Princípios do Estado Socioambiental

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23/10/2020 às 10:34
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Este artigo versa acerca dos princípios do Estado Socioambiental. De início, fez-se uma abordagem acerca do Estado Socioambiental. Posteriormente, tratou-se especificamente dos princípios aplicáveis.

1. INTRODUÇÃO

O cuidado com o meio ambiente e a compreensão de que a sua preservação é dever de todos possui estreita relação com a crise do Estado Social, especialmente com a crise do petróleo, nos anos 1970, com a qual se teve a real dimensão da finitude dos recursos naturais e, consequentemente, dos limites do crescimento econômico.

O direito ao ambiente emergiu como um novo direito do homem, eivado no princípio da solidariedade. Assim, é considerado um direito de terceira dimensão[1], pois surgiu com a revolução tecnológica e se apresentou como uma resposta à erosão e à degradação de direitos fundamentais ante o uso de determinadas tecnologias[2].

 No contexto do reconhecimento dos direitos de terceira dimensão, nasceu o Estado Socioambiental[3], cuja pretensão é realizar direitos de dimensões distintas, ou seja, os direitos sociais, classificados como de segunda dimensão, e os direitos ambientais, pertencentes à terceira dimensão[4].

2. ESTADO SOCIOAMBIENTAL E PRINCÍPIOS

Os princípios são decisões normativas estruturais que expressam os interesses essenciais de uma ordem jurídica[6]. De acordo com Alexy, são mandamentos de otimização, ou seja, devem ser realizados na maior medida do possível. Desse modo, podem ser realizados em graus variados, dependendo das condições fáticas e jurídicas, mas sempre de forma a realizar-se na máxima medida[7]. Ademais, a busca pela realização dos princípios deve ser contínua, e seu desenvolvimento precisa ser dinâmico, isto é, deve-se estar sempre em busca da sua plena realização, de modo a produzir continuamente novas obrigações[8].

Os princípios do Estado Socioambiental são normas que ordenam a convergência das agendas Social e Ambiental para que sejam realizadas da melhor maneira possível. Destarte, realizar o Estado Socioambiental através dos princípios significa encurtar a distância entre direito e realidade e, principalmente, alterar a compreensão do modo de agir dos juristas, a fim de que se chegue à solução mais justa possível[5]. Daí a importância de estudá-los.

2.1 Princípio da solidariedade

O princípio da solidariedade é a marca do Estado Socioambiental. Sarlet e Fensterseifer lecionam que este princípio emerge como mais uma tentativa histórica de realização do projeto da modernidade, não conquistado com os princípios da liberdade e da igualdade, marcos normativos do Estado Liberal e do Estado Social de Direito.

A solidariedade está presente já no Preâmbulo na Constituição Federal de 1988, que estabelece a sociedade fraterna como valor supremo. Por sua vez, o artigo 3º, inciso I, da CF, consagra-o como objetivo da República Federativa do Brasil. Em matéria ambiental, o artigo 225, caput, da CF prescreve o dever de solidariedade entre os Poderes Públicos e a coletividade a fim de defender e proteger o ambiente para as presentes e para as futuras gerações[9], explicitando que o dever de solidariedade afeta não apenas o Estado, mas também os particulares[10].  

O princípio da solidariedade traz, implícito, um dever de cooperação entre os povos, entre as gerações e entre as espécies[11]. Nesse sentido, é instrumento da justiça distributiva, tanto em escala intracomunitária como nacional[12]

2.1.1 Solidariedade entre os povos

A solidariedade interterritorial deve ser vista como uma solidariedade para preservar o ambiente, e não uma solidariedade para explorá-lo.

A Declaração de Estocolmo, em diversas disposições[13], mas especialmente no Princípio 24, proclama a necessidade da união de todos os países, ricos e pobres, grandes e pequenos, para salvaguardar o meio ambiente: 

Todos os países, grandes e pequenos, devem ocupar-se com espírito e cooperação e em pé de igualdade das questões internacionais relativas à proteção e melhoramento do meio ambiente. É indispensável cooperar para controlar, evitar, reduzir e eliminar eficazmente os efeitos prejudiciais que as atividades que se realizem em qualquer esfera, possam Ter para o meio ambiente, mediante acordos multilaterais ou bilaterais, ou por outros meios apropriados, respeitados a soberania e os interesses de todos os estados.

A Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento também entende a cooperação como instrumento para preservar o meio ambiente, e a proclama já no Preâmbulo. Diversos dos seus princípios tratam da matéria, dos quais destacamos o Princípio 7:

Princípio 7: Os Estados irão cooperar, em espírito de parceria global, para a conservação, proteção e restauração da saúde e da integridade do ecossistema terrestre. Considerando as diversas contribuições para a degradação do meio ambiente global, os Estados têm responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Os países desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que lhes cabe na busca internacional do desenvolvimento sustentável, tendo em vista as pressões exercidas por suas sociedades sobre o meio ambiente global e as tecnologias e recursos financeiros que controlam.

Na Constituição Federal, a solidariedade interterritorial está prevista como um dos princípios das relações internacionais mantidas pelo Brasil (art. 4º, IX). Sua importância está no fato de o meio ambiente desconhecer fronteiras, de modo que os danos que o atingem não ficam circunscritos ao país que os causou[14]

Kiss e Shelton ressaltam que a cooperação internacional é fundamental para preservar o meio ambiente em sua totalidade. De acordo com os autores, isso engloba o uso racional e equitativo dos recursos compartilhados, bem como assistência financeira dos países industrializados para com os países em desenvolvimento[15].

2.1.2 Solidariedade entre as gerações

A Declaração de Estocolmo traz, ainda, a solidariedade em sua dimensão de cooperação das presentes com as futuras gerações:

Princípio 2: Os recursos naturais da terra incluídos o ar, a água, a terra, a flora e a fauna e especialmente amostras representativas dos ecossistemas naturais devem ser preservados em benefício das gerações presentes e futuras, mediante uma cuidadosa planificação ou ordenamento.

O princípio da solidariedade intergeracional também está presente na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em que ganha destaque como o cerne do princípio do desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, dispõe o Princípio 3: “O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades de desenvolvimento e de meio ambiente das gerações presentes e futuras”.

Na Constituição Federal de 1988, o princípio da solidariedade intergeracional está previsto no artigo 225, o qual dispõe acerca dos deveres e das responsabilidades entre as gerações, a fim de garantir condições ambientais favoráveis para o desenvolvimento com dignidade tanto para as gerações presentes quanto para as futuras. Destarte, este princípio estabelece uma série de responsabilidades para as gerações presentes, a fim de efetivar a justiça e a equidade intergeracional[16].

Em decorrência da solidariedade intergeracional, há, na doutrina, corrente que defende a existência de direitos das futuras gerações. Rota afirma que o reconhecimento de direitos aos não nascidos ou não concebidos é perfeitamente aceitável, e é prática antiga, pois remete ao antigo Direito de Família – o que ocorre é a adaptação de uma velha instituição às novas necessidades humanas[17]. Sarlet e Fensterseifer ressaltam a possibilidade de se admitir o direito de titularidade das futuras gerações ao meio ambiente equilibrado, como critério de justiça e equidade[18].

Importante ressaltar que a efetividade do princípio da solidariedade entre gerações depende da articulação com outros princípios, especialmente com o da precaução, pois “é ele que impõe prioritariamente e antecipadamente a adopção de medidas preventivas e justifica a aplicação de outros princípios, como o da responsabilização e da utilização das melhores tecnologias disponíveis” [19].

2.1.3 Solidariedade entre as espécies

A solidariedade entre espécies é fruto das mudanças de comportamento do homem para com os demais seres vivos que habitam o planeta e para com os bens naturais e pode ser considerada a principal marca característica de uma comunidade civilizada, na qual todos convivem harmoniosamente.

A constatação de que é parte do meio ambiente levou o ser humano a se preocupar com a sobrevivência das demais espécies vivas. O reconhecimento do valor intrínseco nas diferentes formas de vida pode ser verificado no artigo 225, §1º, VII, da CF, que veda as práticas cruéis contra os animais e no artigo 33 da Lei 9.065, que criminaliza práticas poluentes e degradadoras[20].

2.2 Princípios da sustentabilidade e do desenvolvimento sustentável

O significado atual do termo sustentabilidade teve origem na economia agrícola do desenvolvimento, e refere-se ao cuidado com as florestas, que, por crescerem lentamente, necessitam planejamento de cuidado a longo prazo, ultrapassando as gerações presentes[21]. O termo sustentabilidade possui, desde então, um significado de natureza econômica e, nesse sentido, leciona Figueiredo:

Sustentabilidade, nesse sentido inicial, é a equalização entre a capacidade de renovação dos recursos e sua fruição pelo ser humano, de modo que a devastação dos bosques não comprometa a incipiente civilização moderna, nem suas promessas para o futuro. Apesar disso, é importante igualmente notar que não se trata de uma visão econômica de cunho neoliberal, totalmente desvinculada da realidade circundante e de qualquer preocupação ética[22].

A Constituição Federal positivou o princípio da sustentabilidade no caput do artigo 225. Em virtude da força normativa, a constitucionalização do princípio reforçou a ideia de que sustentabilidade não é um preceito utópico. Nesse sentido, leciona Freitas: “... a sustentabilidade não é princípio abstrato ou de observância protelável: vincula plenamente e se mostra inconciliável com o reiterado descumprimento da função socioambiental dos bens e serviços[23]”.  

O caput do artigo 225 da Magna Carta relaciona os princípios da sustentabilidade e da solidariedade, uma vez que impõe um dever de solidariedade entre gerações. Assim, é dever dos cidadãos e do Estado defender e preservar o meio ambiente para as futuras gerações. Dito de outra forma, é dever das presentes gerações utilizar moderadamente e com responsabilidade os bens ambientais escassos, pois há que se levar em consideração os interesses das gerações futuras. Imperioso respeitar, também, a capacidade de renovação dos bens ambientais, ou seja, utilizá-los com parcimônia[24]. Nesse sentido, os princípios da prevenção e da precaução ganham destaque, devido à irreversibilidade da maioria dos danos ao meio ambiente.

Claro que é impossível reverter os danos causados ao meio ambiente no passado, quando o conhecimento científico não demonstrava serem os bens naturais finitos. O que se espera, com a realização do princípio da sustentabilidade, é frear a depredação da natureza, a fim de que as gerações futuras possam gozar, o máximo possível, da qualidade de vida que apenas o meio ambiente equilibrado pode oferecer. 

A principal virtude da sustentabilidade é o fato de introduzir no conceito de meio ambiente a ideia de que é necessário compatibilizar o desenvolvimento econômico com a garantia de que as gerações futuras viverão em um ambiente que lhes propicie a vida digna. Contudo, Mateo afirma que isto não é suficiente para caracterizar um desenvolvimento sustentável, pois, para tanto, necessário que haja harmonização entre economia, ecologia e valores morais relacionados com a solidariedade[25].

Portanto, sustentabilidade e desenvolvimento sustentável não se confundem, apesar de este ter sido influenciado por aquele. Figueiredo ressalta que sustentabilidade refere-se à crise econômica relacionada à escassez de recursos naturais, e desenvolvimento sustentável diz respeito à crise econômica, social e ambiental, na qual prevalece a desigualdade entre os países e entre os seres humanos. Ainda, segundo a autora, o termo sustentabilidade está geralmente associado às ações em prol da conservação do meio ambiente[26].

O princípio do desenvolvimento sustentável está consagrado em diversos documentos internacionais, e ganhou importância maior com Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. A sua ideia central está expressa no Relatório Brundtland, que dispõe ser desenvolvimento sustentável “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas necessidades”.

A Constituição Federal de 1988 também tratou do desenvolvimento sustentável, ao integrar, especialmente nos artigos 3º e 170, o desenvolvimento ambiental ao social e ao econômico. Nessa perspectiva, a gestão da propriedade privada ganhou especial relevância, e deve cumprir a sua função social[27]. De acordo com Sarlet e Fensterseifer, tais dispositivos indicam a opção do legislador constituinte por um capitalismo socioambiental, no qual a proteção ambiental, a justiça social, a livre iniciativa, a autonomia e a propriedade privada estão em harmonia[28].

A busca incessante pelo lucro, de forma inconsequente e irresponsável, colocou o crescimento econômico e o meio ambiente em lados opostos. Porém, essa antinomia não é necessariamente verdadeira, podendo, sim, a proteção ambiental e o crescimento econômico andarem de mãos dadas. De acordo com Derani, a oposição entre economia e proteção ambiental deixa de existir quando se adota uma política integrativa entre economia e natureza[29].

A ideia de desenvolvimento sustentável é essencial, especialmente em uma sociedade na qual imperam a livre concorrência e a livre iniciativa[30]. Ao congregar interesses econômicos, sociais e ambientais, o princípio do desenvolvimento sustentável consegue frear o uso indiscriminado e despreocupado dos bens naturais e vedar o crescimento econômico a qualquer custo. Afinal, este não é sinônimo de desenvolvimento, que deve ser integral e harmonizado[31]

2.3 Princípios da prevenção e da precaução

A sociedade de risco é fruto da busca incessante pela segurança. Contudo, e paradoxalmente, a antecipação das prováveis consequências gera mais incertezas e aumenta a preocupação com os riscos[32]. Nesse cenário, os princípios da precaução e da prevenção visam proteger o meio ambiente de danos futuros. Em outras palavras, traduzem a ideia de que a natureza é finita e, portanto, os danos que a atingem devem ser evitados, a fim de que as futuras gerações possam gozar de uma vida minimamente digna. Tal ideia está expressa no caput do artigo 225 da Constituição Federal, o qual assegura às presentes e às futuras gerações o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A autonomia do princípio da precaução em relação ao da prevenção não é pacífica na doutrina. Há autores que são céticos em relação à existência do princípio da precaução na ordem internacional. Gomes define-o como uma prevenção reforçada, e aduz que é resultado da sociedade de risco: “A sociedade de risco é, também, a sociedade da imprevisibilidade, da incerteza. A ideia de precaução é o resultado dessa percepção, qual tentativa desesperada do criador para retomar o controlo da criatura por si fabricada”[33].

Concordamos com a afirmação da autora no sentido de o princípio da precaução ser fruto da sociedade de risco, mas isso não o impossibilita de ser um princípio autônomo. As necessidades da sociedade de risco exigiram a criação deste princípio, com características peculiaridades justificadoras da sua autonomia. Nesse sentido, Freitas leciona que, apesar de a fronteira entre os princípios da prevenção e da precaução ser tênue, as distinções são extremamente úteis, especialmente porque reforçam o “dever de agir proporcional[34]”.

Na classificação de Beck, os riscos ambientais podem ser concretos/ potenciais e abstratos. São concretos ou potenciais quando são passíveis de previsão pelo conhecimento humano e, portanto, são controlados pelo princípio da prevenção. Por outro lado, são abstratos quando a racionalidade humana é incapaz de prevê-los, sendo, nesse caso, amparados pelo princípio da precaução[35].

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Wedy salienta que o princípio da prevenção deve ser aplicado quando houver certeza científica quanto aos prováveis danos. Por sua vez, o princípio da precaução deve ser utilizado nos casos em que inexistir certeza científica de que determinada conduta causará danos ao meio ambiente ou à saúde pública, ou seja, quando há mero risco de ocorrência do dano[36].

Os princípios em comento, portanto, visam proteger o direito à vida, à saúde, à integridade pessoal e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Por esse motivo, exigem a utilização da melhor técnica disponível, com fundamentação científica no que tange à sua eficácia[37]: no caso da prevenção, para evitar dano cuja ocorrência está comprovada cientificamente; na precaução, para evitar o risco de dano, ainda não comprovado cientificamente[38], mas com alta probabilidade de ocorrer.

No que tange ao ônus da prova, Wedy salienta que tanto no princípio da prevenção quanto no da precaução a prova cabe ao responsável por promover a atividade de risco, pois, em geral, é quem se beneficia da atividade. Dito de outra forma, a prova de inexistência de nexo de causalidade entre a atividade e o provável dano (comprovado ou não cientificamente, dependendo do caso) é do potencial causador[39].

Nos casos em que for aplicável o princípio da precaução, outro fundamento para inverter o ônus da prova em favor do meio ambiente é o artigo 6º, VIII, do CDC, uma vez que “a incerteza científica milita em favor do meio ambiente e da sociedade[40]”.

Apesar das características comuns importantes, os princípios da prevenção e da precaução apresentam peculiaridades incapazes de retirar-lhes a autonomia. Importa, então, estudar as características que conferem autonomia a estes princípios.

2.3.1 Princípio da prevenção

O princípio da prevenção é ferramenta importante para os casos em que é certo o risco de dano que determinada atividade provoca ao meio ambiente, isto é, quando há elementos suficientes para afirmar que é, de fato, perigosa[41]. O cerne deste princípio está presente no dito popular que ensina que “mais vale prevenir do que remediar”. Os danos ao meio ambiente são, em sua maioria, irreversíveis e, quando possível a recuperação, esta é demasiadamente onerosa. Dessa forma, mais vale prevenir, pois remediar é não só economicamente oneroso como também, muitas vezes, impossível[42].

Devido à importância de prevenir a ocorrência de danos ao meio ambiente e, consequentemente, à qualidade de vida dos seres humanos, o princípio em comento encontra-se em diversos dispositivos dos documentos internacionais sobre o meio ambiente[43]. A Declaração de Estocolmo dispõe, no princípio 7, que os Estados devem prevenir a poluição marinha e, no princípio 24, prescreve que os efeitos prejudiciais ao meio ambiente produzidos por qualquer tipo de atividade devem ser evitados. Por sua vez, o princípio 14 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento aduz que os Estados têm o dever de cooperar a fim de prevenir a realocação e transferência, para outros Estados, de atividades e substâncias que causem degradação ambiental grave ou que sejam prejudiciais à saúde humana. 

Há diversos instrumentos que possibilitam a realização do princípio da prevenção, dentre os quais merece destaque o estudo prévio de impacto ambiental[44]. As ecoauditorias e as licenças ambientais também têm o condão de prevenir danos ao ambiente[45].

As medidas preventivas são deveres tanto do Estado como dos particulares, e assim dispõe o caput do artigo 225, da CF, ao afirmar que é dever do Estado e da coletividade defender e preservar o meio ambiente equilibrado. Importante lembrar que, para a construção de um Estado Socioambiental, é imprescindível a atuação conjunta dos entes públicos e privados.

2.3.2 Princípio da precaução

O princípio da precaução originou-se no Direito Sueco, no final da década de 1960, com a Lei de Proteção Ambiental, e no Direito Alemão, na década de 1970, e, desde então, é um “instrumento para a gestão de riscos[46]”, especialmente à saúde e ao meio ambiente. Pela sua importância, está presente em diversos documentos internacionais, dentre os quais a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que, no Princípio 15, proclama:

Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.

Ao analisar a precaução na Declaração do Rio, Antunes indica que este é um princípio que se materializa na ordem interna de cada Estado, ou seja, depende das capacidades e das peculiaridades de cada país e, portanto, não é um critério passível de definição pela ordem internacional. Ademais, as ameaças a que se refere o Princípio 15 devem ser dúvidas fundadas em estudos científicos e técnicos, e não baseadas em dogmatismos ou na opinião de leigos[47]

O conceito de precaução varia entre os documentos que o prescrevem. Contudo, sua ideia central é a mesma: a necessidade de proteger o meio ambiente apesar das incertezas. De acordo com Krell, tal princípio exige que, a partir da aplicação do princípio da proporcionalidade dos riscos, sejam tomadas medidas para proteger a coletividade de eventuais danos ambientais altamente lesivos. Nesse diapasão, o Estado tem o dever de realizar, ainda que sem absoluta certeza científica, ações preventivas imediatas, sob o risco de ser responsabilizado[48].

Importa salientar que a precaução não tem o escopo de impedir o desenvolvimento e o avanço da ciência. Não se trata de impedir atividades sem qualquer fundamento e em qualquer hipótese, mas apenas quando há certa probabilidade minimamente verossímil e plausível de lesão ao meio ambiente[49] e quando a incerteza científica for expressa com argumentos científicos e técnicos razoáveis[50]. Ademais, a aplicação da precaução deve respeitar o princípio da proporcionalidade[51], a fim de que apenas as possibilidades de danos menos remotas sejam admitidas como imobilizadoras das condutas humanas.

Há uma série de medidas para precaver a ocorrência de danos ambientais, como o estudo prévio de impacto ambiental[52] e o controle da produção, da comercialização, do emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, previstos, respectivamente, nos incisos IV e V do §1º do artigo 225, IV, da CF.

O princípio da precaução também está expressamente previsto em diversos textos infraconstitucionais, dentro os quais se destaca o artigo 54, §3º da Lei 9.605/98, que tipifica como crime, com pena de reclusão de cinco anos, deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível.

O princípio da precaução pode ser realizado com a adoção de medidas antecipatórias. Nesses casos, o Estado deve agir de forma proporcional, a fim de evitar a proteção excessiva e, principalmente, a proteção insuficiente[53].

A margem de conformação do Estado está entre a proibição da proteção insuficiente e a vedação do excesso[54] e é dentro desta margem que o Estado deve encontrar o nível ótimo de proteção do ambiente, de modo a cumprir seu dever. Ao Estado incumbe assegurar a tutela efetiva do meio ambiente e, para tanto, deve buscar sempre maximizar o efeito de suas condutas. Assim, imperioso que respeite os direitos fundamentais (conduta defensiva) e que atue para protegê-los (conduta prestacional)[55].

2.4 Princípio do poluidor-pagador

Na lição de Mateo, o princípio do poluidor-pagador é uma autêntica pedra angular do Direito Ambiental, pois, a partir dos imperativos da justiça distributiva, pretende eliminar as motivações econômicas da poluição ambiental[56]. Devido à sua importância, está presente na Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente, a qual dispõe, no princípio 16, que:

As autoridades nacionais devem procurar promover a internacionalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem segundo a qual o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo da poluição, com a devida atenção ao interesse público e sem provocar distorções no comércio e nos investimentos internacionais.

O princípio do poluidor-pagador inspira-se na teoria econômica de internalização dos custos sociais externos que acompanham o processo produtivo[57], no intuito de forçar um maior cuidado do potencial poluidor com o meio ambiente[58].

O objetivo do princípio do poluidor-pagador é direcionar o ônus do custo econômico para o utilizador e beneficiário dos recursos naturais. Destarte, difere da responsabilização por danos ambientais, na medida em que não pretende recuperar um bem ambiental lesado nem punir alguém pelo seu uso indevido, mas sim, através de uma contraprestação econômica, impedir o desperdício dos bens ambientais[59]. Enquanto, por meio da responsabilização do poluidor, procura-se reparar os danos causados às vítimas, o princípio do poluidor-pagador está vocacionado a precaver, prevenir e retribuir os custos da poluição, e equipará-los constitui a perda do sentido útil de ambos[60].

Na nova fase de proteção do ambiente em que nos encontramos, na qual a poluição não é mais tolerada como antigamente, é possível referir-se ao princípio do usuário-pagador ou consumidor-pagador. Nesse sentido, o artigo 4º, VII, da Lei 6.938/81[61] faz referência tanto ao poluidor-pagador quanto ao usuário-pagador. A respeito, também importa ressaltar a lição de Aragão:

Ora, impor aos operadores económicos que exploram recursos naturais, a internalização dos custos económicos, sociais e ambientais da degradação ou da perda da biodiversidade, é apenas uma extensão à conservação da natureza, do clássico de bem firmado princípio do direito ambiental: o princípio do poluidor-pagador (PPP), neste caso recunhado como princípio do utilizador-pagador. Diríamos que o PPP, que foi criado a pensar no direito ambiental cinzento, se aplica também ao direito ambiental verde[62].

O princípio do poluidor-pagador (ou do utilizador-pagador) evita a socialização das perdas daqueles que tiveram lucros particulares[63]. Além disso, a imposição do pagamento de um montante pecuniário àqueles que degradam o meio ambiente obsta a ocorrência de danos, pois faz com que os empreendedores busquem formas limpas de exercer suas atividades[64]. Nesta perspectiva, vislumbra-se um dever de responsabilidade, tanto com a geração atual, pois não é justo que todos arquem com os custos da degradação, quanto com as gerações futuras, no sentido de que cabe ao homem conservar o meio ambiente para a continuidade da espécie. De acordo com Jonas, para sentir-se responsável pelo futuro, o ser humano deve resgatar o respeito, ainda que através do medo do que possa ocorrer no caso de ignorar a necessidade de preservar o ambiente.  A responsabilidade é consequência do respeito, e quem não respeita os seus semelhantes e as futuras gerações não se sente responsável pelas suas atitudes e pelo futuro[65].

2.5 Princípio da educação ambiental

A irreversibilidade da natureza e a necessidade de conscientização da população mundial para a sua preservação dão destaque ao princípio da educação ambiental. Se, por um lado, o saber conscientiza o homem de que os danos causados na natureza são irreversíveis e de que a introdução de certas ações causará transformações no meio ambiente, por outro, lhe dá a percepção de que há margem para intervir nessas transformações. Além disso, a educação possibilita a preparação da vida humana de forma a adaptá-la a essas transformações inevitáveis[66].

A educação viabiliza a participação da população nas decisões sobre meio ambiente, ou seja, “é mecanismo basilar para dar efetividade social ao direito fundamental ao ambiente, já que só com a conscientização político-ambiental ampliada no meio social é que a proteção ambiental tomará a forma desejada pelo constituinte do Estado Socioambiental de Direito[67]”. Dito de outra forma, a educação é requisito para a realização da democracia ambiental participativa, pois a “alfabetização ecológica” [68] é capaz de conscientizar os cidadãos no sentido de evitarem condutas poluentes e de fiscalizarem seus pares. Sua importância é inquestionável, tanto que Convenção de Estocolmo, no Princípio 19, dispõe que:

É indispensável um esforço para a educação em questões ambientais, dirigida tanto às gerações jovens como aos adultos e que preste a devida atenção ao setor da população menos privilegiado, para fundamentar as bases de uma opinião pública bem informada, e de uma conduta dos indivíduos, das empresas e das coletividades inspirada no sentido de sua responsabilidade sobre a proteção e melhoramento do meio ambiente em toda sua dimensão humana. É igualmente essencial que os meios de comunicação de massas evitem contribuir para a deterioração do meio ambiente humano e, ao contrário, difundam informação de caráter educativo sobre a necessidade de protegê-lo e melhorá-lo, a fim de que o homem possa desenvolver-se em todos os aspectos.

A importância da efetivação deste princípio justifica a ênfase que sua dimensão objetiva recebe no texto constitucional. Além de estar previsto no artigo 205 da CF, que dispõe ser dever do Estado e da família a educação (no sentido genérico, que abrange a educação ambiental), recebe tratamento específico no artigo 225 da CF. Segundo este dispositivo, é dever do Poder Público e da coletividade, isto é, dos particulares, promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente, a fim de que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado seja efetivado.

Na legislação infraconstitucional, merece destaque a Lei 9795/99, que realiza os preceitos da Constituição ao dispor acerca da política ambiental e ao instituir a Política Nacional de Educação Ambiental. O artigo 1º define a educação ambiental como “os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente”. Por sua vez, o artigo 2º aduz que a educação ambiental é parte da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal, isto é, nas redes de ensino públicas e privadas, e não-formal, como nas empresas[69]. Quanto a estas, o artigo 3º prescreve que lhes incumbe “promover programas destinados à capacitação dos trabalhadores, visando à melhoria e ao controle efetivo sobre o ambiente de trabalho, bem como sobre as repercussões do processo produtivo no meio ambiente”.       

Entre os objetivos da educação ambiental, dispostos no artigo 5º da Lei 9795/1999, estão a transformação do cidadão em um agente crítico, o fortalecimento da cidadania e o incentivo à participação individual e coletiva, permanente e responsável, na preservação do equilíbrio do meio ambiente, entendendo-se a defesa da qualidade ambiental como um valor inseparável do exercício da cidadania.

2.6 Princípio do acesso à informação ambiental

O princípio do acesso à informação ambiental, assim como o da educação, é requisito para a participação pública[70] na tomada de decisões em matéria ambiental e para o monitoramento das ações do governo e do setor privado[71], ou seja, é essencial em uma democracia participativa ecológica, como pretende ser o Estado Socioambiental. Nas palavras de Machado: “A informação serve para o processo de educação de cada pessoa e da comunidade. Mas a informação visa, também, a dar chance à pessoa informada de tomar posição ou pronunciar-se sobre a matéria informada[72]”.

O acesso à informação ambiental pode ser definido, com base na Lei 12.527/11[73], como o acesso a dados ambientais, processados ou não, que podem ser utilizados para produção e transmissão de conhecimento, contidos em qualquer meio, suporte ou formato. Dessa forma, viabiliza a reivindicação do cidadão ao direito fundamental ao ambiente[74].

Devido à importância, diversos são os dispositivos acerca da matéria na Declaração de Estocolmo[75] e na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento[76]. No ordenamento interno, a Constituição Federal de 1988 garantiu como direito fundamental o acesso à informação, de acordo com o artigo 5º, incisos XIV e XXXIII, regulamentados pela Lei de acesso à informação (Lei 12.527/2011). Já em matéria ambiental, o artigo 225, §1º da CF evidencia a importância da publicidade, imprescindível para o acesso à informação e, portanto, para a efetivação do direito ao ambiente[77].

A Lei nº 10.650/2003 é exemplo de regulamentação do acesso à informação em matéria ambiental. Este diploma legal regulamenta o acesso público de dados e informações do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama[78]), e define como dever dos órgãos e entidades da Administração Pública (direta, indireta e fundacional) integrantes do Sisnama o fornecimento de informações ambientais que estejam sob sua guarda e que versem sobre os seguinte temas: qualidade do meio ambiente; políticas, planos e programas potencialmente causadores de impacto ambiental; resultados de monitoramento e auditoria nos sistemas de controle de poluição e de atividades potencialmente poluidoras, bem como de planos e ações de recuperação de áreas degradadas; acidentes, situações de risco ou de emergência ambientais; emissões de efluentes líquidos e gasosos, e produção de resíduos sólidos; substâncias tóxicas e perigosas; diversidade biológica; organismos geneticamente modificados.

Em que pese a existência de leis específicas, não há uma lei genérica que regulamente o direito ao acesso à informação ambiental. Contudo, a Lei 12.527/2011, pode ser aplicada nos casos de acesso à informação ambiental, especialmente porque dispõe que é dever divulgar informações de interesse público:

O que coloca a questão ambiental em contato direto com tal diploma normativo é o fato de a proteção ambiental transportar sempre a natureza de interesse público (interesse público primário). Portanto, qualquer informação ambiental de posse de entidade pública passa a ser acionável com amparo na Lei 12.527/2011, considerando-se, por exemplo, a sua extrema relevância para a atuação das entidades ambientais (ou mesmo do cidadão) na hipótese de situação de lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico ambiental[79].

Como pode se inferir do excerto, a dimensão objetiva do princípio da proteção é patente, e ganha destaque em outros dispositivos da referida Lei. O artigo 5º prevê o dever do Estado “garantir o direito de acesso à informação, que será franqueada, mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão”. Do mesmo modo, o artigo 6º impõe como dever dos órgãos e entidades do poder público a gestão transparente da informação e a sua proteção. Por fim, o artigo 8º destaca o dever de publicação, a fim de facilitar o acesso à informação.

Cabe registrar, ainda, que o artigo 9º, inciso III, da Lei 12.527/2011, ao prever a realização de audiências e as consultas públicas como forma de assegurar o acesso à informação e ao incentivar a participação popular nestes eventos, teve a intenção de promover a cidadania ambiental, essencial em uma democracia participativa ambiental[80]. Por fim, quanto à tutela do meio ambiente, merece destaque o artigo 21 da lei em comento, segundo o qual “não poderá ser negado acesso à informação necessária à tutela judicial ou administrativa de direitos fundamentais”. Portanto, sendo o meio ambiente direito fundamental, nas ações em que for objeto não poderá ser negado o acesso a informações necessárias para protegê-lo.

Ainda que não previsto na legislação, não se pode negar o dever dos particulares de fornecer informações que estejam sob sua tutela. Este dever decorre da eficácia dos direitos fundamentais entre particulares, e é reforçado por outros fundamentos legislativos:

Como fundamento legislativo (ainda que não criem obrigações expressas de informação) dos deveres de informação ambiental na esfera do ordenamento jurídico-privado é possível invocar o princípio da boa-fé objetiva (art. 422 do CC/2002), o princípio da função social da propriedade (art. 1.228, §1º, do CC/2002), o principio da função social do contrato (art. 421 do CC/2002) e o principio da função social da empresa, bem como do instituto do abuso de direito (art. 187 do CC/2002), todos reguladores das relações jurídicas de direito privado e que, ademais, dão concretude aos princípios, direitos e deveres de matriz constitucional colacionados acima[81].

2.7 Princípio da participação

A participação pública, caracterizadora de uma sociedade democrática, recebeu atenção especial da Declaração do Rio de 1992. O princípio 10 do referido diploma trouxe à baila os fundamentos do princípio da participação pública, a saber, a participação pública no processo de tomada de decisões em matéria ambiental, o acesso à informação e o acesso à justiça[82].

A participação pública no processo de decisão diz respeito ao direito fundamental e humano de participação política, e depende da atuação do Estado no sentido de criar instrumentos para possibilitar o seu exercício. Quando estes já existem, a participação passa a ser dever do cidadão, que pode ser realizado através de instrumentos legislativos (direito de sufrágio; o plebiscito; a iniciativa popular e o referendo) e de instrumentos administrativos (direito à audiência pública, no tocante ao licenciamento ambiental; direito de petição aos órgãos públicos; participação da sociedade civil nos órgãos colegiados ambientais). O acesso à informação ambiental, estudado anteriormente, tem o condão de possibilitar a participação pública na defesa do direito ao meio ambiente. Já o acesso à justiça pode ser efetivado por meio da ação civil pública, da ação popular, do mandado de injunção, do mandado de segurança, a ação direta de inconstitucionalidade, a ação declaratória de constitucionalidade e a arguição de descumprimento de preceito fundamental[83].  

O princípio da participação é essencial em uma democracia, pois se o poder emana do povo, é ele quem deve decidir os rumos da sociedade. Na lição de Bonavides, não há democracia sem participação, e somente assim será possível libertar o povo da periferia[84].

O artigo 1º, da Constituição Federal de 1988 assevera que a democracia, ao lado da cidadania, é fundamento do Estado Democrático. A democracia participativa depende, então, do exercício dos deveres e dos direitos pelos cidadãos. O citado dispositivo aduz, ainda, que o poder que emana do povo pode ser exercido indiretamente, por meio dos representantes eleitos, ou diretamente. Kiss e Shelton asseguram que os cidadãos devem perceber que possuem o poder de governança, e que este pode ser exercido de várias maneiras, como na eleição para escolher seus representantes e nas audiências públicas[85].

O direito de participação, especialmente direta, foi uma conquista do povo e não uma simples concessão do constituinte, tanto é que o seu reconhecimento sofreu oposição das forças conservadoras[86]. Sarlet e Fensterseifer asseveram que o poder exercido diretamente “agrega a dimensão de uma democracia participativa, abrindo espaço para a intervenção direta dos cidadãos nas decisões públicas[87]”. De acordo com os autores, a participação popular deve se dar cada vez mais de forma direta, especialmente nas questões ambientais, pois conferem maior legitimidade às decisões[88]. Em sintonia com esse entendimento, Mateo incentiva a participação popular nas decisões atinentes ao meio ambiente, especialmente por ser bem público:

Efectivamente el ambiente no es propiedad de la Administración, sino que ésta es sólo su guardián, las actividades que aquí inciden deben ser supervisadas por la opinión pública y las organizaciones ambientales ≤con un máximo de transparencia, discusión pública y amplios derechos adjudicados a los grupos de interés medioambientales. Un área en la cual la legislación ambiental de la Comunidad puede ser todavía desarrollada[89].

Quanto à participação na seara ambiental, o artigo 225, caput, da CF, refere ser dever do Poder Público e da coletividade a defesa e a preservação do meio ambiente. Uma vez que o meio ambiente é bem de uso comum do povo, os cidadãos e as organizações ambientais têm o direito e o dever de supervisionar a Administração Pública nas atividades e nas decisões que o envolvem[90]. Portanto, do princípio da participação em matéria ambiental decorre o dever de os cidadãos, individualmente ou organizados em grupos sociais, como sindicatos e organizações não-governamentais, participar, integrados com os Poderes Públicos, das questões de natureza ambiental[91].

Os princípios da educação ambiental e da informação estão intimamente relacionados com o princípio da participação e são requisitos para a sua realização[92].

3. CONCLUSÃO

O Estado Socioambiental tomou forma a partir da conscientização humana da importância de proteger o meio ambiente e da necessidade de efetivar os direitos sociais. A emergência de direitos fundamentais de terceira geração não significou o abandono da luta pela efetivação dos direitos sociais, especialmente daqueles que o Estado Social não conseguiu realizar.

Nesse cenário, emerge a importância de estudar os princípios específicos desse novo Estado, que valoriza não apenas a efetivação dos direitos sociais, mas também dos direitos fundamentais de terceira dimensão, mormente o direito ao meio ambiente hígido.

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Sobre o autor
Monique Bertotti

Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2013). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2015).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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