A Lei nº 14.065, de 20 de setembro de 2020 trata da autorização de pagamentos antecipados nas licitações e nos contratados da Administração Pública. Adequa, ainda, os limites de dispensa de licitação, bem como amplia o uso do Regime Diferenciado de Contratação Pública – RDC – durante o estado de calamidade pública, nos termos do Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020. Por fim, altera a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 – que dispõe sobre medidas para enfrentamento de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do vírus covid-19. Singelas considerações serão tecidas sobre as matérias nela tratadas.
A Lei fez alterações significativas em alguns institutos das licitações públicas. Entretanto, em virtude de expressa menção no seu texto, são mudanças temporárias, ou seja, valerão enquanto viger o estado de calamidade pública decorrente da pandemia. Assim, tem a sua vigência limitada à excepcionalidade.
Os gestores públicos devem redobrar a atenção sobre os preceitos da lei em comento, em vista do lastro de abertura que ela possibilita, mas que, em verdade, poderá ser uma arapuca aos mal-intencionados. O lastro que abre o subjetivismo para contratações e oportunismos, aumentando o juízo sobre questões concretas, ocorre na mesma proporção quanto à atividade fiscalizatória que sobre os atos recaem.
O art. 2º da Lei de Introdução à Normas do Direito Brasileiro dispõe que não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. Tratando-se norma nacional e cuja vigência está relacionada ao estado excepcional, pode-se concluir que é uma lei de vigência limitada – não se aplicando o princípio da continuidade das leis. Tão logo a excepcionalidade finde perderá sua força normativa, retomando a natural vigência das regras que temporariamente foram excepcionadas.
A Lei possui natureza nacional, aplicável, portanto, à todas unidades federativas. Fez bem o legislador, principalmente em relação aos limites de dispensa, já que outrora fora tratada por Decreto, o que achávamos inconstitucional, porque o aspecto quantitativo é um dos instrumentos de classificação das modalidades licitatórias (Lei nº 8.666/93), e somente poderia ser feita por norma geral e não por decreto (ainda que de vigência excepcional), como ocorrera com a publicação do Decreto nº 9.412, de 18 de junho de 2018 – apesar de ainda estar em vigor.
A atualização dos valores das modalidades de que trata o art. 23 da Lei nº 8.666/93 foi a seguinte:
I - Para obras e serviços de engenharia:
a) na modalidade convite - até R$ 330.000,00 (trezentos e trinta mil reais);
b) na modalidade tomada de preços - até R$ 3.300.000,00 (três milhões e trezentos mil reais); e
c) na modalidade concorrência - acima de R$ 3.300.000,00 (três milhões e trezentos mil reais); e
II - Para compras e serviços não incluídos no inciso I:
a) na modalidade convite - até R$ 176.000,00 (cento e setenta e seis mil reais);
b) na modalidade tomada de preços - até R$ 1.430.000,00 (um milhão, quatrocentos e trinta mil reais); e
c) na modalidade concorrência - acima de R$ 1.430.000,00 (um milhão, quatrocentos e trinta mil reais).
A licitação dispensável que tem por base percentuais de valores a modalidade convite (o procedimento é mais dispendioso que a contratação direta) é estabelecida nos incisos I e II do art. 24 da Lei nº 8.666/93. Conforme a Lei Geral: “é dispensável, ou seja, poderá ser feita contratação sem a etapa competitiva para obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso I do artigo anterior, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente; e, II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez”.
Em resumo: seria dispensável a licitação quanto ao valor de R$ 33.000,00 (trinta e três mil reais) em caso de obras e serviços de engenharia e R$ 17.600,00 (dezessete mil e seiscentos reais) para serviços e compras de outra natureza.
Com a novel Lei nº 14.065, de 20 de setembro de 2020, os limites de dispensa passaram aos seguintes valores (inciso I e II do art. 24 da Lei n º 8.666/93): a) R$ 100.000,00 (cem mil reais), para obras e serviços de engenharia, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizados conjunta e concomitantemente; e b) R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), para outros serviços e compras, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço ou de compra de maior vulto, que possam ser realizados de uma só vez. Repisando, tais valores estão adstritos à temporalidade da excepcionalidade da pandemia. Não houve, assim, efetiva mudança na Lei n 8.666/93, esses valores serão referência enquanto perdurar a calamidade.
A princípio, a Administração Pública (U-E-DF-M) não pode realizar licitações sem garantias financeiras do cumprimento contratual por parte de licitante vencedor do certame. Por isso, a existência e a necessidade do cumprimento de determinados pressupostos de habilitação econômico-financeira: garantir o cumprimento da execução contratual sob o aspecto econômico. Em regra, deve-se vedar licitações ou contratações que viabilizam o pagamento antecipado, pois o transformaria em financiador da prestação de serviços ou da aquisição de bens.
A nova lei, ante ao estado de excepcionalidade, possibilita o pagamento antecipado. Em seus termos, as unidades federativas poderão pagar antecipadamente à prestação de serviços ou aquisição de bens desde que represente condição indispensável para obter o bem ou assegurar a prestação do serviço; ou propicie significativa economia de recursos.
As condições impostas para o pagamento antecipado viabilizam juízo demasiadamente abstrato de julgamento sobre os conceitos de “condição indispensável para obter o bem”, “assegurar a prestação do serviço” ou, por fim, que “assegure significativa economia de recursos”.
Entendemos que os dois primeiros estão vinculados à necessidade inarredável, à indispensabilidade de uma providência imediata para o resguardo de direitos ou necessidades públicas – principalmente no estado de calamidade.
Quanto à economia de recursos, o agente competente para justificar o pagamento antecipado deverá ter por parâmetros questões relacionadas à economia e a atividade financeira do Estado ou momento oportuno para aquisições que poderão tão logo incidir aumento de preço – também limitada à excepcionalidade.
Para possibilitar o pagamento antecipado os atos convocatórios deverão prever expressamente e de forma justificada os motivos que possibilitam a antecipação. De preferência que estejam relacionadas à situação de excepcionalidade, pois esta é a teleologia da lei.
Assim, a Administração deverá prever a antecipação de pagamento em edital ou em instrumento formal de adjudicação direta; bem como exigir a devolução integral do valor antecipado na hipótese de inexecução do objeto, atualizado monetariamente pela variação acumulada do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ou índice que venha a substituí-lo, desde a data do pagamento da antecipação até a data da devolução.
Além dessas regras obrigatórias, a Administração deverá criar instrumentos que impeçam a inexecução contratual, a inadimplências das obrigações assumidas pelo contratado. A lei, dentre outras possíveis, elenca as seguintes cautelas para a redução dos riscos de inadimplemento nos casos de pagamento antecipado: I - a comprovação da execução de parte ou de etapa inicial do objeto pelo contratado, para a antecipação do valor remanescente; II - a prestação de garantia nas modalidades de que trata o art. 56 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, de até 30% (trinta por cento) do valor do objeto; III - a emissão de título de crédito pelo contratado; IV - o acompanhamento da mercadoria, em qualquer momento do transporte, por representante da Administração; ou V - a exigência de certificação do produto ou do fornecedor.
Veda, entretanto, e com razão, o pagamento antecipado pela Administração na hipótese de prestação de serviços com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, pois, além de serem serviços continuados – que não se caracterizam pela urgência ou imediatismo do serviço ou produto – abrir-se-ia para qualquer licitante a possibilidade de concorrer, ainda que esta não tivesse condições financeiras para arcar com despesas por certo lapso temporal, como as trabalhistas e dispêndios outros.
Por último, a Lei 12. 462, de 4 de agosto de 2011 que trata do Regime Diferenciado de Contratação (não é uma modalidade licitatória, ressaltamos) foi alterada com a nova lei. Antes, com rol restritivo, o RDC passou a ser aplicado para licitações e contratações de quaisquer obras, serviços, compras, alienações e locações, mas, aparentemente a ampla permissão só ocorrerá temporariamente, ou seja, durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020. Repisando: somente de forma transitória e em relação às situações vinculadas à calamidade – este é o nosso posicionamento.
Por fim, as aquisições poderão ser feitas por meio de Sistema de Registro de Preço. Indispensável, novamente, a relação das aquisições com a excepcionalidade.
Aos gestores os devidos cuidados em relação à formalidade, justificativa e necessidade das aquisições, afinal, os órgãos de controle interno e externo priorizarão a análise e a manifestação quanto à legalidade, à legitimidade e à economicidade das despesas decorrentes dos contratos ou das aquisições realizadas com fundamento nesta Lei.