João e Maria.

A verdade por detrás do conto de fadas

18/10/2020 às 14:53
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Num período de fome medieval intensa, temos a origem de João e Maria e seus significados e novas versões para adultos e crianças.

Hänsel und Gretel (ou Jean e Jeanette) é correspondente ao João e Maria é um conto de fadas de tradição oral e que fora compilado pelos irmãos Grimm[1]. Trata-se de uma aventura de dois irmãos, filhos de um pobre lenhador que moravam na floresta com seu pai e sua esposa.

Um dia, enquanto seu pai trabalhava, a madrasta cozinhava, ela saíra para colher amoras na floresta, pediu então que as crianças cuidassem da casa enquanto estivesse ausente.

Mas, quando ela voltou da floresta encontrou a casa em total caos e a torta que estava preparando no chão. A madrasta ficou muito zangada com João e Maria e resolveu enviá-los para floresta para colher amoras.

Floresta adentro, as crianças iam jogando migalhas de pão no chão para que pudessem encontrar o caminho de casa pela trilha feita. Porém, quando resolvessem voltar para casa perceberam que as migalhas haviam sido comidas pelos pássaros da floresta e que estavam perdidos.

Enquanto procuravam o caminho de volta pra casa, João acabou achando uma casa feita de doces no meio da floresta. Com muita fome depois de tanto tempo procurando o caminho de volta para casa, João chamou Maria para que eles comessem as guloseimas da casa. Enquanto as crianças se deliciavam com os doces uma velha (na verdade, uma bruxa) apareceu de dentro da casa e os convidara para entrar.

Lá dentro, a bruxa lhes deu mais comida, até os dois não aguentarem mais. Porém, toda a aparente gentileza da senhora não passava de um plano para comer as criancinhas.

Ela prendeu João e Maria para que pudesse assá-los, porém, espertas, as crianças descobriram o plano da bruxa e a enganaram, lançam um feitiço para hipnotizarem a bruxa atirando-a para dentro do forno que a velha usaria para cozinhá-los.

Finalmente, livres da bruxa, João e Maria são encontrados pelo pai, cuja mulher havia morrido, e voltam para casa, levando consigo o dinheiro que estava dentro da foice da bruxa, suficiente para o resto de suas vidas.

Entre 1314 e 1322[2] houve um período de expressiva fome ao redor do mundo, decorrente de atividades vulcânicas e diversas mudanças climáticas causadas pelo fenômeno. Apenas na Europa, estima-se que cerca de 25% da população tenha morrido de fome em determinadas regiões durante o período que ficou conhecido como a Grande Fome.

A narrativa trazida pelos Irmãos Grimm encerrou versão esterilizada para a classe média do século XIX, porque. originalmente. só era mais uma demonstração da rudez da vida da Idade Média, devido à fome constante, onde o homicídio infantil era frugal.

Assim, os irmãos foram abandonados no bosque para que morressem ou simplesmente desaparecessem porque não podiam ser alimentados.  Nas primeiras edições do conto de fadas, não existia madrasta, era a mãe que persuadia o pai abandonar os seus próprios filhos. Deu-se uma atenuação[3] da violência contra as crianças.

O fato de que a mãe ou madrasta tenha morrido quando as crianças matam a bruxa significa que a mãe ou madrasta e a bruxa, são, de fato, a mesma pessoa, ou pelo menos a personalidade delas esteja fortemente ligada.

Há outra versão que é de que João e Maria resolveram dar um passeio e que a mão os expulsou de casa, quando eles se perdem na floresta e encontram a casa de doces.

Diversas histórias surgiram nesse período e, uma delas, foi contada por Henriette Dorothea Wild, vizinha dos Irmãos Grimm[4], e serviu como ponto de partida para a escrita da história de João e Maria que se popularizou mundialmente.

A versão foi bastante amenizada ao longo do tempo, mostrando o pai feliz pela volta de João e Maria e arrependido por tê-los deixado partir. De uma forma ou outra, a história permanece interessante.

Numa versão francesa mais antiga (chamada “As crianças perdidas”)[5], ao invés de uma bruxa, há um demônio, que também é enganado pelas crianças. Contudo, ele não cai na cilada e está prestes a colocá-los na guilhotina.

As crianças fingem não saberem como entrar no instrumento e pedem para a esposa do demônio mostrar como se faz. Nesse momento, elas cortam seu pescoço e fogem.

Enfim, o conto dos irmãos Grimm é muito mais sombrio. As duas crianças são abandonadas pela própria mãe, para morrerem de fome na floresta, já que os pais são muito pobres e não podem sustentá-los. Quando voltam para casa, tendo sobrevivido à bruxa, encontram os pais mortos de fome dentro de casa.

Historicamente os contos de fadas surgiram por volta do século XIV[6] e perduram até hoje. Enfocam estórias narradas hoje e que são resultado de diversas reelaborações da sociedade europeia dos séculos XVIII e XIX, muitas vezes condensadas ou confundidas umas com as outras, ou mesmo modificadas conforme os problemas especiais de cada época[7].

Em verdade, nem sempre os contos foram destinados às crianças. Tais narrativas eram feitas para um público coletivo que se emocionava com o contador de história. Com a evolução, a forma dessas narrativas foi se adequando às novas formas de linguagem, os livros se popularizaram e seu uso se destina crescente alfabetização da sociedade.

Como a alfabetização se tornou cada vez mais foi realizada entre os infantes, houve o deslocamento dos contos populares para os contos de fadas, são destinados ao público infantil.

Tais situações retratadas, identificam-se com situações modernas, buscando novas formas que a fantasia encontrou de e conjugar, representando famílias, crianças e pessoas de nosso tempo. São velhas travestindo novos trajes.  Importante frisar que os contos de fadas nem sempre tem fadas presentes em sua narrativa.

E, Vladimir Propp[8] um estudioso russo, uma estruturalista dos contos populares, que visam identificar seus elementos narrativos, denominou então os contos como contos maravilhosos pela presença de algum elemento mágico ou fantástico nessas histórias.

As fadas[9] não são necessariamente presentes, mas sim, algum elemento extraordinário e surpreendente. Não se pode afirmar que certo conto de fadas se destina a um tipo específico de criança, ou mesmo, uma idade adequada.

Por meio dos contos de fadas, pode-se compreender mais sobre seus problemas íntimos do que qualquer outra história para crianças[10]. A criança necessita de ajuda para encontrar sentido no turbilhão dinâmico de sentimentos que vivencia, precisa de ideias de como irá colocar ordem na sua subjetividade, e com base nisso, ter ordem na sua vida[11].

Necessita de uma educação moral que, de modo sutil e implicitamente, a conduza as vantagens do comportamento ético, não por meio de conceitos abstratos, mas de uma maneira que lhe pareça tangível e, portanto, significativa, a criança encontra esse tipo de significado nos contos de fadas.

Tradicionalmente, os contos de fadas foram transmitidos para as crianças de forma oral, foram contadas e recontadas inúmeras vezes, e, exigiam da criança todo um complexo desorganização que a levava a imaginar cada cena de forma única e subjetiva.

A linguagem contemporânea conta com diversos recursos, e a imagem representa o protagonista na vida infantil. Não podemos afirmar que as crianças perderam elementos essenciais para a imaginação, mas que elas perderam um recurso essencial: o Contador das histórias[12].

Segundo Chauí apud Caldin, crianças também experimentam sentimentos de temor e ódio, inclusive pelos adultos. Torcer pelas “bruxas”, “ogros” ou “dragões” é uma boa maneira de dar vazão à agressividade, que, de outro modo, seria punida se fosse manifestada.

Não podemos desconsiderar que muitas vezes o “bom” parece estar tão longínquo, enquanto o “mau” lhe parece tão próximo e tão poderoso, não é isento de atrações.

Bettelheim cogita deste prazer que sentimos ao podermos falar da morte, do envelhecimento, do desejo da vida eterna, dos limites da existência. É básico, é humano. Mas não é o fato de o malfeitor ser punido no final que imprime moral à estória; nos contos de fadas, como na vida, a punição ou o medo é apenas um fator para inibir o crime.

O herói[13] é atraente para a criança porque passa a convicção que o crime não compensa; ela sofre junto com o herói em todas as suas provas e atribuições, e triunfa com ele quando a virtude sai vitoriosa. As identificações da criança são feitas por conta própria e as lutas interiores e exteriores do herói lhe imprimem moralidade.

Conclui-se que nesse conto, existem muitos elementos psicológicos para serem analisados. Pois, traça narrativa sobre o sentimento de desamparo, abandono, a busca por independência, a satisfação, frustação e, por fim, o coração.

Os irmãos simbolizam o lado masculino e feminino[14] de uma mesma pessoa (ying e yang[15]), que quando se depara com uma situação de abandono e tristeza, se vê perdida diante do desconhecido. Tal confusão emocional pode ser representada pela imagem da floresta e seus perigos.

Observou-se que as crianças[16] ao serem abandonadas, se preocuparam em deixar pistas para achar o caminho de volta, mas mesmo assim, acabam sozinha e se reorientar segundo suas próprias capacidades.

O conto significa a perda da inocência das crianças e a retomada da coragem, principalmente, por acessarem uma força interior e, ainda, o espírito de equipe e criatividade[17].


Referências

AGUIAR, Monique Mesquita. Um toque de magia no cenário infantil: a importância dos contos de fadas na infância/ Monique Mesquita Aguiar. – 2012.  Monografia (Licenciatura em Pedagogia) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Formação de Professores. Disponível em: http://www.ffp.uerj.br/arquivos/dedu/monografias/mmaa.1.2012.pdf   Acesso 18.10.2020,

ARAÚJO, Francielle Mayumi Sakamoto; AMARI, Fabio Nader; DE OLIVEIRA, Ana Maria Moreno. A função dos contos de fadas na Constituição do Sujeito Psicanalítico Disponível em: https://revistas.unipar.br/index.php/akropolis/article/download/4032/2521  Acesso em 18.10.2020.

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. 23 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2009.

CALDIN, Clarice Fortkamp. Leitura e Terapia. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/92575/263775.pdf?sequence=1  Acesso em 18.10.2020.

LOPES, Thaís de Carvalho Rodrigues. Era uma vez o fim: representações da morte na literatura infantil. Disponível em: https://pantheon.ufrj.br/bitstream/11422/534/3/TCRLopes.pdf  Acesso em 18.10.2020.

MERLEAU-PONTY, Maurice. O olho e o espírito. In:_____. Textos escolhidos. Tradução e notas de Marilene de S. Chauí et al. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

Ministério da Educação. Fundescola/Projeto Nordeste/ Secretaria de Ensino Fundamental. Contas tradicionais, fábulas, lendas e mitos Brasília, 2000.

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Notas

[1] Vindos de uma família humilde, Jacob e Wilhelm foram os únicos dos cincos filhos que frequentaram universidade. Amantes do escritor Goethe e do historiador Schiller, começaram a se dedicar aos estudos de história e linguística, recolhendo diretamente da memória popular as antigas narrativas e lendas conservadas pelo povo.

[2] Os contos de fadas e lendas europeias frequentemente eram resíduos de temas religiosos pré-cristãos que se tornaram inaceitáveis, uma vez que a Cristandade não toleraria tendências pagãs de forma aberta. De certo modo, a beleza perfeita de Branca de Neve parece remotamente derivada do sol; seu nome sugere a brancura e a pureza da luz forte.

De acordo com os antigos, sete planetas circundam o sol, daí os sete anões. Anões ou gnomos, no folclore teutônico, são trabalhadores da terra, extraindo metais, dos quais só sete eram comumente conhecidos em tempos idos – outra razão pelas quais esses mineiros são sete. E cada um desses sete metais estava relacionado a um dos planetas na antiga filosofia natural (o ouro ao sol, a prata a lua, etc.) (BETTELHEIM),

[3] Ao longo de sua extensa trajetória, os contos foram submetidos à rigorosos processos de censura, que se caracterizaram pelo desejo de tornar as narrativas folclóricas “apropriadas” ao público infantil, embora possamos dizer que seu conteúdo básico foi mantido, contos como “Pele de asno” e “Barba azul” tiveram a sua popularidade encolhida pelas inconveniências que continham, no entanto, hoje em dia, essas histórias, as que se adaptaram aos olhos da nova época, se tornaram um patrimônio mundial indispensável aos pequeninos, pois mesmo que de maneira intuitiva, a maioria das pessoas acreditam que essa tradição tem algo a dizer.

Se essas histórias permaneceram e estão presentes ainda hoje, foi porque foram transmitidas de uma geração a outra como uma espécie de sabedoria popular, é bem verdade que se essas histórias foram contadas e recontadas por diversas vezes e em diferentes situações e localidades elas acabaram sendo modificadas para se  adequar melhor aos seus ouvintes, ou seja, os contos de fadas foram influenciados pela civilização em que surgiram.

[4] A história de João e Maria é um conto de fadas que ultrapassa gerações. Foi publicada pela primeira vez em 1812, de autoria dos Irmãos Grimm, a narrativa fala de dois irmãos que foram abandonados na floresta por seu pai e a madrasta devido a falta de dinheiro para sustentar todos e, enquanto procuravam o caminho de volta para casa, acabaram sendo capturados por uma bruxa que tinha o objetivo de "assá-los" após comerem sua casa feita de doces.

[5] Na versão francesa e encontrei algumas versões diferentes para a história, em uma delas a madrasta má pressiona o marido a largar seus filhos na floresta, coincidentemente essa madrasta é também a bruxa malvada. A outra versão é a mãe mesmo e ao invés de uma bruxa malvada, temos um casal de demônios. Ao invés de uma casa feita de doces, João e Maria encontram na verdade uma casa repleta de riquezas, a história continua normal, como conhecemos, as crianças são pegas, escravizadas por um tempo até o ponto para serem comidos.

No dia que eles seriam cozinhados, o demônio sai, algumas versões dizem que é para uma caminhada, em outras que ele foi buscar outros temperos, a demônia resolve então adiantar a refeição e pede para Maria colocar João no cavalete, em outras versões é dentro da panela, os dois fingem não saber como é para fazer e a demônia burra pra caramba, vai mostrar para eles como se faz, subindo no lugar, João e Maria, que diferente da demônia, não são burros, pegam a demônia e a amarram, rapidamente cortando a garganta dela, fugindo depois levando o dinheiro e a carroça do casal de demônios.

[6] Já durante o século XVI, as narrativas maravilhosas faziam parte do cotidiano do povo, que utilizava e adaptava essas histórias para o seu próprio entretenimento. Os camponeses contavam-nas ao redor das fogueiras para afugentar o tédio dos afazeres domésticos e as fiandeiras contavam-nas enquanto fiavam e teciam, o que originou expressões como “tecer uma trama” e “costurar uma história”. Sem a preocupação de refinar ou mesmo de adaptar essas histórias ao público infantil, suas narrativas eram fortemente carregadas de detalhes violentos, cruéis e até mesmo eróticos, sempre inspirados em seu cotidiano.

[7] Os contos populares pré-modernos talvez fizessem pouco mais do que nomear os medos presentes no coração de todos, adultos e crianças, que se reuniam em volta do fogo enquanto os lobos uivavam lá fora, o frio recrudescia e a fome era um espectro capaz de ceifar a vida dos mais frágeis, mês a mês. Por esse motivo, os contadores de histórias dos séculos XVI e XVII retratavam um mundo de brutalidade nua e crua, ou seja, retratavam o mundo em que viviam.

[8] Vladimir Iacovlévitch Propp (1895-1970) foi acadêmico estruturalista russo. Propp analisou os componentes básicos do enredo dos contos populares russos visando identificar os seus elementos narrativos mais simples e indivisíveis. Foi um dos expoentes da narratologia. Recolheu vários contos tradicionais até chegar a um “corpus" de 100 contos de magia registrados e publicados por Alexander Nikolayevich Afanasyev. Procurou uma estrutura nesse corpus e encontra trinta e uma funções. Após o encerramento do grupo em 1930, Propp prosseguiu suas pesquisas na Rússia dentro do seu principal campo de interesse, o material proveniente do folclore.

Toda a sua produção teórica está relacionada à ideia, expressa em um texto de 1946, “O específico do folclore”, de que as criações folclóricas são produtos literários, pois, apesar de construídas de maneira diferenciada das obras artísticas propriamente ditas, “são resultado de uma espécie particular de criação  poética e desta forma também literatura”. Em seu primeiro livro publicado em 1928, Morfologia do conto maravilhoso, Propp expõe uma metodologia de análise do conto de magia (“volchébnoi skázki”). Bastante inovadora, definindo este tipo de narrativa, não em relação aos temas, mas à sua composição e construção, que ele desmembrou em sete papéis ou personagens  fixos: o herói, o antagonista (ou agressor), o doador, o auxiliar, a princesa (ou seu pai), o mandante e o falso herói, e trinta e uma funções (ações) a  serem realizadas: afastamento, proibição, transgressão da proibição, interrogatórios, informação sobre o herói, embuste, cumplicidade, dano, carência, mediação, início da reação, partida, primeira função do doador, reação do herói, recepção do objeto mágico, deslocamento no espaço, combate, marca do herói, vitória,  reparação do dano ou carência, regresso do herói, perseguição, salvamento, chegada incógnito, falsa pretensão, tarefa difícil, tarefa cumprida, reconhecimento,  desmascaramento, transfiguração, castigo e casamento.

[9] O mais aceito é que a origem das fadas remonta à mitologia grega, em parte herdada pelos romanos. Inicialmente elas eram conhecidas como as protetoras da natureza. Além disso, eram conhecidas como criaturas fantásticas que interagiram com os seres humanos, completamente relacionadas ao destino.

[10] Embora os irmãos tenham se esforçado ao máximo para tentar manter a “pureza” da linguagem em sua coletânea, eles não reconheceram que as versões que lhes eram oferecidas diferenciavam-se das versões contadas pelos camponeses, afinal, os informantes desejavam impressionar os ilustres irmãos em suas narrações e sendo assim, retiravam de suas narrativas todo o humor obsceno, os lances indecentes e a linguagem rude

[11] Embora muitos adultos acreditem que somente imagens agradáveis e otimistas devam ser apresentadas às crianças, devemos lembrar que a vida real não é feita só de sorrisos, enquanto negamos temas como maldade, morte e sofrimento, difundindo lhes a ideia de que todos os homens são bons, acabamos prejudicando lhes, pois elas sabem que elas não são sempre boas, e se por vezes são, prefeririam não ser, mas se isso contradiz o que os adultos lhes dizem, elas acabam se vendo como monstros.

Ao contrário disso, os contos de fadas, em suas tramas simples e encantadoras, demostram às crianças que os conflitos existem, mas que podem ser superados, permitindo que a vitória seja obtida, é por isso, que em grande parte dessas narrativas o herói precisa enfrentar ou superar algum obstáculo para finalmente triunfar.

[12] Os contadores de histórias dos séculos XVI e XVII retratavam um mundo de brutalidade nua e crua, ou seja, retratavam o mundo em que viviam. Conforme nos diz John Updike, as histórias contadas pelos camponeses eram a televisão e a pornografia de seu tempo; a subliteratura que iluminava a vida dos povos pré-literários. Naqueles tempos, as crianças eram apenas humanos de pequeno porte que se acotovelavam para escutar algum narrador. Elas não recebiam nenhum tratamento diferenciado. Podemos confirmar essa condição das crianças através da ilustração de Ludwig Richter, usada como frontispício de uma coletânea de contos de fadas alemães, a ilustração mostra adultos e crianças ouvindo histórias enquanto trabalham no quarto de fiar.

[13] A cultura dominante deseja fingir, particularmente no que se refere às crianças, que o lado obscuro do homem não existe, e professa a crença num aprimoramento otimista. A própria psicanálise é encarada como tendo o propósito de tornar a vida fácil – mas não foi isso o que o seu fundador pretendeu. A psicanálise foi criada para capacitar o homem a aceitar a natureza problemática da vida sem ser derrotado por ela, ou levado ao escapismo. A prescrição de Freud é que só lutando corajosamente contra o que aparenta ser desvantagens esmagadoras o homem consegue extrair um sentido da sua existência (BETTELHEIM).

[14] Os contos iniciaram por terem se incumbido de questões importantes na manutenção da cultura de um certo momento histórico e se mantiveram ao longo do tempo pela mesma razão de dizer algo, mas não necessariamente foram os mesmos conteúdos iniciais que se mantiveram.

Quando os contos de fadas faziam parte da tradição oral, o mundo doméstico não era tão dissociado do resto da sociedade, trabalhava-se num lugar que era extensão da casa. Não havia uma distância clara entre casa e trabalho, nem entre o mundo da infância e o dos adultos, assim como tão pouco havia uma preocupação com a formação das crianças, tal qual a concebemos existisse

[15] Yin e Yang são conceitos do taoísmo que expõem a dualidade de tudo que existe no universo. Descrevem as duas forças fundamentais opostas e complementares que se encontram em todas as coisas: o yin é o princípio da noite, Lua, a passividade, absorção. O yang é o princípio do Sol, dia, a luz e atividade.

[16] Com a construção do sentimento de infância, que como nos descreve Aries fez com que a criança saísse do anonimato e assumisse um novo lugar: o de centro das atenções da família, que por sua vez passou a dar-lhes maior importância, tornando-se necessária a separação de fatias de imaginário a serem oferecidas às recém-valorizadas crianças, a partir de então, determinados assuntos foram considerados impróprios para os menores.

[17] É algo de fundamental importância no processo do desenvolvimento da aprendizagem das crianças, porque favorece a socialização e o desenvolvimento das habilidades. Os contos proporcionam a oportunidade de a criança utilizar seu inconsciente, condição básica para se conhecer o significado profundo da vida. Portanto conclui-se que a força criadora e a sabedoria profunda presentes nos contos de fadas e seu conteúdo rico, ajudam as crianças a encontrarem o caminho para a realização pessoal e social.

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Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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