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A validade jurídica do documento digital

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4.LEGISLAÇÃO

4.1.LEGISLAÇÃO ESTRANGEIRA

Já são décadas de existência dos documentos digitais, uma vez que surgiram junto com os próprios computadores. Entretanto, sua utilização só se tornou comum com a proliferação dos microcomputadores, e mais ainda, com o surgimento da internet, quando a adoção da tecnologia se viu estimulada, grande parte em razão das novas possibilidades de comunicação e interação, mas também em função dos valores econômicos e interesses comerciais envolvidos. A Era da Informação tem como uma de suas maiores características a "desmaterialização de conceitos tradicionais, como o de documento" [23]. Deve-se levar em conta que os avanços tecnológicos de uso comum pela sociedade muitas vezes levam tempo até serem absorvidos pela Direito. Assim foi com o documento digital; a legislação que trata dos documentos digitais apenas começa a surgir em meados da década de noventa. Era de se esperar que os países de maior renda fossem os primeiros a legislar sobre o tema, uma vez que são também eles os que fazem uso mais intenso da tecnologia.

Desta forma, em 1995, no estado de Utah, nos Estados Unidos, surge a primeira norma a respeito de documentos e assinaturas digitais (Utah Digital Signature Act [24]), notabilizada não só pela precedência como pelo detalhamento técnico nela contido [25]. Desde então os demais estados norte-americanos passaram a buscar a regulamentação do uso dos documentos e assinaturas digitais, como as normas dos estados da Califórnia [26] (Digital Signature Regularions), de Illinois (Electronic Commerce Security Act [27]), e da Georgia (Electronic Records and Signature Act [28]).

Na Europa, diversos países também já adotaram leis que tratam dos documentos e assinaturas digitais: Alemanha (Signaturgesetz, SiG, Gesetz zur digitalen Signatur [29]), Itália (Decreto del Presidente della Repubblica, 10 novembre 1997, n. 513 [30]), Inglaterra (Electronic Communications Act, 2000 [31]), França (Loi n°2000-230 du 13 mars 2000 [32]), Portugal (Decreto-Lei n.º 290-D, de 2 de Agosto 1999 [33]), entre outros. Deve-se destacar a Diretiva 1999/93/EC [34] do Parlamento Europeu, que tem por objetivo nortear as nações européias no que se refere à produção legislativa a respeito de documento e assinatura digital, uma vez que normas divergentes poderiam significar barreiras à integração entre os países membros.

Na América do Sul, além do Brasil, como se verá mais adiante neste trabalho, outros países também disciplinam a questão dos documentos e assinaturas digitais. Por exemplo, o Chile o faz por meio do Decreto Supremo n. 81 de 1999 [35], a Colômbia mediante a Lei 527 de 1999 [36], e a Argentina com o Decreto 427 de 1998 [37]. Como se verá a seguir, a legislação brasileira a respeito da matéria surgiu algum tempo depois dos textos legais de nossos países vizinhos, apesar de algumas iniciativas anteriores realizadas, porém, internamente ao Poder Executivo pátrio.

4.2.LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Atualmente, no Brasil, a norma que disciplina o uso dos documentos e assinaturas digitais tema é a Medida Provisória nº. 2.200-02, de 24 de agosto de 2001. É importante destacar que esta medida provisória, apesar de ter sido publicada há alguns anos, ainda está em vigor, em razão do que expressa o artigo 2º da Emenda Constitucional nº. 32, de 11/09/2001.

Art. 2º As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional.

A medida provisória em questão instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), definindo como Autoridade Certificadora Raiz, conforme seu artigo 13, o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), estabelecida como autarquia federal vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, conforme expressa o artigo 12 deste texto normativo.

A norma, já em seu artigo 1º, declara que a ICP-Brasil tem por finalidade a garantia de autenticidade, integridade e validade jurídica dos documentos produzidos de forma eletrônica. O texto legal passa então à composição da infra-estrutura, a qual é formada pela Autoridade Certificadora Raiz (AC Raiz), pelas Autoridades Certificadoras (AC’s) e pelas Autoridades de Registro (AR’s).

Cabe destaque ao artigo 6º da Medida Provisória que, ao tratar das Autoridades Certificadoras (AC’s), lhes traz a competência para emitir certificados digitais vinculando pares de chaves criptográficas ao respectivo titular. Também são responsáveis pela emissão, expedição, distribuição, revogação e gerenciamento dos certificados, devendo colocar à disposição dos usuários listas de certificados revogados e outras informações pertinentes, além de manter registro de suas operações. O parágrafo único do artigo ora em comento trata de duas questões bastante sensíveis: a geração do par de chaves, que conforme o texto normativo deverá ser gerado sempre pelo próprio titular, e o conhecimento da chave privada de assinatura que, também se depreende da norma, será de ciência, uso e controle exclusivo do titular.

O artigo 7º trata das Autoridades de Registro que, vinculadas a uma Autoridade Certificadora, são responsáveis por identificar e cadastrar os usuários – na presença destes –, e encaminhar solicitações de certificados às Autoridades Certificadoras. As Autoridades de Registro, assim como as Certificadoras, também devem manter cadastradas as suas operações. O artigo 8º, por sua vez, aduz que poderão ser credenciados como Autoridades Certificadoras e Autoridades de Registro, desde que atendam critérios estabelecidos pelo Comitê Gestor da ICP-Brasil, órgãos e entidades públicos, bem como pessoas jurídicas de direito privado.

Chega-se então ao artigo 10 da Medida Provisória 2.200-02, de 2001, que trata de ponto central da norma: a validade dos documentos digitais (a expressão adotada no texto legal foi "documento eletrônico"). Assim, o caput do artigo diz que "consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória." O parágrafo 1º deste artigo equipara os documentos digitais assinados em conformidade com a ICP-Brasil aos documentos com assinatura manuscrita, fazendo referência expressa ao artigo 131 do Código Civil de 1916 (Lei nº. 3.071, de 1º de janeiro de 1916), que vigia à época da publicação da citada Medida Provisória. O referido artigo assim apregoava: "Art. 131 As declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação aos signatários". O referido dispositivo legal encontra correspondência, literal, no artigo 219 do atual Código Civil (Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002). De forma transparente, trazendo validade aos documentos digitais assinados em observância aos preceitos da ICP-Brasil, assim aponta o parágrafo 1º do artigo 10 da Medida Provisória 2.200-02/2001:

§1o As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916 - Código Civil.

Porém, a citada Medida Provisória não se restringiu apenas aos documentos digitais assinados no âmbito da ICP-Brasil. O parágrafo 2º do artigo 10 faz menção expressa à utilização de outros meios de comprovação de autoria e integridade de documentos digitais (no dispositivo legal chamados de "documentos em forma eletrônica"), inclusive para a utilização de certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que esse meio de comprovação seja admitido pelas partes como válido, ou ainda que seja aceito pela pessoa a quem for oposto o documento, conforme apresentado a seguir:

§2o O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento. (grifou-se)

Nos próximos artigos, a Medida Provisória citada trata de outros aspectos relativos a criação e condições de funcionamento da ICP-Brasil. Foge ao escopo deste trabalho a análise mais aprofundada de outras normas que regulamentam o funcionamento da ICP-Brasil; porém, faz-se pertinente a referência a algumas delas: Decreto nº 3.996, de 31 de Outubro de 2001 (dispõe sobre a prestação de serviços de certificação digital no âmbito da Administração Pública Federal), Decreto nº 4.414, de 07 de Outubro de 2002 (altera o Decreto no 3.996, de 31 de Outubro de 2001, que dispõe sobre a prestação de serviços de certificação digital no âmbito da Administração Pública Federal), Decreto nº 4.689, de 07 de Maio de 2003 (aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação), bem como as resoluções e portarias do Comitê Gestor da ICP-Brasil.

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Ainda com relação a validade jurídica do documento digital, cabe a lembrança do que dispõe o artigo 332 do Código de Processo Civil pátrio:

Art.332. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.

Desta forma, ainda que não houvesse a Medida Provisória 2.200-02/2001 a tratar da validade dos documentos digitais assinados digitalmente, ainda assim não se poderia negar a legitimidade deste tipo de documento como meio probante, uma vez que não se pode falar que documentos digitais são, por si próprios, ilegais, nem tampouco imorais, e como visto anteriormente neste trabalho, reúnem condições técnicas que lhes trazem eficácia probatória. Pela mesma razão, como bem lembra Augusto Marcacini [38], o documento digital tampouco confrontaria a previsão do inciso LVI do artigo 5º da Constituição Federal ("LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos"), justamente em razão do que já se notificou neste estudo – o documento digital, em si, não é ilegal. Porém, não se está dizendo que o documento digital não possa ser obtido de forma ilegal – no caso de uma interceptação de comunicação protegida por sigilo, por exemplo –, fato que, daí sim, ensejaria sua inadmissibilidade como elemento de prova, da mesma forma como ocorreria com qualquer outro meio probante obtido de forma viciada.


5.CONCLUSÃO

Diante do que foi apresentado, percebe-se que o documento digital se fará cada vez mais presente como forma de registro. As maiores barreiras a sua utilização não estão, como exposto, nos aspectos técnicos ou jurídicos, mas sim na mudança de cultura, diante do hábito arraigado de se utilizar o documento físico, ou seja, algo material, palpável, e cuja existência independe de um computador que possa armazená-lo e traduzi-lo. Porém, essa transformação cultural já está acontecendo; o uso dos meios informáticos é cada vez mais comum em todas as atividades, e se tornam ainda mais necessários na medida em que há o aumento expressivo do volume de informações com o qual os profissionais são obrigados a lidar.

No mundo empresarial, são intensos os esforços para se diminuir, e até substituir, a utilização do papel como fonte primária de registro e troca de informações, e o elemento principal desta empreitada é o documento digital. Percebeu-se que, via de regra, o documento já nasce em um computador, e as empresas identificaram a possibilidade de obter grandes benefícios se estes documentos continuassem em meios digitais. Diante disso, não causa surpresa o fato de que o uso cada vez mais amplo do documento digital seja uma meta comum às mais variadas entidades atuantes no mercado.

Na esfera pública, e em especial no Poder Judiciário, diversas são as iniciativas que prevêem a utilização de documentos digitais, motivadas pelas vantagens destacadas anteriormente neste trabalho. Ganham maior relevo aquelas que buscam à informatização dos processos judiciais, diante dos benefícios que podem trazer à sociedade: menor custo, maior agilidade, maior publicidade, melhor manuseio, maior segurança, apenas para elencar superficialmente os resultados que podem ser atingidos. Estas benesses não devem se restringir ao Poder Judiciário, mas sim se estender ao Legislativo e ao Executivo, vez que se vislumbra a possibilidade de fortalecimento da cidadania aos brasileiros.

Em relação aos profissionais do Direito, em especial aos advogados, ressalta-se que precisam ter a consciência de que estar atualizado tecnologicamente deve ser inerente à sua atuação. O advogado deve ter papel ativo na busca da melhor utilização da tecnologia para executar o seu mister. Não deve assumir uma postura passiva de apenas aguardar que o poder público decida a forma como se dará o estabelecimento de novas tecnologias – deve participar destas escolhas, compreender os desdobramentos implicados, e se preparar para eles. Por outro lado, também deve estar certo de que cada vez mais seus clientes exigirão capacitação para lidar com as melhores ferramentas para a execução de seus trabalhos. Nestes tempos de informação "na ponta dos dedos", o nível de exigência quanto a qualidade de prestação de serviços tem galgado patamares mais elevados, e o advogado deve estar pronto a atendê-los, sob pena de não sobreviver em um ambiente cada vez mais competitivo, e cada vez mais complexo.

Resta lembrar, portanto, que o documento digital já é uma realidade, e estará cada vez mais próximo, fará parte das atividades de forma tão corriqueira quanto o documento físico o faz hoje. Ao se ter mente os inquestionáveis avanços que serão obtidos com a utilização do documento digital, é possível prever que barreiras à sua utilização sejam cada vez mais reduzidas. No decorrer deste trabalho se verificou que fatores técnicos não são impeditivos à utilização do documento digital, ao contrário, o estado da técnica atual já permite se falar em validade jurídica deste documento. Este entendimento é convalidado com a demonstração de que o sistema normativo brasileiro e estrangeiro já recepcionam o documento digital em sua plenitude.

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Sobre o autor
Christiano Vítor de Campos Lacorte

advogado, bacharel em Ciências da Computação, pós-graduado em Tecnologia da Informação, analista de informática em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LACORTE, Christiano Vítor Campos. A validade jurídica do documento digital. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1078, 14 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8524. Acesso em: 5 nov. 2024.

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