Visão constitucional dos modelos de famílias

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14/08/2020 às 09:08
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6 CONCUBINATO / RELAÇÕES PARALELAS

O termo concubinato, para muitos possui sentido pejorativo por indicar uma relação extramatrimonial e impura, incompatível como entidade familiar, foi utilizado no Código Civil para configurar a união entre um homem e uma mulher impedidos de se casarem. Pereira (2006), destaca que o concubinato é uma relação paralela ao casamento, no qual uma das pessoas mantém duas ou mais relações, uma oficializada e outra extra oficializada. Pelo nosso ordenamento civil, caso uma pessoa esteja envolvida em duas famílias, a segunda relação configura concubinato, uma vez que o dever de fidelidade é infringido e, por isso, não preenche os requisitos para a união estável.

De acordo com Dias (2007), existem dois tipos de concubinato: - concubinato puro: de boa-fé (união estável putativa) e – concubinato impuro: de má-fé. A diferença está no fato da mulher ter ou não ciência de que o parceiro se mantém no estado de casado ou tem outra relação concomitante.

Para a mencionada autora, se a mulher estiver de boa-fé se admite o reconhecimento da união estável putativa e com isso eventual litígio deverá ser resolvido pelo direito de família tendo em vista uma interpretação analógica do art. 1561 do Código Civil que trata do casamento putativo. Todavia, o tema do reconhecimento da união paralela como entidade familiar é bastante polêmico. Assim, existem várias correntes sobre o tema. Vejamos: A primeira corrente, sustenta que a relação paralela não deve ser reconhecida como entidade familiar independentemente da boa-fé da(s) parte(s). Cambi (1999), entende que:

 

A tutela do direito obrigacional deve servir, por ser mais restrita, não só àqueles que, [...], denominamos de concubinato adulterino, bem como às uniões putativas, [...], já que não podem subsumir a noção de entidade familiar extramatrimonial, porque preexiste impedimento matrimonial, em sentido substancial (CAMBI., 1999: 222).

 

Nesta linha, qualquer relacionamento concomitante a um casamento ou a uma união estável deve ser tratado no campo do Direito Obrigacional, não sendo competente o Direito de Família uma vez que preexiste uma entidade familiar. Assim, pouco importa a presença da boa-fé, visto que, segundo este posicionamento, o Direito das Obrigações é competente até mesmo para a união estável putativa. Cabe atentar a alguns recentes julgados neste sentido:

 

Apelação cível. Ação Declaratória de Sociedade de Fato c/c Retificação de Registro de Óbito. O reconhecimento da união estável depende de prova plena e convincente de que o relacionamento se assemelha, em tudo e perante todos, ao casamento. A existência de relação amorosa entre as partes, sem os requisitos exigidos pela lei, não se caracteriza como união estável. Mantendo o réu união estável com outra mulher, no período do relacionamento mantido com a autora, não há falar em união estável com esta, seja pela ausência de requisitos legais para tanto, seja em razão da afronta ao princípio da monogamia, já que a lei impede a manutenção paralela de dois núcleos familiares com convívio marital. Apelo conhecido e desprovido. (TJGO, 3a. Câmara Cível, Rel. Dra. Sandra Regina Teodoro Reis, julgado: 29/03/2011, DJ 800 de 14/04/2011).

APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. AUSENCIA DE REQUISITOS LEGAIS. RELACIONAMENTO AMOROSO PARALELO AO CASAMENTO DO AUTOR. MONOGOMIA. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL. A existência de relacionamento amoroso entre o autor e a de cujus, no período de vigência do casamento dele com a esposa, da qual jamais se separou, não preenche os requisitos estatuídos no art. 1.723 do CC/02, mormente em observância ao princípio da monogamia existente na legislação brasileira. Relacionamento mantido entre o autor e a falecida, ainda de longa data, sem caracterizar a entidade familiar por ausência de ânimo de constituir família, sequer existindo moradia comum. Ação julgada improcedente. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70038128294, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 23/03/2011)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL. REQUISITOS. INADMISSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE RELACIONAMENTO PARALELO E CONCOMITANTE AO CASAMENTO COMO CARACTERIZADOR DE UNIÃO ESTÁVEL. O fato de haver perdurado por muitos anos o relacionamento concubinário não tem o condão de transformá-lo em união estável. Esta, para se configurar, exige convivência "more uxorio", duradoura, continua, publica dos conviventes, que assumem o compromisso de fidelidade e de constituição de ente familiar. Tais requisitos tornam inadmissível é impossível o reconhecimento de haver relacionamento concubinário adulterino, paralelo e concomitante ao casamento, configurado união estável. A admissão da concubina que o companheiro manteve o seu casamento, enquanto com ela se relacionava, constitui, a rigor, elemento suficiente para conduzir a improcedência. Recurso não-provido. (Apelação Cível Nº 598126449, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 25/02/1999)

 

Já pela segunda corrente se admite como entidades familiares as uniões estáveis paralelas putativas, ou seja, quando presente a boa-fé. Quando ausente a boa-fé, devem ser equiparadas as sociedades de fato e sempre quando houver construção de patrimônio em comum tratadas pelo Direito das Obrigações, a fim de se evitar enriquecimento ilícito. Assim, estariam vedadas as uniões paralelas por ferirem o sistema monogâmico e por comprometerem a estabilidade da sociedade. Destaca-se alguns de seus seguidores: Rolf Madaleno, Álvaro Villaça de Azevedo e Gustavo Tepedino. Apesar da crise do sistema monogâmico e da maior aceitação das relações paralelas, tendo em vista até mesmo a descriminalização do adultério, a união estável paralela continua excluída do Direito de Família. No entanto, de acordo com esta corrente, deve ser abrangida pelo Direito Obrigacional, a fim de evitar o enriquecimento ilícito. Neste mesmo sentido, orienta Pereira (2006):

 

O concubinato, assim considerado aquele adulterino ou paralelo ao casamento ou a outra união estável, para manter-se a coerência no ordenamento jurídico brasileiro - já que o Estado não pode dar proteção a mais de uma família ao mesmo tempo-, poderá valer-se da teoria das sociedades de fato e, portanto, no campo obrigacional. (PEREIRA, 2006: 132).

 

Assim, por essa corrente, quando houver a contribuição do casal na construção de patrimônio comum durante a relação paralela, utiliza-se o Direito Obrigacional, tratando a união estável paralela como uma sociedade de fato, evitando, assim, o enriquecimento de uma das partes. Azevedo (2001) explica, ainda, que no caso do concubinato impuro ou adulterino, aplica-se a súmula número 380 do Supremo Tribunal Federal. In verbis: Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível sua dissolução judicial com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.

A fim de evitar injustiças, esta corrente entende que apesar de não poder ser reconhecida como entidade familiar, as uniões paralelas não podem ser ignoradas e trazer prejuízos, por isso devem ser equiparadas às sociedades de fato e no caso de dissolução, realizada a partilha do patrimônio adquirido em conjunto.  Por esta corrente, apesar do Direito de Família excluir as uniões estáveis paralelas, abrange as putativas que em razão da boa-fé merece ser tratada como entidade familiar. Neste sentido, Madaleno (2004):

 

[...] o concubinato adulterino não configura uma união estável, como deixa ver estreme de dúvidas o artigo 1.727 do Código Civil. [...]. Não ingressam nesta afirmação os concubinatos putativos, quando um dos conviventes age na mais absoluta boa-fé, desconhecendo que seu parceiro é casado, e que também coabita com o seu esposo, porquanto a lei assegura os direitos patrimoniais gerados de uma união em que um dos conviventes foi laqueado em sua crença quanto à realidade dos fatos (MADALENO, 2004: 124).

 

Neste sentido:

 

APELAÇÃO CÍVEL. DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL. É inadmissível o reconhecimento de uniões estáveis paralelas a casamento em sua constância, salvo nas hipóteses da denominada "união estável putativa", à qual podem ser reconhecidos efeitos, por analogia ao casamento putativo. Isso diante do princípio da monogamia, que rege a formação de entidades familiares em nosso sistema jurídico. Entendimento contrário levaria à necessária admissão de dois casamentos simultâneos válidos, o que não encontra a mínima viabilidade jurídica. NEGARAM PROVIMENTO. POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR. (Apelação Cível Nº 70038714812, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 17/03/2011).

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Surgiu ainda uma terceira corrente que sustenta o reconhecimento de todos os tipos de relações pelo Direito de Família, uma vez que os princípios da dignidade da pessoa humana e da pluralidade das entidades familiares devem prevalecer sobre o da monogamia. Neste sentido, Lôbo (2002) dispõe que:

 

Os conflitos decorrentes das entidades familiares explícitas ou implícitas devem ser resolvidos à luz do direito de família e não do direito das obrigações, tanto os direitos pessoais, quanto os direitos patrimoniais e quanto os direitos tutelares. Não há necessidade de degradar a natureza pessoal de família convertendo-a como fictícia sociedade de fato, como se seus integrantes fossem sócios de empreendimento lucrativo[...] (LÔBO, 2002: 26).

 

Nesta linha de raciocínio o texto constitucional estabelece pressupostos para o reconhecimento da união estável como entidade familiar e dentre eles não está prevista a impossibilidade de formação das uniões estáveis paralelas. Neste trilhar, Dias (2007) afirma que:

 

Agora, para a configuração da união estável basta identificar os pressupostos da lei, entre os quais não se encontra nem o direito à exclusividade e nem o dever de fidelidade. Assim, imperioso que se cumpra a lei, que se reconheça a união estável quando presentes os requisitos legais a sua identificação, ainda que se constate multiplicidade de relacionamentos concomitantes. (DIAS, 2007: 49).

 

Seguindo a mesma orientação Albuquerque Filho (2002) ao apontar que:

 

A manifestação afetiva, pois, não é necessariamente exclusiva. Ademais, não importa para o Direito impor tipos padrões de comportamentos, pois enquanto houver desejo irão se manifestar relações familiares, entenda-se, entidades familiares divergentes daquelas estabelecidas aprioristicamente, de sorte que não há como aprisionar o afeto, restringindo-o às relações de casamento, de união estável e à entidade monoparental. O pluralismo das entidades familiares impõe o reconhecimento de outros arranjos familiares além dos expressamente previstos constitucionalmente (ALBUQUERQUE FILHO, 2002:154).

 

Neste sentido:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO. POSSIBILIDADE. ALIMENTOS PROVISÓRIOS. ANÁLISE PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. Alguma jurisprudência da Corte admite o reconhecimento de união estável paralela ao casamento, quando presentes os requisitos configuradores da união. Precedentes jurisprudenciais. Logo, o tão-só fato do agravado ser casado com outra pessoa, não impede por si só sejam eventualmente reconhecidos os efeitos da alegada união estável entre ele e a agravante - e nem impede sejam fixados alimentos em prol dela. Caso em que, à vista da possibilidade de reconhecimento de união estável paralela ao casamento, é o juízo de primeiro grau quem deve analisar a verossimilhança na alegação de existência da união, de necessidades e possibilidades, para deferir ou não a fixação de alimentos provisórios. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. EM MONOCRÁTICA. (Agravo de Instrumento Nº 70042545731, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 03/05/2011)

 

Nos filiamos a segunda corrente pois reconhecer relações paralelas, desprovidas de boa-fé, a um casamento ou a uma união estável também fere a dignidade da pessoa humana e faz com que as famílias percam suas identidades uma vez que se confundem. Inexistindo boa-fé não há que se falar em entidade familiar, visto que além de infringir a monogamia, fere a dignidade dos envolvidos na primeira relação.

Diferente é o que acontece nas relações estáveis putativas – ambas as famílias se encontram em um estado de ignorância, nenhuma sabe da outra, com exceção da parte traidora. Neste sentido, não há razão para excluir a segunda pelo simples fato de ser posterior, por preencher os mesmos requisitos da anterior. Assim, defendemos que não cabe ao ordenamento jurídico brasileiro atual reconhecer as uniões paralelas como entidade familiar, sob pena de o que é exceção se tornar regra geral e transformar o sistema monogâmico em poligâmico. Não se pode, no entanto, ignorar a existência de tais relacionamentos e marginalizá-los, mas também não é possível equipará-los à entidade familiar. Portanto, imprescindível a análise de cada caso.

Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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O texto é resultado da pesquisa elaborada na Pós-graduação Lato-Sensu - Especialização em Direito das Famílias.

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