Capa da publicação Pesquisa jurídica: a importância da diversidade de métodos
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A premente necessidade de se explorar outros métodos no âmbito da pesquisa jurídica

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01/10/2020 às 14:20
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4. O método sintético e analítico de Kant

Immanuel Kant (1724-1804) era um filósofo prussiano que, de certa forma, uniu os pensamentos empiristas e racionalistas até então criados desde a sua época, por intermédio de juízos sintéticos e analíticos, baseados em sentidos a priori e a posteriori acerca do conhecimento humano.

Desta forma, seria possível unificar os juízos com os sentidos de conhecimento, gerando os juízos sintéticos a priori, juízos sintéticos a posteriori, juízos analíticos a priori e juízos analíticos a posteriori. Conforme será observado, o juízo analítico a posteriori seria impossível, enquanto o juízo analítico a priori seria uma mera redundância.

Primeiramente, os sentidos a priori são aqueles que decorrem da necessidade de se utilizar uma espécie de julgamento para se encontrar um valor verdade, sem a dependência necessária de uma experimentação. Ex.: um triângulo tem três lados. A referida proposição é verdadeira independentemente de uma experiência científica para comprová-la[3], tendo em vista que o triângulo é uma figura geométrica bidimensional. Ou seja: sentidos a priori são aqueles que infalivelmente são verdadeiros e que decorrem do próprio juízo humano, e se as conclusões forem falsas, fatalmente decorre do fato de que alguma de suas premissas são falsas. Ex.: 1) os triângulos tem três lados e são figuras geométricas; 2) os círculos são figuras geométricas; 3) os círculos possuem três lados. A referida conclusão apriorística é falsa não por conta da falibilidade do método, mas sim por conta da falsidade em uma das proposições, pois, em que pesem os círculos serem figuras geométricas, estes, de fato, não possuem três lados.

Ou seja, seria possível presumir que as sentenças apriorísticas são verdadeiras, salvo se uma ou mais de suas premissas forem falsas.

Já os sentidos a posteriori são aqueles que decorrem exclusivamente em virtude de uma experiência da natureza, sem a qual o objeto não pode ser traduzido ou compreendido. Ex.: todos os cisnes são brancos. Ora, a sentença depende da necessidade de se verificar a inexistência de alguma espécie de cisne cinza ou preto para que seja constatada como verdadeira, e, mesmo se assim fosse, um daltônico, por exemplo, poderia enxergar o cisne de outra cor, ou seja, depende do estudo e de alguma experiência humana acerca da natureza para se aferir o valor verdade da proposição.

Desta forma, seria possível presumir que as sentenças a posteriori necessitam de uma espécie de experimentação ou análise por intermédio dos sentidos humanos para se auferir um valor verdade. Além do mais, é de se destacar que nem todas as sentenças a posteriori podem ser consideradas como absolutamente verdadeiras, diferente das apriorísticas, que são verdadeiras até que fique evidenciado que uma premissa está equivocada.

Superadas as duas formas de sentidos do conhecimento, é oportuno tracejar os contornos acerca dos juízos analíticos e sintéticos.

Os juízos analíticos são aqueles em que o predicado está contido no próprio sujeito da oração, ou seja, são aqueles perceptíveis, reais e indiscutíveis pela própria leitura da proposição oferecida. Ex.: o triângulo tem três lados. O mesmo exemplo do sentido a priori pode ser utilizado para explicar os juízos analíticos, pois, de fato, nesta mesma frase, o predicado da oração (tem três lados) está contido no sujeito (triângulo), de forma que não há qualquer digressão a ser feita acerca desta frase, sendo plenamente compreensível pela própria leitura da sentença.

Desta forma, seria possível concluir que todos os juízos analíticos são a priori, sendo mera redundância utilizar a referida expressão. Contudo, jamais seriam a posteriori, tendo em vista que estes últimos dependem de uma evidência ou de uma experimentação para se atingir o valor verdade pretendido, o que não é necessário mediante os juízos analíticos por sua própria natureza gramatical.

Já os juízos sintéticos são aqueles em que o predicado não está contido no sujeito da oração, mas sim que o acrescenta em algo, ou seja, o valor verdade da sentença não está contido necessariamente dentro da proposição e necessariamente devem ser complementados pelos sentidos a priori e a posteriori. Uma proposição sintética e a posteriori poderia ser exemplificada como: o céu é azul. É uma proposição a posteriori, pois é necessário analisar o céu e verificar se, de fato, este é azul em todas as ocasiões ou em algumas específicas, bem como os motivos que geram essa coloração; e sintética, tendo em vista que o predicado (azul) não está contido no sujeito (céu). E, sendo um sentido a posteriori, possui certa margem de falibilidade, como demonstrado anteriormente.

A celeuma kantiana cinge-se na existência de sentenças sintéticas e a priori, tendo em vista que o valor verdade não estaria diretamente ligado à própria estrutura gramatical da proposição, necessitando de uma análise exterior para a sua compreensão, e esta necessariamente seria verdadeira, pois, conforme restou demonstrado, as sentenças apriorísticas só seriam falsas caso uma ou mais de suas proposições sejam, igualmente, falsas.

A possibilidade de se deduzir verdades logicamente corretas por intermédio das sentenças sintéticas apriorísticas cria a oportunidade de se estudar, por intermédio da razão humana, as premissas que efetivamente são verdadeiras, com o intuito de se concluir, efetivamente, uma sentença com valor verdade positivo.

Ludwig von Mises (1881-1973) utilizou-se do juízo sintético e apriorístico para deduzir a praxeologia, que consiste, justamente, em deduzir logicamente, e de forma apriorística, o funcionamento das ações humanas dentro de uma perspectiva introspecta e individual, e aplicou este conhecimento para explicar diversos fenômenos econômicos, contrastando, mediante profundas críticas, com a teoria econômica proposta por Karl Marx.

A teoria é um agrupamento de conceitos categóricos que se desdobram logicamente em outros conceitos. A partir da identificação lógica dos predicados derivados de conceitos, o conjunto das proposições teóricas é estabelecido. Há condições categóricas para a ação que são obtidas pela introspecção e outras condições que são estabelecidas pelos estudos dos casos concretos fornecidos pela história. No entanto, é preciso enfatizar que na praxeologia de Mises o núcleo teórico é composto por proposições derivadas de conceitos a priori e pela razão que permite ao investigador identificar todas as decorrências lógicas dos conceitos. A própria lógica em si mesma é universal e eterna, não estando ela mesma sujeita às contingências históricas. E refere-se não apenas à logica que obedece a teoria, mas também a própria estrutura lógica da mente do ator é estável ao longo do tempo. Mises acredita que as relações lógicas fundamentais da mente humana não poderiam ser diferentes do que são e que nenhum ensinamento da antropologia e da história contradiria essa crença.[4]

Ora, se Mises aplicou o juízo sintético apriorístico no ramo da economia, que é uma ciência social, logo, nada impede que os pesquisadores empenhem os seus esforços para a criação de uma inovação jurídica mediante o mesmo método, até porque, tanto a economia quanto o direito são ramos derivados das ciências sociais, e possuem as suas semelhanças.


5. O método idealista de Hegel

Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) foi um filósofo germânico que trouxe uma crítica ao método criticista proposto por Kant.

Hegel defende a tese de que as concepções metafísicas geram as condições materiais do indivíduo, e não dissocia o ser do dever ser, propondo que os humanos são seres em si mesmos, mas que possuem o dever de procederem com uma espécie de autoconstrução constante de si próprios. Com isso, deriva a ideia de que toda a história é fruto do movimento de um espírito realizador (geist) que possuiu determinadas características em determinado período (zeitgeist) e que determinado povo também possui uma espécie de espírito coletivo (volksgeist) propulsor deste dever constante e indissociável de autoconstrução constante.

Com base neste pensamento, cria um método contraposto ao de Kant, sustentando que, na verdade, o conhecimento não é criado com base nos juízos sintéticos e analíticos, mas sim que derivam de um processo dialético consistente em uma tese (pensamento inicial) contraposta por uma antítese (pensamento contrário) com o intuito de se gerar uma síntese (conclusão), e que, a partir desta síntese, surgirá uma nova tese, antítese e síntese, e assim por diante.

Ou seja, em Hegel, o conhecimento é explicado por intermédio de uma dialética histórica.

Um exemplo da aplicação do método hegeliano seria justamente o período de escravidão no Brasil. De um lado, existiam defensores da manutenção do regime de escravidão (tese), e de outro existiam defensores da abolição da escravidão (antítese). Mediante o choque dessas ideias resultou-se na síntese que foi, justamente, a abolição da escravidão.

Desta forma, o método hegeliano poderia ser interessante para, dentro do escopo de uma pesquisa jurídica, explicar o porquê de determinados fenômenos históricos e quais foram as suas influências na realidade vivenciada nos dias atuais, bem como quais são os processos que a sociedade atual está passando. Por exemplo: quais foram os fatores que geraram boa parte dos direitos femininos nos dias de hoje? E quais são os fatores que levam a um crescimento da crítica por parte desses direitos conquistados? Seriam estes argumentos legítimos ou não?

Mediante a utilização do método hegeliano, seria possível buscar pelas teses, antíteses e sínteses dos referidos enunciados tão somente pela análise dialética do confronto das ideias envolvidas com o zeitgeist da época, e, com este esforço, entender o significado da nossa realidade atual (volksgeist).


6. A utilização de uma metodologia de pesquisa amparada em um método previamente estabelecido

O presente artigo possuiu o intuito de chamar a atenção do pesquisador que se debruça ao estudo do direito de que a pesquisa estritamente dogmática e bibliográfica não é a única aplicável para a produção de pesquisas científicas jurídicas. A ciência é uma constante construção de entendimentos e que não pode ser paralisada, seja por uma cultura no âmbito das pesquisas jurídicas, seja porque determinados autores possuam um grau de relevância que os alcem a um suposto nível de inquestionabilidade.

De fato, para a ciência, absolutamente nada é inquestionável e tudo o que foi criado necessita de constantes buscas por contradições e inconsistências, tendo em vista que, quanto mais robusta for a tese, maior será a capacidade de que esta se sustente ante as mais variadas tentativas de refutá-la, o que deveria ser estimulado, e não retraído no âmbito jurídico e acadêmico, até porque, caso a tese, por mais robusta que pareça, seja refutada, de fato apresentava inconsistências que foram reparadas pela outra tese que a sobrepassou.

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Mediante a exposição dos mais variados métodos, sem a menor pretensão de querer exauri-los no presente estudo, é de se ressaltar que todos eles não só podem, como devem, ser aplicados no direito, com o intuito de se criar novas teses, bibliografias, entendimentos e mudanças, até porque, uma das funções dos pesquisadores é a de, justamente, trazer soluções aos problemas sociais que atualmente existem, e não de simplesmente permanecerem retraídos dentro de uma bibliografia já consolidada e que foi criada pelo mesmo esforço intelectual que está sendo proposto em ser reavivado nos dias atuais.

Todos os métodos acima propostos possuem as suas vantagens e as suas desvantagens, os seus acertos e os seus equívocos, contudo, nada impede que o pesquisador faça a união de um ou mais métodos, propondo uma ou mais formas de metodologia para implementá-los dentro de sua pesquisa, com o intuito de se criar uma nova vertente de entendimento sobre determinado assunto.

Obviamente não está o autor querendo rebaixar ou menosprezar todo o arcabouço acadêmico já criado como uma forma extremada de zetética, mas sim para chamar a atenção de que é necessário explorar e estimular o potencial criativo dos acadêmicos em direito, com o intuito de que estes se tornem protagonistas, e não meros ouvintes, dos rumos que as ciências jurídicas estão seguindo.

Isto poderia inclusive ser benéfico para a melhora da qualidade do ensino jurídico, que, reconhecidamente, vem atingindo níveis insatisfatórios, tendo em vista que, para que um acadêmico tente criticar uma ideia já consolidada pela doutrina, este, ao menos, deveria esforçar-se de forma individualizada de seu inteiro teor, e, por conseguinte, deveria ter um adicional de propor o seu ponto de vista sobre o determinado assunto, tentando, na medida do possível, refutar a tese já consolidada academicamente.

Tendo em vista que o método de ensino jurídico atual não está refletindo na melhora dos profissionais, tampouco na qualidade acadêmica destes, talvez estimular que os discentes tomem uma postura criativa com as matérias relacionadas ao direito seja uma solução para promover uma melhora constante na qualidade do ensino jurídico nacional.

Desta forma, deve existir o estímulo por parte dos docentes em propor aos seus discentes a ampla liberdade, livre de qualquer rigor ou preconceito acadêmico, de exporem os seus pensamentos críticos e criativos de forma saudável dentro do ambiente universitário, recompensando-os pela ousadia, e não reprimindo-os por conta disto, mesmo que eventualmente não consigam refutar a tese já estabelecida pelos grandes nomes do direito, até porque, o que se almeja é a criação de profissionais que tenham a capacidade de raciocinar e de questionar, e não meros reprodutores de bibliografias que sequer entendem os seus conteúdos.


7. Referências bibliográficas

BASTOS, Aurélio Wander. O Ensino Jurídico no Brasil. 2. ed. [S.l.]: Lumen Juris

FEIJÓ, Ricardo. Ludwig von Mises: as Bases de sua Epistemologia e uma Proposta de Crítica Internalista. Revista de Economia Política, Ribeirão Preto, v. 20, n. 3, p. 118-135, jul./2000. Disponível em: http://www.rep.org.br/PDF/79-7.PDF. Acesso em: 22 jun. 2020.

SILVA, Gabriel Rodrigues da. Estado e Liberdade na Filosofia da História de Hegel. Contextura, Belo Horizonte, Volume, n. 13, p. 7-16, dez./2018.

GONÇALVES, Angela. Verdade e Método em René Descartes. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Rio Grande do Sul. Disponível em: http://tede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/2943/1/461384.pdf. Acesso em 22 jun. 2020

GRUBBA, Leilane Serratine. Método Empírico-Indutivo: de Bacon aos trabalhos científicos em direito. Revista do Instituto do Direito Brasileiro: v. 1, n. 10, p. 6097-6127, jan./2012. Disponível em: http://www.cidp.pt/revistas/ridb/2012/10/2012_10_6095_6128.pdf. Acesso em: 22 jun. 2020.

MENESES, R. D. B. D. Teoria do Juízo segundo Kant. Humanística e Teologia, Lisboa, v. 23, n. 2-3, p. 209-226, mai./2002. Disponível em: https://doi.org/10.34632/humanisticaeteologia.2002.7837. Acesso em: 22 jun. 2020.


Notas

[1] BASTOS, Aurélio Wander; O Ensino Jurídico no Brasil. 2. ed. [S.l.]: Lumen Juris, p. 333.

[2] GRUBBA, Leilane Serratine. Método Empírico-Indutivo: de Bacon aos trabalhos científicos em direito. Revista do Instituto do Direito Brasileiro: v. 1, n. 10, p. 6099, jan./2012. Disponível em: http://www.cidp.pt/revistas/ridb/2012/10/2012_10_6095_6128.pdf. Acesso em: 22 jun. 2020.

[3] Que, diga-se de passagem, é impossível neste caso.

[4] FEIJÓ, Ricardo. Ludwig von Mises: as Bases de sua Epistemologia e uma Proposta de Crítica Internalista. Revista de Economia Política, Ribeirão Preto, v. 20, n. 3, p. 118-135, jul./2000. Disponível em: http://www.rep.org.br/PDF/79-7.PDF. Acesso em: 22 jun. 2020.

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Sobre o autor
Rodrigo Nunes Sindona

Advogado, mestre em direito pela FADISP, especialista em direito tributário, previdenciário e empresarial pela EPD, direito penal e constitucional pela Faculdade LEGALE, Defensor Dativo junto ao Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SINDONA, Rodrigo Nunes. A premente necessidade de se explorar outros métodos no âmbito da pesquisa jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6301, 1 out. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85664. Acesso em: 23 abr. 2024.

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Publiquei seis artigos na revista âmbito jurídico e um outro artigo na revista FUMEC

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