A CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, sob a ótica do contexto mundial, nasceu no momento da consolidação do fenômeno da Globalização. Este por sua vez, nasceu impulsionado pela Revolução das Comunicações, que foi um acontecimento da história que permitiu que fossem diluídas as fronteiras entre os Estados, havendo a possibilidade de se acessar informações em uma escala antes tida como impensada e num tempo recorde.
Nos atendo detidamente naquilo que interessa a esta pesquisa, esta Constituição integrada a uma necessidade mundial, buscou o progresso do desenvolvimento científico, da pesquisa e da capacitação tecnológicas, erigindo ao Estado o dever de incentivá-las e promovê-las. Para a efetivação de parte destes objetivos, os artigos 218 e 219 apresentam as diretrizes de um verdadeiro programa tecnológico na Constituição brasileira.
Na vigente Constituição a CTI pela primeira vez na história do Direito Constitucional Brasileiro, consta em um capitulo especial dedicado a ordem social, no Capítulo IV do Titulo VIII. A Carta Constitucional deu uma nova perspectiva a matéria, buscando ampliar a sua regulamentação, apresentando em um capítulo separado e próprio, diferentemente do encontrado nas Constituições anteriores, que tratava a matéria como ciência, letras e artes.
Conforme Silva (2008), apesar do desenvolvimento da CTI, não ser inteiramente subordinado a Carta Magna, uma vez que deve ser alcançado principalmente por meio de um amadurecimento cultural, a autora aponta que é evidente a importância jurídica, política e, sobretudo econômica da matéria. Assim, a pesquisa tecnológica, nos termos da Constituição de 1988, deve destinar-se, preponderantemente, para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional.
Silva (2008) apud Cretella Júnior (1993) apontam que o legislador constituinte consagrou inúmeros dispositivos na Carta Política vigente a ciência e a tecnologia. A Inovação recebeu tratamento peculiar, propiciar os meios de acesso à ciência.
No que pese a maior preocupação dada pela vigente Carta Política, foi a Emenda Constitucional 85/2015 que atribuiu ao Estado, a promoção do desenvolvimento científico, da pesquisa, da capacitação científica e tecnológica e da inovação. Para melhor esclarecimento das alterações perpetradas pela EC 85/2015, apresentaremos um quadro comparativo das principais alterações.
A primeira alteração que apresentaremos é referente a competência comum atribuída a todos os entes (União, Estado e Município), para legislar sobre a matéria de CTI, atribuída pela EC 85, desde que respeitadas as regras gerais impostas pela União.
Antes |
Atualmente |
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: |
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: |
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência; |
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015) |
Fonte: Elaboração do autor.
Da leitura do artigo, fica claro que a referida emenda estabeleceu que compete a todos os entes, proporcionar meios de acesso à tecnologia, à pesquisa e à inovação. No que tange a competência concorrente para legislar sobre o tema, apresentamos as seguintes alterações.
Antes |
Atualmente |
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: |
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: |
IX – educação, cultura, ensino e desporto; |
IX - educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015) |
Fonte: Elaboração do autor.
Nessa baila, para tentar aumentar o desenvolvimento tecnológico e de inovação, a EC 85 permitiu à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios que pudessem firmar instrumentos de cooperação com órgãos, entidades públicas e com entidades privadas, podendo inclusive compartilhar recursos humanos especializados.
É importante frisar, que a Emenda Constitucional, também possibilitou a transposição, remanejamento, ou transferências de recursos de uma categoria de programação, no âmbito das atividades de ciência, tecnologia e inovação, mediante ato do Poder Executivo, sem a necessidade de prévia autorização legislativa.
Explicando a definição e a diferença de cada um desses instrumentos, Tigre (2006) ensina que os remanejamentos podem ser entendidos como realocações na organização de um ente público com destinação de recursos de um órgão para outro.
As Transposições são realocações no âmbito dos programas de trabalho dentro do mesmo órgão. Já as Transferências são realocações de recursos entre as categorias econômicas de despesas, dentro do mesmo órgão e do mesmo programa de trabalho, ou seja, repriorizações dos gastos a serem efetuados.
Com efeito, verifica-se que o art. 167, VI, da CRFB, institui vedação “a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa”.
No entanto, o § 5º, adicionado pela Emenda Constitucional 85 de 2015, apresenta uma extraordinário novidade:
Antes |
Atualmente |
Art. 167. São vedados: |
Art. 167. São vedados: |
VI – a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa; |
VI - a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa; |
Não havia § 5º |
§ 5º A transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra poderão ser admitidos, no âmbito das atividades de ciência, tecnologia e inovação, com o objetivo de viabilizar os resultados de projetos restritos a essas funções, mediante ato do Poder Executivo, sem necessidade da prévia autorização legislativa prevista no inciso VI deste artigo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015) |
Fonte: Elaboração do autor.
Cabe ressaltar que embora seja permitindo ao administrador efetivar mudanças, realinhando, nos limites legais permitidos, as prioridades a serem atendidas, estas devem estar adequadamente motivadas para que não sirvam de uma disfarçada exibilização qualitativa do orçamento.
A Emenda Constitucional, também inseriu nas atribuições do Sistema Único de Saúde – SUS o de incrementar a inovação em suas áreas de atuação.
Antes |
Atualmente |
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: |
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: |
V - incrementar, em sua área de atuação, o desenvolvimento científico e tecnológico; |
V - incrementar, em sua área de atuação, o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015) |
Fonte: Elaboração do autor.
A alteração Constitucional, estabeleceu ainda, que o Poder Público concederá apoio financeiro às atividades de pesquisa, de extensão e de estimulo e fomento à inovação realizadas não apenas por universidades, mas também por instituições de educação profissional e tecnológica.
Antes |
Atualmente |
Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que: |
Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que: |
§ 2º As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio financeiro do Poder Público. |
§ 2º As atividades de pesquisa, de extensão e de estímulo e fomento à inovação realizadas por universidades e/ou por instituições de educação profissional e tecnológica poderão receber apoio financeiro do Poder Público. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015) |
Fonte: Elaboração do autor.
Em razão do texto inserido pela Emenda Constitucional, fica clarividente que o Estado deve estimular a formação e o fortalecimento da inovação nas universidades, bem como nos demais entes públicos ou privados, assim como a criação e manutenção de parques e polos tecnológicos promotores da inovação, difusão e transferência de tecnologia.
Da leitura dos referidos artigos, percebe-se que nossa ordem constitucional propende atingir a “autonomia tecnológica”, devendo que o Estado promova e incentive à ciência, à pesquisa e à tecnologia. É necessário destacar, que a Emenda Constitucional nº 85, de 26 de fevereiro de 2015, reforçou ainda mais a atuação do Estado no campo da Ciência e da Tecnologia, para inserir no texto constitucional o dever estatal na promoção da Inovação e determinar ao Estado a adoção de políticas públicas destinadas a promover e incentivar, além do desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica, também a Inovação.
Por força da Emenda Constitucional, os artigos 218 e 219 tiveram sua redação alterada e a pesquisa científica básica e tecnológica recebeu uma ampliação de prioridade, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação.
Podemos dizer que sob o Título Da ciência e tecnologia, o capítulo antes era ordenado por dois artigos, o 218 e 219; o 218 era constituindo por cinco parágrafos e o segundo, apenas pelo caput. Nesse interim, o artigo 218 da Carta Maior passou a ter a seguinte redação:
Antes |
Atualmente |
Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas. |
Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015) |
§ 1º A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências. |
§ 1º A pesquisa científica básica e tecnológica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015) |
§ 3º O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho. |
§ 3º O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa, tecnologia e inovação, inclusive por meio do apoio às atividades de extensão tecnológica, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015) |
Não havia § 6º |
§ 6º O Estado, na execução das atividades previstas no caput, estimulará a articulação entre entes, tanto públicos quanto privados, nas diversas esferas de governo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015) |
Não havia § 7º |
§ 7º O Estado promoverá e incentivará a atuação no exterior das instituições públicas de ciência, tecnologia e inovação, com vistas à execução das atividades previstas no caput. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015) |
Fonte: Elaboração do autor.
O artigo 219, por sua vez, passou a apresentar o seguinte comando:
Antes |
Atualmente |
Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal. |
Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal. |
Não havia parágrafo único |
Parágrafo único. O Estado estimulará a formação e o fortalecimento da inovação nas empresas, bem como nos demais entes, públicos ou privados, a constituição e a manutenção de parques e polos tecnológicos e de demais ambientes promotores da inovação, a atuação dos inventores independentes e a criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015) |
Fonte: Elaboração do autor.
Frisa-se, que com o advento da emenda, foi regulamentado instrumentos de cooperação entre órgãos e entidades públicas e entidades privadas, inclusive para o compartilhamento de recursos humanos especializados para execução de projetos de pesquisa, de desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação.
Antes |
Atualmente |
Não havia Artigo 219-A |
Art. 219-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão firmar instrumentos de cooperação com órgãos e entidades públicos e com entidades privadas, inclusive para o compartilhamento de recursos humanos especializados e capacidade instalada, para a execução de projetos de pesquisa, de desenvolvimento científico e tecnológico e de inovação, mediante contrapartida financeira ou não financeira assumida pelo ente beneficiário, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015) |
Fonte: Elaboração do autor.
É importante destacar, que com o advento da EC, o Estado passou a ter uma responsabilidade de estimular a articulação entre entidades, tanto públicas quanto privadas, nas diversas esferas de governo, bem como de promover e incentivar a atuação no Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação - SNCTI.
Antes |
Atualmente |
Não havia Artigo 219-B |
Art. 219-B. O Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI) será organizado em regime de colaboração entre entes, tanto públicos quanto privados, com vistas a promover o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015) |
Não havia § 1º |
§ 1º Lei federal disporá sobre as normas gerais do SNCTI. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015) |
Não havia § 2º |
§ 2º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios legislarão concorrentemente sobre suas peculiaridades. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015) |
Fonte: Elaboração do autor.
Esse arcabouço legal reforçou ainda mais a atuação do Estado no campo da Ciência e da Tecnologia, para inserir no texto constitucional o dever estatal na promoção da Inovação e determinar ao Estado a adoção de políticas públicas destinadas a promover e incentivar, além do desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica, também a Inovação, como veremos a seguir que é a estrutura constitucional e legal que dá suporte a política institucional, bem como a Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação.
Podemos dizer, portanto, que os artigos 218 e 219 e posteriormente a Emenda Constitucional 85, dão o fundamento constitucional de nossa atual Política Nacional de Inovação Tecnológica.