O blockchain e suas utilizações nas relações negociais e jurídicas

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Neste artigo, entenderemos como o blockchain pode ser utilizado nas relações negociais e jurídicas.

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Blockchain – 2.1. Blocos – 2.2. Minerador – 2.3. Criptografia – 2.4. Gestão de Identidade – 3. Propriedade Intelectual e o blockchain – 4. Smart Contracts e o blockchain – 5. Jurisprudências sobre Blockchain nos tribunais pelo Brasil – 5.1. Validade jurídica dos documentos armazenados por meio eletrônico – 5.2. Tutela antecipada de urgência para saque de criptomoedas pelo blockchain X irreversibilidade da medida judicial – 6. Conclusão.

1. Introdução

Em um primeiro momento, devemos buscar e entender sobre a nova sociedade em que vivemos, a qual se desenvolve, principalmente, através da tecnologia e assim, posteriormente, poderemos compreender como esta modernização do Blockchain pode nós auxiliar em ter segurança jurídica para utilizá-la.

Além do mais, a nossa nova sociedade, chamada de sociedade da informação também pode ser entendida como “sociedade do conhecimento”[1], sendo marcada pela grande massa de informação, com a criação de dados obtidos de uma pessoa ou objeto para a realização de negócios jurídicos ou para a própria vida privada.

Com a transformação e o avanço da tecnologia, saímos do período industrial do século XX e seguimos para um novo conceito de sociedade. Segundo os entendimentos de Alvin Toffler[2], vivemos atualmente na sociedade informacional e, de acordo com BAUMAN[3], a natureza dessa nova modernidade é sempre estar em movimento (velocidade com que são passadas as informações) ou em constante mudança, portanto, a todo momento estaremos evoluindo e nos transformando com base na informação e no conhecimento.

Nesses moldes iniciais, no início de 2009, uma criptomoeda (moeda digital) chamada Bitcoin foi lançada e, desde então, vem protagonizando uma grande revolução nos meios virtuais. O principal ingrediente do êxito do Bitcoin é um sistema de registro que ficou um bom tempo sem ser notado: o blockchain.

De modo simplificado, o blockchain é um banco de dados não convencional, uma vez que, o sistema funciona como um livro de registros, mas inviolável, "inderrubável" e bastante eficiente.

A tecnologia é tão interessante que logo ficou claro que o blockchain também poderia ser usado em outros sistemas, dos mais diversos tipos: financeiros, comerciais, governamentais, gerenciais, eleitorais e etc. Até mesmo a CEO da IBM, Ginni Rometty, diz que o “blockchain é uma tecnologia tão profunda que fará pela transacionalidade o mesmo que a Internet faz pela informação.”[4]

2. Blockchain

O Blockchain tem recebido muita atenção na discussão pública e na mídia. Alguns admiradores argumentam que ele é a maior invenção desde o aparecimento da internet”[5].

Em um primeiro momento, devemos nos perguntar o que é blockchain. Imagine um livro de registros no qual cada operação é registrada em blocos sucessivamente, um após o outro, criando uma cadeia de operações, onde tudo fica registrado, portanto, o blockchain é um sistema de registro que contém todas as transações processadas no sistema. Todos esses blocos se conectam entre si e se assemelham com uma senha pessoal, ou seja, ninguém pode alterar esses blocos ou adicionar blocos ilegítimos.

Em tradução livre, o nome “blockchain”, significa cadeia de blocos. Uma cadeia de blocos nada mais é do que um conjunto de informações registradas e ligadas a blocos de informações anteriores e sucessores. Ou conforme entendimento de Daniel Drescher:

Podemos pensar em uma estrutura de dados como se fosse o projeto arquitetônico de uma construção. Um projeto como esse mostra a separação e a ligação entre os espaços por meio de paredes, pisos e escadas, de modo independente de seu uso concreto. Quando utilizamos como o nome para uma estrutura de dados, o termo blockchain refere-se a dados reunidos em uma unidade chamada blocos. É possível pensar nesses blocos como se fossem as páginas de um livro. Eles são conectados uns aos outros como se estivessem encadeados – daí o nome blockchain (cadeia de blocos). Em comparação com um livro, as palavras e frases seriam as informações a serem armazenadas.[6]

Além disso, esses blocos de informações são públicos, no sentido de que todos os participantes e/ou cyber navegantes da rede, possuem acesso. Porém, quando processados, os blocos não podem ser apagados ou alterados e ainda, novos registros só podem ser feitos mediante um processo de validação.

O sistema predominante do blockchain é o “distribuído”, ou seja, está em milhares de computadores pelo mundo e quando uma atualização (legítima) é feita, todos as cópias são sincronizadas em questão de segundos para todos. Assim, para melhor entendimento, segue os tipos de rede além da distribuída:

Advantages and Disadvantages of Decentralized Blockchains

Como podemos observar, a figura (A) simboliza uma rede centralizada, assim, existe exclusivamente apenas um centro de controle e poder, do qual concentra-se por consequência, todas as informações que circulam nessa rede. Ocorre, por outro lado, que esse formato de rede sempre será suscetível à ataques, pois bastará atacar no centro da rede para destruí-la, tendo em vista que os usuários/participantes daquela rede não se comunicam e dependem exclusivamente do órgão centralizador para obter informações.

Já na figura (B), simboliza uma organização de rede descentralizada, ou seja, existe múltiplos centros que possuem poder e controle e os usuários/participantes continuam não se interagindo entre si. Apesar de ser menos suscetível à ataques, pois possui diversos centros, os usuários/participantes não possuem cópia de informação da rede.

E na figura (C) demonstra uma organização totalmente distribuída do qual não possui um centro de poder ou controle e todos participantes estão conectados, assim, se sobrevier ataques na rede, por mais que todos usuários caíam, mas, se restar somente um, este salvará, pois todos possuem cópias das informações da rede e é neste formato que o Blockchain se insere.

Assim, para realizar a certificação de qualquer informação de uma cadeia em blocos e evitar qualquer tipo de fraude, “o blockchain conta com um mecanismo chamado proof of work — prova de trabalho, em tradução direta. Trata-se de um protocolo criptográfico que valida uma transação em um computador (ou outro dispositivo) por meio da resolução de um problema matemático. Adulterações nas cadeias de blocos, por menores que sejam, gerarão resultados diferentes do esperado para esse problema matemático. Isso impede o processamento da transação e, consequentemente, o seu registro[7].

A arquitetura do protocolo descrito por Satoshi Nakamoto é que garante a imutabilidade das transações já validadas, pois caso se quisesse fraudar a Rede alterando transações passas dentro do Blockchain, seria necessário alterar os hashes de todos os blocos já validados, o que seria extremamente difícil e caro, ou seja, computacionalmente improvável.”[8]

Nesse sentido, o conceito mais inovador trazido pelo Bitcoin é o da descentralização, ou melhor dizendo, distribuição”[9]. E ainda, vimos em algumas décadas atrás, surgiu novos modelos de negócio com o compartilhamento de serviços por meio da Internet, como por exemplo, o Mercado Livre, Decolar, Uber, Airbnb, Netflix e etc. Porém, “apesar de baseados nos conceitos de compartilhamento, esses modelos ainda estão centralizados em um intermediário”[10].

Por outro lado, um dos mais recentes aplicativos, o Arcade City, que funciona como o Uber, “mas sem intermediários, ou seja, uma rede de compartilhamento de viagens ‘peer-to-peer’, baseada em Blockchain.”[11]

2.1. Blocos

Com vimos no tópico anterior, todos blocos possuem registro entre si, diante das transferências de valores em Bitcoin entre as carteiras digitais dos cyber-navegantes.

Novas transações geram novos registros que, como tal, devem ser inseridos em novos blocos. No Bitcoin, por padrão, a cada dez minutos um bloco é fechado contendo toda as transações nesse período. Devo frisar que esse intervalo de tempo pode ser diferente em outros momentos e em outros sistemas que utilizam blockchain.

Além do conjunto de transações, um bloco precisa ter um código que o liga ao bloco anterior (afinal, eles estão conectados em cadeia), além de um código próprio que serve para conectá-lo ao bloco seguinte.

Mas como gerar esses blocos de modo seguro, sem que as conexões sejam alteradas para direcionar para um bloco ilegítimo, por exemplo? Aqui, a principal arma do sistema é a figura do minerador.” [12]

2.2. Minerador

Você sabe quem está realmente por trás das validações dos blocos? O minerador pode ser qualquer usuário comum, que possua um ou mais computadores disponíveis para se conectar à rede Blockchain, do qual resolvem vários cálculos para quebrar os blocos e no final serem recompensados com bitcoins, ou outra moeda. Ou conforme palavras da Dra. Emília Malgueiro Oliveira, “são participantes da Rede que possuem um equipamento apropriado, realizam o download de uma versão específica do software do Bitcoin e se conectam com os outros participantes da Rede”[13].

Funciona assim: o software analisa todas as informações referentes ao bloco e aplica uma fórmula matemática específica sobre esse conjunto de dados. O resultado do cálculo feito com essa fórmula é um código chamado hash. Normalmente, esse código usa base hexadecimal (letras e números). Cada conjunto de dados é único, portanto, toda vez que essa fórmula matemática for aplicada ao bloco, o código hash gerado será o mesmo. Mas, se o conjunto de dados sofrer alguma modificação, por menor que ela seja, o código hash será totalmente diferente[14].

Cadeia de blocos
Cadeia de blocos (repare nos códigos)

A título de curiosidade, normalmente, os computadores dos cyber-navegantes ficam ligadas 24 horas por dia, por isso as vezes, acaba sendo um investimento caro e com retorno apenas a longo prazo. As maquinas precisam de refrigeração e muita energia, porque esses softwares de mineração utilizam 100% dos recursos da máquina (processador, placa de vídeo e etc).

2.3. Criptografia

Antes de debruçar sobre criptografia, devemos entender sua história. Estudiosos no assunto dividem a criptografia em dois períodos, sendo o primeiro “Clássico” e o segundo “Moderno”.

A “criptografia clássica, como o nome sugere, é aquela utilizada desde os povos antigos até as primeiras grandes máquinas eletro-eletrônicas; já a criptografia moderna se desenvolveu principalmente no decorrer da Segunda Guerra Mundial, e utiliza meios mais avançados, que garantem (normalmente) mais segurança.”[15]

Por outro lado o Vice-Presidente da Associação Portuguesa de Data Science, Pedro Martins, entende que desde o Antigo Império do Egito, já havia registros na utilização da criptografia:

O primeiro uso conhecido da criptografia foi encontrado em hieróglifos irregulares esculpidos em monumentos do Antigo Império do Egito (a cerca de 4500 anos). Porém, não podem ser considerados como tentativas sérias de comunicações secretas, mas sim de ser mensagens misteriosas e intrigas.

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As técnicas que vieram a ser utilizadas depois consistiam na substituição e transposição dos caráteres da mensagem tornando-a ininteligível para quem não conhecesse a regra de transformação aplicada. Um exemplo é a Cifra de César, nome dado em homenagem a Júlio César que usou para se comunicar com os seus generais.

Essa técnica funcionava da seguinte maneira cada letra do texto é substituída por outra, que se apresenta no alfabeto abaixo dela um número fixo de vezes. Por exemplo, com uma troca de três posições, A seria substituído por DB se tornaria E, e assim por diante. O parâmetro de troca, três neste caso, é usado como chave para decifrar a mensagem.”[16]

Exemplo de criptografia:

Normal:  ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ

Cifrado: DEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZABC

E novamente, Pedro Martins, em seu livro[17], entende que a “autenticidade, confidencialidade e integridade de mensagens são problemas fundamentais sobre os quais a criptografia se debruça, problemas que têm vindo a merecer diferentes tipos de soluções ao longo dos tempos.”

Para que o Blockchain seja seguro, depende totalmente da criptografia, pois é utilizada para autenticação dos usuários que utilizam, sendo muito comum ainda, na transação de bitcoin, uma vez que, você possuindo uma chave privada (carteira bitcoin), irá gerar uma chave pública, ou seja, o endereço de bitcoin e assim, você encaminha o endereço de bitcoin público para outras pessoas te enviarem moedas digitais. 

Portanto, quem utiliza frequentemente essas ferramentas, deve tomar todos cuidados possíveis para que não perca ou que não seja roubado, pois a chave privada é a gera o endereço público da bitcoin. E nesse sentido as empresas de corretagem de bitcoin vem adotando extremas cautelas aos seus investidores, criando a autenticação de dois fatores, bem como, há “burocracia” documental para ser enviado antes mesmo da utilização e transação na plataforma.

2.4. Gestão de Identidade

Normalmente, a verificação de identidade era realizadas pelas pessoas, com documentos físicos, emitidos pelo governo, mas isso mudou com a chegada da internet e do mundo digital, ou seja, “a incessante digitalização e a conectividade intermitente continuam a transformar a nossa vida cotidiana, não podemos apoiar toda nossa infraestrutura em métodos de identificações físicas.”[18]

Após essa mudança para o digital, começaram a ocorrer várias violações e vazamentos de dados das pessoas, do qual houve uma real preocupação para sua proteção. E ainda, com o crescimento exponencial do comércio eletrônico, ficou subentendido que era necessário criar projetos de identidade confiável e seguro, permitindo a autenticação, identificação e operação de cada usuário com às novas tecnologias, como biometria, blockchain e inteligência artificial.

Em resumo, o conceito de identidade digital contempla “um conjunto de informações previamente coletadas, dispostas de forma eletrônica e capazes de descrever de forma indissociável um indivíduo, diferenciando-o dos demais dentro de contextos específicos. Logo, disponibilidade em tempo integral, segurança e imutabilidade são atributos de grande valia em um sistema de gestão de identidades digitais, estando presentes em blockchains abertas como a do Bitcoin. Pode-se considerar, inclusive, que o próprio protocolo da moeda digital possui embutido nele um sistema pseudônimo de manutenção e validação de identidades digitais.”[19]

Por fim, “o registro de usuários ou clientes em um sistema de blockchain pode combater falsificação de identidades, o que seria útil, por exemplo, para fechamento de contratos eletrônicos ou transferência de propriedade.”[20]

3. Propriedade Intelectual e o blockchain

Em linhas gerais, propriedade intelectual pode ser definida, segundo a Convenção da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (WIPO) como “a soma dos direitos relativos às obras literárias, artísticas e científicas, às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão, às invenções em todos os domínios da atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos industriais, às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais, à proteção contra a concorrência desleal e todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico.[21]

E realizando uma abordagem mais específica sobre tema, o principal questionamento sobre propriedade intelectual é verificar se existe a probabilidade de usar o Blockchain para registro e proteção de criações intelectuais. Antes de tudo, precisaremos desmembrar e entender o que é Propriedades Industriais e Autorais.

A definição trazida pela Abimaq, (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos[22] assim determina:

Propriedade Industrial: O ser humano, dotado de sabedoria, é capaz de criar, e essa criação, quando representa uma solução para determinado problema técnico, e que possa ser industrializado, merece ser protegida, fazendo com que, todo o prestígio do inventor seja reconhecido.

Assim, a Propriedade Industrial é o ramo da Propriedade Intelectual que trata das criações intelectuais voltadas para as atividades de indústria, comércio e prestação de serviços e engloba a proteção das invenções (patente de invenção e modelo de utilidade), desenhos industriais, marcas, indicações geográficas, bem como a repressão da concorrência desleal.

Direitos Autorais: São os direitos que o autor, a pessoa física criadora de obra intelectual, ou seus descendentes, tem de gozar dos benefícios morais e econômicos resultantes da produção de suas criações, no tocante à publicação, tradução, venda, etc.”

Agora para contextualizar, vejamos o seguinte exemplo: Se você pretende constituir uma Marca (propriedade industrial) ou qualquer outra elencadas na Lei 9.279/1996, é obrigatório o registro junto ao INPI (Instituto Nacional de Propriedade Intelectual), conforme artigo 129, porém, percebemos que na prática, os registros industriais se limitam ao ponte de não servirem ao do modelo Blockchain, uma vez que a lei determina, seguindo nosso exemplo, que para constituir uma Marca somente será realizado mediante registro no INPI.

Por sua vez, quando tratamos dos direitos autorais, primeiramente, cabe destacar que o Autor pode ou não realizar seu registro, portanto, é facultativo (art. 19, Lei 9.610/98). Para que o Autor detenha direitos à sua obra, ele pode simplesmente fixar em qualquer suporte informando pelo artigo 7, da Lei 9.610/1998 (Lei dos Direitos Autorais).

Os direitos autorais podem ser aplicados ao Software, mesmo que possua natureza híbrida de propriedade industrial e autoral. O Software é materializado e criado da mesma forma que um livro (a diferença que terá linguagem de programação) e ainda, independe da função que o software terá, uma vez que não depende de nada para rodar, como por exemplo: Windows, Linux, aplicativos de celular, software de contabilidade. Assim, caso você não faça o registro, e alguém “furtar/roubar/plagia” seu software, os empresários e empreendedores precisarão provar com todos os meios juridicamente validos de prova ao Tribunal.

Portanto, como sabemos que existe grandes burocracias junto ao INPI para registrar sua obra, sendo até custoso ao Autor, assim, o Blockchain é uma melhor alternativa aos empresários e empreendedores. “Além disso, o Blockchain possibilita a identificação permanente e imutável de toda a cadeia de produção, permitindo o rastreio de todos os possíveis coautores e pessoas envolvidas na criação da obra.”[23]

Apesar da promissora ideias a fim de registrar obras autorais em plataformas Blockchain, por outro lado, até o presente momento não existe uma regulação da tecnologia pelo Governo, ou seja, conforme a Dra. Jéssica de B. Souza Tebar diz “ausência de carimbo do governo[24], e assim fica enfraquecido sua utilização, porém, não devemos medir esforços para impulsionar sua regulamentação.

4. Smart Contracts e o blockchain

Um smart contract, ou conhecido também como contrato inteligente ou contrato digital “é um código de computador autoexecutável desenvolvido para facilitar, efetivar e proteger as operações financeiras no Blockchain[25] e assim, a corretora de criptomoeda, Bitcoin Trade comenta sobre o objetivo do smart contratc:

O principal objetivo dos smart contracts é automatizar a execução das regras e cláusulas dos contratos, além de permitir que os envolvidos acompanhem os processos desde o início até a execução de cada cláusula.”[26]

Ou conforme entendimento do estudioso Pedro Martins:

“Um smart contract corresponde a um protocolo computacional destinado a impor a execução dos termos de um contrato digitalmente especificado através de software, uma vez observada e verificada a existência de condições pré-acordadas. Dessa forma, é possível reduzir custos de transação e automatizar processos. [...] A tecnologia Blockchain permite a criação de um contexto de execução dos smart contracts que é aceite por todas as partes envolvidas no contrato”.[27]

Por outro lado, podemos dizer que os smart contracts são bem mais seguros que os físicos, uma vez que, os contratos tradicionais possuem linguagem jurídica com diversos entendimentos. Além disso, o custo pode ser alto, ineficiente e demorado, pois depende de confirmação de terceiros.

Por outro lado, os smart contracts são digitais e escritos em uma linguagem de programação imutável. “Além de estabelecer obrigações e consequências da mesma forma que o documento físico habitual, o código pode ser automaticamente executado. Portanto, é capaz de obter e processar informações referentes à negociação, já tomando as providências conforme as regras do contrato.”[28]

Nesses moldes, um exemplo interessante para entender a autonomia de um smart contratc, conforme realizado pelo Dr. Adriano Biancolini, é “na compra de um automóvel parcelado. A partir do momento que o comprador deixar de pagar as parcelas, poderá ser programado (previamente) que o carro seja bloqueado, de forma automática, até que sejam pagas as parcelas em atraso ou o carro seja devolvido. Falando em atraso, o smart contract também poderá fazer a cobrança automática de juros e multas pré-determinadas, sendo que determinada parcela só terá quitação com o pagamento desses encargos.”[29]

Nesses moldes, o smart contract é gerado apenas quando todas as requisições são confirmadas pelas duas partes, ou seja, toda a validação desse contrato é feita pela Blockchain, que armazena todas as informações, garantindo mais segurança em todo o processo, tornando-o inalterável. Portanto, qualquer alteração for feita por uma das partes será necessário gerar um novo contrato, diante da impossibilidade de sua modificação.

Ao analisar um smart contract, observamos três requisitos básicos para sua geração, como i) observalidade, averiguar se os demais contratantes estão cumprindo com sua obrigação; ii) verificabilidade, é uma competência atribuída aos contratantes em certificar que as obrigações estão sendo cumpridas ou não e ainda, ao exame por terceiros, como fiscais; iii) privacidade, apenas os contratantes possuem acesso à esse contrato. Assim, o smart contract além de possuir liberdade das clausulas contratuais, o contratante e contratado podem a qualquer momento estar verificando o cumprimento das obrigações através da internet, sem necessidade de mediadores.

Existe uma vários exemplos do qual o smart contract pode ser utilizado, como i) indústria automobilística, com armazenamento de informações do veículo, como histórico de acidentes ou manutenção e do próprio condutor, assim, as empresas de seguro podem avaliar e cobrar apólices de acordo com o zelo de cada um; ii) eleições, com o registro dos votos no blockchain, garante-se assim, mais segurança, diante da inalterabilidade e adulteração nos resultados por meio da criptografia e os votos não podem ser alterados; iii) setor imobiliário, quando há movimentação de muito dinheiro, podendo existir mais segurança entre às partes para que as cláusulas sejam cumpridas; iv) indústria fonográfica, compositores musicais e fotógrafos, que além de poderem registrar sua obra no blockchain, pode ser implementado o contrato inteligente para garantir que os direitos autorais sejam devidamente pagos entre os contratantes e para proteção de possíveis fraudes e plágios; v) propriedades inteligentes que utilizam técnicas de criptografia, do qual apenas o dono do token digital pode comercializar, evitando fraudes e ações enganosas por meio de rastreamento e ainda, qualquer bem pode ser transformado em token, como sua casa, carro e outros bens físicos ou digitais.

Assim, quando são cumpridas e verificadas as cláusulas contratuais que será liberado tal satisfação, como o pagamento a um fornecedor ou envio de criptomoedas.  Por fim, como o smart contratc é recente no Brasil, além de ser inovador e seguro, pode dispensar a intervenção de terceiros, como juízes, fiscais, cartorários, dentro outros, mas mesmo que existe essa proteção entre às partes, em caso de descumprimento, entendemos que o Judiciário deverá se adaptar à nova “espécie” contratual e resolver os litígios na sociedade.

5. Jurisprudência sobre Blockchain nos Tribunais pelo Brasil

As questões que versam sobre a tecnologia Blockchain gradativamente chegam os Tribunais pelo Brasil, mas, até o presente momento se apresentam com poucas decisões proferidas pelos Magistrados e assim passaremos a tratar de alguns posicionamentos.

5.1. Validade jurídica dos documentos armazenados por meio eletrônico

No primeiro caso, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na apelação n° 1.0155.18.000447-7/001, decidiu que os documentos armazenados em meios eletrônicos possuem a mesma validade jurídica que o original.

No caso concreto, tratava-se de uma ação de indenização, na qual o Autor alegava que o banco estava descontando valores de empréstimo consignado do seu benefício do INSS, fora de seu conhecimento e autorização. Afirmou ainda, que o banco não “tomou as devidas cautelas para proceder o empréstimo consignado”, sendo negligente e que existia uma possível fraude.

Em primeira instância, a ação foi julgada procedente, pois no entendimento do Magistrado, diante das provas apresentadas, havia fraude, mas o banco também foi vítima, porém, respondia objetivamente pelos danos sofridos do Requerente, uma vez que foi negligente quanto aos procedimentos de segurança para contratação de empréstimo.

O banco interpôs apelação alegando que não havia fraude, bem como que o Requerente tinha culpa exclusiva, uma vez que os seus procedimentos digitais eram totalmente seguros e que os documentos fornecidos eletronicamente, garantiram a legitimidade do contrato digital.

Nesses moldes, em segunda instância, o Desembargador Tiago Pinto, julgou procedente a Apelação do banco e reformar a sentença, entendendo que:[30]

A maior parte das instituições bancárias disponibiliza diversos serviços eletrônicos que tornam mais céleres e práticos o processo de contratação e disponibilização. Em verdade, já existem alguns bancos cujo funcionamento é quase totalmente digital. Essa desmaterialização da relação entre o consumidor e as instituições financeiras é um produto do progresso tecnológico dos meios de telecomunicação e da crescente demanda por velocidade e uso eficiente do tempo, seja do cliente, ou da mão de obra empregada no exercício das atividades bancárias. Mas tal desenvolvimento não se deu em descompasso com a tecnologia de segurança: blockchain, criptografia, certificações, assinaturas digitais, bem como senhas e outras tecnologias, se não perfeitas, dão relativa presunção de confiabilidade à informação e podem atestar manifestação de vontade.

Há que se considerar que também nunca foi perfeita a assinatura física: pode ser lavada ou falsificada; seu instrumento pode ser perdido, alterado ou destruído. É de se dizer, o contrato físico e assinado em tinta não é a rainha das provas. Exigir assinatura física quando presentes outros meios legítimos e seguros de atestar autoria, ciência e manifestação de vontade é antiquado e desnecessário.”

Informou ainda, em síntese, que os documentos anexados no processo, foi possível analisar que a contratação foi realizada por alguém que detinha o acesso pessoal à conta do Requerente (possivelmente seu filho, que já tinha ajudado o Requerente a realizar contrato similar em outro banco), que o valor do empréstimo foi sacado juntamente com sua previdência em março/2016, que não houve nenhum pedido de bloqueio ou cancelamento de seu cartão, bem como que a ação foi realizada após 2 anos da realização do contrato, ou seja, após 24 meses de descontos ao seu benefício do INSS.

Como sabemos, a Lei 12.682/2012 regulamente sobre a autorização de digitalização, armazenamento de documentos em meio eletrônico, óptico ou equivalente e em documentos públicos ou privados.

Existe ainda a previsão expressa que os documento digital tem o mesmo valor probatório, para todos os fins de direito, do documento original, no eu artigo 2-A, §2º e até mesmo proceder a destruição desses documentos após constatada a integridade digital art. 2º-A, §1º.

Além disso, houve uma alteração na Lei de Registros Públicos, pela Lei 13.874/2019, do qual incluiu o §3, do artigo 12, in verbis: “Os registros poderão ser escriturados, publicitados e conservados em meio eletrônico, obedecidos os padrões tecnológicos estabelecidos em regulamento”.

Por fim, defendemos que não podemos ter incertezas ou hesitações sobre o armazenado de documentos com o surgimento das novas tecnologias, especificadamente, do Blockchain, uma vez que a nossa legislação garante tal proteção e mesma valoração probatória para fins jurídicos.

5.2. Tutela Antecipada de Urgência para Saque de Criptomoedas pelo Blockchain X Irreversibilidade da Medida Judicial

No presente caso, trataremos de um agravo de instrumento interposto por uma empresa intermediadora de compras de criptomoedas, contra decisão de primeira instância em uma de ação de obrigação.

O processo em si foi distribuído pelo Requerente (Agravado), visando restituição de suas moedas digitais de Bitcoin (0,69045661 BTC), e/ou conversão em perdas e danos em um valor estimado de R$ 43.000,00, que estavam sendo mantidos pela Ré (Agravante). O Agravado, sustentou, ainda ter solicitado o resgate de seu investimento, porém, a Agravante estaria se negando a fazê-lo no prazo convencionado.

Em primeira instância o Juiz concedeu a tutela antecipada de urgência ao Agravado para que a Empresa efetuasse o saque em 48hs, sob pena multa diária de R$ 1.000,00, limitada no máximo em R$ 30.000,00.

Levado ao Tribunal de Justiça de São Paulo, pelo processo n° 2241725-87.2019.8.26.0000, o agravo de instrumento foi provido[31] sob os seguintes fundamentos:

“Não se olvide, ainda, que, no que pertine ao saque direto da criptomoeda em debate, além de ser avaliada a probabilidade do direito e o perigo de dano, também é mister ponderar acerca da irreversibilidade da medida.

Impõe-se salientar que a moeda em questão é baseada na tecnologia de registro denominada "blockchain", significando que, caso haja a inserção de algum dado em algum ponto de tal rede de registro, esta informação será replicada por todos os dispositivos dela integrantes - essa é a forma pela qual se atribui segurança e confiabilidade às operações.

Por essa razão, o eventual deferimento de uma medida que autorize o saque da moeda virtual tem natureza irreversível, já que, realizada a transferência dos ativos almejados e confirmada a transação na rede correspondente, seria inviável a de devolução dos valores que somente poderá ser efetuada com a colaboração do autor e, quiçá, de terceiros destinatários de tais valores.”

Como sabemos, as tutelas de urgência, em qualquer de suas manifestações, têm o escopo de dar efetividade ao processo, reduzindo o ônus da demora processual ao permitir que o provável titular de um direito o obtenha, desde logo, um provimento satisfativo, ainda que provisoriamente.

O Juiz, ao receber a demanda distribuída à sua vara judicial, deve realizar sua cognição sumária em relação a tutela de urgência, podendo ou não antecipar os efeitos da sentença, porém, por outro lado, deve ter a sensibilidade em receber causas com matéria fática totalmente diferente, em virtude da nova sociedade que vivemos, mais especificadamente, sobre o blockchain e as criptomoedas. Em uma citação de Sócrates, dizia que “três coisas devem ser feitas por um juiz: ouvir atentamente, considerar sobriamente e decidir imparcialmente.”

[...]

3. Não basta a simples afirmação ou, ainda, a juntada de documentos unilateralmente produzidos pela recorrente para possibilitar o deferimento da tutela de urgência; para tanto faz-se necessário, sobretudo, a robusta demonstração da presença de ambos os requisitos exigidos na legislação de regência.

4. Se o assunto a ser tratado no pedido de tutela antecipada carece de maior aprofundamento em obediência aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, XXXV e LV, da CF), necessitando de maior dilação probatória no curso do processo originário, não há como deferir a tutela antecipatória, sob pena de causar prejuízo a parte adversa. 5. Recurso desprovido.” (TJDF - Acórdão 1171303, 07007615720198070000, Relator: ALFEU MACHADO, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 16/5/2019, publicado no DJE: 23/5/2019)

Portanto, em causas “atípicas”, deve ser oportunizado a parte contrária em proceder com o devido contraditório, sob pena de irreversível conversão das moedas virtuais. Em uma crítica feita pelo escritor Francisco de Quevedo (1580-1645), ele disse que “causam menos danos cem delinquentes do que um mau juiz”. Por fim, devemos lembrar que os atos deferidos pelos Magistrados, em qualquer âmbito jurisdicional, podem ensejar a total “discórdia” no âmbito social daquele jurisdicionado.

6. Conclusão

Nesses moldes, entendemos que tecnologia Blockchain até o presente momento caminha com morosidade e lentidão dentro de nossa sociedade (através das relações negociais), bem como, no Poder Judiciário, uma vez que sua maior utilização é apenas nas transações de criptomoedas.

Ocorre, segundo entendimento de Sigmund Freud, “só a experiência própria é capaz de tornar sábio o ser humano”, ou seja, devemos explorar e enfrentar o futuro. Errar não é um fracasso. Fracasso é não tentar.

Ou segundo pensamento de Rui Barbosa, “maior que a tristeza de não haver vencido é a vergonha de não ter lutado”. Portanto “não podemos esquecer a citação de Sêneca, na qual ‘o ócio sem estudos é como a morte e a sepultura do homem vivo’, portanto, àqueles que não se adequam às transformações da cultura e da sociedade, tendem a viver no seu mais profundo passado.”[32]

Por fim, os empresários, empreendedores e os juristas devem caminhar e elevar os conhecimentos do Blockchain, juntamente ao Legislativo a fim que seja regularizado completamente sua utilização e assim, com tantas vantagens que apresenta, trazer uma nova tendência de proteção e garantias.

Sobre os autores
Gustavo Rocco Corrêa

Bacharel em Direito na Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU; Bacharel em Ciências Contábeis - UNICID-SP; Pós-Graduado em Processo Civil Aplicado - EBRADI; Pós-graduando em Direito Constitucional Aplicado - Faculdade Legale.

Gabriel Amat

Graduado em Ciência da Computação na UNIP de Araçatuba; Analista de suporte computacional na empresa Mais Corporativo; Desenvolvedor de software mobile;

Informações sobre o texto

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