CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A INCOMPATIBILIDADE DOS ZOOLÓGICOS COM A DECLRAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS ANIMAIS E A LEI 9.605/98.

12/09/2020 às 20:16
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O artigo faz uma síntese geral sobre a questão dos zoológicos e a Declaração Universal dos Direitos dos Animais e sua incompatibilidade com a Lei 9.605/98

O homem tem o costume de manter animais em cativeiro há milhares de anos.  Há cerca de 2500 a.C., governantes da Mesopotâmia, Egito e China já mantinham colecções em recintos fechados. No entanto, os zoológicos modernos começaram a evoluir durante o século XVIII, na era do Iluminismo, quando o interesse científico pela zoologia, e o estuo do comportamento e anatomia dos animais, se tornou evidente. Pode parecer óbvio explicar, mas um  jardim zoológico é um local onde os animais em cativeiro são expostos para os seres humanos verem, apenas a título de entretenimento para crianças,

Nos Estados Unidos, as leis incidentes aos zoológicos, denominada “Lei Federal de Bem-Estar Animal estabelece apenas padrões mínimos para o tamanho das gaiolas, abrigo, cuidados de saúde, ventilação, vedações, comida e água. Por exemplo, os recintos devem proporcionar espaço suficiente para permitir que cada animal faça ajustamentos posturais e sociais normais com a liberdade de movimento adequada.

Várias denúncias são realizadas diariamente naquele país, principalmente no Estado da Pensilvânia, que concentra o maior número delas. Os estabelecimentos geralmente não cumprem com as medidas mínimas de higiene, espaço, alimentação e atividades de lazer com animais. Por isso, quando as autoridades atendem um chamado, não é incomum encontrar os animais em estado de subnutrição, debilidade, stress, ou padrões de comportamento anormais. Um caso famoso foi de um zoológico de beira de estrada no estado norte-americano mencionado, onde vários animais foram encontrados com queimaduras, em gaiolas, e em estado de agressividade. Ou seja, maus-tratos.

Inúmeras ONG’s estadunidenses atuam na denúncia e apuração desses crimes, sendo importante destacar a Animal Legal Defense Fund, e a People for Ethical Treatment for Animals- PETA, a maior organização de direitos dos animais do mundo, que já conta com mais de 6,5 milhões de membros e apoiadores em todo o mundo.[1]

No entanto, as violações resultam frequentemente apenas na cominação de uma pena de multa e a fixação de um prazo ao expositor para corrigir a violação.

No Brasil a lei que atualmente rege o estabelecimento e funcionamento dos jardins zoológicos é a Lei 7.173/83, que considera qualquer coleção de animais silvestres mantidos vivos em cativeiro ou em semiliberdade e expostos à visitação pública. A Lei ainda justifica os zoológicos como espaços para atender a finalidades socioculturais e objetivos científicos.

Em 2018 houve o estabelecimento na Comissão de Meio Ambiente da Câmara do Projeto de Lei 6432/16 de autoria do Dep. Goulart (PSD-SP) que proíbe zoológicos e aquários. O relator do projeto, Dep. Federal Ricardo Izar, apresentou um substitutivo que revoga a Lei dos Zoológicos (Lei 7173/83) e tipifica o crime de expor animais silvestres para visitação ou amostra em zoológicos, aquários e parques públicos e privados. Izar inclui essa medida na Lei de Crimes Ambientais (Lei 9605/98), que equipara tais condutas à prática de abusos e maus-tratos aos animais. O projeto de emenda à Lei de Crimes Ambientais prevê que os animais deveriam ser prioritariamente libertados no seu habitat, ou levados para santuários ecológicos ou fundações para guarda e cuidados, sob cuidado de técnicos habilitados.

O argumento, porém, que os defensores e conservacionistas dos jardins zoológicos utiliza como forma de legitimação é a conservação da biodiversidade, isto é, que esses espaços salvam as espécies ameaçadas, e a questão dos fins “educativos”. Porém a maioria dos ativistas progressistas da causa animal acredita que o custo do confinamento dos animais supera os benefícios, e que a violação desses direitos, - mesmo nos esforços para os defenderem da extinção - não pode ser justificada.

Pensamos que a manutenção de animais em zoológicos, ainda que para fins educativos, científicos, ou socioculturais viola o art. 4 da Declaração Universal dos Animais. Esse tratado foi proposto para ser um diploma legal internacional, levado a UNESCO em 1978, que visa criar parâmetros jurídicos internacionais de proteção e bem-estar animal para os países membros da Organização das Nações Unidas, - ONU.

O artigo 4º é bem claro ao dizer que “cada animal que pertence a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu ambiente natural terrestre, aéreo e aquático, e tem o direito de reproduzir-se. A privação da liberdade ainda que pra fins educativos, viola esse direito.”[2]

Além disso, se considerarmos os zoológicos como uma espécie de divertimento, essa prática também violaria o art. 10 da Declaração, que veda o uso de animais no entretenimento ao dispor que “nenhum animal deve ser usado para divertimento do homem. E a exibição dos animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a dignidade do animal.”[3]

Os zoológicos concentram vários argumentos negativos para sua extinção. O principal deles, é que não há uma fiscalização eficiente que assegure a qualidade de vida e a segurança desses animais. Como dito, não raras vezes as condições físicas, de higiene, alimentação e falta de espaço acabam por resultar na aquisição/facilitação de doenças. Esses lugares também não promovem nenhum tipo de benefício para o bem-estar animal, ao contrário: eles ganham muito dinheiro e visibilidade as custas do sofrimento animal, porque os filhotes geralmente são utilizados como atrativos de visitantes e dinheiro. Esse incentivo geralmente é para financiar novos filhotes excedentes para serem vendidos não só para outros zoológicos, mas até mesmo para os circos ou para o abate, porque alguns zoológicos simplesmente matam seus animais excedentes;

A maioria dos zoológicos não libera os animais de volta à natureza, isso significa que se um filhote nasce ali, fará parte do zoológico para sempre, podendo ser vendido para um circo quando ficar velho, ou até mesmo para o comércio ilegal de animais exóticos/silvestres que compram, vendem e trocam e exploram animais. (tráfico de animais silvestres). Os fins “educativos” também não se justificam, porque os zoológicos passam a ideia para as crianças de que aprisionar animais para o nosso próprio entretenimento é aceitável. Infelizmente, enquanto houver demanda por zoológicos, eles continuarão a existir.

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Peter Singer, um dos maiores doutrinadores e ativistas da causa animal já em 1975 alertava em seu “Vida Ética” a necessidade de que as instituições Estatais, a indústria, a lei e os pesquisadores científicos tratem os animais com ética. Em verdade, significa estabelecer um sistema jurídico de proteção animal amplo e seguro, que considere os animais como sujeitos de direito e seres senscientes, ou seja, passiveis de sentir dor, sofrimento, medo, agonia, afeto e carinho. O Direito Animal faz parte e contempla os objetivos do Direito Ambiental. Por óbvio: a natureza é composta pelo meio ambiente natural que abarca as diferentes formas de vida: a fauna, flora, a biodiversidade, e os ecossistemas.

Acredita-se que o Brasil esteja caminhando para a criação desse sistema jurídico de proteção legal, como o PL 27/18, e o PL 1.095/19, por exemplo, assim como o refinamento de algumas legislações de proteção ambiental já existentes, como a Lei n. 9.605/98. Mas ainda há um longo caminho a ser percorrido.

Por enquanto, com relação aos zoológicos, é possível observar a vida selvagem da natureza de forma mais real, ou visitar um santuário. Há outras alternativas. Os santuários não compram, vendem ou criam animais, embora aceitem animais de estimação exóticos indesejados, animais excedentes de zoológicos, ou ainda animais feridos que não podem mais sobreviver na natureza. Os santuários também reabilitam a vida selvagem, e existem muitos no país. É necessário incentivar outras formas de contato com a natureza, outras formas de entretenimento, outras formas de apreciação da vida selvagem.

 Dessa forma, estaremos ensinando a nossas crianças, acima de tudo, o respeito a qualquer forma de vida, o respeito aos animais, à natureza. Estaremos ensinando que a vida em sua forma original, é livre.

 


[1] A PETA atua em 4 (quatro) frentes de proteção ambiental: animais em situação de vulnerabilidade na indústria alimentícia, de cosméticos, têxtil, e de entretenimento.

[2] Disponível em: http://www.urca.br/ceua/arquivos/Os%20direitos%20dos%20animais%20UNESCO.pdf Acesso em 10 set 20.

[3] Disponível em: http://www.urca.br/ceua/arquivos/Os%20direitos%20dos%20animais%20UNESCO.pdf Acesso em 10 set 20.

Sobre a autora
Marjorie Mello

Advogada - OAB/SC n. 65.630; Mestranda em Direito Internacional, Econômico e Comércio Sustentável - PPGD/UFSC; Pós-graduanda em Direito Ambiental e Urbanístico - PUC-MG; Membro da Comissão de Direito Ambiental e Animal da OAB/SC.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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