Distinguishing O acórdão confirmatório da sentença que continua não interrompendo o curso do prazo prescricional, mesmo após o HC 176.473/RR

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20/10/2020 às 14:14
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Remanesce ao menos uma situação de inaplicabilidade do entendimento emanado da Suprema Corte, em homenagem ao princípio constitucional da irretroatividade da lei penal mais gravosa.

Resumo

O presente trabalho traz à luz, conforme acórdão da lavra do Excelentíssimo Senhor Ministro Ribeiro Dantas, hipótese na qual, mesmo após a fixação de tese no sentido de que o acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição, remanesce ao menos uma situação de inaplicabilidade do entendimento emanado da Suprema Corte, em homenagem ao princípio constitucional da irretroatividade da lei penal mais gravosa. Apesar de não se verificar expressamente do inteiro teor do acórdão, trata-se de necessário distinguishing, mecanismo incluído no Código de Processo Penal pela Lei 13.964 de 24 de dezembro de 2019, que teve como base irretroatividade da lei penal mais gravosa. A fim de detalhar a importância de tal distinção, o texto apresenta a divergência jurisprudencial em torno do art. 117, IV, do Código Penal, antes e após a alteração realizada pela Lei nº 11.596, de 2007, sendo prevalente o entendimento no sentido de que o acórdão confirmatório de sentença penal condenatória teria natureza meramente declaratória e que, portanto, não teria o condão de interromper o curso da prescrição da pretensão punitiva. Entretanto, o acúmulo de casos de extinção de punibilidade por conta da ocorrência de prescrição motivou várias iniciativas no sentido de afastá-la. Tais iniciativas são retratadas neste artigo, incluindo-se o HC 176.473/RR, proferido em sentido contrário ao entendimento amplamente majoritário da doutrina. Como resultado do estudo apresenta-se uma sugestão de leitura constitucional da tese fixada pelo E. STF, a qual, embora pacifique a matéria doutrinária e jurisprudencialmente, não está livre da interpretação conforme à Constituição.

Palavras-chave: Prescrição. Interrupção. Acórdão. Condenatório. Confirmatório.

Introdução

Até a edição da Lei nº 11.596, de 2007, o disposto no inciso IV do art. 117 do Código Penal previa a hipótese de interrupção da prescrição apenas pela sentença condenatória recorrível. Assim, manifestava-se o STF no sentido de que os acórdãos confirmatórios da condenação em primeiro grau de jurisdição, e prolatados em apelação e em embargos infringentes não interrompiam o curso da prescrição por ausência de previsão legal.

No entanto, também havia entendimento firmado pelos Tribunais no sentido de que a expressão “sentença” utilizada pela lei se referia a decisão e que, portanto, havendo ação penal originária[1] ou mesmo acórdão que reformasse a sentença absolutória ou agravasse a sentença condenatória[2], interrompida estaria também a prescrição (COSTA, 2014).

Neste passo, em 2007 o legislador modificou a redação do referido inciso IV do art. 117 do Código Penal, nele inserindo como causa de interrupção da prescrição “a publicação da sentença ou acórdão condenatório recorrível”. Dessa forma, alinhou a redação do dispositivo à prática jurisprudencial. Ou seja, a interpretação ampliativa no sentido de que a interrupção ocorresse não apenas quando da sentença condenatória, mas também quando do acórdão condenatório, passou à literalidade do texto legal.

Porém, tal alteração legislativa gerou divergência quanto ao acórdão confirmatório da condenação interromper ou não o prazo prescricional. Isso porque a alteração levada a efeito pelo legislador espelhou a prática jurisprudencial que interpretava ampliativamente a expressão “sentença” para nela inserir tão somente a condenação em ação penal originária e a reforma ou agravamento da sentença. Em resumo, a jurisprudência sobre a qual foi firmada a nova redação do inciso IV jamais adotou o acórdão confirmatório da condenação como marco interruptivo da prescrição.

Outra razão para o entendimento majoritário da doutrina, acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça, residia na leitura comparada do inciso III com o inciso IV do art. 117.

Art. 117 - O curso da prescrição interrompe-se: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

(...)

III - pela decisão confirmatória da pronúncia; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

IV - pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis; (Redação dada pela Lei nº 11.596, de 2007).

Nota-se do texto legal que, no inciso III, o legislador foi expresso ao tratar da decisão confirmatória da pronúncia, não o tendo feito com relação ao acórdão condenatório contido no inciso IV. Este fato levou à divergência quanto à ocorrência de omissão eloquente da lei, que teria optado por não incluir o acórdão meramente confirmatório da condenação entre as hipóteses de interrupção da prescrição, pois quando assim quis fazer o fez de maneira expressa, tal como se vê no inciso III do referido artigo.

No julgamento do HC 176.473/RR o STF pacificou o entendimento de que sim, o acórdão que confirma ou reduz a pena interrompe a prescrição penal, posicionando-se de modo contrário à doutrina majoritária acerca do tema.

Conceito e natureza jurídica da prescrição

Tema de extrema relevância e que vem despertando notável interesse da população, a prescrição consiste em instrumento de segurança jurídica às partes e à sociedade, a qual poderia, por meio dele, aferir a efetividade da tutela jurisdicional dos bens jurídicos eleitos pelo Direito Penal para sua proteção[3].

Trata-se de limite temporal imposto pelo legislador ao Estado para que este cumpra o seu desiderato punitivo definido na Lei Penal. Alcançado o termo final do prazo prescricional, o Estado, por desrespeito aos prazos previstos em lei, perde sua pretensão punitiva (direito de punir) ou sua pretensão executória (direito de executar a pena). Neste sentido, segundo o disposto no art. 107, IV do Código Penal, a natureza jurídica da prescrição é de causa de extinção da punibilidade.

Somada aos princípios da obrigatoriedade da ação penal e da inafastabilidade da jurisdição, a prescrição deveria agir como norma que desse densidade às garantias constitucionais da celeridade e da razoável duração do processo, estampadas no Art. 5º, LXXVIII da Constituição da República Federativa do Brasil[4], bem como aos princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade, este último em especial quanto ao aspecto da vedação à proteção insuficiente.

Portanto, a passagem do tempo se mostra relevante em primeiro lugar para o órgão acusador, obrigado que é a promover a ação penal, quando presentes seus pressupostos e suas condições[5]. Neste passo, se o membro do Ministério Público com atribuição para o oferecimento da ação penal se queda inerte no prazo legal que lhe cabia, surge a legitimidade extraordinária do ofendido para oferecimento da queixa subsidiária[6]. Tal previsão se mostra sistematicamente ajustada à garantia constitucional da prescrição, na medida em que permite o exercício da ação penal em tempo hábil mesmo na hipótese em que seu titular original deixe de observar o prazo de que dispõe para o oferecimento da denúncia.

Dessa forma, cuida a lei adjetiva para que se reduzam os riscos de perecimento do direito de punir do Estado já na fase pré-processual da persecução penal, temporariamente ampliando a legitimidade ativa para a propositura da ação penal, em homenagem à celeridade e à vedação à proteção insuficiente.

Tendo sido oferecida a denúncia ou queixa, diante do magistrado se coloca o horizonte prescricional, acompanhado da relevância que este representa para a efetividade da decisão a ser prolatada. Compete, portanto, àquele que preside o processo penal imprimir o ritmo adequado em sua marcha a fim de que o jus puniendi não seja vitimado pela passagem dos anos.

É certo que o volume de trabalho relacionado a pequenas infrações poderia impedir o êxito da lei penal frente ao tempo. Tal fato não passou despercebido pelo Constituinte de 1988, ao prever a possibilidade de criação dos Juizados Especiais Criminais[7]. Assim, autorizado pelo Texto Magno, o legislador trouxe a lume a Lei 9099/1995, cuja celeridade de seu rito e a possível aplicação da medida despenalizadora de suspensão condicional do processo[8] visam a evitar a ocorrência da prescrição das chamadas infrações penais de menor potencial ofensivo[9].

Por outro lado, há registro de que não seria a ameaça de prescrição que resolveria a demora do Poder Judiciário, pois isso nunca teria tido o condão de agilizar a justiça penal[10]. Tal registro se corrobora frente à constatação de que os casos de prescrição vêm aumentando com o passar do tempo[11].

Tentativas de afastamento da prescrição penal

A partir da verificação empírica de que a prescrição, tal como legalmente desenhada, não se mostrou apta a fazer com que as decisões judiciais fossem proferidas a tempo e que em razão dela um número cada vez maior de casos recebia a declaração de extinção da punibilidade, vias alternativas foram buscadas a fim de dilatar o tempo a favor da acusação.

Em campanha promovida pelo Ministério Público Federal amplamente divulgada nos meios de comunicação, denominada “Dez Medidas Contra A Corrupção”, a terceira medida apontada, que guarda certa relação com o tema do presente estudo, se mostrava expressa quanto ao crime de corrupção no sentido de que:

[...] Ainda que se descubra, prove e alcance uma condenação, a chance de prescrição é real, o que pode ensejar absoluta impunidade – recorde-se que, mesmo quando há condenação por vários crimes, o prazo prescricional é individual, computado separadamente para cada um. [...]

Em primeiro lugar, são alteradas as penas dos arts. 312 e § 1º, 313-A, 316, 316, § 2º, 317 e 333, englobados no sentido amplo do termo “corrupção”, as quais passam a ser de 4 a 12 anos. Com isso, a prática do crime passa a implicar, no mínimo, prisão em regime semiaberto. Esse aumento da pena também enseja aumento do prazo prescricional que, quando a pena superar quatro anos, passa a ser de 12 anos.[12]

Nota-se, pela simples leitura do texto, dois claros objetivos da proposta em tela a partir do incremento da pena abstratamente cominada ao delito: 1) gerar efeitos no regime de cumprimento de pena e, 2) ampliar o prazo prescricional. Em resumo, ambos os efeitos seriam atingidos por via oblíqua, não tratando as alterações legislativas propostas a respeito de regime, tampouco de prescrição, mas majorando a reprimenda penal. Atualmente, as chamadas “dez medidas” se encontram elencadas no PL 3855/2019, em tramitação na Câmara dos Deputados[13].

Outra tentativa de impedir a ocorrência da prescrição e garantir a aplicação da lei penal se deu a partir da modificação do entendimento do STF quanto à possibilidade de execução provisória da pena, com o julgamento do HC 126.292/SP.

Quanto ao já abandonado entendimento autorizador da execução provisória, novamente se impunha a questão da interrupção ou não do prazo prescricional pelo advento do acórdão confirmatório da condenação. À época, o acórdão confirmatório seria apto a dar início ao cumprimento da pena, embora houvesse grande dúvida quanto à possibilidade de meramente interromper o prazo prescricional.

Em socorro à execução provisória, Paulo Queiroz sustentava a indistinção entre acórdão condenatório e confirmatório, a qual seria própria da decisão de pronúncia, pois aquele que confirmasse a sentença a substituiria, bem como porque ambos seriam igualmente condenatórios. Além disso, conferia ao acórdão confirmatório o efeito próprio de absolvição e porque não haveria sentido em se interromper o prazo pela primeira condenação e não se interromper o que condena pela segunda vez (QUEIROZ, 2007).

Tentativa mais recente de afastar a extinção de punibilidade pelo decurso do prazo prescricional se deu com a Lei 13.964 de 24 de dezembro de 2019, cuja pretenciosa ementa diz que ela “Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal”. A ver.

Tal lei, popularmente conhecida como “pacote anticrime”, introduziu duas novas causas suspensivas da prescrição no art. 116 do Código Penal. A primeira delas na hipótese de interposição de inadmissíveis embargos de declaração ou recursos aos tribunais superiores. Nessa linha, já havia entendimento no sentido de que a inadmissibilidade de tais recursos faziam retroagir a formação da coisa julgada à data da interposição do último recurso cabível. Entretanto, por não se tratar de hipótese suspensiva, o lapso decorrido após interposto o recurso meramente protelatório ainda poderia ser considerado para fins da prescrição executória.

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Outra inovação do referido “pacote” se deu com relação à possibilidade de acordo de não persecução penal (Art. 28-A do CPP), durante o qual suspende-se a prescrição enquanto não ocorrer o cumprimento dos seus termos ou até que seja ele rescindido. Tal hipótese se aplica aos crimes praticados sem violência ou grave ameaça, desde que a pena mínima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos, quando necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

Os prazos de prescrição previstos no Código Penal

Os prazos de prescrição estão previstos no art. 109 e 115 do CP:

Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;

II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;

III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;

IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;

V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;

VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

Art. 115 - São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).

Contudo, o prazo prescricional também pode ser fixado em lei especial, como como ocorre na Lei 11.343/2006, em relação à posse de drogas para consumo próprio:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

(omissis)

Art. 30. Prescrevem em 2 (dois) anos a imposição e a execução das penas, observado, no tocante à interrupção do prazo, o disposto nos arts. 107 e seguintes do Código Penal.

Dessa forma, o prazo prescricional pode se dar em apenas um ano na hipótese do crime acima, se praticado por menor de 21 anos ou se o acusado contar com mais de 70 na data da sentença. Não se duvida que o prazo prescricional de apenas um ano seja ínfimo, especialmente se considerada a realidade forense brasileira.

Contudo, para crimes cuja pena máxima cominada seja superior a doze anos, o prazo prescricional é de vinte anos. Assim, mesmo que reduzido à metade por força do disposto no art. 115, não se pode dizer que dez anos sejam insuficientes para a tramitação do processo criminal.

Previsão legal que merece destaque se encontra no art. 119 do CP: “Art. 119 - No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”.

Também deve ser lembrado o Enunciado n. 497 da súmula do STF: “Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação”.

A previsão legal de que a extinção da punibilidade incide sobre a pena de cada crime isoladamente e a orientação jurisprudencial no sentido de que não se computa o acréscimo decorrente da continuação para efeitos prescricionais abrem espaço para que condenações tenham penas, somadas, superiores ao prazo prescricional reconhecido para um dos crimes isoladamente[14].

Não obstante a recente alteração legislativa no sentido de evitar a prescrição, não consta, sequer do projeto de lei “anticrime” qualquer proposta no sentido de fazer incidir a prescrição sobre a pena unificada, nem mesmo no sentido de que o acréscimo decorrente da continuação nele se computasse.

Termo inicial da prescrição da pretensão punitiva

Estando assentado de que o poder punitivo e o poder executório do Estado ficam sujeitos a certo lapso temporal, denominado prescrição, sob pena de se extinguir a punibilidade do agente, é preciso fixar, com precisão o termo inicial da contagem de tal período.

É importante dizer que a contagem do prazo prescricional poderá ocorrer diversas vezes no âmbito do mesmo processo, de forma que a fixação a ser verificada agora é apenas a relacionada à primeira de tantas outras.

Portanto, em primeira análise, nada mais lógico do que fixar como termo inicial a data da consumação do delito. Entretanto, não havendo consumação, por se tratar de crime tentado, a solução óbvia se mostra a considerar a data de cessação da atividade criminosa. Tais regras gerais, de tão simples chegam a ser óbvias.

Porém, em matéria de consumação, além de se considerar sua presença no caso dos crimes consumados ou sua ausência nos casos dos crimes tentados, pode-se também verificar a permanência, evidentemente nos casos de crime permanente. Nesta hipótese, o termo inicial haverá de ser o da cessação da permanência.

O Código Penal também fixa termo inicial da contagem da prescrição especificamente para os crimes de bigamia e de falsificação no registro civil, considerando como termo inicial o dia em que o fato se tornou conhecido, bem como nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, o dia em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se já proposta a ação penal.

Art. 111 - A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

I - do dia em que o crime se consumou; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

II - no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

III - nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

IV - nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, da data em que o fato se tornou conhecido. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

V - nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos neste Código ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal. (Redação dada pela Lei nº 12.650, de 2012)

Quanto à fixação do termo inicial da prescrição punitiva, é importante ressaltar que o Art. 110, §1º do CP acaba por esvaziar sua importância para o cômputo da prescrição executória, haja vista ter vedado a fixação do termo inicial de sua contagem em data anterior à da denúncia ou queixa.

Termo inicial da prescrição da pretensão executória

Após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, não havendo sido extinta a punibilidade pela prescrição ou por qualquer outra de suas causas, outro prazo se coloca diante do Estado, agora para a satisfação de seu ius exequendi, ou seja, para a execução penal.

O prazo prescricional é regulado também pelos prazos previstos no art. 109 do CP, por força do que dispõe o art. 110:

Art. 110 - A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Entretanto, a prescrição executória somente tem lugar na hipótese em que não se tenha verificado a prescrição retrotativa, a qual continua a existir no ordenamento jurídico[15] e é o tema do presente trabalho.

Suspensão e interrupção da prescrição

Hipótese de suspensão do prazo prescricional se encontra no art. 366 do Código de Processo Penal:

Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312. (Redação dada pela Lei nº 9.271, de 17.4.1996)

Quanto ao tema assim já se pronunciou o STJ, por meio de sua Súmula de Jurisprudência:

Súmula 415 - O período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada. (Súmula 415, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/12/2009, DJe 16/12/2009)

A característica da suspensão é a de que o tempo decorrido até o momento de sua ocorrência continua sendo computado assim que deixar de existir a razão que lhe deu causa. Portanto, se o prazo prescricional de 20 anos for suspenso faltando apenas um dia para o seu exaurimento, assim a suspensão deixar de existir, faltará apenas um dia faltará para se completar os 20 anos do prazo original.

Também não é objeto do presente trabalho discutir a suspensão do prazo prescricional, mas a hipótese na qual ocorre ou não a sua interrupção. Diferentemente do que se diz a respeito da suspensão do prazo prescricional, na hipótese de interrupção, o prazo decorrido até o momento em que esta se dá é completamente descartado, passando a transcorrer novo período a partir do zero.

Repetindo-se o exercício anteriormente feito para o caso da suspensão, em que esta ocorreu faltando apenas um dia para que se completasse os 20 anos citados a título de exemplo, no caso de interrupção da prescrição, o processo teria mais 20 anos para se desenvolver a partir de então.

Em resumo e a título de exemplo, o réu acusado de crime cuja pena máxima abstratamente cominada excede a 12 anos pode ter sua punibilidade extinta pela prescrição em 20 anos. Entretanto, se a denúncia ou queixa for recebida depois de 19 anos, 11 meses e 29 dias (vinte anos menos um dia), o magistrado terá mais 20 anos para prolatar a sentença. Assim, a condenação poderá acontecer 39 anos, 11 meses e 28 dias (quarenta anos menos dois dias) depois de cometido o crime. A depender da pena aplicada e da ocorrência do trânsito em julgado, o Estado ainda terá mais 20 anos para executar a pena.

Considerando que os prazos acima são válidos apenas para maiores de 21 anos (para menores de 21 anos a prescrição é contada pela metade)[16] e somando-se o prazo prescricional para o oferecimento da denúncia ou queixa (20 anos), o qual se interrompe com a publicação da sentença (20 anos) e que passa a se regular pela pena em concreto fixada pela sentença transitada em julgado para a execução (20 anos), o indivíduo poderia ser preso, até os 81 anos, por um crime cometido aos 21.

Mas o exemplo é meramente didático, pois a vivência diária do direito penal demonstra situação oposta. Embora teoricamente a prisão processual seja considerada exceção à regra de tratamento derivada do princípio constitucional de presunção de inocência, nos casos de crimes cometidos com violência ou grave ameaça não é raro encontrar decretos prisionais fundados na gravidade em abstrato do delito, tal como demonstra a tese firmada pelo STJ sobre a matéria: “A alusão genérica sobre a gravidade do delito, o clamor público ou a comoção social não constituem fundamentação idônea a autorizar a prisão preventiva”.

Assim, na praxe se verifica não apenas a relativamente rápida execução penal em crimes cometidos mediante violência ou grave ameaça, no mais das vezes precedida de longa prisão preventiva decretada, não sendo raras aqueles que ocorrem ainda em sede pré-processual. Como destacado alhures, a preocupação maior com o prazo prescricional se dá quanto ao concurso de crimes e à reincidência, os quais não são considerados para o seu cômputo.

Divergência sobre a nova redação do art. 117, IV do Código Penal

A atual redação do art. 117, IV do CP é obra da Lei nº 11.596, de 2007, editada após ter sido consolidado o entendimento jurisprudencial no sentido de que, não obstante a redação anterior do referido inciso fizesse uso da expressão “sentença condenatória recorrível” a fim de interromper o curso da prescrição, o mesmo também haveria de se dar a partir do acórdão proferido em ação penal originária[17] ou mesmo do acórdão que reformasse a sentença absolutória ou agravasse a sentença condenatória[18].

Portanto, onde antes havia:

Art. 117 - O curso da prescrição interrompe-se: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (omissis)

IV - pela sentença condenatória recorrível;

Passou a haver:

Art. 117 - O curso da prescrição interrompe-se: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (omissis)

IV - pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis; (Redação dada pela Lei nº 11.596, de 2007).

Como já é de costume, o legislador mais uma vez não foi feliz ao realizar a mudança no texto legal, ainda que acompanhasse o entendimento jurisprudencial. Talvez teria sido melhor incluir um inciso IV-A, nele mencionando especificamente a publicação do acórdão condenatório e abandonando a questão da recorribilidade.

A opção legislativa poderia ter sido clara, prevendo que a interrupção se daria com a publicação do acórdão estritamente condenatório ou com a publicação do acórdão condenatório ou meramente confirmatório da sentença condenatória. Mas, não.

É bem verdade que no projeto da Lei 9268/96 havia a inclusão do inciso VII ao art. 117 com a seguinte redação “VII – pela decisão do Tribunal que confirma ou impõe a condenação”, mas tal proposta foi excluída pelo Senado Federal.

Ficou, então, a cargo da doutrina e da jurisprudência a elucidação daquilo que pretendia o legislador dizer a partir de tal alteração. E foi assim, então, que o entendimento foi se formando para que a interpretação da lei haveria de ser idêntica ao existente antes da mudança legislativa, pois esta última havia sido naquela inspirada. Portanto, os parâmetros para a interrupção da prescrição deveriam ser: sentença condenatória, acórdão que reformasse sentença absolutória para condenar o réu. Neste sentido, sequer o acórdão que agravasse a pena teria o condão de interromper o prazo prescricional[19].

Uma razão para isso, já mencionada anteriormente, estava no confronto do inciso III com o inciso IV do art. 117, sendo o primeiro expresso quanto à decisão confirmatória e o segundo nada falando a respeito. Seria, então uma omissão eloquente.

Além disso, a utilização da partícula “ou” entre as expressões “sentença” e “acórdão” faria co que a interrupção decorresse apenas a partir de um OU outro momento processual, não sendo possível admitir que se interrompesse a prescrição pela sentença E pelo acórdão que a confirmasse (LEMOS JUNIOR, 2018), o qual teria natureza meramente declaratória, ainda que alterasse o quantum de pena aplicado.

Por outro lado, corrente adotada pela 1ª turma do STF defendia que mesmo o acórdão meramente confirmasse a condenação de primeira instância, também haveria de interromper o prazo prescricional[20].

Fixação de tese pelo STF, a partir do HC 176.473/RR

Pondo fim à divergência, o STF fixou o entendimento de que o acórdão, ainda que meramente confirmatório da sentença penal condenatório é capaz de interromper a prescrição penal. Assim sendo, não importa que tenha reformado, agravado ou até mesmo reduzido a pena, pois, nas palavras do Ministro Alexandre de Morais:

O Código Penal não faz distinção entre acórdão condenatório inicial ou confirmatório da decisão para fins de interrupção da prescrição. O acórdão que confirma a sentença condenatória, justamente por revelar pleno exercício da jurisdição penal, é marco interruptivo do prazo prescricional, nos termos do art. 117, IV, do Código Penal[21].

Não apenas pacificou o entendimento a respeito do tema como também propôs a tese que foi acolhida por maioria:

Nos termos do inciso IV do artigo 117 do Código Penal, o Acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição, inclusive quando confirmatório da sentença de 1º grau, seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta", nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Plenário, Sessão Virtual de 17.4.2020 a 24.4.2020[22].

Portanto, vê-se que o STF adotou entendimento contrário à doutrina majoritária, possivelmente com vistas à redução dos casos de extinção de punibilidade em decorrência da prescrição.

Distinguishing verificado pelo STJ no AgRg no HC 398.047 – SP

Embora não mencione expressamente o termo “distinguishing”, tampouco os arts. 489, §1º, VII, do CPC, ou 315, § 2º, VI, do CPP, a decisão no AgRg no HC 398.047 – SP deixou de seguir precedente por conta da existência de distinção no caso em julgamento.

É disso que se trata o distinguishing, originariamente previsto no CPC e mais recentemente também no CPP, após as alterações promovidas pelo já mencionado “pacote anticrime”.

A palavra de origem inglesa se refere à situação em que o caso concreto posto para apreciação do magistrado não se subsume aos precedentes invocados pela parte. Em tal hipótese, o distinguishing, ou distinção, deve ser demonstrada pelo julgador, de modo a justificar a inaplicabilidade de súmula, jurisprudência ou precedente que tenham sido trazidos no bojo da peça apreciada.

Diferentemente, o overruling, ou superação de entendimento, ocorre quando há mudança jurisprudencial. Portanto, se a parte se vale de precedente muito antigo, cujo entendimento já não encontra lugar para sua aplicação, compete ao juiz demonstrar a superação daquele entendimento e deixar de aplicar a tese pretendida pela parte.

No caso do presente estudo, o Ministério Público Federal pretendia fazer incidir o novo entendimento firmado pelo STF no HC 176.473/RR, de forma a ver reconhecida a interrupção da prescrição a partir do acórdão confirmatório da sentença. Entretanto, Sua Excelência o Ministro Ribeiro Dantas afastou o precedente, demonstrando que na hipótese vertente nos autos havia uma distinção a ser considerada.

Esclareceu Sua Excelência o motivo pelo qual incabível a tese firmada naquele julgado:

Isso porque, referido posicionamento é aplicável aos delitos praticados após a alteração legislativa inserida pela Lei n. 11.596/2007, que incluiu o acórdão condenatório no rol de hipóteses de interrupção da prescrição. Para os crimes cometidos antes da referida alteração, aplica-se o entendimento vigente àquela época, segundo o qual apenas o acórdão que reformasse a sentença absolutória ou alterasse, para maior, a pena cominada, seria interpretado como "sentença condenatória recorrível", consoante redação, à época, do inciso IV do art. 117 do Código Penal.[23]

Portanto, ainda que exista tese firmada no sentido de que

Nos termos do inciso IV do artigo 117 do Código Penal, o acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição, inclusive quando confirmatório da sentença de 1º grau, seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta. [24]

Portanto, para os fatos cometidos antes da alteração promovida pela Lei nº 11.596, de 2007, o acórdão meramente confirmatório continua a não interromper o prazo prescricional, quer tenha ele agravado ou até mesmo atenuado a pena imposta.

Conclusão

Tema que tem despertado grande interesse, a prescrição consiste na perda do direito de punir ou mesmo do direito de executar a pena por parte do Estado. Ela se manifesta pela passagem de determinada quantidade de tempo sem que o Estado tenha proferido decisão condenatória transitada em julgado ou sem que este mesmo Estado tenha dado início à execução penal.

A importância da prescrição é evidente. É este interstício temporal que pode proporcionar o mínimo de dignidade à pessoa humana, que sem ele ficaria sujeita eternamente ao arbítrio do Estado, bem como de prover alguma celeridade processual e a vedação à proteção insuficiente.

Com relação à prescrição devem ser consideradas as hipóteses de suspensão e de interrupção. A suspensão apenas faz com que a contagem dos dias fique paralisada em algum ponto. Exemplo disso se dá quando o réu citado por hora certa deixa de comparecer ou de nomear advogado. Nesta hipótese, após suspenso o prazo prescricional, anota-se a quantidade de dias que já transcorreram até aquele momento. Com o retorno da contagem do prazo prescricional, aqueles dias anotados são considerados como se nunca tivesse havido suspensão.

Por outro lado, nos casos de interrupção, tais como descritos no art. 117, ao se verificar uma de suas hipóteses, todo o tempo transcorrido até aquele momento é inteiramente descartado para ser reiniciado a partir do zero. Não há paralisação do prazo, tal como se dá com a suspensão, mas reinício da contagem a partir da interrupção.

Dessa forma, quanto mais os prazos se reiniciam, mais tempo tem o Estado para agir e satisfazer sua pretensão punitiva e executória. Nota-se que o art. 117 traz seis hipóteses autorizadoras do reinício do prazo prescricional.

Entre tais hipóteses está a publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis. Tal previsão notadamente inspirada na jurisprudência da época em que se deu a alteração legislativa promovida pela Lei nº 11.596, de 2007, que adotava o entendimento de que apenas o acórdão em ação originária ou aquele que reformasse a sentença absolutória teriam o condão de interromper a prescrição. Situações diversas eram vistas no sentido de que o acórdão não seria condenatório, mas meramente declaratório e que, portanto, não estaria abrangido pela previsão legal.

Entretanto, por se avolumarem os casos em que o Estado perdia (e continua perdendo) o direito de punir por não agir em tempo hábil, várias iniciativas já foram tomadas a fim de contornar os efeitos da prescrição. Entre tais se destacam as “dez medidas contra a corrupção”, a execução provisória da pena, o “pacote anticrime” e, por último, a tese firmada pelo STF no sentido de que o acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição.

Não obstante o STF tenha firmado tese no sentido de que “o Acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição”, verifica-se hipótese já conhecida do STJ em que se faz necessário realizar o devido distinguishing, afastando a interrupção em homenagem ao princípio constitucional da irretroatividade da lei penal mais gravosa.

Esta hipótese ocorre quando os fatos foram cometidos antes do advento da Lei nº 11.596, de 2007, de modo que o texto legal abrangia apenas a sentença e a interpretação jurisprudencial manifestada à época ampliava a aplicação da interrupção apenas nas hipóteses de ação originária e de reforma de sentença absolutória.

Portanto, ainda que a tese fixada pelo STF diga que o Acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição, uma leitura constitucional da aludida tese acrescentaria a condicionante “Para fatos praticados após a vigência da Lei nº 11.596, de 2007, [...]”

Nos termos do inciso IV do artigo 117 do Código Penal, o Acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição, inclusive quando confirmatório da sentença de 1º grau, seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta[25].

Embora tal solução, como um todo, pareça remontar às anteriores tentativas de afastamento da prescrição.

Referências bibliográficas

BITENCOURT, C. R. Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2007.

COSTA, A. C. A interrupção da prescrição ante a publicação do acórdão condenatório. Disponível em:  https://www.conjur.com.br/2014-dez-18/toda-prova-interrupcao-prescricao-publicacao-acordao-condenatorio. Acesso em: set. 2020.

LEMOS JUNIOR, A. P. MINISTÉRIO Público do Estado de São Paulo. CAO-Crim – Boletim Crinimal Comentado, n. 016, ago 2018. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Criminal/Boletim_Semanal/CAOCrim%20informativo%20agosto%202018%20_3.pdf. Acesso em: set. 2020.

QUEIROZ, P. Acórdão condenatório e prescrição: a propósito da Lei n° 11.596/2007. 2007. Revista de Doutrina da 4ª Região. Disponível em: https://revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?https://revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao036/paulo_afonso.html Acesso em: set. 2020.

STF HC 68321/DF. Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/752339/habeas-corpus-hc-68321-df/inteiro-teor-100468530?ref=juris-tabs. Acesso em: 07 out. 2020.

TESE do STJ sobre a prisão preventiva (2ª parte). Disponível em: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2019/09/20/teses-stj-sobre-prisao-preventiva-2a-parte/. Acesso em: set. 2020.

Sobre o autor
Roberto Rodrigues Costa

Formado em Direito pela UNIGRANRIO e Pós-Graduado pela EMERJ, leciona Direito Processual Penal na EMERJ.

Informações sobre o texto

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