O direito à moradia na Constituição de 1988.

The right of housing in the Constitution of 1988.

23/09/2020 às 10:14

Resumo:


  • A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 incluiu o direito à moradia como um direito social fundamental, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana.

  • O direito à moradia digna vai além do simples acesso a um teto, envolvendo condições adequadas de habitação, acesso a serviços básicos e infraestrutura, sendo essencial para uma vida com dignidade.

  • O Estado possui o dever de garantir o direito à moradia por meio de políticas públicas, embora haja críticas quanto à eficácia e ao alcance dessas políticas na promoção de uma moradia digna para todos os cidadãos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O direito à moradia na Constituição de 1998 e sua perspectiva como índice de pobreza multidimensional.

RESUMO

Este artigo tem por objetivo debater o direito à moradia à luz da Constituição da República Federativa de 1988 e discutir a situação em que vivem milhares de brasileiros que, mesmo após vinte anos do reestabelecimento do Estado Democrático de Direitos, ocorrido em meados dos anos 2000, juntamente com a inclusão do Direito à moradia no rol taxativo dos direitos sociais fundamentais, pautado na dignidade da pessoa humana, princípio basilar da Constituição a pauta, atualmente, ainda gira em torno da insuficiência do Estado na garantia dos direitos fundamentais sociais à moradia, o quão a dignidade da pessoa humana está no centro do Estado Democrático de Direito, o Direito da pessoa humana a uma moradia digna e a função social da propriedade assegurados pela Constituição. Embora, perceba que os direitos sociais fundamentais, edificam-se primordialmente na dignidade da pessoa humana e, sendo o ser humano um possuidor de dignidade pelo fato de ser gênero humano, mostra-se detentor irrevogável do viver com dignidade dentro do Estado democrático de direito, com acesso às políticas públicas que visam assegurar tal direito. Entretanto, a congruência da realidade com o conceito de uma moradia digna, o qual vai muito além de quatro paredes e um teto acima para proteção de variações climáticas ele deve compreender condições mínimas de sobrevivência e oferta de serviços públicos básicos para então alcançar o conceito de moradia digna.

Palavras chave: Direito à Moradia. Constituição de 1988. Dignidade da Pessoa Humana. Estado Democrático de Direito. Direito à vida.

ABSTRACT

This article has as objective discuss the right of housing under the Constituition of the Federative Republic of 1988 and discuss the situation that thousands of brazilian live, even after the reestabilishment of the Democratic Rule of Law, in mid 2000, together with the inclusion of de right of Housing in the rol of the fundamental social rights, based on the dignity of the human person, basic principle of the constituicion, currently the discussion still around the state failure in the guarantee of the fundamental social rights of Housing, about how much the dignity of the human person is in the center of the democratic rule of law, the human person right of decent housing and dee social function assured by the constitucion. Although, even realizing that the fundamental social rights, build up primarily in the dignity of the human person and, being a human being a possessor of dignity inside the Democratic Rule of Law with access to the public politics that aim ensure that right. In the meantime, the congruency of the reality with the concept of decente housing, that goes far than just four walls and a roof above for protection of the climatic variations it must contain minimum survival conditions and public services available to reach the concept of decente housing.

Keywords: housing right, constitution of 1988, dignity of the human person. Democratic rule of law. Living right.

1INTRODUÇÃO

A proposta idealizada nesse trabalho, o direito à moradia à luz da Constituição da República Federativa de 1988 e a situação em que vivem milhares de brasileiros, acentuando a insuficiência do Estado na garantia dos direitos fundamentais sociais assegurados pela nossa Constituição, deve, inicialmente, analisar temas fundamentais que envolvem o universo da matéria a ser tratada e que oferecem bases de sustentação, necessárias ao seu enfrentamento.

Após a promulgação da Constituição de 1988, que buscou reestabelecer e garantir um Estado democrático de direito, em meados dos anos 2000, sentiu-se necessidade da alteração da redação do artigo 6º da Carta Maior, principalmente, pautando-se pelo princípio norteador do nosso texto constitucional, sendo esse a dignidade da pessoa humana, ao incluir o direito o qual vamos tratar, qual seja, o direito à moradia, no rol taxativo dos direitos sociais fundamentais.

Nesse seguimento, nota-se que os direitos sociais fundamentais, edificam-se primordialmente na dignidade da pessoa humana, e o ser humano como possuidor de dignidade, pelo simples fato de se ter o gênero humano, mostra-se detentor irrevogável do viver com dignidade dentro do Estado democrático de direito. Neste ponto, surge a máxima de que o direito à moradia propriamente dito, não pode ser exigido materialmente, entretanto, o que se pode exigir, são políticas públicas, inequívocas ao Estado, que visem a máxima garantia de tal direito. No decorrer do presente trabalho, se vê que as políticas públicas tomadas com fins de assegurar o direito aqui estudado, tem sobre si, muitas críticas, haja vista que tais sistemas, vão na contramão do conceito de uma moradia digna, o qual vai muito além de quatro paredes e um teto acima para proteção de variações climáticas e afins.

Dessa forma, a problemática pode ser definida da seguinte forma: partindo do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, inserido no texto constitucional, quais os aspectos subjetivos e objetivos que englobam o conceito de uma moradia digna? O Estado mostra-se suficiente, como garantidor dos direitos e garantias fundamentais sociais no que tange o direito à moradia? A construção do conceito de moradia digna mostra-se muito além de paredes e um teto, vê-se que, entre aspectos objetivos e subjetivos, que se deve considerar a acessibilidade, salubridade, condições mínimas de sobrevivência e com fornecimentos de serviços públicos básicos, como água, luz, energia elétrica, saneamento básico e entre outros. Nota-se também a insuficiência

do estado ao garantir tal direito, visto que, as políticas públicas, não abrangem o próprio conceito de moradia digna.

Para isso, utilizou-se pesquisa bibliográfica através de livros, revistas, publicações especializadas, artigos, paródicos e trabalhos científicos, sobre o objetivo geral de analisar o direito à moradia no âmbito da Constituição da República Federativa de 1988, bem como as razões que fizeram tal direito ser incluído no texto constitucional, abrangendo ainda o princípio que norteou a referida inclusão e os demais temas de caráter fundamental para a concretização do presente estudo.

Inicia-se o presente trabalho tratando sobre o direito fundamental social à moradia à luz da dignidade da pessoa humana, bem como tal princípio como fundamento do Estado democrático de direito. Em seguida aborda o direito ora estudado inserido no estado democrático de direito e a concepção do direito à moradia dentro deste, bem como a responsabilidade estatal em concretizar o direito, ainda, busca definir o princípio da dignidade da pessoa humana inserto no Constituição de 1988. Aborda, também, o direito fundamental social à moradia, como um direito à vida. O presente artigo se encerra com as considerações finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos junto a reflexões sobre o tema.

2A DI GNIDADE DA PESSOA HUMANA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE

1988 COMO FUNDAMENTO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.

Antes de adentrar especificamente ao tema, convém expor que da palavra princípio, “dentre outras formas, como proposições diretoras de uma ciência, às quais todo o desenvolvimento posterior dessa ciência deve estar subordinado”. (AWAD, 2012, p. 112-120). Nesse mesmo sentido, ao tratar dessa nomenclatura no âmbito constitucional, Awad (2012) compreende que ao se esculpir esse termo na esfera dos direitos fundamentais, nota-se que essa expressão não é somente o início, mas sim a base para todo o resto do ordenamento jurídico.

Analisando o texto constitucional, logo de cara podemos concluir que um dos princípios basilares da Constituição Brasileira de 1988, é a dignidade da pessoa humana, o referido princípio é abordado no artigo 1º da Constituição da República, em seu inciso III, do título primeiro, que trata dos princípios fundamentais (BRASIL, 1988):

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

  1. - a soberania;
  2. - a cidadania;
  3. - a dignidade da pessoa humana;
  4. - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Isto posto e de acordo com Nunes (2018), há divergências doutrinárias acerca de qual dos princípios fundamentais deva ser considerado a principal garantia constitucional, para ele parte da doutrina acredita que deva ser considerado a isonomia como princípio substancial, já outros doutrinadores, acreditam que seja o princípio da dignidade da pessoa humana.

Nunes assevera que: “isonomia serve, é verdade, para gerar equilíbrio real, porém visando a concretizar o direito à dignidade. É a dignidade que dá a direção, o comando a ser considerado primeiramente pelo intérprete.” (NUNES, 2018, s.p)

Pode-se então concluir, mesmo que previamente, conforme Soares (2010) que esse princípio constitucional é a base para as interpretações e devidas aplicações dos demais direitos e garantias fundamentais inseridos na Constituição da República de 1988. Entretanto, sem perder o foco no referido princípio, bem como na Constituição brasileira, o artigo 1º desta estabelece a composição de um Estado democrático de direito. Sendo assim, este princípio, por irradiar os objetivos, finalidades e estimativas a serem alcançadas pelo Estado, deveria irradiar-se em sua totalidade, de forma a não ser pensado individualmente em qualquer que seja sua esfera de aplicação, e ainda que o princípio ora debatido tenha certa inclinação subjetiva, não se pode, excluir a perspectiva objetiva acerca deste, pois, como norma este dispositivo engloba não somente valores, mas também fins superiores do Estado.

Para Soares (2010, p. 149-150), o princípio da dignidade da pessoa humana tem como uma de suas principais premissas:

reconstruir semanticamente o modo de compreensão e aplicação dos direitos fundamentais no sistema jurídico brasileiro, potencializando a realização do direito justo ao oportunizar: a aceitação da aplicabilidade direta e imediata dos direitos fundamentais; o reconhecimento da fundamentalidade dos direitos sociais de cunho prestacional; a inadequação dos conceitos de “reserva do possível” no constitucionalismo brasileiro; a aceitação da ideia de vedação ao retrocesso no campo dos direitos fundamentais; e a recusa à hipertrofia da função simbólica dos direitos fundamentais.

Ou seja, pode-se perceber que o princípio da dignidade da pessoa humana, segundo Chemin (2009) visa que o fim da individualidade deixe de imperar no contexto social democrático, e assim o faz buscar o viver com dignidade de cada um. De tal modo que, evidencia-se facilmente a conotação obrigacional do Estado a realizar a garantia para a vivência com dignidade.

Ainda, a correta aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana implica segundo Nobre Junior (2000) em respeitar a dignidade da pessoa humana, trazendo consequências importantes acerca do tema como, igualdade de direitos entre todos os homens, uma vez integrarem a sociedade como pessoas e não como cidadãos; garantia da independência e autonomia do ser humano, de forma a obstar toda coação externa ao desenvolvimento de sua personalidade, bem como toda atuação que implique na sua degradação e desrespeito à sua condição de pessoa, tal como se verifica nas hipóteses de risco de vida; não admissibilidade da negativa dos meios fundamentais para o desenvolvimento de alguém como pessoa ou imposição de condições sub humanas de vida.

Entretanto, é certo que ao tratar-se da conceituação de dignidade, é intrínseco certa subjetividade, para o doutrinador Sarlet (2002, p.143), dignidade é:

Qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade. [...] qualidade integrante e irrenunciável da própria condição humana, pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo, (no sentido ora empregado) ser criada, concedida ou retirada, já que existe em cada ser humano como algo que lhe é inerente.

Assim sendo, como Alves (2001) nos mostra, os princípios, enquanto traduzidos em mandados de otimização, apresentam caráter deontológico, que se entende como uma filosofia moral contemporânea do dever ser.

Seguindo a linha lógica acerca da caracterização deontológica dos institutos, analisa-se segundo Lopes (2001), que os conceitos deontológicos caracterizam-se por estarem referidos ao conceito de comando ou do dever ser, sendo assim estão compreendidos nesta categoria as proibições, permissões, comandos e direitos a algo, de modo que os princípios fazem parte do âmbito dos conceitos deontológicos na medida em que constituem comandos de otimização.

Em suma, pode-se então concluir mediante o que Awad (2012) nos ensina que na Constituição brasileira de 1988 o princípio da dignidade da pessoa humana

recebeu grande importe e valor no meio social, conjuntamente com a expressão e constituição de um Estado democrático de direito, servindo como um dos pilares para a elaboração e desenvolvimento dos demais princípios e direitos fundamentais. Por fim, nota-se certa singularidade envolvida ao tratar-se do princípio da dignidade da pessoa humana, considerando que caso este não existisse, os demais teriam completa incongruência, pois, de que adianta o Estado garantir, por exemplo, o direto a vida, mas sem dar qualquer garantia à dignidade da mesma e por consequência, fica claro o dever do Estado em garantir sua proteção e efetividade, como base para um Estado democrático de direitos.

3A DEFINIÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA INSERTO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988

A dignidade da pessoa humana, para Bragança (2006) representa o mais alto ponto axiológico da Constituição brasileira, entretanto, pouca consonância tem agregado em torno do seu significado. Até sua qualificação jurídica gera controvérsias, sendo tratada, muitas vezes como princípio absoluto, entre outras categorias, de forma que vive então uma situação paradoxal, sendo tida como o mais nobre do ordenamento e, ao mesmo tempo, não havendo consenso quanto à sua significação.

Ainda, para Bragança (2006) Constituição brasileira de 1988 foi construída a partir do consenso de reinstituir o regime democrático de governo, e entre tantos debates acerca da significação da dignidade da pessoa humana, esse não afeta a unidade axiológica da Constituição, haja vista, que tenha partido do consenso quanto aos seus fins, de modo que, não resta dúvidas quanto às razões da inserção de tal princípio como norte para toda a constituição, dada a linha do constitucionalismo de valores insertos. Tendo origem alemã, a dignidade da pessoa humana nasceu em nosso direito constitucional a partir de 1934, carregando consigo uma unidade de valores, que encontra seu centro na dignidade da pessoa humana, a partir disso, fazendo fluir todas disposições de carga axiológica elevada, como os princípios, os valores supremos e os direitos fundamentais.

Nesse seguimento, segundo Motta (2013) o direito do ser humano, viver com o mínimo para que assim, viva com dignidade foi constitucionalizado objetivando fomentar sua incidência sobre todos os demais direitos, inclusive os fundamentais. O objetivo almejado na Constituição de 1988, foi o de transmitir uma mensagem, o ideal

de que os direitos das pessoas precedem aos do Estado, prestigiando o jusnaturalismo e a referida premissa de “contrato social”, dando início a uma abordagem que busque a conclusão do que é de fato a “dignidade da pessoa humana”. A definição até então adotada pela doutrina brasileira está baseado nas ideias de Immanuel Kant, o qual aponta em sua obra, situações nas quais o referido princípio não é devidamente observado. Entretanto, a análise casuística não forma uma definição científica adequada.

Na obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos, declara o filosofo Kant: “Age de tal forma que possas usar a humanidade, tanto em sua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio”. (KANT, 2008, pg. 59)

Evidencia-se que, tendo como ponto de partida a reflexão acima, de que todo ser humano tem o direito de ser tratado de maneira igual e fraterna, mesmo que todo ser humano tem um direito legitimo ao respeito de seus semelhantes. Ainda, Kant (2008, p.65) coloca outro ponto iniciático ao afirmar que:

No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo o preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade.

Partindo desta ideia, Motta (2013), reconhece que ao ser humano não se pode atribuir valor ou preço, pois ele tão somente de sua condição biológica, ou seja, gênero humano, e independentemente de qualquer outra circunstância, é possuidor de dignidade, isso de via unilateral, sendo então segundo a concepção do direito moderno “igual” aos seus demais diante da lei. De modo que, todo ser humano é titular de direitos, ainda que ele não os defenda ou os reconheça, devendo estes direitos serem reconhecidos e respeitados por cada um dos indivíduos, seus semelhantes e pelo Estado. Já no que tange aos deveres do Estado, a este incumbe a tarefa de garantir o respeito das liberdades civis, quais sejam, o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais, o qual se faz por meio de uma proteção jurídica, como bem faz a Constituição Federal de 1988.

Já para Sarlet (2007, p.62), dignidade da pessoa humana é:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto

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contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

De outra forma buscou a Professora Maria Helena Diniz (2007, p.18), conceitua a dignidade da pessoa humana como:

É preciso acatar as causas da transformação do direito de família, visto que são irreversíveis, procurando atenuar seus excessos, apontando soluções viáveis para que a prole possa ter pleno desenvolvimento educacional e para que os consortes ou conviventes tenham uma relação firme, que integre respeito, tolerância, diálogo, troca enriquecedora de experiência de vida etc.

Nesse seguimento, vale ressaltar também a lição dada por Fernando Capez “qualquer construção típica, cujo conteúdo contrariar e afrontar a dignidade humana, será materialmente inconstitucional, posto que atentória ao próprio fundamento da existência de nosso Estado”. (CAPEZ, 2009, p.7)

Conclui-se a conceituação do princípio aqui ora discutido, com uma das grandes lições de Kant (2008, p.38), que aduz:

só poderemos esperar pela paz universal quando os monarcas e ditadores, que se consideram os possuidores únicos do Estado, forem coisa do passado, quando cada homem em cada país, for respeitado com fim absoluto em si mesmo, e quando as nações aprenderem que é um crime contra a dignidade humana cada homem utilizá-lo como simples instrumento para lucro de outro homem.

4A CONCEPÇÃO DE MORADIA DIGNA DENTRO DE UM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITOS E A RESPOSABILIZAÇÃO DO ESTADO PELA SUA GARANTIA

A definição dada pelo Comitê dos Direitos Econômicos,  Sociais e Culturais  da Organização das Nações Unidas - ONU, em 1991, segundo Merelles (2017) foi de que moradia não seria apenas quatro paredes com um teto a lhes cobrir, com a finalidade de proteger as pessoas das variações climáticas, por exemplo. Por moradia digna deveria entender-se como um local salubre, com condições mínimas à sobrevivência, como saneamento, água, tubulação para esgoto, coleta de lixo, pavimentação e luz elétrica. Além de ser seguro e acessível aos serviços públicos básicos, tais como escolas, postos de saúde, praças, pontos de ônibus ou de outros

transportes coletivos. Ou seja, transcendendo o conceito de lar, casa, “cafofo”, ou o que o valha, quando falamos em direito à moradia, esse é o conceito ideal.

Nesse sentindo, Baltazar (2018) aponta que, os entes federados, tentam de diversas formas resolver a questão do direito à moradia digna. Algumas soluções são muito praticadas, por este motivo acabam sendo muito conhecidas também, como exemplo de uma dessas medidas, temos a construção de habitações populares e a urbanização de áreas carentes. Entretanto, há muitas críticas e problemas relacionados à maneira como essas políticas são de fato aplicadas, bem como os reflexos que estas acarretam, grande parte das vezes essas políticas mantem as populações carentes segregadas do restante da cidade ou até mesmo impossibilitam a permanência de diversas pessoas em suas casas dentro das comunidades, geralmente situadas em regiões periféricas, em um processo chamado gentrificação, quando as melhorias em um espaço urbano geram um rápido aumento no seu custo de vida. Não é à toa que as políticas públicas acima expostas geram diversas críticas, pois com uma análise superficial, nota-se facilmente que as essas elas mostram-se contrárias ao que se entende por moradia digna, considerando que as ações e reações causadas por tais, não transcendem minimamente o conceito de uma moradia digna, no que tange os aspectos apresentados pela Organização das Nações Unidas – ONU.

De forma que, para Nascimento (2017) é estranho à nossa realidade, nem à perspectiva do cidadão, esbarrar em meio a seu cotidiano, com pessoas sem morada apropriada ou sem sequer ter um abrigo, seja ele como for. Esta situação costumeira assola as diversas regiões do Brasil, e porque não dizer, do mundo. Portanto, a dignidade da pessoa humana, como princípio maior, deve ser compreendido como regra básica do Estado Democrático de Direito, que só se torna concretizada mediante a garantia de outros direitos fundamentais do cidadão, tendo o Estado a obrigação de assegurar seu compromisso constitucional, seja por meio de ações sociais ou de políticas públicas.

Assim sendo, Reis (2006) em sua obra, mostra que o Estado brasileiro tem por sua obrigação a garantia mínima do direito à moradia, de forma que ninguém possa ser privado de direito ou garantia sob o argumento de estar ele previsto em norma programática, pois, acolher tal argumento, significa negar a própria função do direito fundamental e o processo histórico por meio do qual ele se desenvolveu, entretanto, a formulação e implementação de políticas públicas é, primariamente, uma atribuição

do Legislativo e do Executivo, cujos membros são escolhidos democraticamente nos termos da própria constituição, mas, de todo modo, calha ressaltar, que negar eficácia aos direitos fundamentais pelo simples fato de dependerem de norma infraconstitucional integradora é, submeter os direitos fundamentais ao voluntarismo político e dessa forma privá-los de sua própria essência.

Ainda, para Reis (2006) temos como um dos maiores entraves à efetivação de todos os direitos de cunho prestacional por parte do Estado, a questão do custo de tais direitos, sob as justificativas de que os direitos sociais dependem de uma economia forte, ainda, de que o custo dos direitos sociais superam os recursos orçamentários existentes, cria-se então, a chamada “reserva do possível, que tem como principais objetivos legitimar, por meio de ilusória racionalidade a efetivação dos direitos sociais prestacionais aos recursos orçamentários disponíveis. Nesse mesmo seguimento, somada a complexidade da efetivação, a moradia se colocaria como um dos direitos de maior custo aos entes federados, principalmente no que tange a forma historicamente excludente com que o acesso à terra se dá no Brasil, entretanto, faz- se necessário salientar, que o acesso à terra, não significa necessariamente moradia na maior parte das vezes, mas apenas a superação de um provável obstáculo dentre tantos outros aos quais esbarramos, na busca da garantia do direito aqui ora debatido. Ainda, o acesso a moradia pressupõe o espaço (geográfico), mas demanda também uma série de outras intervenções estatais no sentido de garantir moradia em condições adequadas, justificando, mais uma vez, as razões pelas quais os custos para que o Estado de real garantia, se mostrem de grande monta.

Nesse seguimento, Barreto traz a seguinte reflexão acerca do tema: “estabelecer uma relação de continuidade entre a escassez de recursos públicos e a afirmação de direitos acaba resultando em ameaça a existência de todos os direitos” (BARRETO, 2003, s.p)

Diante o exposto, é razoável questionar, conforme as lições de Barreto (2003) se, um indivíduo pode compelir o poder público para que esse garanta, materialmente, o direito a uma moradia digna, entretanto, conforme já abordado anteriormente neste estudo, o Direito à Moradia é um direito de cunho social, e como tal se encontra enumerada de maneira expressa, entre os direitos fundamentais, entretanto, é compreendida no contexto de uma norma constitucional de conteúdo programático, sendo assim, exige a integração por meio de norma infraconstitucional para que tenha sua concretização de fato, o que de maneira alguma nega, onde e em nenhuma

hipótese poderia negar, a fundamentalidade dos direitos ali estabelecidos. Não obstante, a limitação orçamentária, que se não é capaz de gerar um real argumento jurídico, apresenta-se como obstáculo fatal fático para a eficácia dos direitos sociais, principalmente no que tange a garantia do Direito à Moradia.

Como é acometido, de maneira insistente, a dignidade humana, como princípio basilar do Estado Democrático de Direitos, deve agir como um vetor no sentido de que seja garantido um mínimo de efetivação dos direitos sociais, incluindo o direito à moradia, buscando a garantia de um mínimo necessário à própria existência humana, a sobrevivência do indivíduo com um mínimo de dignidade. Entretanto, a limitação orçamentária do poder público como uma realidade fática, a qual o direito tem que trabalhar, não significa dizer que os direitos sociais devem ser colocados em posição de “reféns” do orçamento, ou ainda efetiváveis somente quando houver sobra em caixa. Sendo assim, a maximização dos direitos fundamentais exige minimamente posturas do aparato estatal como um todo, no sentido de garantir a máxima efetividade dos direitos fundamentais e, garantir sua efetivação de forma prioritária, dada a sua fundamentalidade. (BARRETO, 2003, s.p.)

Ainda, no tocante a possibilidade de postulação material visando garantir o Direito à Moradia, pode-se concluir, que embora as normas constitucionais programáticas não regularem de forma imediata um objeto, elas preestabelecerem a si mesmo um programa de ação com respeito ao seu próprio objeto, de forma a se obrigar a não afastar-se dele sem motivo, infere que o direito à moradia impõe a poder público o dever de atuar positivamente em sua promoção e proteção. Ou seja, pode ser considerar exigível não o direito à moradia propriamente dito, entretanto, as condutas estatais inequívocas, no sentido de promover o direito à moradia ou ações que visem a sua máxima garantia são exigíveis. De modo que conclui-se, que a compreensão atual do direito à moradia como norma programática, não nos permite dizer que ele vem sendo efetivada de fato, vez que direitos fundamentais tem como uma de suas principais características a universalidade, pois no viés do direito ora debatido, se faz necessário para que todos os brasileiros tenham moradia digna, entretanto, também é delicado dizer que o Estado brasileiro vem descumprindo com suas obrigações, dentro de suas limitações orçamentárias, para a efetivação de tal direito. (BARRETO,2003, s.p.)

4.1 DIREITO À MORADIA NO ESTATUTO DA CIDADE

Aprovada em meados de dezembro de 1999, a Lei n. 10.257/2001, mais conhecida como Estatuto das Cidades, foi dividida em cinco Capítulos, sendo o primeiro Diretrizes Gerais, o segundo Dos Instrumentos da Política Urbana, o terceiro Do Plano Diretor, o quarto Da Gestão Democrática da Cidade e o último Disposições Gerais. Nos ensinamentos de Madeira (2019), a lei tem a finalidade de consolidar o plano diretor dos municípios, para cidades que tenham mais de vinte mil habitantes, essa lei permite que sejam implantadas políticas de desenvolvimento urbano de forma mais eficaz e dinâmica, sendo um dos aspectos mais marcantes acerca desta lei, a forma incisiva que ela institui a gestão participativa e democrática na administração.

Entretanto, Madeira (2019) ao pensar sobre questões de urbanização, diz que esta deve abranger um conjunto de fatores necessários ao Poder Municipal, dentre eles: água, gás, eletricidade, esgoto, e serviços urbanos tais como: transporte, saúde e educação. Cabendo aos municípios atender a esse conjunto, sem o qual a cidade não funciona e sem o qual não se promove o bem-estar dos cidadãos.

Portanto, segundo Berriel (2012), pode-se perceber que o regramento urbanístico tem como um de seus objetivos, a concretização do direito de viver em espaços que sejam de fato habitáveis, o que acaba por implicar no acesso à moradia, implicando também no acesso à educação, ao lazer, ao transporte e ao saneamento, direitos que podem ser encontrados na própria estrutura das cidades regulares.

Para Madeira (2019) a cidade no âmbito Brasileiro é facilmente notável que políticas públicas como a Lei Lehman – Lei n. 6.766/79, que tinha como pretensão inicial, corrigir e melhorar esse cenário, acabou tendo como resultado imediato o crescimento de favelas nas periferias das grandes cidades.

Nesse sentido, o urbanista Edésio Fernandes (2006, p.25), afirma que: "não há como fazer reforma urbana sem enfrentar a ordem jurídica vigente"

Ainda Edésio (2006 p.39), na mesma obra, cita o filósofo e sociólogo francês Henri Lefebvre que alude, “na ilegalidade da favela, uma legitimidade, que é o direito que as pessoas têm de buscar uma residência qualquer, um espaço qualquer onde viver. E ele viu ali o embrião de uma nova sociedade, de uma nova sociabilidade”.

Tal legitimidade, fora reconhecida e de certa forma legitimada pela Constituição de 1988, quando por meio de emenda constitucional, incluiu o direito à moradia no rol taxativo dos direitos sociais. Conforme abordado anteriormente, agora na visão de Wolf (2019) o direito social à moradia necessita de meios para concretizar-se para um

universo maior de brasileiros, de tal modo que o Estatuto das Cidades, aborda também, o uso dos instrumentos de regularização fundiária urbana no Brasil como forma de correção e mecanismo de garantia do problema social do direito à moradia. Retornando ao pensamento de Berriel (2012) entende-se que a reforma fundiária é antes de tudo, um instrumento político que promove mudanças no  regime jurídico, o qual regula a propriedade urbana, sendo assim, acaba por modificar a própria estrutura da urbanização, considerando que a formalização das ocupações ilegais e irregulares permite que estas deixem de ser a regra na hora da obtenção da

moradia por parte das classes menos favorecidas.

Outro ponto que calha ressaltar, é a localização geográfica dentro da cidade, definida pelo urbanista Cymbalista (2006, p.281,282) da seguinte forma:

A medida em que mora e transita nos locais desqualificados, a população que está em situação desfavorável acaba tendo muito pouco acesso às oportunidades de crescimento que a cidade oferece, sejam elas oportunidades de trabalho, cultura ou lazer. Simetricamente, aqueles que conseguem viver "do lado de dentro" têm muito mais facilidade de acesso a oportunidades, inclusive aquelas decorrentes de investimentos públicos, pois bibliotecas, museus, universidades públicas em geral situam-se nas porções mais consolidadas da cidade, que sempre são povoadas pelos mais ricos.

Observa-se, que no que tange o Estatuto das Cidades, ampliar a garantia do Direito à Moradia, no artigo 9º da referida lei, tem-se uma nova modalidade de usucapião, para melhor entendimento, transcreve-se o artigo:

Art. 9o Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe- á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Nota-se, que o instituto acima citado, tem como principal finalidade, transformar a posse em propriedade através da outorga de título constitutivo de direito real, combatendo então a ilegalidade e ampliando o acesso ao uso do solo, bem como à moradia. Nesse seguimento, Maria Helena Diniz (2010, p. 413.), dispõe acerca das sentenças declaratórias, dando a possibilidade de registro, reconhecendo a usucapião disposto no artigo 9º do Estatuto da Cidade, da seguinte forma:

o usucapião tem por fundamento a consolidação da propriedade dando juridicidade a uma situação de fato: a posse justa unida ao tempo fixado em lei. Será preciso que o usucapiente, adquirindo o domínio pela posse, requeira ao órgão judicante que assim declare por sentença, a qual deverá ser registrada. Tal registro não será necessário para que haja a aquisição do

domínio do imóvel usucapido, visto que esta já se operou pelo preenchi- mento dos requisitos legais, a sentença tão-somente dará publicidade àquele fato, permitindo a disponibilidade do imóvel

Conclui-se que, mediante os ensinamentos de Silva (2013), o modelo de planejamento urbano nas cidades brasileiras ainda é fomentado por uma ocupação urbana excludente, sendo reservando às populações carentes determinados locais que são geralmente periféricos e de difícil acesso ao direito social fundamental à moradia. Depois de detectar os elementos desse contexto de desordem e de ilegalidade, o Estatuto da Cidade, entrou em vigor, trazendo consigo normas relativas ao planejamento e ao uso do solo urbano também encampam importantes instrumentos de representação político-democrática nas cidades e ferramentas que podem viabilizar o “direito à moradia” para a população.

5O DIREITO À MORADIA COMO UM DIREITO À VIDA

Para Duarte (2015) é indiscutível que o direito à moradia é uma necessidade básica de todos os indivíduos, principalmente no que tange a dignidade da pessoa humana, e, nem se entende que ele seja apenas o direito a um teto, um abrigo, como abordado anteriormente no presente artigo, tendo em vista que a moradia é uma das condições para a subsistência, esse tem ligação direta com o direito à vida

Já para Pansieri (2012), entre as significações possíveis acerca do Direito à Moradia, podemos entende-la como O dispor de um lugar onde se possa asilar, caso o deseje, com espaço adequado, segurança, iluminação, ventilação, infraestrutura básica, uma situação adequada em relação ao trabalho e o acesso aos serviços básicos, todos a um custo razoável.

Nesse mesmo seguimento, Pansieri (2008, p.51) nos expõe a seguinte lição, acerca da consolidação do direito como fundamental e social contraposto a distinção da realidade em que diversos indivíduos vivem:

O Direito à Moradia consolidado como Direito Fundamental e previsto expressamente como um Direito Social no artigo 6º da Constituição brasileira, em correspondência com os demais dispositivos constitucionais, tem como núcleo básico o direito de viver com segurança, paz e dignidade e, segundo Pisarello, somente com a observância dos seguintes componentes se encontrar plenamente satisfeito: segurança jurídica da posse; disponibilidade de serviços e infraestrutura; custo de moradia acessível; habitabilidade; acessibilidade; localização e adequação cultural.

A Dignidade, no pensamento de Sarlet (2011, p.73), aduz que:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co- responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede de vida.

Ante a esse seguimento, Gonçalves (2014), nos ensina que o Estado Liberal deu lugar ao Estado Social, tendo como finalidade dar segurança aos particulares de um mínimo de igualdade material e real na vida em sociedade, assim como a garantia de condições mínimas para uma existência digna, ficando claro, mais uma vez que não basta somente garantir o direito à vida para o cidadão, deve-se garantir o direito à vida digna para cada ser humano, que faz jus a tal, pela mera condição biológica de nascer humano.

Por fim, Duarte (2009), baseando-se principalmente no pensamento de Ingo Sarlet, conclui que o direito à moradia integra o que podemos denominar como uma forma adequada de vida. A ligação direta com o direito à vida é o que concebemos como direito de toda criança, todo jovem, toda mulher e todo homem de ter acesso a um lar e a uma comunidade seguros para viver em paz, com dignidade e saúde, ou seja, deve-se entender que onde lê-se direito à vida, deve ser interpretado como o direito à uma vida digna.

5.1 O DIREITO À MORADIA COMO UM INDICADOR DA POBREZA MULTIDIMENCIONAL

A questão da pobreza é um dos temas que gera vasto debate, desta forma para Fahel (2015) há diversas divergências, razão pela qual esse tema permeia, conforme extraído da revista Revista Brasileira De Ciências Sociais, no texto de Fahel (, v. 31,

n. 92, p.2), “a questão da pobreza é largamente discutida na literatura, mas seu reconhecimento como um fenômeno multidimensional mostra-se contra hegemônico e inovador. A mensuração multidimensional expande o escopo de análise da pobreza e constitui uma alternativa avançada de explicação do fenômeno pobreza.”

É sabido que diversos países adotam o fenômeno da pobreza com fundamentos distintos, entretanto, na América Latina encontra-se bem consistente a análise da pobreza como um fenômeno multidimensional, entretanto, para Fahel (2015), no Brasil ainda se faz uso da mensuração através da insuficiência calórica, seguida de metodologias que criam a linha da pobreza definindo-a somente em caráter monetário, ou seja, caráter unidimensional. Em processo de difundir-se no Brasil, a multidimensionalidade da pobreza pode ser compreendida, segundo o artigo publicado na referida revista, Fahel (2015) aduz:

considerando a pobreza um fenômeno não mais restrito a meios e recursos que os indivíduos possuem, mas que abrange sua liberdade de escolha em relação à sua proposição de vida. O foco de Sen sobre a pobreza é baseado em dois conceitos inter-relacionados: i) funcionamentos referentes aos estados e às ações que os indivíduos desejam viver; ii) capacidade, que se refere à possibilidade de a pessoa estar capacitada para exercer sua liberdade de escolha em relação aos diferentes caminhos possíveis. Dessa maneira, os funcionamentos relevantes podem variar desde algo elementar, como ser adequadamente nutrido, possuir bom estado saúde, estar livre de doenças previsíveis e com uma ameaça reduzida de morte prematura, até realizações mais complexas, como ser feliz, ter autorrespeito e sentir-se como parte da vida em comunidade. Intimamente relacionada com o conceito de funcionamento é a ideia de autonomia, ou seja, a capacidade para trilhar caminhos e tomar decisões. Isso representa as várias combinações de funcionamentos (estados e ações) que uma pessoa pode realizar. A capacidade é, portanto, um conjunto de vetores de funcionamentos que refletem a liberdade pessoal para escolher um estilo de vida ou outro. Assim, a perspectiva de uma abordagem multidimensional é inovadora para a compreensão do fenômeno da pobreza, contribuindo para a superação dos dilemas consensuais inerentes à sua concepção e complexidade no processo de mensuração.

Nesse horizonte, compreende-se que, para além da mensuração da pobreza monetária, como dito anteriormente, ao adotar a abordagem multidimensional da pobreza, também baseada na metodologia proposta Alkire e Foster, onde a análise empírica são considerados os indicadores tradicionais de necessidades básicas insatisfeitas ou negadas aos indivíduos que vivem em situação de marginalidade, como: padrão de vida (água, saneamento, eletricidade, combustível para cozinhar, materiais da moradia e amontoamento) e educação (anos de escolaridade e frequência escolar), devidamente considerados todos os pontos acima descritos, todos aqueles privados em ao menos dois dos oito indicadores acima expostos, são considerados pobre. (FAHEL, 2015, v. 31, n. 92, p.4)

Diante todo o exposto, é perceptível que ao tratarmos da pobreza, tema de alta complexidade, evidencia-se que vai muito além da renda, para tanto, o direito à

moradia não teria como esvair-se, sendo este, um de seus indicadores. Sendo assim, de acordo com Silva (2017), presente como quarta dimensão, dentro dos indicadores da pobreza multidimensional, nas variáveis referentes às condições da moradia, utilizaram-se as seguintes variáveis: tipo de moradia, iluminação, material de parede, material do teto e número de pessoas por dormitório. Entretanto, as variáveis acima expostas podem e devem ser discutidas ao tratar da análise da pobreza, pois, percebe-se que ao ser negado o direito fundamental à moradia em condições adequadas, configura-se a privação do mínimo concebido de pela Constituição de Federal de 1988, reconhecem então os autores, que tal privação, é um dos agravantes da pobreza como um fenômeno multidimensional.

Em análise feita por Alves (2019), informações divulgadas a partir do Índice de Pobreza Multidimensional (IPM) Global 2019, que fora divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), estimou-se que cerca de 7.8 milhões de brasileiros viviam em situação de pobreza multidimensional, o que significa dizer que parte significativa da população brasileira vive com boa parte de direitos humanos básicos, fundamentais e sociais negados e marginalizados. A análise realizada, faz uso de dez indicadores, divididos em três categorias e mais subcategorias, sendo elas: ‘Saúde’, onde foram avaliadas também questões sobre nutrição e mortalidade infantil; ‘Educação’, os anos de escolaridade e frequência escola; e por fim, os ‘Padrões de Vida’, sendo avaliado também dados sobre energia para cozinhar alimentos, saneamento, água potável, eletricidade, moradia e recursos.

Em informação extraída do site da Organização das Nações Unidas – ONU (2019, s.p.), a qual transcreve-se:

Em 2015, 3,8% da população brasileira, o equivalente a quase 7,8 milhões de pessoas, vivia em situação de pobreza multidimensional — isto é, sofria privações no acesso a saúde, educação, água e saneamento, eletricidade e padrões de habitação adequados. A estimativa foi divulgada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em seu mais recente relatório sobre as múltiplas faces da miséria.

Nota-se então, que o direito fundamental social à moradia esta ativamente presente no que tange às dimensões do índice de pobreza multidimensional, sendo essa gravíssima privação, tornando-se um vetor à diversos problemas, como dificuldades para consegui emprego, bem como a perspectiva de mudança de vida, a caminho de uma vida mais digna, com o mínimo garantido a si e sua família, dentre

milhares de brasileiros que vivem em situação de marginalidade, invisíveis aos olhos do Estado.

6CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Constituição da República de 1988, teve incluso em seu rol taxativo, no que tange aos direitos sociais fundamentais, o direito à moradia e tal mudança deu-se predominantemente por conta do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual é de suma importância constitucional e social dentro do Estado democrático de direito, assim sendo, pode-se asseverar que o referido princípio é pilar e norteador aos demais princípios e direitos fundamentais que norteiam nossa Constituição. Deste modo, é inserto neste princípio certa singularidade, de modo que a inexistência deste, acarretaria total incongruência aos demais, pois de nada adianta garantir o direito à vida, sem garantir uma vida digna. Para tanto, nota-se que dignidade é inerente a todos de forma que, acaba sendo dever do Estado em garanti-la e assegurá-la com a máxima efetividade.

Neste liame, ao unirmos a dignidade inerente ao ser humano e o direito o qual tratamos no decorrer do presente artigo, é razoável abordar que ao falarmos sobre o dever do Estado em garantir o direito à moradia não basta, a garantia deve recair sobre o que compreendemos por moradia digna, a qual vai muito além da máxima de quatro paredes e um teto acima de nossas cabeças,

No decorrer de toda a trajetória da evolução do direito social fundamental à moradia, nota-se que ao observar por um viés temporal, tudo é muito recente, entretanto, mesmo que limitado à reserva do possível, fora criado diversos programas visando a garantia do direito, porém, sobre as medidas adotadas recaem muitas críticas, vez que elas vão na contramão do que compreende a definição de moradia digna, pois na maioria das vezes se vê a segregação da população carente cada vez mais acentuada.

É possível observar que a ausência da garantia de tal direito, dentro de um Estado democrático de Direito, coloca milhares de brasileiros em situação de extrema vulnerabilidade, pois à medida que se mora em locais desqualificados dentro do conceito de dignidade já abordado, coloca-se os indivíduos automaticamente em situação desfavorável, os privando de acesso a oportunidades e crescimento, sejam elas quais forem, mas tendo como principal barreira a segregação social, dada a insuficiência do Estado.

De tal modo, que o crescimento exacerbado das favelas nos mostra de maneira acentuada que dentro de uma realidade não consolidada como as cidades e na ilegalidade das favelas, se vê nascer a legitimidade das pessoas de buscarem, por si, sua morada ou um espaço qualquer onde viver, e de lá se vê o início de uma nova sociedade, tal qual de uma sociabilidade, marcados pelo esquecimento de seus semelhantes, onde se veem virar mais uma paisagem comum, a segregação social é intensa na mesma proporção do aglomerado do morro e a ausência estatal é tão profunda quanto as cicatrizes da luta de poder ser e pertencer à cidade.

REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Mariana Maluf

Acadêmica de Direito, cursando o 9º período do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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