Limpeza de pastagem não é infração nem crime ambiental

13/09/2020 às 15:08

Resumo:


  • A fiscalização ambiental frequentemente confunde a limpeza de pastagem com desmatamento ilegal, levando a problemas jurídicos e financeiros para os proprietários rurais.

  • Conceitos como "área de uso alternativo do solo", "áreas rurais consolidadas" e "pousio" são importantes no contexto jurídico e prático para diferenciar entre manutenção de pastagem e supressão de vegetação nativa.

  • Limpeza de pastagem é uma prática necessária para a manutenção da produtividade agrícola e não deve ser confundida com crime ambiental, desde que respeite a legislação vigente e não envolva áreas de preservação ou vegetação nativa sem autorização.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Periodicamente, as espécies vegetais invasoras surgem no pasto e naturalmente demandam técnicas para removê-las, pois segundo as pesquisas, pastagem suja traz impacto na produtividade diante da redução da lotação animal, qualidade do pasto etc.

Com bastante frequência a fiscalização ambiental está fiscalizando imóveis rurais após fazer limpeza de pastagem, área que por muito tempo ficou sem manutenção, confundindo com infração e crime ambientais de supressão de vegetação nativa sem licenciamento ambiental (sinônimo de ‘desmatamento ilegal’), complicando ainda mais um problema financeiro e gerencial, trazendo-o para a esfera jurídica ambiental nas fiscalizações por satélite.

 

Na prática do produtor, limpeza de pastagem está associado com a remoção das plantas invasoras. Na prática jurídica, lembramos alguns conceitos como "área de uso alternativo", "áreas consolidadas", "supressão vegetal" e "pousio". Segundo as definições do Código Florestal assim descreve:

 

1) área de uso alternativo do solo: substituição de vegetação nativa e formações sucessoras por outras coberturas do solo, como atividades agropecuárias, industriais, de geração e transmissão de energia, de mineração e de transporte, assentamentos urbanos ou outras formas de ocupação humana;

 

2) área rural consolidada: área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio;

 

3) pousio: prática de interrupção temporária de atividades ou usos agrícolas, pecuários ou silviculturais, por no máximo 5 (cinco) anos, para possibilitar a recuperação da capacidade de uso ou da estrutura física do solo; 

 

 

Supressão vegetal ou supressão de vegetação nativa já diz o nome e seus sinônimos, ou seja, suprimir, derrubar, desmatar e ao falar em desmate, hoje associa-se a uma conduta criminosa, o que não é verdade, pois se deve diferenciar o desmatamento autorizado do desmatamento ilegal.

 

Periodicamente, as espécies vegetais invasoras surgem no pasto e naturalmente demandam técnicas para removê-las, pois segundo as pesquisas, pastagem suja traz impacto na produtividade diante da redução da lotação animal, qualidade do pasto e, consequentemente, ganho de peso dos animais.

 

A atuação jurídica também solicita suporte de profissionais de outras áreas para compreender que esta limpeza é feita por controle foliar, aplicação de herbicidas, roçadas, cuja técnica deve ser escolhida conforme a estação do ano para maior efetividade no combate das vegetações invasoras.

 

Na esfera jurídica, quando a fiscalização ambiental confunde vegetação ’suja‘ com vegetação nativa em regeneração, o problema é triplo na chamada responsabilidade ambiental tríplice delineada pela Constituição Federal, em seu artigo 225, §3º, ou seja: 1) a infração ambiental (multas, embargos, apreensão de materiais); 2) o crime ambiental (Lei no. 9.605/1998); e 3) a reparação do dano com a obrigação de recuperar a área (Lei no. 12.651/2012).

 

Na prática, esta tríplice responsabilidade se transforma em um ’auto de infração‘ descrevendo qual foi a legislação desobedecida; uma intimação para prestar depoimento em uma delegacia pelo crime ambiental; e outra intimação para prestar esclarecimentos no Ministério Público, tanto em inquérito civil quanto em inquérito penal que podem se tornar ações judiciais ainda mais graves, a ação civil pública e a ação penal ambiental.

 

São aproximadamente cinco possibilidades de se tornar um "criminoso ambiental" conforme os tipos de crimes previstos na Lei 9605/1998, até mesmo para quem recebe esta madeira, com penas de até quatro anos de prisão e são aproximadamente quatro possibilidades de se tornar infrator ambiental recebendo multas em dinheiro, segundo o Decreto Federal nº 6514/2008, dentre as quais:

 

Artigo 49.  Destruir ou danificar florestas ou qualquer tipo de vegetação nativa, objeto de especial preservação, não passíveis de autorização para exploração ou supressão:             

Multa de R$ 6 mil (seis mil reis) por hectare ou fração. 

Parágrafo único.  A multa será acrescida de R$ 1 mil (mil reais) por hectare ou fração quando a situação prevista no caput se der em detrimento de vegetação primária ou secundária no estágio avançado ou médio de regeneração do bioma Mata Atlântica. 

 

Artigo 50.  Destruir ou danificar florestas ou qualquer tipo de vegetação nativa ou de espécies nativas plantadas, objeto de especial preservação, sem autorização ou licença da autoridade ambiental competente:

Multa de R$ 5 mil (cinco mil reais) por hectare ou fração.

 

Artigo 51.  Destruir, desmatar, danificar ou explorar floresta ou qualquer tipo de vegetação nativa ou de espécies nativas plantadas, em área de reserva legal ou servidão florestal, de domínio público ou privado, sem autorização prévia do órgão ambiental competente ou em desacordo com a concedida:                 

Multa de R$ 5 mil (cinco mil reais) por hectare ou fração. 

 

Artigo 52.  Desmatar, a corte raso, florestas ou demais formações nativas, fora da reserva legal, sem autorização da autoridade competente:

Multa de R$ 1 mil (mil reais) por hectare ou fração. 

 

 

Estas situações acabam refletindo também nas relações de arrendamento ou parceria por questões de ordem contratual, já que nos contratos estão definidas as responsabilidades pela manutenção da área.

 

O nascedouro destas situações, muitas vezes está nas estruturas criadas no Ministério Público dos Estados, que hoje contam com profissionais e aparato tecnológico de geoprocessamento para analisar imagens de satélite, solicitando em seguida a fiscalização no local, pela polícia ambiental ou Ibama, para que então formalizem os já descritos autos de infração que servirão de base para os inquéritos civil e penal.

 

Ocorre que, nem sempre, a fiscalização no local é capaz de encontrar a "prova do crime", ou seja, o chamado material lenhoso, pois quando se trata de limpeza de pastagem muito suja, não há formação de material lenhoso suficiente para a identificação como ’vegetação nativa‘, senão espécies invasoras, muito menos se faz uma constatação mais pontual se a área que passou pela "limpeza" ou foi "desmatada" como alegam os fiscalizadores, já estava ’consolidada‘ em ’área de uso alternativo‘ (pastagem) e há quanto tempo.

 

E assim, o produtor rural é colocado na condição de ‘infrator’ ou ‘criminoso’. Para agravar a situação, o dano ambiental foi eternizado pelo Supremo Tribunal Federal que o considera ‘imprescritível’, vide Recurso Extraordinário no. 654.833, com repercussão geral.

 

A partir destas premissas, a fiscalização se utiliza de análises multitemporais, entre anos e décadas passadas para determinar a ocorrência de uma infração ambiental, conciliando estas análises de ’desmatamento‘ ou ’limpeza‘ com os sistemas de licenciamento do órgão ambiental do respectivo estado para identificar se havia ou não autorização para realizar estas atividades.

 

Discutem-se, portanto, as “áreas de uso alternativo”, assim chamadas no Novo Código Florestal definidas, no art. 3º, VI que trata das terminologias, como sendo “uso alternativo do solo: substituição de vegetação nativa e formações sucessoras por outras coberturas do solo, como atividades agropecuárias, industriais, de geração e transmissão de energia, de mineração e de transporte, assentamentos urbanos ou outras formas de ocupação humana”.

 

Há muitos laudos fiscalizatórios equivocados na interpretação de imagens por satélite, carentes da análise de todas as informações apresentadas junto ao órgão ambiental, bem como precipitados da validação do Cadastro Ambiental Rural, quem delega competência dos órgãos ambientais dos estados para validar a classificação das áreas de uso alternativo e das áreas de interesse ambiental.

 

Muitas vezes, a fiscalização sequer é capaz de identificar a presença de indivíduos arbóreos, material lenhoso ou qualquer outro elemento do suposto crime ou infração, realizando apenas uma “vistoria por satélite”, confundindo as áreas infestadas por vegetação invasora, com vegetação nativa remanescente.

 

Neste mesmo sentido, ratifica a obra de Paulo de Bessa Antunes (Direito Ambiental, 2017, fls. 896-899) no sentido de que “o Direito deverá se socorrer com os conceitos originários da biologia, da ecologia, da agronomia e de tantas quantas sejam as ciências voltadas para o estudo das florestas”.

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Se as áreas onde executam-se as limpezas de pastagem já haviam sido convertidas de vegetação nativa para áreas de uso alternativo (pecuária), sem encontrar material lenhoso no local, não há que se falar em infração ou crime ambientais, muito menos se, historicamente, há predominância de espécies gramíneas exóticas (pastagem), apurados por perícia técnica.

 

Portanto, limpeza de pastagem não é crime nem infração ambiental, falta tipicidade, bem como trata-se de atividade que não demanda licenciamento ambiental, cumprindo a função social da propriedade.

 

É neste ponto que está a diferença, já que supressão vegetal ou desmatamento autorizado precisa de licença ambiental, já a limpeza de pastagem na maioria dos estados não precisa de comunicação ao órgão ambiental, a limpeza é isenta de licenciamento, como acontece no Mato Grosso do Sul, por exemplo.

 

No Mato Grosso do Sul, a resolução estadual que trata do licenciamento ambiental garante isenção de licenciamento ambiental para algumas atividades na propriedade rural como a permissão para abertura de picadas de até seis metros de largura para levantamentos topográficos, marcos de georreferenciamento; até 10 (dez) metros para construção de cercas; a reforma de pastagens cultivadas; a limpeza de regeneração de vegetação nativa onde a circunferência de tronco deve ser inferior a 32 cm; e até mesmo o corte de espécies exóticas de qualquer circunferência, como aromita, canjiqueira, caraguatá, arranha gato, bacuris, etc.

 

Vê-se que a recomendação, nesta oportunidade, ultrapassa a esfera jurídica e parece mais adequado aos produtores não permitir que a área de pastagem da propriedade rural fique tão ‘suja’ pelas espécies invasoras a ponto de ser confundida em imagens de satélite com ‘vegetação nativa’ em qualquer estágio de regeneração. É preciso ‘manter a casa limpa’!

 

Mesmo que por muitas vezes a situação financeira seja um fator complicador para realizar limpezas de pastagens, neste ponto o produtor deve buscar alternativas por meio de linhas de financiamento no crédito rural, contratos de arrendamento ou parcerias em condições facilitadas para o arrendatário ou  parceiro que deverá auxiliar nesta limpeza e assim por diante, pois resolver estas situações tardiamente vai custar a contratação de trabalho de peritos e advogados para confrontar a fiscalização.

 

Há diversas situações que devem ser questionadas na fiscalização por satélite, já que existem ainda críticas sobre este tipo de fiscalização se considerarmos a falta de validade e oficialidade destas imagens no entendimento dos decretos federais 89817/1984 e 6666/2008, bem como da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) nas NBR‘s no. 13.133 e 14.166, e também os direitos autorais das imagens do Google Earth utilizadas como prova, pois por vezes apresentam resoluções e características de baixa qualidade.

 

O Decreto Federal nº 6.666/2008, torna possível compreender que a oficialidade dos dados geoespaciais está vinculada à necessidade de que estejam georreferenciados, garantindo-lhes maior precisão especial e temporal, sob pena de trazer ilegalidade aos atos administrativos.

 

Portanto, se há dúvidas acerca da regularidade ambiental nas atividades desenvolvidas em uma propriedade rural, o órgão ambiental do estado deve, necessariamente, ser consultado para informar acerca as classificações das áreas da propriedade rural fiscalizada, desenhando pontualmente as áreas de uso consolidado, as áreas de uso alternativo, os remanescentes de vegetação nativa e as áreas de eventual pousio.

 

Depois de conferir o planejamento da inscrição no Cadastro Ambiental Rural, é recomendável dedicar esforços para que a ‘validação’ desta informações, ou seja, sua aprovação seja feita corretamente pelo órgão ambiental estadual, de forma que, surgindo situações de fiscalização como estas seja possível apresentar à fiscalização, a inscrição do Cadastro Ambiental Rural validada.

 

Em posse destas informações será possível discutir com maiores elementos a ocupação da área e se estão validadas as áreas de interesse ambiental (reserva legal, áreas de uso permanente e áreas de uso restrito) e as áreas de uso alternativo (ocupação antrópica) para apontar a necessidade ou não de recuperação de supostos passivos ambientais.

 

É inadmissível que o cidadão fiscalizado seja compelido a cumprir ônus probatório que compete à fiscalização, principalmente considerando a participação de órgãos auxiliares e aparato técnico de geoprocessamento à disposição da fiscalização para concluir sobre estas situações, bem como as possibilidades conferidas aos titulares de inquéritos e ações civis públicas para requisitar informações aos órgãos públicos, nos termos do artigo 8º, §1º da Lei Federal nº 7.347/1985.

Sobre o autor
Pedro Puttini Mendes

Advogado, Consultor Jurídico (OAB/MS 16.518, OAB/SC nº 57.644). Professor em Direito Agrário, Ambiental e Imobiliário. Sócio da P&M Advocacia Agrária, Ambiental e Imobiliária (OAB/MS nº 741). Comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Colunista de direito aplicado ao agronegócio para a Scot Consultoria. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. Membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA), Membro Consultivo da Comissão de Direito Ambiental e da Comissão de Direito Agrário e do Agronegócio da OAB/SC. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008) pela Universidade Católica Dom Bosco. Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil pela Anhanguera (2011). Cursos de Extensão em Direito Agrário, Licenciamento Ambiental e Gestão Rural. PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA: "Pantanal Sul-Mato-Grossense, legislação e desenvolvimento local" (Editora Dialética, 2021), "Agronegócio: direito e a interdisciplinaridade do setor" (Editora Thoth, 2019, 2ª ed / Editora Contemplar, 2018 1ª ed) e "O direito agrário nos 30 anos da Constituição de 1988" (Editora Thoth, 2018). Livros em coautoria: "Direito Ambiental e os 30 anos da Constituição de 1988" (editora Thoth, 2018); "Direito Aplicado ao Agronegócio: uma abordagem multidisciplinar" (Editora Thoth, 2018); "Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul - explicada e comentada" (Editora do Senado, 2017).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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