A inconstitucionalidade da cobrança do diferencial de alíquota de ICMS (Difal) em operações interestaduais com consumidor final não contribuinte

28/09/2020 às 15:14

Resumo:


  • A instituição do Diferencial de Alíquota de ICMS (DIFAL) em operações interestaduais foi motivada pela pressão dos estados brasileiros devido ao desequilíbrio na distribuição de receitas tributárias.

  • Após a Emenda Constitucional nº 87/2015, a exigência do DIFAL em operações com consumidor final não contribuinte não foi prevista em lei complementar, gerando questionamentos sobre sua constitucionalidade.

  • O STF reconheceu a Repercussão Geral da matéria e debate se a instituição do DIFAL exige lei complementar, alinhando-se com decisões anteriores sobre a necessidade de previsão legal para tributação específica.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O STF fixou tese no julgamento do RE 1.221.330, com repercussão geral, que reforça os argumentos dos contribuintes pelo reconhecimento da inconstitucionalidade da exigência do DIFAL/ICMS em operações interestaduais com consumidor final não contribuinte.

1. INTRODUÇÃO

A instituição do diferencial de alíquota de ICMS (DIFAL) em operações interestaduais com consumidor final não contribuinte foi fruto da grande pressão exercida por boa parte dos estados brasileiros, os quais se sentiam prejudicados diante do regramento, disposto no texto original da Constituição Federal de 1988, que favorecia o desequilíbrio de distribuição de receitas tributárias em um cenário de crescimento vertiginoso do e-commerce e, por corolário, da arrecadação dos estados remetentes.

Mesmo após a edição da Emenda Constitucional nº 87/2015, a qual modificou o §2º do artigo 155 da CF/88 e incluiu o artigo 99 no ADCT para tratar da sistemática de cobrança do ICMS incidente sobre as operações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, contribuinte ou não do imposto; não houve, até o presente momento, previsão ou disciplinamento do assunto em lei complementar, apenas regulamentações expostas no Convênio ICMS 93/2015 do CONFAZ. Diante disso, os contribuintes apontam a inconstitucionalidade da exigência do DIFAL, tendo sido reconhecida, inclusive, a Repercussão Geral da matéria pelo STF.

Nos últimos meses a tese adotada pelos contribuintes ganhou mais força diante do julgamento do RE nº 1.221.330, em repercussão geral, pelo qual o Supremo reconheceu a validade das leis estaduais, que exigem o ICMS sobre a importação realizada por pessoa física ou jurídica, que não se dedique habitualmente ao comércio ou à prestação de serviços, somente após a edição da lei complementar 114/02. Ocorre que, a despeito da decisão anteriormente mencionada, o contexto de crise mundial, resultante dos efeitos da pandemia, vem se refletindo em decisões motivadas por argumentos políticos e econômicos a favor do fisco.

Nesse sentido, faz-se necessário analisar a dinâmica de cobrança do DIFAL, antes e depois da Emenda Constitucional 87/2015, bem como adotar um posicionamento crítico quanto à questão da constitucionalidade da exigência do diferencial de alíquota do ICMS em operações interestaduais com consumidor final não contribuinte, sem a edição de Lei Complementar que discipline o assunto.

2. A DINÂMICA DE COBRANÇA DO DIFERENCIAL DE ALÍQUOTA DE ICMS (DIFAL)

A dinâmica de cobrança do diferencial de alíquota de ICMS (DIFAL), antes da edição da Emenda Constitucional nº 87/2015, foi prevista no próprio texto constitucional original, o qual determinava apenas a aplicação do diferencial de alíquota para operações interestaduais quando o destinatário fosse contribuinte do imposto, nos seguintes termos:

Art. 155 (…)

§2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (…)

“VII – em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:

a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;

b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;

VIII – na hipótese da alínea “a” do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual; (grifo nosso)”[1]

Importante observar, de início, que a alínea  b) fixava a aplicação da alíquota interna, quando o destinatário do bem ou serviço não fosse contribuinte do imposto. Nesse sentido, no caso de uma aquisição de mercadoria realizada por consumidor final não contribuinte, como, por exemplo, uma pessoa física, localizada em Pernambuco, que compra um tênis de uma empresa, localizada em São Paulo, o fruto da arrecadação tributária seria destinado totalmente ao estado remetente.

O desequilíbrio arrecadatório entre os estados se tornou ainda mais flagrante com o crescimento do comércio eletrônico, tendo em mente que as compras realizadas pela internet possibilitaram que um grande número de operações fossem realizadas a consumidores finais não contribuintes de ICMS, localizados em estados diferentes do Estado de origem do remetente.

Diante desse contexto, foi iniciada uma guerra fiscal entre os estados da região sul e sudeste, os quais concentravam a maior parte dos vendedores, e os demais estados do Brasil, que passaram a editar legislações próprias exigindo o recolhimento do diferencial de alíquota. A união destas unidades federativas culminou no protocolo ICMS 21/2011, cujo principal objetivo foi estabelecer que nas operações interestaduais destinadas ao consumidor final, o ICMS seria devido ao estado de destino, devendo o remetente recolher o tributo, em favor do primeiro, no papel de substituto tributário.[2]

No entanto, em 2014, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o protocolo firmado, tendo em vista que o assunto estava previsto na própria constituição e, portanto, deveria ser modificado por Emenda Constitucional.

Ocorre que, em 2015, foi aprovada a Emenda Constitucional nº 87/2015, cujo conteúdo modificou a redação do artigo 155, §2º, VII e VIII, da CF/88, nos seguintes termos:

“Art. 155 (…)

§2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (…)

VII – nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual;

a) (revogada);

b) (revogada);

VIII – a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída:

a) ao destinatário, quando este for contribuinte do imposto;

b) ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto; (grifos nossos)”.[3]

Diante da nova dinâmica de cobrança do ICMS, nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, seria adotada a alíquota interestadual e caberia ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual.

Contudo, apesar da edição da Emenda Constitucional nº 87/2015, a exigência do DIFAL, nas operações interestaduais envolvendo consumidores finais não contribuintes de ICMS, não foi prevista nem disciplinada em Lei Complementar. Nesse sentido, apenas o Convênio ICMS 93/2015 do CONFAZ prevê disposições sobre o tema, como a forma de cálculo do DIFAL e as obrigações acessórias a serem cumpridas.

3. A INCONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA DO DIFAL EM OPERAÇÕES INTERESTADUAIS COM CONSUMIDOR FINAL NÃO CONTRIBUINTE

A ausência de lei complementar que tratasse da matéria acarretou grande volume de demandas judiciais. Os contribuintes argumentam que, conforme o art. 146, III alínea “a”, da CF/88, bem como o artigo 155, §2º, XII, alíneas "a", "d" e "i" da CF/88, o estabelecimento de normas gerais de direito tributário cabe à referida espécie legal.

Nessa toada, o Convênio ICMS 93/2015 do CONFAZ não poderia, por exemplo, estabelecer nova base de cálculo do ICMS para essas operações, como expressamente o faz em sua cláusula segunda.[4]

Diante da polêmica criada, o STF, através do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.237.351/DF, reconheceu a repercussão geral da matéria, sendo gerado o tema 1093, em que se discute se a instituição de Diferencial de Alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços nas operações interestaduais envolvendo consumidores finais exige edição de lei complementar para disciplinar a temática.[5]

Em reforço aos argumentos defendidos pelos contribuintes no caso em tela, o STF fixou a seguinte tese no julgamento do RE 1.221.330, com repercussão geral:

“I - Após a Emenda Constitucional 33/2001, é constitucional a incidência de ICMS sobre operações de importação efetuadas por pessoa, física ou jurídica, que não se dedica habitualmente ao comércio ou à prestação de serviços, devendo tal tributação estar prevista em lei complementar federal.

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II - As leis estaduais editadas após a EC 33/2001 e antes da entrada em vigor da Lei Complementar 114/2002, com o propósito de impor o ICMS sobre a referida operação, são válidas, mas produzem efeitos somente a partir da vigência da LC 114/2002.”[6]

A Emenda Constitucional 33/2001, mencionada anteriormente, implementou nova redação ao artigo 155, § 2º, IX, a, da CF/88, para permitir a incidência do ICMS sobre importação feita por quem não se dedica habitualmente ao comércio. No entanto, as leis estaduais editadas anteriormente à entrada em vigor da Lei Complementar 114/2002 só passaram a produzir efeitos a partir da vigência da mesma. Sendo assim, a exigência do ICMS sobre importação feita por quem não se dedica habitualmente ao comércio, no intervalo entre a edição da Emenda Constitucional e a entrada em vigor da lei complementar, foi julgada inconstitucional.

Nesse sentido, espera-se que a decisão do STF acerca do tema 1093 tenha compatibilidade com o entendimento firmado no julgamento do RE 1.221.330, em respeito à segurança jurídica, uniformidade da jurisprudência e previsibilidade das decisões.

4. CONCLUSÃO

Diante da linha interpretativa formada pelo STF, os contribuintes aguardam um posicionamento favorável da Suprema Corte no sentido de considerar inconstitucional a cobrança do DIFAL em operações interestaduais com consumidor final não contribuinte, antes de edição de lei complementar que regule o tema.

O posicionamento pela necessidade de lei complementar que regule a matéria seria a decisão mais afinada aos ditames constitucionais acerca do assunto, além de trazer aos investidores maior previsibilidade. Outrossim, é importante apontar que a adoção desse entendimento favorece a construção de um sistema tributário mais claro e simplificado ao empresário, o qual, baseado na jurisprudência do Tribunal, terá pela frente um risco tributário muito menor para a continuidade das suas operações.

Não obstante a confiança dos contribuintes, insta salientar que, diante do cenário pandêmico, seguido do considerável aumento de gastos do Estado, o STF acabou por adotar, em seus posicionamentos recentíssimos, argumentos políticos e econômicos a fim de evitar perdas de receita às unidades federativas.

Resta às partes, portanto, esperar pelo posicionamento da Suprema Corte e torcer por uma decisão calcada na tese firmada no julgamento do RE 1.221.330 e compatível com os dispositivos constitucionais atinentes à lei complementar.

5. REFERÊNCIAS

[1] BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 26/09/2020.

[2] BARROS, Maurício. O ICMS no comércio eletrônico e a inconstitucionalidade do Protocolo ICMS 21/2011. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 193, 2011, p. 102-103.

[3] BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 26/09/2020.

[4] BRASIL. Convênio ICMS 93, de 17 de setembro de 2015. Disponível em: <https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/convenios/2015/CV093_15>. Acesso em: 26 de setembro de 2020.

[5] STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO: ARE 1.237.351/DF - Relator: Marco Aurélio. Teses de Repercussão Geral. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=5783568&numeroProcesso=1237351&classeProcesso=ARE&numeroTema=1093>. Acesso em: 26 de setembro de 2020.

[6] STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO: RE 1.221.330 - Relator: Luiz Fux. Pesqquisa de jurisprudência, acórdãos, 17 de agosto de 2020. Disponível em: <https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=%22RE%201221330%22&base=acordaos&sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&sort=_score&sortBy=desc&isAdvanced=true>. Acesso em: 26 de setembro de 2020.

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