6. DESAFIOS
Segundo HARDIN25, recursos ambientais de uso compartilhado por todos são classificados como comuns. Esses recursos precisam ser utilizados de forma que não ocorra seu colapso ou esgotamento, para isso é preciso que o uso seja racional e equilibrado. Quando indivíduos agem de forma independente e conforme seus próprios interesses, indo de encontro aos interesses da comunidade, o recurso explorado acaba atingindo sua finitude, acaba em tragédia.
O termo tragédia dos comuns (comuns no sentido de "público") foi cunhado por HARDIN (1968), que ilustra o problema usando a parábola de um grupo de pastores que tinha seus animais num pasto público. Cada pastor pensava em adicionar um animal ao seu rebanho com o seguinte raciocínio: um animal extra proporcionaria um bom lucro adicional, e, no geral, a pastagem diminuiria somente um pouquinho, então parece perfeitamente lógico aos pastores colocar um animal extra 26. A tragédia ocorre quando cada pastor adiciona mais um animal - porque ele terá mais benefícios e os custos continuam sendo divididos com todos os outros - levando o pasto a atingir seu esgotamento, ou seja, a exploração sem controle de um recurso finito acaba levando este recurso ao fim mais rápido. Logo, todos os pastores serão prejudicados porque ficarão sem o pasto.
A narrativa dominante é a de que a região amazônica se constitui em um recurso comum de toda uma nação, mas seus benefícios se estendem por todo o mundo, seja porque ela contribui diretamente para o equilíbrio climático do planeta (o que é controverso), seja porque seu território é rico em biodiversidade e fonte de riquezas. Em qualquer hipótese, a Amazônia é uma região de oportunidades para o Brasil.
6.1. COMO PRESERVAR E, AO MESMO TEMPO, INTEGRAR E DESENVOLVER?
Segundo CHRISTMANN e VIEIRA27, “(...) a possibilidade de conceber formas alternativas de gestão de bens comuns exige uma abertura a diferentes ideologias, representações, saberes, a fim de compreender que distintas formas de relação com a natureza e de relação entre os homens são possíveis”.
ELINOR OSTROM, vencedora do Prêmio Nobel de Economia de 2009 pelo seu estudo sobre a Tragédia Dos Comuns, não via a tragédia sendo impedida apenas pela privatização ou regulamentação governamental. Segundo ela, muitas vezes os próprios usuários desses bens comuns encontram formas de regular seu uso. O modelo de OSTROM nos apresenta oito princípios fundamentais na gestão de bens comuns:
1. Demarcação clara dos bens comuns e dos seus utilizadores: identificar todos aqueles que irão utilizar esses bens, principalmente quando falamos de recursos;
2. Regras definidas em consonância com as condições locais (época, espaço, tecnologias disponíveis, quantidade de recursos disponíveis, entre outras particularidades);
3. Estabelecimento de acordos coletivos pelos usuários;
4. Benefícios proporcionais aos custos de utilização;
5. As regras comuns devem ser reconhecidas e respeitadas pelas autoridades externas;
6. Monitoramento da obediência às regras estabelecidas com penalidades aplicadas aos transgressores;
7. Facilidade de acesso a meios de resolução de conflitos convenientes à comunidade;
8. Gestão de recursos do particular para o geral. 28
O extrativismo se mostra como uma atividade importante para a sobrevivência das comunidades locais, mas a extração sem controle de diferentes recursos comuns, vegetais e animais, vai levar a seu esgotamento. Índios ou ribeirinhos são dependentes desses recursos naturais para sua sobrevivência. É preciso medidas que controlem o uso dos recursos comuns, e os princípios de OSTROM se mostram como uma possibilidade de fazer essa gestão “de baixo para cima”, por serem diretrizes a serem seguidas para uma organização da forma como diferentes recursos serão explorados. Mas a verdade é que:
"O modelo de desenvolvimento a ser buscado para a Amazônia é um imenso desafio, na medida em que não há disponível, no mundo, referência de país tropical desenvolvido com economia baseada no aproveitamento racional de recursos florestais, em que o progresso social e econômico esteja conciliado com a conservação da natureza e das diferentes culturas autóctones. […] O futuro da Amazônia depende de um modelo de desenvolvimento em que a base de todo o progresso humano esteja fincada na exploração inteligente, seletiva e ambientalmente segura de seus inigualáveis recursos naturais (solo, subsolo, floresta, rios e lagos), assentada numa excepcional condição de geração de energia em bases limpas (fontes renováveis e não poluentes) [...], com planejamento e apoio do Estado brasileiro, dos governos locais e de seletivas parcerias internacionais." 29
Um tema delicado de se abordar com relação à Amazônia é a agricultura. Quando se discute a questão da sustentabilidade ambiental em oposição à exploração agrícola na área da floresta amazônica, o Brasil sofre críticas de diferentes partes do mundo. Mas a verdade é que o desafio de se produzir alimentos diante do aumento crescente da população mundial exige dos governos mudanças relacionadas ao setor agropecuário. A necessidade de se produzir alimentos se transformou em um mercado promissor para os próximos anos, sendo o Brasil e os EUA os países que apresentam uma área territorial suficiente para poder entrar nesse mercado. 30
"Um dos grandes e atuais desafios para o desenvolvimento brasileiro é manter o crescimento da produção agropecuária e, ao mesmo tempo, reduzir os impactos dessa produção sobre os recursos naturais. Esse desafio surge em meio aos debates internacionais e às pressões cada vez maiores da sociedade por um novo modelo de desenvolvimento, que seja capaz de conciliar o crescimento econômico e a conservação do meio ambiente. Só muito recentemente as políticas governamentais para o setor agropecuário começaram a atentar para as questões relativas à sustentabilidade ambiental e a estabelecer programas e metas com esse objetivo." 31
O Brasil é constantemente acusado de não ter responsabilidade para controlar o desmatamento na Amazônia, de que a agricultura é a principal responsável pelo devastação da floresta, mas quando analisamos a área de floresta preservada em relação ao total do território (diagrama 10), vemos que o país fica atrás apenas da Rússia:
Diagrama 10: Área de floresta preservada por país32
Estudo desenvolvido pela NASA, baseado em monitoramento por satélite, mostra que o Brasil ocupa apenas 7,6% de seu território para cultivo agrícola, e que protege e preserva mais de 66% de suas terras (diagrama 11). Os números divulgados sobre percentual do território cultivado são: Dinamarca 76,8%; Irlanda, 74,7%; Países Baixos, 66,2%; Reino Unido 63,9%; Alemanha 56,9%. Esses números foram utilizados pelo então ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, em seu discurso na abertura do painel “Moldar o Futuro da produção animal de forma sustentável, responsável e produtiva”, no Fórum Global para Alimentação e Agricultura (GFFA), para rebater a crítica recorrente da comunidade internacional de que os “agricultores brasileiros são desmatadores”. 33
Diagrama 11: Espaço do território ocupado pela agricultura34
E, diante de todo o cenário traçado até aqui, como os militares podem contribuir? Para começar, eles têm a expertise sobre o local.
"Quando a gente fala da Amazônia, podemos não ter logicamente uma visão muito especializada, setorizada, mas temos uma visão muito aproximada da sua realidade, porque estamos vivenciando isso durante toda a nossa carreira militar." 8
Uma das formas que já vem sendo experimentada há algum tempo é destinar efetivos militares dentro do território amazônico para garantir a segurança, tanto dos indivíduos quanto das fronteiras.
Outra forma já praticada é a criação de áreas ambientais de proteção compartilhada (com aproveitamento produtivo), ficando os militares responsáveis pelo patrulhamento, a partir do estabelecimento de unidades militares que ocupem posições estratégicas e formadas por efetivos devidamente treinados e preparados para atuar diante das necessidades e apoiados pelas novas tecnologias.
6. PRINCIPAIS CONCLUSÕES
Estudos realizados na década de 1970 mostram como o gás propelente CFC (clorofluorcarbono) utilizado em aerossóis e sistemas de refrigeração, afeta a camada de ozônio e levam a um outro nível de importância o tema da preservação das florestas. Na década de 1990 ocorre, no Brasil, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, mais conhecido como Eco-92, que coloca em evidência a questão ambiental e a Amazônia na pauta das grandes discussões mundiais. A ideia de que as florestas precisam ser preservadas conquista o grande público.
Com esse novo impulso preservacionista a região Amazônica ganha mais visibilidade internacional, com diferentes estudos mostrando sua importância para a vida no planeta. Os olhares se voltam para o Brasil e para sua responsabilidade como “pulmão do mundo”, ainda que estudos recentes mostrem que a realidade não é exatamente essa, pois a floresta consome praticamente todo o oxigênio que produz.
A Amazônia, com seu estoque de bens comuns, acaba por atrair a atenção das mais diferentes nações estrangeiras e colocando a soberania nacional sempre em ameaça. O Estado, presente na figura dos diferentes órgãos e institutos públicos e, principalmente, com a presença das Forças Armadas, age para garantir não somente a soberania, mas para deixar clara a sua capacidade de cuidar da região, defendendo-a e promovendo seu desenvolvimento.
A Amazônia é um patrimônio nacional (e não internacional, como insistem alguns com interesses não confiáveis) que deve ser explorado com racionalidade (e inteligência) em prol do povo brasileiro. E os militares, que são parte integrante do povo, são os principais protagonistas deste processo.
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