A responsabilidade civil frente ao estelionato sentimental nas relações afetivas não protegidas juridicamente

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18/10/2020 às 15:01
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As vítimas de danos não devem ficar reparação, o que retrata diretamente no instituto da responsabilidade civil. Nas relações afetivas, ainda que não protegidas juridicamente, deve-se observar as condutas abusivas.

1. Breves apontamentos sobre a Responsabilidade Civil

A responsabilidade civil consiste na obrigação que pode recair sobre uma pessoa de ressarcir o prejuízo causado a outrem por conduta própria ou de pessoas, animais ou coisas que dele dependam. No direito atual, a inclinação é de não deixar a vítima de atos ilícitos sem ressarcimento, de forma a restaurar seu equilíbrio moral e patrimonial.

No seu sentido etimológico e jurídico, a responsabilidade jurídica está ligada a ideia de contraprestação, encargo e obrigação. Porém, é relevante diferenciar a obrigação da responsabilidade. A obrigação é constantemente um dever jurídico originário, enquanto a responsabilidade é um dever jurídico sucessivo posterior a violação do primeiro. [1]

Cumpre salientar que as responsabilidades pelos danos causados a outrem não dependem apenas da culpa. Em algumas situações, consideradas arriscadas, aquele que causar dano a outrem é obrigado a indenizar, ainda que não tenha agido com dolo ou culpa. Inusitadamente, haverá obrigação de indenizar, ainda que sem culpa ou dolo. É o que ocorre na responsabilidade civil objetiva. [2]

Por fim, cabe ressaltar que por ato ilícito entende-se não apenas aquele praticado contrário ao ordenamento jurídico, mas também o praticado com abuso de direito. Excepcionalmente, o indivíduo também pode se responsabilizar por atos de terceiros.

1.1             Sintético histórico da Responsabilidade Civil

Do latim “respondere”, a palavra “responsabilidade” relaciona-se à ideia do dever de ressarcimento de danos que surge ante a ocorrência de uma lesão, seja ela de cunho material, moral ou mesmo estético. Seria, pois, a “resposta” a uma obrigação.[3]

Quando os homens ainda viviam em pequenos agrupamentos, dominava a vingança geral[4], que significava que, caso alguém causasse dano a outro, sua punição era dada por todos os membros dessa sociedade primitiva, normalmente com sua morte ou exclusão.

Depois dessa fase, imperava nessa nova época a Lei do Talião, onde cada homem reagia ao dano que lhe causaram com suas próprias mãos, seguindo a fórmula do "olho por olho, dente por dente". [5]  Sendo assim, o homem refutava a agressão que recebia com uma outra que causasse o mesmo dano.

Neste período o Poder Público por vezes se mantia inerte, intervindo apenas para declarar quando e como a vítima poderia ter o direito de retaliação, para produzir no ofensor um dano idêntico ao que experimentou. [6] Nessa época, a responsabilidade era objetiva, consistia-se na aparência de nexo de causalidade entre a ação e o dano, não sendo necessário a comprovação de culpa do agente.

O período que sobreveio ao da vingança privada é o da composição, o homem tem minimizado seu instinto animal pelos bens matérias. O prejudicado percebe que é mais conveniente do que cobrar a retaliação, seria entrar em composição com o autor da ofensa, que repara o dano mediante a prestação econômica, que pode ser paga em dinheiro ou objeto, pelo qual o ofensor adquire o direito ao perdão do ofendido.[7]

No entanto, somente com o surgimento da Lei de Aquilia é que se inicia um princípio norteador para a reparação do dano.[8] Ela é vista como um marco essencial para aplicação de culpa na obrigação de indenizar, originando a responsabilidade extracontratual, também conhecida como “responsabilidade aquiliana”, doravante a conduta do causador do dano é medida pelo grau de culpa com que atual. Após este período o Estado atribuiu-se definitivamente o iuis puniendi, tomando para si o cargo de punir os ofensores de ordem jurídica. Surge então a ação de indenização derivada da responsabilidade civil.

Após a aprovação de fundamentos da Revolução Francesa em 1789[9] e o surgimento do Código Civil Francês[10], promulgado em 21 de março de 1804(Código de Napoleão) ficou categoricamente diferenciada a responsabilidade civil da responsabilidade penal. Este Código representou uma reforma normativa, unindo de forma detalhada as leis civis dos país, protegendo o liberalismo, conservadorismo e a propriedade. A legislação civil francesa espalhou-se por imensa parte da Europa, sendo base para elaboração dos códigos de vários países, servindo de influência para legislação privada de muitas nações ao longo de dois séculos.

O Brasil, adotou, no projeto elaborado por Clóvis Beviláqua, em 1916, quando surgiu seu primeiro Código Civil[11], a teoria subjetiva da responsabilidade civil, exigindo prova robusta da culpa do agente causador do dano, e, em alguns casos, presumindo-a.

O Código Civil sustentou a teoria subjetiva da responsabilidade civil, ordenando a demonstração de culpa do agente, definindo que todo aquele que, mediante ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, comete ato ilícito. O Código civilista inovou ao ampliar a noção de ato ilícito, estabelecendo a ilicitude do exercício de um direito quando violar seu fim econômico, social ou os limites da boa-fé e bons costumes. Isto posto, houve, o condicionamento do exercício de um direito a certos limites que vedam seu uso de forma abusiva.

O atual Código Civil[12] pleiteia a necessidade de reparação de dano causado por ato ilícito, até mesmo com a obrigação de reparação do prejuízo, independentemente de culpa, nos casos especificados pela lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano, implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Refere-se a teoria do risco[13], onde todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa.

1.2  Responsabilidade civil x Responsabilidade Penal

A responsabilidade é um instituto que se encontra em todo ordenamento jurídico, tanto na esfera cível quanto na esfera penal. Nesses casos, para identifica-los, a responsabilidade será repercutida na esfera penal somente quando violar normais penais, e, caso contrário, a lide será resolvida apenas na esfera cível. Caso coincidam, a responsabilidade penal e a responsabilidade civil

Proporcionam as respectivas ações, isto é, as formas de se fazerem efetivas: uma, exercível pela sociedade; outra, pela vítima; uma, tendente à punição; outra, à reparação – a ação civil aí sofre, em larga proporção, a influência da ação penal. [14]

Sendo assim, cada uma terá suas próprias características, questionadas de maneiras diversas no campo jurídico.

1.3  Responsabilidade Contratual x Responsabilidade Extracontratual

1.3.1   Responsabilidade Contratual

A responsabilidade contratual nasce do descumprimento de um contrato ou de algumas de suas cláusulas. Destarte, esse descumprimento pode ser total ou parcial. [15]

A responsabilidade contratual é a que deriva da inexecução de negócio jurídico bilateral ou unilateral, ou seja, do descumprimento de uma obrigação contratual, a visto disso, gera o ilícito contratual. Como todo negócio jurídico, o contrato estabelece um vínculo jurídico que deriva da própria vontade dos contraentes, existindo, dessa forma, uma obrigação mútua entre os membros.

Importante ressaltar que, o descumprimento por parte de um dos contratantes deve ter ocasionado prejuízo aos outros contratantes. Quando não existe prejuízo, o interessado pode a rescisão do contrato, mas não há perdas e danos a serem indenizados. [16]

Caso o prejuízo seja ocasionado por terceiros, onde não há qualquer relação com o contratante, o dever contratual apenas ocorrerá se fizer parte da avença. Caso contrário, o terceiro responde, nos termos do art. 159. [17]

1.3.2   Responsabilidade Extracontratual

A responsabilidade extracontratual, também chamada de aquiliana, é aquela que emana de um ilícito extracontratual, ora, da prática de um ato ilícito por pessoa capaz ou incapaz, não havendo vínculo anterior entre as partes, por não estarem ligados por uma relação obrigacional ou contratual. [18]

A responsabilidade contratual desempenha um campo mais limitado no que se refere á responsabilidade aquiliana, pois fica limitada aos termos do contrato. Enquanto, a responsabilidade extracontratual permite um maior campo de acontecimentos, como por exemplo se alguém atropelar outrem, causando-lhe lesão corporal, deverá o causador do dano repará-lo.

1.4 Responsabilidade civil objetiva x Responsabilidade subjetiva

O fundamento da responsabilidade civil encontra amparo na exata conduta comissiva ou omissiva do agente agressor (subjetiva) ou do mero risco de determinada atividade gerado por ele (objetiva).

1.4.1  Aspectos da Responsabilidade Civil Subjetiva

A responsabilidade civil subjetiva difere da objetiva quanto á forma, sendo que é incorreto afirmar que são espécies distintas, pois, ambas, se enquadram os deveres de indenizar e reparar o dano causado, diferenciando-se no que diz respeito a existência ou não de culpa por parte do agente que causou o dano experimentado pela vítima.[19]

A culpa, para a responsabilidade civil subjetiva, é elemento básico que gera o dever do ofensor de reparar o dano. Ou seja, para que alguém seja obrigada a compensar o prejuízo causado a outrem, por sua atitude, é imprescindível que essa se apresente em pleno estado de consciência, isto é, que tenha sido intencional, caracterizando o dolo, ou, o descumprimento de seu dever, agindo, então, com culpa, melhor dizendo, com negligencia, imprudência e imperícia.

 

1.4.2  Aspectos da Responsabilidade Civil Objetiva

O dever de indenizar caracteriza-se pela presença de requisitos clássicos, quais sejam: culpa, dano e nexo causal. No que se refere a culpa, a tendência jurisprudencial é de ampliar seu conceito. Dessa forma, surge a noção de culpa presumida, sob o prisma do dever genérico de não prejudicar. Sendo assim, esse fundamento, cria a teoria da responsabilidade objetiva, vigente na lei em várias oportunidades, que ignora a culpabilidade, ainda que não se confunda a culpa presumida com a responsabilidade objetiva.

Por essa razão, criou-se a teoria do risco[20], com vários matizes, a qual sustenta que o sujeito é responsável por riscos ou perigos que sua atuação promove, mesmo que use de toda diligencia para evitar o dano.

Por fim, cabe salientar, que a responsabilidade objetiva, portanto, não pode ser admitida como regra geral, mas apenas, em regra, nos casos contemplados em lei. Levemos em conta, entretanto, por sua vez, que a responsabilidade civil é matéria viva e dinâmica na jurisprudência. Em suma, trata-se de cláusula aberta, que necessitará de um trabalho doutrinário e jurisprudencial para sua efetiva aplicação.

1.5      Pressupostos da Responsabilidade Civil

O Código Civil Brasileiro estabelece a definição de ato ilícito como sendo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, viola direito e causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. [21]

Diante dessa análise, podemos identificar os elementos da responsabilidade civil que são: a conduta culposa do agente, nexo causal, dano e culpa. Este artigo do Código Civil é a base imprescindível da responsabilidade civil, e consagra o princípio de que a ninguém é dado o direito de causar prejuízo a outrem.

Para que surja a obrigação de indenizar, são necessários os seguintes pressupostos:

i.            Que ocorra um fato (ação ou omissão humana, ou um fato humano, mas independente da vontade, ou ainda um fato da natureza), que seja

ii.         antijurídico, ou seja, que não seja autorizado pelo direito, em si mesmo ou nas suas consequências;

iii.         O fato possa ter imputado a alguém, seja por dever a atuação culposa da pessoa, seja por simplesmente ter acontecido no decurso de uma atividade realizada no interesse dela;

iv.         Que tenha ocorrido produção de danos;

v.           Que os danos possam ser juridicamente considerados como causados pelo ato ou ato praticado, embora em situações excepcionais seja suficiente que o dano constitua risco próprio da atividade responsável, sem propriamente ter sido causado por esta. [22]

1.5.1  Conduta

É o elemento preambular de todo ato ilícito, e por consequência da responsabilidade civil é uma conduta humana.

Conduta é o ato que acarreta a obrigação de reparação. Trata-se de uma atitude voluntária que, através de uma ação ou omissão, se exterioriza, produzindo resultado danoso e consequências jurídicas

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O ato humano, seja ele comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário ou objetivamente imputável, do próprio agente do de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause o dano a outro, gerando o deve de satisfazer os direitos do lesado. A responsabilidade do ato ilícito baseia-se na ideia de culpa, e a responsabilidade sem culpa funda-se no risco.[23]

A responsabilidade decorrente do ato ilícito respalda-se na ideia de culpa, enquanto a responsabilidade sem culpa respalda-se no risco. O ato comissivo é aquele que não deveria, enquanto a omissão é a não observância de um dever.

A voluntariedade é qualidade fundamental da conduta humana, representando a autonomia de escolha do agente. Sem este elemento não haveria de se falar em ação humana ou responsabilidade civil.

O ato de vontade, em sede de responsabilidade civil, deve ser contrário ao ordenamento jurídico. É importante ressaltar que voluntariedade significa pura e simplesmente o discernimento, a consciência da ação, e não a consciência de causar um resultado danoso sendo este o conceito de dolo. Cabe destacar ainda, que a voluntariedade deve estar presente tanto na responsabilidade civil subjetiva quanto na responsabilidade objetiva.

1.5.2 Dano

O conceito de dano que será estudado nesse trabalho será o do dano indenizável, o dano que não tem relação causal intrínsecas com fenômenos naturais. Tipicamente, o dano tem modalidade patrimonial e moral, entretanto, outras modalidades de dano foram aceitas devido á influência direta do texto constitucional a fim de tutelar a dignidade da pessoa humana e a sociedade.

O dano, para que seja indenizável, pressupõe a existência de alguns requisitos. Inicialmente, é necessário que ocorra violação direta de um interesse jurídico patrimonial ou extrapatrimonial de uma pessoa física ou jurídica.

Assim sendo, o dano pode ser dividido em patrimonial/material, que é aquele que causa aniquilamento ou diminuição de um bem de valor econômico. Enquanto o moral, é aquele que está afeto a um bem que não possui caráter econômico, não é mensurável não pode regressar ao estado anterior.

Sendo também uma espécie de dano patrimonial, o dano emergente traduz-se no factual prejuízo suportado pela vítima, ora, o que ela efetivamente perdeu devido a lesão [24]

De forma sucinta, o dano emergente é aquele que vem á tona sem qualquer intervalo, pois de um desfalque concreto do patrimônio da pessoa lesionada e, por essa razão, não existe muitas dificuldades para aferir a indenização.

Por sua vez, os lucros cessantes, condiz aquilo que a vítima não obteve em decurso do dano, ou seja, conforme o ordenamento jurídico, o que razoavelmente deixou de ganhar. O lucro cessante, condiz, destarte, a um prejuízo projetado para o futuro. Em razão doe seu embasamento em fatos concretos, não se confunde com o lucro puramente hipotético.

Os bens extrapatrimoniais são aqueles inerentes aos direitos da personalidade, quais sejam, direito a vida a integridade moral, física ou psíquica. 10Por essa espécie de bem possuir valor imensurável, é difícil valorar a sua reparação.

1.5.3 Nexo de Causalidade

O dano só pode existir quando for possível haver uma relação de causalidade entre ele e o seu autor. Essa força que o nexo tomou nas últimas décadas, principalmente com o advento da responsabilidade objetiva, retirou o foco do princípio da culpa, anteriormente o definidor de responsabilidade.

Não obstante, antes da vinda da responsabilidade objetiva, o nosso contexto era marcado pela ideia de culpa. A concepção dominante a época, posto que, demostrada o episódio de culpa, se encontravam presentes todos os outros elementos da responsabilização, e dessa forma a prova do nexo causal uma etapa tão somente formal, por muitas vezes resolvidas de forma empírica no interior da própria discussão da culpa. [25]

Denomina-se como dano causal o prejuízo e ação, de maneira com que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua consequência previsível.[26] Tal nexo significa, por sua vez, uma relação fundamental entre o evento danoso e a ação que o produziu, de forma que, esta é considerada como sua causa. Entretanto, importante ressalta, que é necessário apenas que o dano não resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastara que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Este não poderá não ser a causa imediata, porém, se for condição, para acontecer o dano, o agente responderá pela consequência. Destarte, apenas existe nexo de causalidade quando se estiver na presença de uma relação necessária entre o fato incriminado e o prejuízo. O fato apenas contribui para resultado quando, sem ele, o dano não haveria ocorrido.

Considerável destacar que o nexo causal deve ser provado nos casos e responsabilidade de natureza objetiva e subjetiva.

Importante salientar que o nexo causal deve ser provado tanto nos casos de responsabilidade objetiva, como nos de natureza subjetiva. Nas duas situações, só haverá responsabilização quando devidamente comprovado o nexo de causalidade, já que na responsabilidade subjetiva não se exige culpa.

O nexo de causalidade necessita de limites. Vária teorias pretendem esse papel. Não fossem elas, poder-se-ia conduzir a cadeia causal de maneira infinita e absurda. No âmbito penal, aplica-se a teoria da equivalência das condições, Código Civil brasileiro não adotou expressamente nenhuma teoria.

Circunstâncias fáticas a desafiam e o problema do nexo causal e não encontram solução simples, unitária e válida para todos os casos. Não se observa na jurisprudência dos tribunais estaduais e do STJ um entendimento claro e uníssono sobre a teoria utilizada, embora possam ser identificados elementos de uma ou de outra ou de várias na mesma decisão.

O dano moral pode ser desfeito por determinados atos, de forma a excluir a responsabilidade do agente. As principais excludentes do vínculo de causalidade são a culpa da vítima, o fato de terceiro, a cláusula de não indenizar, o causo fortuito ou de forma maior e a legítima defesa

1.6 Abuso do direito e o dever de indenizar

Reconhece-se com frequência que a responsabilidade subsequente ao abuso de direito não depende de culpa. Em sede doutrinária, é comum a tese de que o art. 186 que ordenamento privado conteria uma cláusula geral de responsabilidade por culpa, por sua vez o art. 187[27]., ofertasse uma cláusula geral de ilicitude de natureza objetiva.

No que refere à responsabilidade civil por abuso do direito, o requisito culpa é elemento pura e simplesmente secundário para a sua caracterização do dever de indenizar. O que se verifica não é o ato ilícito em si, mas a maneira pela qual o direito do indivíduo é exercido. [28]

Atestando esse entendimento, a I Jornada de Direito Civil por meio do enunciado nº 37[29], verificou-se que a responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe da conduta culposa do agente, sendo vital para sua caracterização a presença de um direito subjetivo aliado ao seu exercício em forma irregular. Em resumo, o instituto do abuso do direito reflete sobre diversas áreas do direito, como forma de conter o exercício irregular dos direitos subjetivos.

1.7 A reparação dos danos materiais e imateriais frente aos princípios constitucionais

1.7.1     Princípio da dignidade humana

O princípio fundamental consagrado pela Constituição Federal da dignidade da pessoa humana apresenta-se em uma dupla concepção. Primeiramente, prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. Esse dever configura-se pela exigência de o indivíduo respeitar a dignidade de seu semelhante tal qual a Constituição Federal exige que lhe respeitem a própria. [30] Isto posto, conclui-se a República Federativa do Brasil consagra nosso Estado como uma organização centrada no ser humano. São diversos valores constitucionais que decorrem diretamente a ideia de dignidade humana, como, por exemplo o direito à vida, honra, imagem e intimidade.                      Na esfera da responsabilidade civil, o referido princípio tem aptidão protetiva e promocional. Protetiva no sentido de garantir a todo ser humano um tratamento digno das suas necessidades, e promocional quando propiciar as condições de vida para que uma pessoa alcance sua liberdade e crescimento.            

A reparação do dano moral, e por corolário o a fixação do quantum reparatório é uma área instável para doutrina e jurisprudência, visto que, não existe a possibilidade de palpitar o dano causado, mas é necessário dar a resposta concreta a provocação da vítima.                                                                             Na reparação do dano moral o juiz determina, por equidade, levando em conta as circunstâncias de cada caso, o quantum da indenização devida, que deverá corresponder á lesão e não ser equivalente, por ser impossível tal equivalência. [31]

1.7.2   Princípio da boa-fé objetiva

De acordo com o princípio da eticidade, a ética e a boa-fé ganham um novo dimensionamento, uma nova valorização. A boa-fé deixa o campo das ideias, da intenção – boa-fé subjetiva –, e ingressa no campo dos atos, das práticas de lealdade – boa-fé objetiva. Essa boa-fé objetiva é concebida como uma forma de integração dos negócios jurídicos em geral, como ferramenta auxiliar do aplicador do Direito para preenchimento de lacunas, de espaços vazios deixados pela lei.[32]

No Código Civil pátrio, encontramos várias referências a tal princípios, alguns expressos, outros não. Conclui-se, dessa forma, que o contexto do Direito Civil está integralmente assentado no princípio da boa-fé objetiva, na ideia eticidade e de probidade.

Conclui-se, portanto, que a boa-fé objetiva se configura como um dos princípios contemporâneos do Direito Contratual, operando com respeito aos valores do Estado Democrático de Direito, enfatizando a transparências nas relações privadas e justiças nas relações sociais.

1.7.3   Princípio da afetividade

O afeto é o móvel comum que deve reger toda estrutura da vida conjugal e família.[33]

A afetividade e o afeto têm conceitos diferentes que não se confundem. O afeto, para a psicologia, é um fato psicológico, um sentimento de amor e ódio, afeição ou desafeição, sentimento de humor, diz respeito com as emoções. Já a afetividade, para o direito, é a maneira que este encontrou de suprir a carência que o afeto deixa quando não está presente nas relações interpessoais.[34]

É importante que o jurista consiga enxergar a pessoa humana em toda sua dimensão e não como simples e abstrato sujeito de relações jurídicas[35]. É necessário salientar que o indivíduo prioriza seu bem-estar e suas relações afetivas, e cabe ao Estado se adaptar a essa tendência.

Para o Direito, não há conteúdo prescritivo no afeto, mas sua importância no rol de valores sociais é tamanha que o Direito procura objetivá-lo de várias maneiras. Assim, o valor é absorvido pela norma. A aplicação normativa se faz de maneira diferente dos valores, que não integram o Direito autonomamente

1.8 Instituto do enriquecimento sem justa causa

O Código Civil pátrio define o enriquecimento sem causa como aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem e obriga-o a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários, onde não caberá restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido. [36]

Nesses termos, divergente da responsabilidade civil, para que se caracteriza um enriquecimento sem causa, é desnecessário que exista um ato ilícito ou um dano. Ao passo que a responsabilidade civil tem por objetivo a reposição do patrimônio lesado da vítima pelo agente, a ação ulterior do enriquecimento sem causa busca a restituição da vantagem obtida pelo enriquecido. Em suma, é fundamental que exista o empobrecimento de um terceiro ás custas do enriquecimento de outrem.

1.9 Das causas excludentes da responsabilidade civil

Citaremos neste trabalho apenas quais as causas que exclui a responsabilidade civil, visto que, não é assunto relevante para discutimos no nosso trabalho.

1.9.1     Legítima defesa

Aquele que age para defender-se ou defender terceiro está amparado penalmente e civilmente[37], eximido pelo normativo de reparar um eventual dano causado em decorrência de seus atos de defesa.

1.9.2. Exercício regular de um direito

Um titular de um direito que lhe seja assegurado por lei pode agir livremente, conforme achar conveniente e oportuna sua ação, no entanto qualquer exercício que ultrapasse os limites de seu direito pode vir a configurar abuso de direito, devendo ser punido pelos excessos que cometer.[38]

1.9.3   Estado de necessidade

Age amparado pelo estado de necessidade quem, para salvar direito próprio ou alheio, pratica algum fato para salvar de perigo atual e pelo qual não foi responsável nem poderia evitar.[39]

1.9.4  Estrito cumprimento do dever legal

O estrito cumprimento do dever legal ocorre quando um agente age dentro dos limites impostos pela lei, sendo a conduta que gerou o dano causado por ele considerada lícita e, portanto, não terá o dever de indenizar.[40]

1.9.1.1    Das excludentes da responsabilidade subjetiva e objetiva

São as situações que o nexo causal é afastado, isto é, ainda que haja o envolvimento do agente no evento dano, ele não será responsabilizado por não ter contribuído para o efeito danoso. São três as possibilidades de exclusão: a culpa exclusiva da vítima, o fato de terceiro e o caso fortuito ou força maior.

1.9.1.2 Culpa exclusiva da vítima

Em casos que o dano causado transcorrer puramente por culpa da vítima, a responsabilidade do agente extingue-se, dado que a relação de causa e efeito entre o ato deste e o prejuízo daquela deixa de existir. [41]Entretanto, caso a vítima apenas concorra para o evento danoso em conjunto com o agente, haverá repartição de responsabilidade, de acordo com o grau de culpa, de acordo com art. 945. [42]

1.9.1.3 Fato de Terceiro

Nesse caso tanto a vítima quanto o agente não dão causa ao dano, sendo este, então, causado por um terceiro. Aqui, o fato é imprevisível e inevitável, não sendo correto atrelar o dano ao agente, pois o fato de terceiro rompe o nexo causal e, desse modo, não há o dever de indenizar para aquele.

1.9.1.4 Caso fortuito ou força maior

O caso fortuito relaciona-se com eventos que independem das partes envolvidas no dano ou que sejam imprevisíveis, como guerras, greves, rebeliões. Já a força maior está relacionada a eventos naturais que, ainda que previsíveis, são inevitáveis, como enchentes, terremotos. [43]

De todo modo, o Código Civil não distinguiu os institutos, sendo, então, somente caracterizado como evento inevitável e irresistível ao agente, não sendo razoável, assim, responsabilizá-lo por ato em que não teve culpa e, tampouco, tenha havido nexo causal com o acontecimento.

 

 

 

 

2.  Estelionato Sentimental

2.1 Visão geral acerca do Estelionato

 

Encontra-se no capitulo VI do Título II (Parte Especial) do Código Penal Brasileiro, “Dos Crimes Contra o patrimônio”.

Onde define o crime em obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, com artifício, ardil ou meios fraudulentos, essa conduta caracteriza o crime de estelionato simples, descrito no artigo 171, caput, do Código Penal.44]

Importante salientamos, que tal crime se difere da apropriação indébita, pois no estelionato o agente possui o dolo ab initio, antes de auferir a vantagem. Enquanto na apropriação indébita, o agente possui a posse ou a detenção lícita da coisa e depois se apropria, ou seja, o dolo é subsequente.

Desde que apareceram as relações sociais, o homem se vale da fraude para dissimular os seus fiéis sentimentos e intenções para, de alguma forma, ocultar ou falsear a verdade, com objetivo de obter vantagens que, em tese, não lhe seriam devidas. [45]

É fundamental que o meio empregado para enganar a vítima seja idôneo. Dessa maneira, em se tratando de relativamente idôneo, se configurará como tentativa de estelionato. Contudo, se se configurar como absolutamente idôneo será um caso de crime impossível, por total ineficiência do meio empregado. Consuma-se o estelionato, em sua forma fundamental, no momento e no lugar em que o agente obtém o proveito a que corresponde o prejuízo alheio.[46]

Nesse contexto, é viável que o acusado da prática do estelionato, na verdade, tenha incorrido em erro de tipo, pois, por exemplo, não sabia que estava induzindo alguém a erro (acredita na legalidade de sua conduta), o que excluiria o crime.

Destarte, no estelionato não existe subtração ou violência física, nem moral. O que há é uma cooperação da vítima, tendo em vista que foi iludida, por intermédio de meio fraudulentos ou ardilosos. O entendimento majoritário é que essa vantagem obtida para que ocorra consumação do delito, não necessita exclusivamente que seja financeira, bastando apenas que seja uma vantagem ilícita e que haja prejuízo alheio.

No cenário da jurisprudência, tanto no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, existem decisões suscitando que os bens com valor sentimental devem estar sob a guarda dos crimes contra o patrimônio. É imperioso que o interprete aprecie a questão sobre o ponto de vista sentimental para que não haja decisões estapafúrdias intentando apenas ou valor material ou sentimental, posto que deve existir um balanceamento do caso concreto sob análise.

2.1 Relação jurídica não protegida juridicamente: namoro

Um namoro não é considerado juridicamente como uma entidade familiar, visto que não encontramos na lei para conceitua-lo. Assim sendo, se não existe previsão legal, também não existe pressupostos legais para o estabelecimento do namoro. Existindo, entretanto, apenas os requisitos morais, exigido pela sociedade e costumes locais.

Não dá para considerar o namoro como uma entidade familiar, apenas como uma expectativa futura de se formar uma família, que geralmente advêm com casamento. [47]

É perceptível que no Brasil o ato de namorar seja um ato sem compromisso e lealdade, e que não há expectativa e tornar-se um casamento, apesar de não haver empecilhos para tal. É notório que o único objetivo do namoro é conhecer a outra pessoa, sob hipótese de alguma responsabilidade de um casamento. O ato de namorar seria um meio mais eficaz de conhecer a outra pessoa sem haver alcançar patrimônio ou bens, caso haja um término.

2.1.1 Tipos de namoro

Não obstante o ato de namorar não tem legislação no ordenamento jurídico pátrio e sim diante de um costume social, doutrinadores como a Ministra Nancy Andrighi na Resp. 1263015/RN[48], classifica o ato de namorar em duas classes: namoro simples e namoro qualificado.

Namoro simples é um namoro casual, em que não existe divulgação; onde os pais ou parentes desconhecem a relação e não tem, em sua maioria, nenhum requisito da união estável.

O namoro qualificado seria semelhante a uma união estável. Nesta categoria de namoro as partes possuem uma relação contínua, duradoura, com exibição a família e até status em redes sociais, porém, não possui a expectativa de constituir uma família.

2.1.2 Namoro x União Estável

O Código Civil declara que a união estável é configurada na convivência publica, continua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir família, possuindo os mesmos direitos de um casamento.[49]

Os encontros amorosos, mesmo que constantes, com relações sexuais e viagens realizada a dois não configuram união estável se não houver da parte de ambos o objetivo de constituir uma família, ou seja, são namoros qualificados.

É possível, portanto, que um namoro qualificado pode se tornar uma união estável, mas, caso as partes durante o relacionamento de natureza qualificada exponha o desejo de constituir uma família, mesmo que possua o contrato de namoro, este pode perder sua eficácia e converter-se em união estável, gozando de alimentos, meação de bens e herança, enquanto no namoro, não há esta possibilidade.

Em regra, a ruptura de um relacionamento amoroso qualificado por si só não justifica indenização.

2.1.3 Contrato de Namoro

O contrato de namoro é um documento, registrado em um tabelião de notas, como escritura pública, como forma de proteger o patrimônio do casal, para comprovar a relação das partes, não abarcando a possibilidade alguma de futuramente solicitarem separação de bens, pensão, herança ou qualquer outro direito que a união estável ou o casamento proporcionam.[50]

Em suma, o contrato de namoro como um negócio celebrado por duas pessoas que mantem um relacionamento amoroso, e que pretendem assinar um documento, arquivado em cartório, para afastar os efeitos da união estável. Para tanto, é necessário que as partes expressem sua vontade e procure um Tabelião de Notas para registrar a estrutura pública, preenchendo os requisitos básicos.

Vale ressaltar que, legalmente, uma pessoa pode ter mais de um contrato de namoro com várias pessoas, tendo em vista não se exige o dever de fidelidade no namoro qualificado.

Embora o termo usado seja “contrato”, sua natureza é declaração. A posição majoritária é pela invalidade jurídica do contrato de namoro, pois opta-se em geral por afirmar que o instrumento é nulo porque teria como único propósito desviar de modo fraudulento normas jurídicas cogentes.

2.3 Relacionamentos afetivos não protegidos juridicamente

2.2 Estelionato sentimental

Em primeiro lugar, necessário ressaltar que fonte da expressão “estelionato sentimental” decorre de uma decisão proferida pelo Juiz da 7º Vara Cível de Brasília, por meio da qual envolveu uma série de discussões sobre a condenação de um ex-namorado em ressarcir á autora pelas despesas referentes aos gastos e empréstimos celebrados na constância do relacionamento. Em tal julgamento, ficou demonstrado que existiu exploração econômica pelo namorado na constância do relacionamento amoroso, surgindo então a expressão “estelionato sentimental”. [51]

Como se depreende, a jurisprudência do Tribunal do Distrito Federal e Território recorreu a uma definição penal para instruir o direito a reparação.

De plano o termo estelionato foi utilizado, não como uma conduta típica a ensejar a responsabilidade civil nas relações de namoro, mas, pura e simplesmente como adaptação do seu significado em, com vistas a demonstrar, com mais anseio, a definição jurídica da palavra.[52]

Destarte, compreende-se que o sentimento se depreende que a conjuntura do fato se originou em uma relação afetiva, em uma relação de namoro. Em nosso trabalho, compreendemos que o que é imprescindível para o ensejo da responsabilidade civil são os requisitos que motivam sua reparação, em outras palavras, os atos que pairam sobre o ordenamento jurídico.

O que não se autoriza é a exploração econômica e o abuso fugaz do direito, e uma vez havendo, em tese, pose haver reparação civil pelo órgão jurisdicional. Ademais, o judiciário precisa interpor nessas situações com o propósito de tutelar as condutas lesivas presentes nas relações afetivas.

Deste modo, a questão do “estelionato sentimental” acaba por gerar, de certa forma, mais cautela entre os indivíduos em uma relação de namoro, visto que, não porque o namoro não ser uma relação definida como uma entidade familiar que deixará de produzir consequências jurídica, visto que, de acordo com o exposto no decorrer do trabalho, pode haver responsabilidade civil nas relações de namoro, desde que presente os requisitos que a caracterizam como tal.

3.    Responsabilidade Civil e a possibilidade da reparação nos relacionamentos não protegidos juridicamente

A responsabilidade civil, como vimos, é um instituto do direito nacional em que salvaguarda o agente de um dano causado por outra pessoa, podendo ele ser de ordem material, moral ou ambos.

In casu, o estelionato sentimental é uma ação que se caracteriza a partir de relações amorosas e emocionais, em que o causador do dano utiliza do afeto da vítima para auferir vantagens patrimoniais. Entretanto, salienta-se que o ordenamento jurídico não carrega o amor como um dever jurídico, não sendo cabível o Poder Judicial interferir nos sentimentos do sujeito, entretanto, aquele que age de forma ilícita, infringido a boa-fé objetiva, dá ensejo a responsabilidade civil.

Importante salientar, que para obter-se a responsabilidade civil, são excluídos da alçada do Poder Judiciário a realização de pagamentos, empréstimos ou o ato de presentear durante o relacionamento, desde que tais ajudas sejam consideradas espontâneas.

Desta forma, conclui-se que o estelionato sentimental é uma prática onde uma das partes, excede desse cenário de afeto e passa a lograr vantagens materiais e imateriais, em razão do relacionamento, não sendo ajudas espontâneas.

Diante do exposto, fica evidente que comprovado o cometimento deste no relacionamento, é possível buscar a reparação de danos com fundamento na responsabilidade civil, estando presentes a ação, dano e o nexo da causalidade, entre o ilícito ocorrido, o relacionamento e a vítima.

Em casos em que se observa que há nexo de causalidade entre a diminuição patrimonial de um, e o aumento do outro, e reconhecida a ilicitude do ato, cabe-se a reparação do dano. 

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