O DIREITO À INFORMAÇÃO E A RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL

22/10/2020 às 18:07
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE UMA HIPÓTESE DE AJUIZAMENTO DA AÇÃO CONSTITUCIONAL DE RECLAMAÇÃO, À LUZ DO CPC E DE JURISPRUDÊNCIA DO STF.

O DIREITO À INFORMAÇÃO E A RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL 

Rogério Tadeu Romano 

I – O FATO 

Segundo a Isto é, em seu site, no dia 19 de outubro do corrente ano, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou um recurso apresentado pela TV Globo e manteve a decisão da Justiça do Rio que proibiu a emissora de exibir qualquer documento ou peça do processo sigiloso da investigação das “rachadinhas” envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). 

No despacho, o ministro afirma que, apesar da “robustez dos argumentos” apresentados pela emissora, o mérito do caso não pode ser analisado pelo Supremo, uma vez que ainda não foram esgotados os recursos em instâncias inferiores. Segundo o ministro Lewandowski, cabe antes ao Tribunal de Justiça do Rio julgar o pedido e decidir se derruba ou não a proibição imposta à TV Globo. 

“Não obstante a robustez dos argumentos esgrimidos pela reclamante, deparo-me, de imediato, com a existência de óbice intransponível ao cabimento da presente reclamação, porquanto, por ocasião de seu ajuizamento, ainda não se encontravam exauridas as instâncias recursais ordinárias, o que impede o manejo, ao menos por ora, desta via de impugnação de decisões judiciais”, escreveu o ministro. 

A censura foi decretada pela juíza Cristina Serra Feijó, da 33ª Vara Cível do Rio, que atendeu a um pedido da defesa de Flávio, liderada pelos advogados Rodrigo Roca e Luciana Pires, e apontourisco de dano à ‘imagem’ do senador caso as peças fossem veiculadas pelaTV Globo. Posteriormente, a decisão foi referendada pelo desembargador Fábio Dutra, da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça fluminense. 

A proibição foi classificada pela emissora como um ‘cerceamento à liberdade de informar, uma vez que a investigação é de interesse de toda a sociedade’. Na sequência, a TV Globo acionou o STF na tentativa de reverter a censura. 

A matéria é objeto da Reclamação 43.671 – Rio de Janeiro. 

II – A NATUREZA JURÍDICA DA RECLAMAÇÃO 

Na correta lição de José da Silva Pacheco (O mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas, ,2ª edição, pág. 435) há de se preservar a autoridade da decisão, quer seja proferida em instância originária, quer em recurso ordinário ou em recurso extraordinário pelo STF; ou em instância originária, em recurso ordinário ou em recurso especial, pelo STJ. 

A reclamação não é um mero incidente processual. Não é recurso não só porque a ela são indiferentes os pressupostos recursais da sucumbência e da reversibilidade, ou os prazos, mas, sobretudo, como advertiu José da Silva Pacheco (obra citada, pág. 444), porque não precisa que haja sentença ou decisões nem que se pugne pela reforma ou modificação daquelas, ´bastando que haja interesse em que se corrija um eventual desvio de competência ou se elida qualquer estorvo à plena eficácia dos julgados do STF ou do STJ’. 

Em duas situações se pode falar em reclamação: nas hipóteses de preservação de competência e ainda na garantia da autoridade das decisões. Na primeira, se ocorrer um ato que se ponha contra a competência do STF, quer para conhecer e julgar, originalmente, as causas mencionadas no itemI, do artigo102daConstituição Federal, quer para o recurso ordinário no habeas corpus, o mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão, quer para o recurso extraordinário quando a decisão em única ou última instância, contrariar dispositivo constitucional, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, ou julgar válida lei ou ato de governo local contestado perante aConstituição Federal, é cabível a reclamação. A segunda hipótese para ajuizamento de reclamação abrange a garantia da autoridade das decisões. 

Ensinou o Ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas (Reclamação Constitucional no direito brasileiro, 2000, pág. 461) que a reclamação constitucional é uma ação e, como tal, tutela direitos. Pois: 

a) Por meio dela se provoca a jurisdição; 

b) Através dela se faz um pedido de tutela jurisdicional – o de uma decisão que preserve a competência da corte, a qual esteja sendo usurpada por outro tribunal ou juízo inferior; ou que imponha o cumprimento de decisão daquela, que não esteja sendo devidamente obedecida; 

c) Contém uma lide. 

É, na realidade, a reclamação, uma ação, um writ constitucional, fundada no direito de que a resolução seja pronunciada por autoridade judicial competente, de que a decisão já prestada por quem tinha competência para fazê-lo, tenha plena eficácia, sem óbices ou se elidam os estorvos que se antepõem, se põem ou se pospõem à plena eficácia das decisões ou à competência para decidir, como ainda alertou José da Silva Pacheco (obra citada, pág. 444). 

III – A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE IMPRENSA 

Diante disso discute-se a liberdade de informação. 

A palavra informação, como situa José Afonso da Silva (Curso de direito constitucional positivo, 5ª edição, pág. 218), se entende “o conhecimento dos fatos, de acontecimentos, de situações de interesse geral e particular que implica, do ponto de vista jurídico, duas direções “a do direito de informar e a do direito de ser informado”. O mesmo é dizer que a liberdade de informação compreende a liberdade de informar e a liberdade de ser informado”. A primeira coincide com a liberdade de manifestação do pensamento pela palavra, por escrito ou por qualquer outro meio de difusão; a segunda indica o interesse sempre crescente da coletividade para que, tanto os indivíduos como a comunidade, estejam informados para o exercício consciente das liberdades públicas. 

Sendo assim a liberdade de informação compreende a procura, o acesso, o recebimento, a difusão de informações ou ideias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada qual pelos abusos que cometer. Não se discute que o acesso de todos à informação é um direito individual consignado na Constituição, que também resguarda o que se chama de sigilo da fonte. 

Na liberdade de informação jornalística se centra o direito à informação. 

A liberdade de informação que se fala é a de ser informado, a de ter acesso às fontes de informação e obtê-las. 

É a liberdade de imprensa, conforme já disse o Supremo Tribunal Federal, um dos pilares da democracia. 

Veja-se que o Supremo Tribunal Federal, em decisão, por sua segunda turma, no AI 705.630 – AgR/SC, Relator Ministro Celso de Mello, entendeu o que segue: ´a liberdade de imprensa, enquanto projeção das liberdades de comunicação e de manifestação do pensamento, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, o direito de informar; o direito de buscar a informação, o direito de opinar, o direito de criticar; a crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas ou as figuras notórias, exercentes, ou não, de cargos oficiais; a crítica que os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas, por mais dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos de personalidade; não induz responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgue observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, vincule opiniões em tom de crítica severa, dura, ou até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações foram dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade governamental, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender´. 

Diante disso dir-se-á que a reclamação visando a preservação das decisões do STF na matéria não pode ser ajuizada após a formação da coisa julgada quando já se tem posição firmada pelo Judiciário sobre a questão (ponto controvertido). 

Por certo, a reclamação não é sucedâneo recursal. 

AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO.ALEGADO DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO PROFERIDANA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N.4.412. SUSPENSÃO DE AÇÕES SOBRE COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DO CONSELHO NACIONAL DEJUSTIÇA. REMESSA IMEDIATA DOS PROCESSOS PARAJULGAMENTO PELO SUPREMO TRIBUNAL:IMPOSSIBILIDADE. USO DA RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO RECURSAL.INVIABILIDADE.PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SENEGA PROVIMENTO (Rcl 40102/PR-AgR, Relatora Ministra Cármen Lúcia,).” 

IV – A SÚMULA 734 DO STF 

Na decisão referenciada foi dito: 

“Pois bem. Não obstante a robustez dos argumentos esgrimidos pela reclamante, deparo-me, de imediato, com a existência de óbice intransponível ao cabimento da presente reclamação, porquanto, por ocasião de seu ajuizamento, ainda não se encontravam exauridas as instâncias recursais ordinárias, o que impede o manejo, ao menos por ora, desta via de impugnação de decisões judiciais.” 

Para tanto, trouxe o ministro relator à decisão: 

“O ajuizamento de reclamação contra decisão da qual cabe recurso contraria o sistema jurídico-processual e revela-se disfuncional, caracterizando hipótese de abuso do direito de ação. Necessidade das instâncias julgadoras superiores de prestigiarem o sistema jurisdicional estabelecido pelo Poder Constituinte, de modo a preservar a atuação dos demais órgãos do Poder Judiciário que, de igual forma, ostentam competências de envergadura constitucional. 4. O exaurimento da jurisdição ordinária antes do manejo da reclamação constitucional de competência do Supremo Tribunal Federal deve ser observado, sob pena de se estimulara propositura per saltum da via eleita. Precedentes: Rcl 25.596-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 1º/08/2017;e Rcl 18.020-AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJede 18/04/2016 (Rcl. 31579/SP-AgR, Relator Ministro Luix Fux,)”. 

A jurisprudência desta Suprema Corte vem se firmando no sentido de que o esgotamento da instância ordinária somente se concretiza após o julgamento de agravo interno manejado contra a decisão da Presidência ou Vice-Presidência da Corte que, no exame de admissibilidade do recurso extraordinário, aplica a sistemática da repercussão geral, nos termos do art.1.030e § 2º, doCPC/2015, porquanto não mais passível de reforma por via de recurso a algum tribunal. (STF, Rcl 24.329, AgR, Relatora Min. Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 23/3/2018)". 

Em sentido diverso: 

Ressalte-se, por oportuno, que este Supremo Tribunal Federal é firme em não inadmitir a reclamação antes de esgotados todos os instrumentos recursais nas instâncias ordinárias (...) E por esgotamento de instância, como bem elucidado pelo Ministro Teori Zavascki quando do julgamento da Rcl nº 24.686/RJ-ED-AgR, DJe de 11/4/2017, tem-se “o percurso de todo o íter recursal possível antes do acesso à Suprema Corte. Ou seja, se a decisão reclamada ainda comportar reforma por via de recurso a algum tribunal, inclusive a tribunal superior, não se permitirá acesso à Suprema Corte por via de reclamação. Esse é o sentido que deve ser conferido ao art.988,§ 5º,II, doCPC. (STF. Rcl 28.749 AgR, Relator Min. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 4/4/2018) 

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Ora, a ampliação do conceito de “vias ordinárias” conferida pela Corte Suprema aumenta demasiadamente o risco de a decisão indigesta transitar em julgado, formando coisa julgada, afastando, assim, o cabimento da Reclamação (art.988,§ 5º,I,CPC/2015). 

Não se pode esvaziar, de tal forma, uma garantia constitucional. A reclamação é, cabalmente, uma garantia constitucional. 

Constituição não dá um prazo expresso para o ajuizamento da reclamação. Isso ocorre porque ela pode ser manejada a qualquer tempo, desde que verificadas as hipóteses legais de cabimento. 

Todavia, é preciso ter atenção ao seguinte: o período de ajuizamento da reclamação, por óbvio, limita-se ao trânsito em julgado da decisão que se pretende combater (art.988,§ 5º, incisoI, doCPC). 

Rememore-se que há o grave risco de dano irreparável, que somado a plausibilidade do direito, deve ser atentado para a concessão de providências cautelares, como as liminares. Aliás, o tempo conspira contra o direito, tornando-o sob risco de forma grave. 

A propositura de uma reclamação pressupõe que a questão impugnada ainda possa ser revisitada. Não se admite o manejo da medida para reabrir pontos já acobertados pela preclusão. (...) 4. Agravo regimental a que se nega provimento"(STF, Rcl 2517 AgR, relator: min. ROBERTO BARROSO, 1ª Turma, julgado em 5/8/14). 

A reclamação é impassível de ser manejada como sucedâneo de recurso ou ação rescisória, bem como é inadmissível a sua utilização em substituição a outras ações cabíveis. Incidência do “princípio da não reclamação contra o recorrível” ou da “irreclamabilidade contra a decisão de que ainda cabe recurso”. Assim ensinou Pontes de Miranda (Comentários aoCódigo de Processo Civil. Tomo V, Arts. 444-475. Rio de Janeiro: Forense, 2ª Edição, p. 390 e 394) . 

A reclamação é ação constitucional que não substitui recurso não está, data vênia, condicionada a recurso ordinário. 

É certo que não cabe reclamação contra decisão judicial transitada em julgado, pois ela não é uma ação rescisória, nem a substitui (Súmula 734 do STF). 

A súmula citada, como entendimento jurisprudencial na matéria, foi objeto de publicação em 9 de dezembro de 2003. 

Ajuizada antes do trânsito em julgado, a sua superveniência não torna a reclamação incabível. 

Mas, houve casos de concessão de liminar em reclamação ainda duração a instrução na instância ordinária. 

O ministro Alexandre de Moraes suspendeu o trâmite do processo em curso na 8ª Vara Federal do Rio de Janeiro no qual o médico Ricardo Agnese Fayad, general reformado do Exército, foi denunciado pelo crime de lesão corporal qualificada cometido durante a ditadura militar contra Espedito de Freitas, membro da organização política denominada Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Com isso, foi suspensa a audiência que estava designada para ocorrer no dia 27 de novembro de 201u, às 13h, por videoconferência. 

O relator estendeu a Fayad os efeitos da liminar concedida na Reclamação (RCL) 18686, por meio da qual o ministro Teori Zavascki (falecido) suspendeu a ação penal contra os cinco militares acusados de envolvimento no desaparecimento e na morte do deputado federal Rubens Paiva, em janeiro de 1971. Ao receber a denúncia contra o médico, o juízo da 8ª Vara Federal do Rio de Janeiro afastou a aplicação daLei da Anistia(Lei6.683/1979) ao fundamento de que os atos de tortura constituem crime contra a humanidade, sendo, portanto, imprescritíveis segundo o Direito Penal Internacional. 

Recentemente, no julgamento da Reclamação 43.479, o ministro Gilmar Mendes deferiu liminar, no dia 3 de outubro do corrente ano, para suspender ação penal contra advogados que foram contratados pela Fecomércio do Rio de Janeiro, que é uma instituição privada. 

A ação estava nas mãos do juiz Federal Marcelo Bretas, da 7ª vara do Rio de Janeiro. No começo de setembro, Bretas recebeu a denúncia e concomitantemente, de modo absolutamente esdrúxulo, autorizou mais de 50 mandados de busca e apreensão em residências e escritórios de advocacia do Rio, de São Paulo e de Brasília. 

Analisando o caso a partir de Reclamação apresentada pela OAB, o ministro, além de suspender o trâmite da ação penal, houve por bem ordenar que o magistrado não tome qualquer nova decisão no caso. 

Tal observação talvez se justifique porque o mesmo juiz, em caso anterior - que teve decisão também do ministro Gilmar Mendes -, decretou nova prisão após a concessão de um habeas corpus. Na época, o ministro Gilmar Mendes, ao ser perguntado acerca da atipicidade da atuação do magistrado carioca, disse proverbialmente que era o "rabo abanando o cachorro".  

Naquele caso trazido à discussão a ação penal estava em curso, em primeiro grau. 

Na medida cautelar, na Reclamação 43.130/RJ, em que se requereu a suspensão do andamento da Ação Penal5051100-36.2020.4.02.5101, das Medidas Cautelares 5037070-93.2020.4.02.5101 (prisão temporária e busca e apreensão) e 5042826-83.2020.4.02.5101 (sequestro e indisponibilidade de bens), e de todo e qualquer expediente investigativo em sede policial ou ministerial relacionado aos fatos, o ministro Gilmar Mendes deferiu liminar reconhecendo a competência da Justiça Eleitoral para julgar crimes eleitorais e conexos.  

Então por que esperar o limite com o trânsito em julgado para ajuizamento de uma reclamação, quando clama o direito a favor do reclamante? 

Já salientou o Supremo Tribunal Federal que somente se admite a reclamação nos casos de processos sem trânsito em julgado, ou seja, com recurso ainda pendente (Rcl 909-AgR, Relator para o acórdão o Ministro Nelson Jobin, Plenário, DJ de 27 de maio de 2005. 

A decisão está em conformidade com o entendimento abaixo externado: 

“A existência de coisa julgada impede a utilização da via reclamatória. Não cabe reclamação, quando a decisão por ela impugnada já transitou em julgado, eis que esse meio de preservação da competência do STF e de reafirmação da autoridade decisória de seus pronunciamentos – embora revestido de natureza constitucional (CF, art. 102, I,e) – não se qualifica como sucedâneo processual da ação rescisória. A inocorrência do trânsito em julgado da decisão impugnada em sede reclamatória constitui pressuposto negativo de admissibilidade da própria reclamação, que não pode ser utilizada contra ato judicial que se tornou irrecorrível.” (Rcl 1.438-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 28-8-2002, Plenário,DJde 22-11-2002.) 

"Trânsito em julgado no curso do processo da reclamação. Inaplicabilidade da Súmula 734. (...) Admite-se reclamação contra decisão que só transitou em julgado após seu ajuizamento."(Rcl 5.821-ED, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 14-10-2009, Plenário,DJEde 26-3-2010.) No mesmo sentido:Rcl 8.934-ED, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 1º-12-2011, Plenário,DJEde 1º-2-2012. 

Esse entendimento jurisprudencial tem em vista a reclamação como incidente processual. Mas ele não é, pois é writ, ação. 

Mas tenha-se em conta que o desrespeito à decisão do STF ou do STJ, como guardiões, respectivamente, da Constituição e da lei federal, também implica ofensa à sua própria coisa julgada. 

Cumpre a reclamação, que, em hipótese alguma, como writ constitucional, implica ofensa à coisa julgada, o papel de defender, zelar pela eficácia da coisa julgada da decisão da corte desrespeitada. Em especial, porque não se trata de qualquer decisão que foi desacatada, mas daquela proveniente dos órgãos de cúpula do Poder Judiciário, repita-se, do guardião da Constituição e do guardião da lei federal, responsável que é pela uniformização da legislação federal infraconstitucional. 

Fala-se que na reclamação o tribunal condena o ato à ineficácia, sem reformá-lo e mesmo sem anulá-lo. Vou mais longe, como writ constitucional, a reclamação acaba por declarar a ineficácia da decisão, daí seu caráter declaratório, strictu sensu. 

A decisão, melhor se diria, na linha de Pontes de Miranda (Tratado das ações), teria caráter mandamental, que seria suficiente para rechaçar a afronta praticada, seja porque desacatou, seja porque usurpou, determinando-se a supressão do desacato ou usurpação. 

No que concerne à sentença mandamental, disse Pontes de Miranda: Em relação à ação e sentença mandamentais, diz que se "...a sentença preponderantemente manda, provavelmente a declaratividade é 4 e a constitutividade, 3. Ás vezes, porém, a eficácia mediata passa a ser de condenatoriedade (caução em ação cominatória: ação de manutenção de posse; extinção de usufruto ou fideicomisso, sem ser por culpa do usufrutuário ou do fideicomissário); ou de executividade (ação de manutenção provisória da posse, se duas ou mais pessoas se dizem possuidoras)". 

A reclamação não implica tecnicamente a rescisão da sentença transitada em julgado, mas apenas incita o respeito à autoridade da decisão do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Se as Cortes de superposição decidem alguma questão, a eficácia dessa decisão deve ser assegurada imediatamente, ainda que tenha havido trânsito em julgado do ato jurisdicional que a desacatou. Trata-se de preservar, em última análise, a credibilidade da instituição do Poder Judiciário no exercício de suas mais graduadas funções. Essa a bem traçada lição de Artur Henrique Callegari, ilustre Procurador Federal, in Análise crítica da súmula 734 do STF. 

Isso porque uma decisão, ainda que transitada em julgado, não pode desrespeitar o domínio da coisa julgada dos tribunais superiores. 

Entenda-se que o trânsito em julgado não deve constituir óbice à reclamação constitucional, porque a finalidade da ação, do writ, não é a desconstituição da decisão emanada de outro órgão jurisdicional, mas a preservação da autoridade da mais alta corte do país ou do tribunal que detém a competência para uniformizar a intepretação da lei federal. 

Não se objetiva, repita-se, desconstituir (algo próprio de ação rescisória), mas impor respeito a decisão emanada de tribunal superior, solicitando-se que seja ordenado que assim se faça. 

Estar-se-ia em situação distante de outra quando há reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, suas súmulas ou orientações decorrentes do julgamento de recursos especiais processados na forma do art. 543-C do Código de Processo Civil. Estas serão oferecidas no prazo de quinze dias, contados da ciência, pela parte, da decisão impugnada , independentemente de preparo, consoante AgRg na RECLAMAÇÃO Nº 22.054 - AC (2014/0297662-7), em que foi relator o Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, atendendo norma disciplinada no Regimento Interno da Corte. 

V – UM PRECEDENTE IMPORTANTE 

Lembro que o ministro Ricardo Lewandowski, em passado recente, concedeu medida em prol do livre direito de informação. 

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski derrubou a censura imposta pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal ao jornal O Estado de S. Paulo, que estava proibido, desde 2009, de publicar reportagens sobre a operaçãoFaktor(anteriormente chamada de Boi Barrica). 

Um dos alvos da operação da Polícia Federal era o empresário Fernando Sarney, filho do ex-presidente José Sarney (MDB). O jornal informou que ficou 3.327 dias sob censura. 

“Verifico que a pretensão recursal [do periódico] merece prosperar", disse o ministro Lewandowski. 

A proibição ao Estadão dizia respeito à publicação de gravações no âmbito da Operação Boi Barrica, que sugerem ligações do então presidente do Senado, José Sarney, com a contratação de parentes e afilhados políticos por meio de atos secretos. 

 

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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