Visão constitucional dos modelos de famílias

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14/08/2020 às 09:08
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7 CONCLUSÃO

A possibilidade de reconhecimento de outras entidades familiares não previstas no texto constitucional (art. 226 da CF) gera bastante discussão, todavia a tendência atual é não mais sustentar a taxatividade do rol, mas admitir alguns dos novos arranjos familiares (união homoafetiva, anaparentalidade e socioafetividade) e inseri-los no Direito de Família. É notável o papel que tem a família para o desenvolvimento da dignidade de seus componentes, por isso não se pode deixar à margem do ordenamento jurídico, instituição que possibilita o crescimento da pessoa humana, a sua dignificação e a construção da própria felicidade.

A família hodierna, valorizada em cada um dos seus integrantes, opõe-se aos modelos tradicionais, nos quais era indiferente a presença do amor e do afeto. Como lembra Pereira (2006): substituiu-se a organização autocrática por uma orientação democrático-afetiva. O centro de sua constituição deslocou-se do princípio da autoridade para o da compreensão e do amor. O Direito de Família não é uma ciência estática, devemos analisar as questões controvertidas sob todos os seus aspectos, sem manter um posicionamento estanque, mas aplicando as regras jurídicas da melhor forma possível ao caso concreto. Nos tempos atuais, não nos cabe rotular determinada situação ou atitude como certa ou errada, moral ou imoral, mas buscar entender os motivos causadores e a melhor solução para o caso concreto, até porque, sabidamente os casos existem, geram efeitos sociais e, por isso, não podem ser desconhecidos pelo mundo jurídico.

Sobre o assunto, Pereira (2006) orienta que: É somente em bases principiológicas que será possível pensar e decidir sobre o que é justo e injusto, acima de valores morais, muitas vezes estigmatizantes. Desta forma, não podemos deixar de reconhecer às uniões homoafetivas o status de entidade familiar e, portanto, merecedora de proteção do Estado. Assim, tal proteção não se fulcra em seu mero reconhecimento como sociedade de fato (direito obrigacional). Destaca-se histórico julgado do Supremo Tribunal Federal no dia 05 de maio de 2011, que reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar garantindo aos seus integrantes os direitos de família.

Outra questão polêmica se refere à natureza das uniões concomitantes, paralelas ao casamento ou união estável. Sobre o tema existem três correntes: - A primeira corrente sustenta que nenhum tipo de relação paralela deve ser reconhecida como entidade familiar independentemente da boa-fé das partes; - A segunda corrente admite como entidade familiar uniões estáveis paralelas putativas, ou seja, reconhece os efeitos desta conclusão ao cônjuge ou companheiro de boa-fé e já a terceira corrente prega o reconhecimento de todos os tipos de arranjos familiares pelo Direito de Família. Diante dos princípios que regem o Direito de Família temos que a segunda corrente é a que melhor se coaduna com o nosso senso de justiça posto que reconhecer relações paralelas a um casamento ou a uma união estável sem se perquirir a boa-fé dos envolvidos fere a dignidade da pessoa humana e faz com que as famílias percam suas identidades uma vez que se confundem.

Assim, inexistindo boa-fé dentre os envolvidos na relação paralela, não há que se falar em entidade familiar, visto que além de infringir a monogamia, fere a dignidade dos integrantes da primeira relação. Diante deste quadro, a doutrina e jurisprudência reconhecem alguns direitos ao convivente paralelo. Quando estiver ausente a boa-fé na relação concomitante e houver construção de patrimônio comum, eventual discussão deverá se pautar no Direito das Obrigações, a fim de se evitar o enriquecimento ilícito (Súmula 380, STF).

Dita posição doutrinária não está aquém dos fatos sociais. Busca-se uma solução justa com bases principiológicas. Não há dúvidas de que hodiernamente existem vários arranjos familiares, todavia temos que analisar caso a caso e buscar o seu devido enquadramento jurídico com base na ponderação dos princípios constitucionais (tópica). Deste modo, acima de valores morais e estigmatizantes, inevitável o reconhecimento de outras entidades familiares não previstas no art. 226 da Constituição Federal. Necessária uma visão pluralista da família, abrigando os mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar a identificação do elemento que permita enlaçar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade, independentemente de sua orientação sexual e conformação.


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O texto é resultado da pesquisa elaborada na Pós-graduação Lato-Sensu - Especialização em Direito das Famílias.

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