Resumo: O objetivo deste artigo é proporcionar um breve entendimento sobre os princípios da Administração Pública previstos na Constituição Federal, dispostos no art. 37. Ressalta-se que os entes públicos têm a obrigatoriedade de atender aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Em outro sentido, a Administração Pública deriva e emana do próprio Estado, ou seja, corresponde aos órgãos públicos e à sua atuação administrativa. Partindo dessa conceituação, foram abordados alguns casos julgados, trazendo à tona entendimentos sobre situações em que esses princípios não foram seguidos ou atingidos em sua totalidade. A pesquisa foi desenvolvida por meio de recursos bibliográficos e apoiada pelo método exploratório, relacionando os temas propostos. Os resultados alcançados proporcionaram um entendimento mais aprofundado sobre os princípios que regem a Administração Pública.
Palavras-chave: Administração pública. Constituição federal. Princípios.
INTRODUÇÃO
A Administração é uma atividade pela qual as pessoas geram recursos com o objetivo de satisfazer determinados interesses. Nesse contexto, existem cinco elementos articulados no conceito de administração: atividades, pessoas, recursos, objetivos e interesses.
A Administração Pública, por sua vez, deriva e emana do próprio Estado, ou seja, é composta pelos órgãos públicos e pela atuação administrativa desses órgãos. Trata-se de uma área distinta da administração do setor privado.
A Administração Pública nos leva a refletir em um sentido mais amplo, pois compreende o conjunto de entidades e órgãos encarregados de realizar atividades administrativas. Essas atividades têm como finalidade primordial a satisfação das necessidades coletivas e a concretização dos fins desejados pelo Estado.
No presente estudo, foi analisado o artigo 37 da Constituição Federal de 1988, que, em seu caput, estabelece que a Administração Pública, seja na forma direta ou indireta, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, deve obrigatoriamente atender aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Ademais, a Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, contribui para um entendimento mais aprofundado acerca desses princípios.
Na Administração Pública, cabe ao administrador buscar o constante aprimoramento dos serviços públicos, além de garantir o exercício pleno da cidadania, o que inclui assegurar o acesso às informações de interesse da população.
Os princípios da Administração Pública são fundamentais na construção das leis e das jurisprudências. A ausência de observância desses princípios torna o ato administrativo nulo. Em caso de violação, haverá transgressão ao próprio Direito, configurando-se, assim, um ato ilícito.
Nesse sentido, foram abordados casos concretos e jurisprudências que contribuíram para o entendimento das consequências da transgressão dos princípios da Administração Pública.
A pesquisa e o desenvolvimento deste artigo foram realizados com base em material bibliográfico, utilizando o método exploratório para relacionar os assuntos com o tema proposto. Os resultados alcançados, aliados à análise de casos concretos no âmbito público, proporcionaram um melhor entendimento acerca dos princípios que regem a Administração Pública.
1. Conceito de administração
Preceituamos que o verbo “administrar” indica gerir e zelar, o que, nesse sentido, remete a uma sequência de ações dinâmicas sob supervisão.
De acordo com Moreira Neto (2014), administrar é uma atividade pela qual as pessoas gerem recursos com o objetivo de satisfazer determinados interesses. Nesse contexto, existem cinco elementos articulados no conceito de administração: atividades, pessoas, recursos, objetivos e interesses. A partir desses conceitos, alcançam-se os resultados esperados na administração.
A administração abrange diversas áreas do setor privado, como empresas com fins lucrativos; o terceiro setor, que inclui as Organizações Não Governamentais (ONGs); e a área pública, que é executada pelo Estado e pelos agentes que nele atuam, sempre com o objetivo de atender aos interesses da população.
1.1. A Administração Pública
Na Administração Pública, escrita com letras iniciais maiúsculas por estar diretamente ligada ao Estado, para diferenciá-la das outras formas de administração.
A Administração Pública pode ser definida, objetivamente, como a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para a consecução dos interesses coletivos, e, subjetivamente, como o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado (MORAES, 2014, p. 340).
Cada doutrinador apresenta diferentes entendimentos sobre a Administração Pública, ou seja, o conceito pode manifestar mais de um sentido. Assim, podemos ponderar que:
A Administração Pública pode ser conceituada, em sentido amplo, como o conjunto de entidades e órgãos responsáveis por realizar a atividade administrativa, sempre com o objetivo de satisfazer as necessidades coletivas e atender aos fins desejados pelo Estado. Sob o enfoque material ou objetivo, o conceito de Administração Pública leva em conta a natureza da atividade exercida (função administrativa). Já sob o enfoque subjetivo, formal ou orgânico, considera-se o conjunto de pessoas físicas ou jurídicas incumbidas da realização dessa função (ROSA, 2012, p. 31).
Nesse sentido, Moreira Neto (2014) conceitua a Administração Pública como um conjunto de atividades predominantemente executórias, definidas por lei como funções do Estado, que envolvem a gestão de recursos para alcançar objetivos voltados à satisfação de interesses públicos previamente determinados.
A Administração Pública, portanto, é formada por um conjunto de órgãos e agentes estatais dotados de direitos e deveres no exercício de sua função administrativa, sempre orientados pelos interesses públicos.
2. Princípios constitucionais da Administração Pública
Assim, ponderamos sobre o artigo 37 da Constituição Federal de 1988, que, em seu caput, estabelece que a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
O artigo 37, que abre o Capítulo 7 da Constituição, apresenta um conjunto de princípios e regras aplicáveis, conforme disposto em seu caput, à Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Ou seja, todos os órgãos integrantes da administração direta de todos os entes federativos, bem como as entidades da administração indireta (autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas públicas), estão submetidos a essas previsões de forma geral. É sobre essas entidades, portanto, que o texto passa a tratar (BARCELLOS, 2018, p. 370).
A Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, modificou o regime da Administração Pública, estabelecendo princípios e normas relacionadas a servidores, agentes políticos, controle de despesas, finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, entre outras disposições.
Os princípios da Administração Pública têm uma função essencial na construção das leis e jurisprudências. Sem a observância desses princípios, os atos administrativos tornam-se nulos. Toda a base do Direito Administrativo está fundamentada nos princípios. Segundo Cretella (1986), “os princípios de uma ciência são as proposições básicas, fundamentais e típicas que condicionam todas as estruturações subsequentes”. Assim, os princípios são os alicerces do Direito Administrativo.
Nas palavras de Carvalho Filho (2018, p. 18-19), "os princípios administrativos são postulados fundamentais ao modo de agir da Administração Pública", ou seja, eles norteiam a conduta do Estado no exercício de suas atividades.
A Constituição Federal, em seu artigo 37, estabelece os cinco princípios básicos da Administração Pública direta e indireta: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Além desses, existem outros princípios, como os supraprincípios do Direito Administrativo, que tratam da supremacia e da indisponibilidade do interesse público. Também há princípios reconhecidos que, embora não estejam explicitamente previstos na Constituição, estão presentes em diversas doutrinas e legislações que abordam áreas específicas da Administração Pública.
Alexandre et al. (2018, p. 204) conceituam como princípios administrativos, entre outros: finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, segurança jurídica e interesse público.
Esses princípios, considerados implícitos na Constituição Federal, variam em interpretação e aplicação de acordo com os entendimentos apresentados por diferentes doutrinadores.
2.1. Legalidade
O conceito do princípio da legalidade consiste na estrita observância à lei, ou seja, na atuação conforme o que está determinado por ela. Esse princípio fundamenta a atuação dos agentes públicos, evidenciando que toda atividade administrativa deve ser previamente autorizada por lei. Caso contrário, o ato será considerado ilícito.
Salientemos que, segundo Meirelles (apud Carvalho Filho, 2018, p. 20), o princípio da legalidade “implica subordinação completa do administrador à lei. Todos os agentes públicos, desde o que lhe ocupe a cúspide até o mais modesto deles, devem ser instrumentos de fiel e dócil realização das finalidades normativas”. (Grifo do autor).
O princípio da legalidade reflete a necessidade de estrita consonância entre a atividade administrativa e a lei. Caso esse princípio não seja observado, o ato administrativo será considerado ilícito e estará sujeito a sanções judiciais.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO. RECEBIMENTO DE VALOR PARA REPASSAR À ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. INFRAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ADMINISTRATIVA. SERVIDORA COMISSIONADA DA CODHAB. OBJETO ILÍCITO. ART. 166. DO CC. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Servidor público que no exercício de suas atribuições recebe valor não autorizado por lei, importa em nulidade do negócio jurídico e a restituição da quantia, consonante ao art. 166. do Código Civil. 2. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Grifo nosso.
(TJ-DF 20160110858583 DF 0024411-79.2016.8.07.0001, Relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, Data de Julgamento: 31/01/2018, 5ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 23/02/2018 . Pág.: 248/252).
A aplicação da jurisprudência relacionada ao princípio da legalidade demonstra que, no caso de um servidor público receber um valor não autorizado por lei, caracteriza-se a prática de um ato ilícito. Essa situação viola diretamente o princípio da legalidade, que estabelece que toda atividade administrativa deve ser previamente autorizada por lei.
2.2. Impessoalidade
A Administração Pública deve ser imparcial, evitando privilégios, interesses particulares e oposições por parte dos agentes públicos. Todo ato praticado pelo agente público deve estar direcionado à Administração Pública e não a interesses privados, conforme previsto no § 1º do artigo 37 da Constituição Federal.
De acordo com o § 1º do artigo 37:
"A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos."
O princípio da impessoalidade, referido no artigo 37, caput, da Constituição de 1988, pode ser compreendido como o clássico princípio da finalidade. Esse princípio impõe ao administrador público que pratique o ato administrativo exclusivamente para o seu fim legal. O fim legal é aquele que a norma de direito indica, de forma expressa ou implícita, como o objetivo do ato, sempre de maneira impessoal. (Grifo do autor). (MEIRELLES apud MORAES, 2014, p. 342).
A impessoalidade é também a base para a exigência de concursos públicos como forma de acesso às carreiras públicas:
ADMINISTRATIVO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. TESTE DE CAPACIDADE FÍSICA. ETAPA DO CERTAME CONFORME DISPOSTO NO EDITAL. CANDIDATO INABILITADO. NOVO TESTE. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA IMPESSOALIDADE E DA LEGALIDADE. 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 630.733/DF (rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe de 20/11/2013), sob a sistemática do art. 543-B do CPC/1973, firmou que não é possível admitir a remarcação de prova de aptidão física para data diversa da estabelecida em edital de concurso público em razão de circunstâncias pessoais do candidato, ainda que de caráter fisiológico, como doença temporária devidamente comprovada por atestado médico, salvo se essa possibilidade estiver prevista no próprio edital do certame. 2. Dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento deste STJ, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. 3. Outrossim, acolher a pretensão do recorrente, com a redesignação de nova oportunidade para a realização do teste físico, ofenderia os Princípios da Isonomia e da Impessoalidade, que devem reger os certames públicos. 4. Recurso Ordinário não provido.
Grifo nosso
(STJ - RMS: 54512 RJ 2017/0158856-7, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 03/10/2017, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/10/2017).
Neste caso de jurisprudência relacionado ao princípio da impessoalidade, o agente público buscou obter privilégio no concurso ao alegar seu interesse em não realizar o teste de capacidade física, mesmo não estando apto a ser dispensado dessa exigência:
ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PUBLICIDADE. PROMOÇÃO PESSOAL DO AGENTE PÚBLICO. CUSTEIO COM RECURSOS PRIVADOS QUE NÃO RETIRA O CARÁTER OFICIAL DA PROPAGANDA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE. 1. Caso em que, independentemente de a publicidade questionada na subjacente ação haver sido custeada com recursos privados, ainda assim não perde ela o seu caráter oficial, continuando jungida às exigências previstas no § 1º do art. 37. da Constituição Federal, no que tal comando impõe o dever de observância ao primado da impessoalidade. 2. Ademais, é fora de dúvida que, como bem salientado pela sentença incorporada ao acórdão recorrido, "descabem manifestações deste gênero, por parte do Administrador, em razão do cargo que ocupa, com ou sem custo aos cofres públicos, pois, traduzem publicações de congratulações, comemorações da sociedade pelo sucesso alcançado pela Secretaria de Desenvolvimento Regional, não havendo de forma alguma caráter educativo, de informação ou orientação social que justifique a enorme quantidade de fotografias com destaque para o ex- Secretário, nitidamente em afronta ao princípio constitucional da impessoalidade" (fl. 521). 3. A dicção do § 1º do art. 37. da Constituição Federal não permite legitimar a compreensão de que a publicidade dos atos governamentais, ainda que sob o viés de prestação de contas à população, pudesse ganhar foros de validade caso a respectiva propaganda, como na hipótese em análise, fosse custeada com verbas de particulares, sob pena de se anular o propósito maior encartado na regra, a saber, a defesa do princípio da impessoalidade do agente público ou político. 4. Nessa mesma linha de raciocínio, aliás, o voto condutor do acórdão estadual, em tom de pertinente advertência, fez por "registar a crescente utilização da mídia paga para a veiculação de propaganda pessoal de políticos, de forma travestida" (fl. 527). 5. Agravo conhecido para negar provimento ao recurso especial. Grifo nosso
(STJ - AREsp: 672726 SC 2015/0046682-2, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 27/11/2018, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/02/2019).
Este julgado aborda a violação do princípio da impessoalidade. No caso, o agente público realizou publicações particulares destacando benfeitorias realizadas durante sua gestão. Tais publicações não possuíam caráter educativo, informativo ou de orientação social, como determina o § 1º do artigo 37 da Constituição Federal, mas, ao contrário, tinham como objetivo promover sua imagem pessoal.
2.3. Moralidade
O princípio da moralidade na Administração Pública consiste no conjunto de regras que estabelecem os preceitos éticos a serem seguidos pelos agentes públicos. Segundo Moraes (2005):
"Pelo princípio da moralidade administrativa, não bastará ao administrador o cumprimento da estrita legalidade; ele deverá respeitar os princípios éticos de razoabilidade e justiça, pois a moralidade constitui pressuposto de validade de todo ato administrativo praticado."
Esse conceito, embora abrangente, apresenta-se como um elemento jurídico indeterminado, formado pelo entendimento doutrinário e pela jurisprudência. O princípio da moralidade está relacionado à observância de valores morais, bons costumes, ética, boa-fé, lealdade e à ideia comum de honestidade (ALEXANDRE et al., 2018, p. 189).
Por outro lado, a interpretação do princípio da moralidade diverge entre os doutrinadores. Enquanto alguns o consideram uma extensão do princípio da legalidade, outros defendem sua autonomia, entendendo-o como um princípio independente que deve ser aplicado livremente em conjunto com os demais princípios administrativos.
AÇÃO RESCISÓRIA. ERRO DE FATO. ACORDO FIRMADO ENTRE A CONSTRUTORA E O PREFEITO DO MUNICÍPIO REFERENTE À DÍVIDA JÁ EXISTENTE. CONTRATOS DE EMPREITADA, REALIZADOS EM RAZÃO DOS PROCESSOS LICITATÓRIOS Nº 923/89, 003/90, 006/90 E 040/90, CUMPRIDOS SEM A DEVIDA CONTRAPRESTAÇÃO. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. VALORES QUE JÁ DEVERIAM ESTAR PREVISTOS NO ORÇAMENTO DO MUNICÍPIO. IMPOSSIBILIDADE DE SE EXTRAIR BENEFÍCIO DA PRÓPRIA TORPEZA. PRINCÍPIO DA MORALIDADE. AÇÃO RESCISÓRIA JULGADA PROCEDENTE. Do exame dos autos, constata-se que a parte Autora consagrou-se vencedora nos processos licitatórios nº 923/89, 003/90, 006/90 e 040/90, promovidos pelo Município de Camaçari, conforme do comprovam documentos acostados às fls. 809/816, gerando os contratos 052/89, 035/90 e 095/90 referentes a empreitadas do Loteamento Parque Verde. O fato é que o Autor venceu o procedimento licitatório, foi contratado pelo Réu e executou as obras licitadas, todavia, a municipalidade deixou de honrar com as contraprestações devidas, situação motivadora do parcelamento, igualmente descumprido pela Ré que, convenientemente, alega vício formal, ensejado por si mesma. Embora seja possível a discussão da inexigibilidade do título quando o negócio jurídico subjacente apresenta possível nulidade, no presente caso, a nulidade arguida pelo Município é a suposta não observação das determinações da Lei Orgânica Municipal, legislação que, em primeiro plano, deve ser observada pelo ente público, porquanto disciplina o procedimento de aprovação de contratos e convênios. Assim, se eventualmente não houve observação à referida lei, a nulidade foi causada pelo próprio Município de Camaçari, o que enseja, inclusive, a responsabilização do gestor que realizou os negócios nas penalidades previstas em Lei, caso que merece ser investigado pelo MP local. Admitir que pudesse o Município eximir-se do pagamento de eventuais débitos sob o argumento de que a transação não se deu como determinado pela Lei Orgânica do Município seria premiar a torpeza da municipalidade, comportamento defeso pelo ordenamento jurídico, e materializado, entre outros dispositivos, no art. 422. do Código Civil. Tenho que o fato de não ter havido a consulta à câmara municipal, acaso se considere tal premissa necessária para a realização da transação, não afasta da Administração o dever de quitar a respectiva quantia, sob pena de configurar-se enriquecimento sem causa e de ofensa à moralidade administrativa. Tais irregularidades não obstam o deferimento do direito do Autor, o qual não pode ser prejudicado pelas condutas negligentes ou imperitas da Administração Pública Municipal. Outrossim, ainda que assim não se entenda, consabido que compete ao Chefe do Executivo Municipal subscrever documentos em nome da pessoa jurídica de direito público interno representada, podendo adquirir empréstimos, confessar débitos, dentre outras atividades necessárias à gestão municipal. Assim, obviamente, o então Prefeito do Município era a pessoa competente para acordar com a Empresa Autora termo de parcelamento dos seus débitos, não implicando tal atitude em nenhuma ofensa à indisponibilidade do patrimônio público. Jugada Procedente a Ação rescisória para rescindir o acórdão atacado e julgar improcedentes os Embargos à Execução.
Grifo nosso. (TJ-BA - AR: 0016175-06.2013.8.05.0000, Relator: Lígia Maria Ramos Cunha Lima, Seção Cível de Direito Público, Data de Publicação: 23/02/2017).
Nesta interpretação da jurisprudência sobre o princípio da moralidade na Administração Pública, observa-se que, sem ética, a prefeitura deixou de realizar os pagamentos à locadora de serviços, alegando negligência à Lei Orgânica Municipal. Tais atos, que demonstram falta de ética, violam diretamente o princípio da moralidade administrativa.
2.4. Publicidade
O princípio da publicidade estabelece que todos os atos da Administração Pública devem ter a mais ampla divulgação possível, garantindo transparência e permitindo o controle social sobre a conduta dos agentes administrativos. Todos os atos praticados devem ser devidamente publicados e acessíveis ao conhecimento público, salvo em situações excepcionais, como nos casos de segurança nacional.
Segundo Alexandre et al. (2018, p. 191-192), o princípio da publicidade decorre diretamente do princípio democrático, tendo como principal objetivo assegurar a transparência na atuação administrativa.
Nas palavras de Carvalho Filho (2018, p. 29), o princípio da publicidade deve estar sempre harmonizado com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Isso significa que a Administração Pública deve agir de forma equilibrada, evitando práticas excessivas:
RECURSO ORDINÁRIO DECISÃO SINGULAR CONTRATOADMINISTRATIVO FORMALIZAÇÃO EXECUÇÃO FINANCEIRA AUSÊNCIADE PUBLICAÇÃO EXTRATO DO CONTRATO DOCUMENTOS DE EXECUÇÃO TERMO DE RESCISÃO OU ENCERRAMENTO DO CONTRATO MULTA IRREGULARIDADE RAZÕES RECURSAIS AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE CONDIÇÃO INDISPENSÁVEL INFRIGÊNCIA NÃO PROVIMENTO. A ausência da publicação do extrato do contrato, dos documentos de execução e do termo de rescisão ou encerramento do contrato, configura infração passível de multa, por ser condição indispensável para sua eficácia desrespeitar o Princípio da Publicidade. Inexistindo omissão no julgado ou desproporcionalidade na aplicação dá sanção, a verificação de infringência de diversos dispositivos legais e também de princípios norteadores da Administração Pública impõe o não provimento do recurso interposto. ACÓRDÃO: Vista, relatada e discutida a matéria dos autos, na 11ª Sessão Ordinária do Tribunal Pleno, de 07 de maio de 2019, ACORDAM os Senhores Conselheiros, por unanimidade, nos termos do voto do relator, em conhecer enegar provimento ao recurso ordinário interposto pelo Sr. Antonio Cavalcante, mantendo-se inalterados os comandos da Decisão Singular DSGG.JRPC 2878/2014, publicada no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul n. 0918, do dia 10 de julho de 2014,em razão da ausência de fundamentos capazes de modificar o Decisumrecorrido.Campo Grande, 07 de maio de 2019.Conselheiro Marcio Campos Monteiro Relator. Grifo nosso.
(TCE-MS - RO: 025482013001 MS 1648636, Relator: MARCIO CAMPOS MONTEIRO, Data de Publicação: Diário Oficial do TCE-MS n. 2200, de 13/09/2019).
Na leitura da jurisprudência acima, relacionada ao princípio da publicidade, verifica-se que, conforme citado em "Princípios Constitucionais Estruturantes da Administração Pública" (2007, p. 259-280), todo ato da Administração Pública deve ser amplamente divulgado, de forma a garantir que a população tenha total acesso e conhecimento sobre a conduta dos agentes públicos. Nesse caso, observa-se uma violação ao princípio da publicidade devido à ausência da publicação do extrato do contrato.
2.5. Eficiência
O princípio da eficiência foi introduzido pela Emenda Constitucional nº 19/98, estabelecendo a obrigatoriedade de que os serviços prestados pela Administração Pública sejam efetivos e atendam com qualidade às necessidades dos usuários. Esse princípio veio para promover a boa administração e zelar pelas exigências da sociedade. A principal característica do princípio da eficiência é orientar o agente público sobre como deve agir em sua função para alcançar resultados positivos, garantindo à sociedade o pleno cumprimento de suas responsabilidades.
Nesse sentido, Carvalho Filho (2018, p. 31) ressalta que o núcleo do princípio da eficiência está na busca por produtividade e economicidade. O objetivo principal é reduzir o desperdício de recursos públicos, garantindo que os serviços sejam prestados com presteza, perfeição e rendimento.
Ponderamos, ainda, que o princípio da eficiência deve ser entendido como um complemento aos demais princípios administrativos, sem se sobrepor a nenhum deles. Isso significa que a função administrativa, ao ser desempenhada de forma eficiente, deve ser exercida, entre outros aspectos, em conformidade com o princípio da legalidade. (Grifo do autor). (ALEXANDRE et al., 2018, p. 203).
Destacamos, ainda, que a busca pela eficiência na execução dos serviços públicos, por meio de instrumentos eficazes e adequados à consecução do interesse social, contribui diretamente para a garantia e a preservação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Apelação - ação civil pública - improbidade administrativa - prefeito - descumprimento de ordem judicial - tratamento de saúde urgente - ausência de justificativa - afronta ao princípio da eficiência - descrédito do Poder Judiciário - necessidade de reprimenda - elemento subjetivo - demonstrado - apelação à qual se dá provimento. 1. Constitui ato de improbidade administrativa retardar ou deixar de cumprir ordem judicial que determina ao agente político o fornecimento de tratamento de saúde adequado ao munícipe (Art. 11, II, da Lei 8.429, de 1992). 2. Além de colocar em risco a saúde do paciente, atenta contra o princípio da eficiência a demora do gestor em disponibilizar a cirurgia de urgência indicada. 3. O Poder Judiciário não pode chancelar este tipo de comportamento, menosprezando seu alcance, sob pena de estímulo à impunidade, à reincidência e ao descrédito da Justiça. 4. Entende-se por dolo a vontade livre e consciente dirigida ao resultado. 5. Dado que o requerido foi intimado por duas vezes para cumprir a decisão judicial e mesmo assim não a efetivou em tempo razoável, sem qualquer justificativa plausível para tanto, evidencia-se o elemento subjetivo dolo a configurar ato ímprobo. v.v. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ORDEM JUDICIAL. ATRASO NO CUMPRIMENTO. MÁ-FÉ E PREJUÍZO. AUSÊNCIA DE PROVA. OFENSA À LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NÃO CONFIGURADA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Para configurar a prática de improbidade administrativa, é necessário que o agente tenha atuado com má-fé além de auferir proveito próprio. 2. Ausente a prova de má-fé, bem como de proveito próprio do agente público, não está configurada a suposta improbidade administrativa. 3. Apelação cível conhecida e não provida, mantida a sentença que rejeitou a pretensão inicial. (Des. Caetano Levi Lopes). Grifo nosso.
(TJ-MG - AC: 10273140003925001 MG, Relator: Caetano Levi Lopes, Data de Julgamento: 29/08/2017, Câmaras Cíveis / 2ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 08/09/2017).
Como podemos observar na jurisprudência acima, o princípio da eficiência foi diretamente relacionado à falta de atuação do agente público na questão da saúde do paciente. A omissão do agente configura uma violação ao princípio da eficiência, que exige que o administrador público zele pela prestação adequada e célere dos serviços, garantindo atenção e cuidado às necessidades da sociedade.