Serei obrigado a tomar a vacina contra o Coronavírus (COVID-19)?

11/09/2020 às 10:13
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Sob a luz da legislação vigente, responderemos se a vacinação contra o COVID-19 será obrigatória!

Em recente entrevista, nesta terça feira (08/09/2020), o presidente Jair Messias Bolsonaro, afirmou: “Não pode injetar qualquer coisa nas pessoas e muito menos obrigar[i] referindo-se a possível vacina contra o covid-19 e a necessidade de vacinação da população brasileira.

Diante de mais essa declaração polêmica do presidente Bolsonaro, surgem as questões: Seremos obrigados a tomar a vacina contra o Coronavírus (covid-19)? Caso sejamos obrigados, isto não fere as liberdades individuais previstas na Constituição Federal / 1988?

Longe de tecermos qualquer consideração sobre como as vacinas são feitas, os diversos critérios científicos adotados e os procedimentos para aprovação pela ANVISA, apenas sobre o prisma da legalidade, e sempre sobre ele, responderemos a estas perguntas.

Segundo a recente lei nº 13.979/ 2020[ii], assinada pelo próprio presidente em 06 de Fevereiro de 2020 - quando ainda tínhamos ministro da saúde, visto que já estamos a mais de quatro meses sem ministro, isto em plena pandemia -, prevê em seu art. 3º, III, “d”, o seguinte:

“Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, poderão ser adotadas, entre outras, as seguintes medidas:

(...)

III - determinação de realização compulsória de:

(...)

d) vacinação e outras medidas profiláticas;” grifos meus

Vale lembrar que esta lei é de iniciativa do próprio poder executivo. Portanto, não pode o presidente alegar o desconhecimento de qualquer lei (art. 3º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro - DECRETO-LEI Nº 4.657/1942), muito menos a que ele próprio teve a iniciativa de criar e sancionar.

Não obstante, o artigo 8º da referida lei vincula o prazo de vigência da norma enquanto perdurar o estado de emergência internacional pelo covid-19 e o decreto legislativo nº 6, 20 de março de 2020.

Logo, no momento em que o presidente fez tal declaração, ainda permanecia em vigor a lei 13.979/2020, vez que ainda sobrevive o decreto legislativo nº 6, de 20 de março de 2020 e o estado de emergência internacional pelo coronavírus.

Igualmente, devemos afirmar que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído pela Lei nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990[iii], afirma em seu art. 14, §1º, que:

 Art. 14. O Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica e odontológica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos.

§ 1 o É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”  grifos meus

Ora, o ECA, lei de 1990, já previa expressamente a obrigatoriedade de vacinação de crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias, o que também não podia ser ignorado pelo presidente da república no momento de suas declarações.

Antes mesmo destas leis acima, desde 1975, já existia a lei nº 6.259, que trata do Programa Nacional de Imunizações, que em seu art. 3º prevê que cabe ao Ministério da Saúde a elaboração do Programa Nacional de Imunizações, que definirá as vacinações, inclusive as de caráter obrigatório.

Afirma ainda no §único do citado artigo, que as vacinações obrigatórias serão praticadas de modo sistemático e gratuito pelos órgãos e entidades públicas, bem como pelas entidades privadas, subvencionadas pelos Governos Federal, Estaduais e Municipais, em todo o território nacional.

Inclusive, vale ressaltar, que a obrigatoriedade das vacinas implicam sanções aos que não cumprirem o calendário nacional de vacinação, instituído pela portaria 597/2004. Onde, o indivíduo que não cumprir o calendário e não tomar todas as vacinas obrigatórias, não poderá se matricular em creches e em instituições de ensino, efetuar o alistamento militar ou receber benefícios sociais do governo[iv].

Devemos salientar ainda que, uma vez que o Coronavírus (COVID-19) é doença altamente contagiosa e, legalmente, obrigatória a sua vacinação, aos que se recusarem a receber a referida vacina, poderão incorrer naquilo que o Código Penal define como Infração de medida sanitária preventiva, que assim prevê no art. 268:

“Art. 268 - Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:

Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.”

Como vimos acima, diversas normas obrigam à vacinação, agora urge a questão: Será que estas normas, ao obrigaram a vacinação, guardam consonância com carta magna (constituição de 1988) no que concerne aos direitos e garantias individuais?

A resposta é sim.

A Carta Magna prima pelo direito à vida, como o mais fundamental de todos os direitos, cabendo ao Estado assegurá-lo com todas as suas forças, tanto no sentido de manter-se vivo, assim como garantir a vida digna, adotando todas as medidas que garantam a proteção contra riscos a ela. Ficando expressamente consignado na cabeça do art. 5º que é inviolável o direito à vida e no art. 6º que a saúde é direito social.

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Assim, primando pela direito à vida e saúde (primordiais na constituição), deve o intérprete relativizar os direitos e garantias individuais, utilizando o princípio da concordância prática ou harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns relação aos outros, mas buscando o verdadeiro significado da norma com a finalidade do texto constitucional.[v]

Deste modo, caso algum cidadão se recuse a tomar a vacina contra o novo Coronavírus e para isso invoque os direitos e garantias individuais do art. 5º da CF, como por exemplo: a inviolabilidade da intimidade (inciso X) e a liberdade (“caput” do art. 5º), terá de enfrentar adversários mais poderosos, como: o direito á vida (“caput” do art. 5º), direito á saúde (art. 6º) e o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado.

Inclusive, para garantir o respeito aos direitos constitucionais e o bem estar social, pode a administração publica utilizar-se do poder de polícia (derivado do princípio da supremacia do interesse público), para coercitivamente, obrigar os cidadãos reticentes a tomarem a vacina contra o COVID-19, de acordo com o calendário de vacinação a ser expedido pelos órgãos competentes.

Portanto, uma vez que a vacina tenha sido aprovada dentro dos padrões da ANVISA e respeite as normas técnicas de fabricação e distribuição, a vacinação da população brasileira é sim obrigatória, estando a fala do presidente da república em dissonância com o que prevê a legislação vigente, demonstrando um profundo desconhecimento por parte do chefe do poder executivo das leis, que desde 1975 até a mais recente de 2020, obrigam à vacinação.


[i] Disponível em  https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,nao-pode-injetar-qualquer-coisa-nas-pessoas-e-muito-menos-obrigar-diz-bolsonaro-sobre-vacina,70003430011, acessado em 10/09/2020

[ii] Disponível em  https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-13.979-de-6-de-fevereiro-de-2020-242078735#:~:text=Art.,objetivam%20a%20prote%C3%A7%C3%A3o%20da%20coletividade. Acessado em 10/09/2020.

[iii] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm, acessado em 10/09/2020.

[iv] Disponível em https://www.aosfatos.org/noticias/o-que-lei-e-ciencia-afirmam-sobre-vacinacao-obrigatoria-no-brasil/, acessado em 10/09/2020.

[v] MORAES, Alexandre de/ DIREITO CONSTITUCIONAL. 21. Ed. – São Paulo ; Atlas, 2007.pg. 28

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