Imunidade dos templos de qualquer culto: compatibilidade com a laicidade do Brasil

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09/10/2020 às 08:47
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3. LAICIDADE NO BRASIL

O Brasil é considerado um Estado laico, tendo em vista, dentre outros, os Artigos 5º, VI e o 19, I, ambos da Constituição Federal de 1.998, os quais preceituam que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

...

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

...

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

Souza, (2017, p. 5) explica a etimologia da palavra laicidade:

A expressão laicidade deriva do termo laico, leigo. Etimologicamente laico se origina do grego primitivo Laos, que significa povo ou gente do povo. De Laos deriva a palavra grega laikós de onde surgiu o termo latino laicus. Os termos laico, leigo exprimem uma oposição ao religioso, àquilo que é clerical... Como preceito político, a laicidade se aplica ao Estado... a laicidade é a expressão político-institucional do processo de secularização (das instituições estatais, de seu ordenamento, de suas políticas, etc.) que acaba moldando-se formalmente mediante normas, princípios e valores jurídicos.

Com isso, faz-se necessário observar o que assevera Souza (2019):

O Estado Brasileiro é laico/secular, isso, teoricamente, prega a desagregação da religião e seus valores sobre os atos governamentais. Em uma democracia, a pluralidade de crenças e valores é incalculável, justamente por pousar sobre a liberdade. E o Estado deve agir com o máximo de neutralidade e igualdade possível com relação as mais diversas pautas, por isso, a laicidade é um princípio crucial para a manutenção da democracia e os direitos individuais e coletivos.

Nesta seara Souza, (2017, p. 4) ressalta o seu entendimento sobre a laicidade do Estado:

o Estado não professa nem favorece (nem pode professar ou favorecer) nenhuma religião; dessa forma, ele contrapõe-se ao Estado confessional – em que se inclui o assim chamado “Estado ateu”, considerando que este assume uma posição caracteristicamente religiosa, mesmo que seja em um sentido negativo. Dessa forma, seguindo a laicidade, o Estado não possui doutrina oficial, tendo como consequências adicionais que os cidadãos não precisam filiar-se a igrejas ou associações para terem o status de cidadãos e inexiste o crime de heresia (ou seja, de doutrinas e/ou interpretações discordantes e/ou contrárias à doutrina e à interpretação oficial)

Shoeri citado por Wikianovski (2016) enfrenta a polêmica traçada sobre a imunidade religiosa e a laicidade do Estado expressando que “o elemento axiológico da imunidade encontra-se, obviamente, no princípio da liberdade religiosa, base do Estado contemporâneo”

Nesta linha de raciocínio Wikianovski (2016) enfatiza que:

a imunidade tributária religiosa é uma das formas de proteção do Estado ao direito individual, em atuação distante da profissão de fé, crença ou ausência de crença, mas sim na proteção desta liberdade e garantia individual inerente a dignidade da pessoa humana, reprimindo a intolerância religiosa...A jurisprudência construída pelos tribunais estaduais e federais, bem como as instâncias superiores tem sido uníssona no sentido de que a aplicação da norma imunizante aos entes religiosos devem respeitar as atividades essenciais inerentes à finalidade que se destinam, buscando a elevação espiritual e a melhoria contínua do ser humano.

Diante da explanação do conteúdo que permeia o tema objeto de estudo, passa-se agora a tecer as considerações finais.


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da análise do conteúdo exposto pode-se concluir que a imunidade dos templos de qualquer culto é compatível com a laicidade do Brasil.

Neste trabalho alcançou-se essa proposição final através das premissas que serão apresentadas.

A primeira premissa é que o Brasil é um Estado laico e assim se comporta em todos os Poderes do Estado, tendo em vista que, não professam, nem favorece nenhuma religião. Outrossim, a República Federativa do Brasil não possui doutrina oficial, sendo assim os cidadãos não precisam filiar-se a igrejas ou associações para terem o status de cidadãos e inexiste o crime de heresia.

A outra premissa, é de que a imunidade religiosa é um desdobramento de outras Normas Constitucionais que estabelecem garantias fundamentais mais amplas, como a liberdade de crença, o livre exercício de cultos religiosos e a proteção aos locais de culto e suas liturgias. Ou seja, a referida imunidade é uma das formas de proteção do Estado ao direito individual, em atuação distante da profissão de fé, crença ou ausência de crença, mas sim na proteção desta liberdade e garantia individual inerente a dignidade da pessoa humana, reprimindo a intolerância religiosa.

A próxima premissa é no sentido de ressaltar que os templos de qualquer culto têm uma função precípua na sociedade, haja vista que, os benefícios de suas atividades não se esgotam em quem a recebe mas se transferem a outras pessoas repercutindo no bem-estar geral. Outrossim, as atividades das Igrejas se traduzem em ensino, cultura, saúde, benemerência, moralidade pública e privada, educação dos cidadãos para a prática de virtudes eminentemente sociais, tais como a justiça, caridade, abnegação no serviço ao próximo, sendo que essas atuações afetam, de forma positiva, toda a sociedade.

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Nesse contexto, é mister enfatizar que no Brasil, de acordo com levantamento do IBGE (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA) em 2010, apenas 8% dos entrevistados se declararam sem religião, ou seja, quase toda totalidade da sociedade declararam ser religiosa.

Nesse diapasão, tendo em vista que os recursos captados pela imunidade são utilizados nas finalidades essenciais da instituição religiosa, pode-se inferir que 92% dos membros sociedade (entrevistados que declararam ter uma religião) são beneficiados pela imunidade religiosa.

Contudo, é de fundamental importância a atuação do fisco e de outros órgãos fiscalizadores para que sejam verificadas e punidas as instituições religiosas que não utilizam os recursos captados pela imunidade nas finalidades essenciais da instituição religiosa.

Por fim, ainda que haja entendimento de que imunidade dos templos de qualquer culto é incompatível com a laicidade do Brasil e tendo a imunidade religiosa natureza de garantia fundamental, constituindo-se cláusula pétrea, o Artigo, 150, VI, “b”, em tese, não pode ser alterado pelo Poder Constituinte Derivado.


REFERÊNCIAS

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