalações e serviços municipais.

Neste contexto, o objetivo primordial deste artigo é analisar a atuação das guardas municipais no trânsito em municípios com autarquia municipal. Possibilitará compreender pontos importantes sobre as guardas municipais como suas atribuições, elencadas no art. 144, § 8º, da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988).

A metodologia utilizada fundamenta-se em uma revisão bibliográfica realizada a partir das seguintes fontes: livros, artigos publicados em repositórios acadêmicos e legislação pertinente. Dentre os teóricos utilizados neste artigo, destacam-se: Carvalho (2005); Lazzarini (1999); Moraes (2013); Motta Filho (2006); Ramos (2010), Rizzardo (2013) e Teza (2011).


Desenvolvimento

Consoante os estudiosos da área, o histórico da criação das guardas municipais no Brasil remonta os anos de 1531, quando o Rei de Portugal, Dom João III, enviou uma carta ao Governador Geral Martin Afonso de Souza, estabelecendo as primeiras diretrizes relativas à ordem pública e a realização da justiça no território nacional. (CARVALHO, 2005).

Com o passar dos anos, o governo percebeu a necessidade de criação de normas mais rigorosas, que estabelecessem um corpo policial rígido e uma Justiça que realmente fosse justa.

A partir de 1550, foram criados os Livros das Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, os quais disciplinaram as formas dos crimes e as penas, como seria o processo de apuração dos crimes entre outros detalhes. (CARVALHO, 2005).

Com tais dispositivos, então, foi possível colocar em prática um sistema de repressão contra os possíveis invasores das zonas já povoadas.

Conforme Ramos (2010), em um dos Livros das Ordenações Filipinas estava prevista a criação do primeiro “corpo policial”, os denominados Quadrilheiros.

Esses “policiais” eram moradores dos próprios vilarejos, os quais prestavam seus serviços gratuitamente durante o período de três anos, momento em que eram substituídos por outros moradores.

Durante o transcorrer dos anos, os Quadrilheiros foram progressivamente extintos, sendo substituídos pelos Corpos de Milícias, Serviços de Ordenanças e Guardas Municipais.

Ainda conforme o autor supracitado, em 1809, logo após a chegada da Corte Portuguesa no Brasil, foi criado um decreto que instituía a Divisão Militar da Guarda Real no Rio de Janeiro e, em razão da necessidade da criação de uma instituição com caráter policial, o Príncipe Regente, no mesmo ato, homologou a criação das Guardas Municipais Permanentes.

Carvalho (2005) explica que em 1831 a Guarda Real, pela segunda vez, se insurgiu contra a regência, tendo sido, então, extinta através de decreto imperial.

No mesmo ano, as Guardas Municipais Permanentes foram divididas, surgindo as Esquadras, as quais foram reorganizadas nos seus respectivos Distritos de Paz.

Ainda, no ano de 1831, em 18 de agosto, logo após Dom Pedro II assumir o trono, foi editada a lei que cria a Guarda Nacional, sendo então extintas as Guardas Municipais Permanentes no Brasil.

Ainda conforme Carvalho (2005), com o objetivo de que a ordem pública fosse mantida no território nacional, em outubro do mesmo ano, 1831, o então Regente Feijó reorganizou as Guardas Municipais Permanentes, só que agora com a denominação de Corpos de Guardas Municipais Voluntários.

No ano de 1842, onze anos após a criação dos Corpos de Guardas Municipais Voluntários, o governou criou o Regulamento Geral nº 191, o qual tinha o fito de padronizar a atuação, as patentes e os uniformes de tais Corpos. (RAMOS, 2010).

Mesmo após a Proclamação da República e a alteração do governo em 1895, os Corpos de Guardas Municipais Voluntários permaneceram com suas atividades nos respectivos municípios. (RAMOS, 2010).

Já no século XX, enquanto os Corpos de Guardas Municipais Voluntários mantinham suas atividades, o município de Curitiba, em 1911, através do Decreto Estadual nº 262, foi um dos primeiros a ampliar os poderes da Guarda Municipal.

O referido Decreto Estadual instituiu a Guarda Civil do Paraná, a qual ficou como auxiliar da Polícia Militar para a preservação da ordem pública. (RAMOS, 2010).

Em 1932, com a Revolução Constitucionalista, o governo do Brasil necessitou incorporar o efetivo das guardas municipais às tropas do Exército Brasileiro; ficando, dessa forma, os agentes municipais servindo como força auxiliar para a defesa do País. (CARVALHO, 2005).

Com a instituição do Estado Novo, em 1936, a autonomia dos estados e municípios foi sendo ceifada gradativamente pelo governo.

As forças de contenção popular foram sendo sufocadas, tornando-as inúteis e onerosas, ao passo que as Forças Armadas, em especial o Exército Brasileiro, foi tomando espaço. (CARVALHO, 2005).

Em 1969, com a edição do Decreto nº 667 e Decreto nº 1.070, os municípios foram obrigados, por disposição legal, a retirar suas guardas municipais do serviço de segurança pública.

Com essa mudança de atividade, alguns municípios adaptaram novas funções para seus agentes municipais, como, por exemplo, a função de zelar somente pelo patrimônio municipal.

Ainda, alguns municípios alteraram a nomenclatura de suas guardas municipais, passando a chamá-las de Guarda Civil Metropolitana. (RAMOS, 2010).

Passado o período do Regime Militar, após alguns anos, as grandes cidades e as metrópoles brasileiras começaram a perceber o crescimento da criminalidade e, por consequência, a sensação de insegurança se instalava no seio da sociedade.

Diante desse panorama, os gestores municipais perceberam a necessidade do retorno das guardas municipais para auxiliar na segurança de seus munícipes. (RAMOS, 2010).

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o legislador, no artigo 144, § 8º (BRASIL, 1988), facultou aos municípios a criação da Guarda Municipal.

Conforme Moraes (2013) o Município é resguardado pela natureza de pessoa jurídica de direito público, com autonomia política, uma vez que detém autoadministração, exposta pela capacidade de exercício de suas competências administrativas, legislativas e tributárias (arts. 23, 24, 30, 144 § 8º, 145, inc. I a III, e 156), autogoverno, exteriorizado pela capacidade de organização dos Poderes Legislativo e Executivo (art. 29, inc. I), e auto-organização, externada pela capacidade de elaboração da sua Lei Orgânica (art. 29, caput), conforme Constituição Federal de 1988.

Ademais, Motta Filho (2006, p. 242), no mesmo sentido, afirma que o “Município é o senhor das matérias de interesse local, ou seja, aquelas em que o interesse seja predominantemente do Município, entre as quais podemos citar a educação primária, o trânsito urbano etc.” Outrossim, os Municípios são fortalecidos pela competência concorrente para legislar sobre matérias específicas, elencadas no art. 23. e incisos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Diante disso, ressalta-se a conclusão de Motta Filho (2006) onde afirma que as guardas municipais (art. 144, § 8º da CRFB/88) não podem substituir o trabalho próprio das polícias militares e/ou civis (art. 144, §§ 4º e 5º da CRFB/88), limitando-se à atividade de polícia administrativa, zelando pela proteção de bens, serviços e instalações.

O autor continua aduzindo que: “Viola a Constituição a política, no mais das vezes eleitoreira, de fazer das guardas municipais órgãos de polícia de segurança ou de investigação criminal” (MOTTA FILHO, 2006, p. 243).

Em relação a competência constitucional das guardas municipais depreende-se que no Estado Constitucional e Democrático vigente no País, cada agente possuidor de função pública possui sua competência fixada pelo legislador, devendo cada um se ater à forma e ao momento do exercício das atribuições do cargo, sob pena de eivar o ato de ilegalidade.

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Da literalidade da norma constitucional parágrafo 8º do artigo 144 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), verifica-se que as guardas municipais têm por escopo, especificamente, a proteção dos bens, serviços e instalações municipais, consoante disposição da lei municipal que a constituirá.

Visto isso, importante verificar o que vem a ser a proteção dos bens, serviço e instalações municipais para então entender a competência constitucional das guardas municipais.

Sobre os bens a serem protegidos pelos entes municipais, tem-se, da inteligência do dispositivo legal, que se trata dos bens públicos.

A partir daí, busca-se no Código Civil brasileiro, Lei nº 10.406/02, o entendimento do que são bens públicos:

Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.

Art. 99. São bens públicos:

I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.

Assim, a proteção dos bens e instalações consiste em oferecer proteção a esse patrimônio municipal.

Neste sentido, estando as guardas municipais legitimadas a atuar com o fito de dirimir danos aos bens e instalações públicas municipais, cita-se como exemplo de atuação dos entes municipais a coibição da depredação dos prédios públicos municipais realizada por vândalos.

Da mesma forma que os bens municipais, quando o constituinte de 1988 tratou dos serviços municipais no parágrafo 8º do artigo 144, referiu-se aos serviços públicos municipais.

Pietro (2007, p. 63), definiu serviço público como sendo: “[...] toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público”.

Assim, as guardas municipais têm como uma das competências constitucional a proteção dos serviços públicos (art. 4º, Lei nº 13.022, de 8 de Agosto de 2014) (BRASIL, 2014).

Isso não significa que tais entes municipais executarão os serviços públicos municipais, mas sim que assegurarão as condições necessárias para que o Município possa ofertá-los aos munícipes através dos servidores encarregados de prestá-los, garantindo a segurança dos locais contra atividades tendentes a impedi-los.

Da mesma forma, cabe às guardas municipais, ainda no que tange a competência de proteção dos serviços, oferecer assistência aos servidores municipais responsáveis por prestá-los contra eventuais ações que visem a impedir a prestação do serviço ou atuação do servidor.

Entende-se, então, que as guardas municipais estão legitimadas a atuar de forma a que os municípios prestem seus serviços.

Importante registrar que os municípios não só têm o dever, mas também o direito de prestar serviços aos munícipes e cabe às guardas municipais tomar as medidas cabíveis a fim de preservar esse direito (LAZZARINI, 1999) Ademais, ainda sem extrapolar os preceitos constitucionais e legais, poderão os agentes das guardas municipais, assim como qualquer do povo, prenderem aquele que se encontre em flagrante delito, consoante disposto no artigo 301 do Código de Processo Penal, Decreto-Lei nº 3.689/41:

“Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito” (BRASIL, 1941)

Sobre tal situação, Teza (2011, p. 26) afirma: O Guarda Municipal é o vigilante municipal que vigia e protege uma edificação ou um prédio municipal, limitado à área de circunscrição da municipalidade, agindo como “qualquer do povo” quando deparado com um flagrante de crime ou contravenção penal, diante do que prescreve o Código de Processo Penal.

Considerando todo o exposto, verifica-se que a competência das guardas municipais foi especificada na CRFB/88, no parágrafo 8º, do artigo 144, não havendo margens para entendimentos distintos daquilo que foi delimitado na Carta Magna.

Tratemos agora das guardas municipais e o trânsito.

Teza (2011, p. 27) entende que “as Guardas Municipais de Trânsito, ou agentes (fiscais) de trânsito, em nada tem a ver com as atribuições prescritas na Constituição Federal de 1988”.

Teza (2001) entende que a fiscalização do trânsito atribuída ao Município foi inserida pela Lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), mas não exige necessariamente a criação de Guardas Municipais ou agentes de trânsito, pois, o Código de Trânsito Brasileiro -CTB deu ao Município o poder de fiscalização, caso o Município desejar, pois não é obrigatório, e ainda somente sobre as infrações de parada e circulação de veículos, estacionamento, bem como a operação do trânsito, mas no sentido somente de fiscalizar.

Nesse sentido, retira-se o texto do artigo 23, caput e inciso III do Código de Trânsito Brasileiro:

Art. 23. Compete às Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal: III - executar a fiscalização de trânsito, quando e conforme convênio firmado, como agente do órgão ou entidade executivos de trânsito ou executivos rodoviários, concomitantemente com os demais agentes credenciados (BRASIL, 1997)

Ademais, Rizzardo (2013, p. 127) ensina que “as polícias militares desempenham funções ligadas ao trânsito, e continuarão a desempenhar até se organizarem e implantarem novos organismos ou mecanismos de controle”.

Adiante, Rizzardo ensina (2013, p. 129), que: Pode-se afirmar que, na prática, a Polícia Militar é quem realmente fiscaliza e exige o cumprimento das leis e normas de trânsito, já que raramente há outros órgãos apropriados para o desempenho de tal atividade.

Todavia, com o vigente sistema, não mais fica restrito às polícias militares a matéria acima, tanto que o art. 25 aponta para a delegação das atividades e a celebração de convênios.

De modo que se abre o caminho para a criação de novos organismos para atuar no setor.

[...] No inc. III está o poder de fiscalizar, segundo convênios ou delegações de órgãos superiores, executando atividades que seriam da competência de outros departamentos.

Verificando as infrações de competência de fiscalização do Estado e do Município relacionadas na Resolução n. 66. do CONTRAN, o Teza (2011) constata que não pode ser delegada ao Município infrações de competência do Estado, pois seus fiscais não são policiais e, sendo assim, não possuem poder de polícia para realizar as ações de policiamento necessárias à fiscalização, pois as infrações reservadas ao Estado, dizem respeito às relacionadas ao condutor e ao veículo.

Pensamento distinto possui o ministro Marco Aurélio que, ao julgar o RE 658.570/MG em ação direta de inconstitucionalidade (ADI) ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais em face do Município de Belo Horizonte tendo por objeto declarar inconstitucional invalido o inciso VI do artigo 5º da Lei nº 9.319/07 e do Decreto nº 12.615/07, ambos do Município de Belo Horizonte que previa e destinava a guarda municipal a função de fiscalizar e atuar no trânsito da cidade.

Nesta oportunidade o ministro votou:

[...] Ante o quadro, dou parcial provimento ao extraordinário para julgar procedente em parte o pedido formalizado na ação direta e dar interpretação conforme aos dispositivos impugnados, de maneira a restringir a atribuição da guarda municipal para exercer a fiscalização e o controle do trânsito aos casos em que existir conexão entre a atividade a ser desempenhada e a proteção de bens, serviços e equipamentos municipais, respeitando-se os limites das competências municipais versados na legislação federal.

Proponho a seguinte tese para efeito de repercussão geral: é constitucional a lei local que confira à guarda municipal a atribuição de fiscalizar e controlar o trânsito, com a possibilidade de imposição de multas, desde que observada a finalidade constitucional da instituição de proteger bens, serviços e equipamentos públicos (artigo 144, § 8º, da Carta de 1988) e limites da competência municipal em matéria de trânsito, estabelecidos pela legislação federal (artigo 22, inciso XI, da Constituição Federal)[...].(BRASIL, Supremo Tribunal Federal - Acordão publicado no Dje de 30.9.2015) (grifo nosso).

Entretanto, como mencionado anteriormente, há possibilidade da existência de um convênio entre o Estado e Município, conforme prevê o art. 25. do Código de Trânsito Brasileiro (BRASIL, 1997).

Assim, Araújo (2014, p. 1) afirma que “o convênio permite, portanto, que a fiscalização originariamente dividida seja exercida integralmente pelos órgãos conveniados”, podendo então, o Município agir em infrações de competência estadual.

Destaque-se o art. 5º, inciso VI, da Lei nº 13.022/2014, em que submete as questões relacionadas ao trânsito municipal ao Código de Trânsito Brasileiro ou a convênios celebrados entre o Estado e o Município: VI - exercer as competências de trânsito que lhes forem conferidas, nas vias e logradouros municipais, nos termos da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), ou de forma concorrente, mediante convênio celebrado com órgão de trânsito estadual ou municipal (BRASIL, 2014).

Por fim, Teza (2011) aduz, no que diz respeito especificamente ao Município poder firmar convênio com a Polícia Militar para fiscalização do trânsito, que é necessário que o Município, antes de tudo, faça parte do Sistema Nacional de Trânsito, preenchendo todos os requisitos que o CTB exige no art. 24, § 2º.

Não havendo convênio por falta de cumprimento de requisito legal, o Município não integrará o Sistema Nacional de Trânsito e, portanto, as atribuições que antes eram de responsabilidade de municipal recaem sobre o ente estatal, sendo o Município o órgão delegante na celebração de convênios.

Adentrando nos limites de competência das guardas municipais, como já visto na presente pesquisa, a constituinte de 1988 facultou ao município a criação das guardas municipais, ficando elas destinadas à proteção dos bens, serviços e instalações municipais.

Por não estarem previstas no caput do artigo 144, da Constituição Federal de 1988, mas sim no parágrafo 8º do referido dispositivo legal, as guardas municipais não fazem parte do sistema formal de Segurança Pública.

Nesse sentindo, não estando inseridas entre os órgãos do sistema de Segurança Pública, as guardas municipais não são consideradas polícias municipais, assim como não possuem as competências e o poder de polícia das polícias. (GUEDES, 2009) Lazzarini (1999, p. 116) ensina que “[...] o entendimento dos juristas pátrios é cristalino, não pairando dúvidas de que elas não podem ser consideradas polícia municipal e, portanto, não se destinam prioritariamente à proteção de pessoas [...]”.

Guedes (2009), no mesmo sentindo, afirma que em momento algum a CRFB/88 elencou as guardas municipais como órgão de segurança pública, portanto, impossível a concepção de uma polícia municipal nos mesmos moldes da Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Federal ou Polícia Rodoviária Federal.

A fim de afastar qualquer dúvida atinente a esta questão, o texto constitucional é taxativo ao facultar a criação das guardas municipais, que, necessariamente, têm como única atribuição a proteção dos bens, dos serviços e das instalações do município, nos limites impostos pela lei, consoante dispõe o artigo 144, parágrafo 8º, da Carta Política.

Sobre os limites de atuação das guardas municipais, Moraes (2013, p. 654) também apresentou seu entendimento, que segue o mesmo viés dos demais estudiosos: [...] a Constituição Federal concedeu aos Municípios a faculdade, por meio do exercício de suas competências legislativas, de constituição de guardas municipais, sem, contudo, reconhecer-lhes a possibilidade de exercício de polícia ostensiva ou judiciária.

Todavia, muitos administradores públicos têm ampliado através de normas infraconstitucionais o campo de atribuições das guardas municipais para além das competências fixadas pelo poder constituinte, fazendo surgir discussões e incompatibilidade com a Carta Maior.

Sendo assim, infere-se que as guardas municipais não são consideradas polícias municipais, não havendo argumentos que legitimem a atuação de tais entes municipais na realização de ações de polícia.

No que diz respeito à atuação das guardas municipais no trânsito, Teza (2011, p. 28) é enfático ao afirmar:

“O fiscal ou agente de trânsito não pode realizar as popularmente conhecidas 'blitz', operações de trânsito, etc; estas são ações de policiamento (ação exclusiva da Polícia Militar [...], que ensejam a inspeção do condutor e do veículo”.


Conclusão

Diante do problema a ser respondido, se a Guarda Municipal pode desempenhar o papel de fiscalizador do trânsito na esfera municipal, chegou-se as seguintes conclusões: Quanto a sua atuação no trânsito de veículos, observa-se uma faculdade do município, e ainda, limitada.

Como visto, para certas infrações (de competência estadual) o município não é legítimo para autuar, fiscalizar e/ou punir, salvo se este for integrante do Sistema Nacional de Trânsito e conveniado com o governo estadual.

Portanto, o município é legítimo de fiscalizar e vigiar o trânsito na finalidade de flagrar um ato prescrito como infração de trânsito, ou seja, somente sobre as infrações de estacionamento, parada e circulação de veículos.

Entretanto, mediante jurisprudência do STF (RE 658.570/MG), vem se entendendo a legitimidade das guardas municipais para agir com poder de polícia em infrações de trânsito de competência do Estado quando a autuação da infração é pertinente ao objetivo de sua existência, ou seja, resguardar bens, instalações ou serviços do Município.

Diante disso, constatou-se com o presente artigo que, a Guarda Municipal somente deverá adquirir funções no trânsito, limitando-se a infrações de competência municipal ou a infrações que forem pertinentes com a finalidade da guarda municipal, salvo existência de convênio com o Estado.

É o que também preceitua o Código Brasileiro de Trânsito (Lei n.º 9.503, de 23 de setembro de 1997) e o Artigo 5º, Inciso VI, da Lei 13.022/2014 (que trata da competência das Guardas Municipais).


REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Julyver Modesto de. Art. 25. - Convênios entre órgãos de trânsito. São Paulo, 10 out. 2014. Disponível em: <https://www.ctbdigital.com.br/artigo-comentarista/385> Acesso em: 14 mar. 2018.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 658.570/MG. Relator: Ministro Marco Aurélio. Publicado no Dje de 30.9.2015.

CARVALHO, Cláudio Frederico de. O que você precisa saber sobre guarda municipal e nunca teve a quem perguntar. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2005.

GUEDES, Alexandre David de Souza. A problemática da interferência das guardas municipais no poder de polícia da polícia militar. São Paulo: Academia de Polícia Militar do Barro Branco, 2009.

LAZZARINI. Estudos de direitos administrativos. Sistematização Rui Stoco. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

MORAES, Guilherme Peña de. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

MOTTA FILHO, Sylvio Clemente da. Direito constitucional: teoria, jurisprudência e 1.000 questões. 18. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.

PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

RAMOS, Luciano. Guarda municipal e o poder de polícia. Vacaria: Universidade de Caxias do Sul, 2010.

RIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

TEZA, Marlon Jorge. Temas de polícia militar: novas atitudes de polícia ostensiva na ordem pública. Florianópolis: Darwin, 2011.

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Artigo Científico apresentado à Universidade Candido Mendes - UCAM, em 2018, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Direito Constitucional.

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