A reduzida aplicação da lei de tortura no Brasil

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Este trabalho, realizado no ano de 2010, faz um breve apanhado sobre a Lei 9.455 de 07 de Abril de 1997, que definiu os crimes de tortura no Brasil e estabeleceu penas para eles. A análise demonstra o quão difícil é conseguir provas para a condenação.

 

INTRODUÇÃO 

O presente estudo teve como objetivo fazer uma breve análise sobre a Lei 9.455 de 07 de Abril de 1997, que definiu a prática da tortura como crime no Brasil.

A escolha desse tema se deu pelo fato de que apesar da Lei em estudo não ser muito recente, possui atualmente 13 (treze) anos, a mesma praticamente não é aplicada no cotidiano jurídico.

A intenção desse trabalho foi demonstrar o quão pouco essa norma é aplicada e consequentemente apresentar algumas ideias e sugestões para que seja possível a sua aplicação na prática, ainda mais tendo em vista que na maior parte dos casos as vítimas de tortura são pessoas humildes e marginalizadas, o que dificulta ainda mais o seu acesso à justiça para a garantia de um de seus direitos mais elementares. 

Para tanto fizemos um breve relato sobre o histórico dos crimes hediondos no Brasil através dos tempos e a consequente evolução da legislação para tentar reprimir tais práticas em nossa sociedade.

Abordamos também as tentativas a nível mundial de reprimir tal prática odiosa, com uma breve explanação sobre os direitos humanos.

Demonstramos os fatores que geram a impunidade nesse crime e como pessoas que são processadas por ele acabam sendo condenadas por outros tipos legais.

Fizemos a transcrição de uma entrevista realizada com uma personalidade do cotidiano político brasileiro atual que foi vítima de tortura no Brasil na época da ditadura, na qual a mesma faz relatos do sofrimento causado por essa prática e das artimanhas que utilizava para tentar escapar de seus algozes.

Realizamos um breve apanhado sobre as causas da dificuldade de acesso a justiça contra a tortura, demonstrando a dificuldade de produzir as provas acerca desse crime, gerando então a inaplicabilidade da lei que o define.

Finalmente apresentamos algumas formas de como elaborar um conjunto probatório que permita a condenação de pessoas que praticam tal atrocidade.

 

CAPÍTULO I

DIREITOS HUMANOS, CRIMES HEDIONDOS E TORTURA – HISTÓRICO

1.1 Histórico Acerca dos Crimes Hediondos

Acerca dos crimes hediondos cabe ressaltar que, historicamente, os mesmos tiveram início com a Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Sendo assim, cabe prelecionar uma citação a luz da Carta Política de 1988:

"A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem".[1]

Nesse bojo, cabe ressaltar que em 1989, foram objeto de lei as que propunham o agravamento das penas para aos crimes de roubo, sequestro e estupro seguido de morte. Ressalte-se que no mesmo ano foi proposto o projeto 3.754, encaminhado pelo então Presidente da República, que por sorte obteve êxito. Este projeto colocava em destaque a guerra contra o crime, propondo sentido à expressão constitucional "crimes hediondos". 

"Seja qual for sua duração, proibidos o livramento condicional, a prisão semi-aberta e a prisão-albergue, mesmo nos estágios finais da execução".[2]

Em 25 de junho de 1990, foi promulgada a lei ordinária, mas com caráter de lei complementar, de número 8.072.[3]

Ocorre que houve demais mudanças acerca dos crimes hediondos em 1990, sendo assim:

"O que teria conduzido o legislador constituinte a formular o nº XLIII do art. 5º da CF? O que estaria por detrás do posicionamento adotado? Nos últimos anos, a criminalidade violenta aumentou do ponto de vista estatístico: o dano econômico cresceu sobremaneira, atingindo seguimentos sociais que até então estavam livres de ataques criminosos; atos de terrorismo político e mesmo de terrorismo gratuito abalaram diversos países do mundo; o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins assumiu gigantismo incomum; a tortura passou a ser encarada como uma postura correta dos órgãos formais de controle social. A partir desse quadro, os meios de comunicação de massa começaram a atuar por interesses políticos subalternos, de forma a exagerar a situação real, formando uma ideia de que seria mister, para desenvolvê-la, uma luta sem quartel contra determinada forma de criminalidade ou determinados tipos de delinquentes, mesmo que tal luta viesse a significar a perda das tradicionais garantias do próprio Direito Penal e do Direito Processual Penal".[4]

Neste contexto, cabe deixar claro mais uma citação a respeito do assunto ora ressaltado:

"Estavam ainda causando impacto no povo os sequestros de pessoas bem situadas na vida econômica, social e política, e a mídia passou a sacudir a opinião pública, que encontrou ressonância no Poder Legislativo, que aprovou o projeto de lei do senado, através de votos de lideranças, sem qualquer discussão, logo sem legitimidade e representabilidade...". [5]

Estas posições se confirmam através da análise das razões do anteprojeto 3.754/89. Estas razões, de autoria de Damásio E. de Jesus, continham o seguinte parágrafo:

"A criminalidade, principalmente, a violenta, tinha o seu momento histórico de intenso crescimento, aproveitando-se de uma legislação penal excessivamente liberal. Surgiram duas novas damas do direito criminal brasileiro: justiça morosa e legislação liberal, criando a certeza da impunidade". [6]

Em 1994, a Lei 8.930 entrou em vigor e com isso veio a revogar o artigo primeiro, supramencionado, substituindo-o. Esta nova redação incluiu o homicídio praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente e homicídio qualificado e, por outro lado, excluiu o envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal, qualificado pela morte. Desta forma, na atualidade, os crimes classificados como hediondos são os seguintes:

"I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV e V);II - latrocínio (art. 157, § 3o, in fine); III - extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2o);IV - extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ lo, 2o e 3o);V - estupro (art. 213 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único);VI - atentado violento ao pudor (art. 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único);VII - epidemia com resultado morte (art. 267, § 1o).VII-B - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1o-A e § 1o-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998).Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1o2o e 3o da Lei no 2.889, de 1o de outubro de 1956, tentado ou consumado."[7]

Código Penal, no seu bojo, tipifica os crimes mencionados da seguinte forma:

"Estupro - art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça; Atentado violento ao pudor - art. 214 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal".

Quanto à forma qualificada, o mesmo ordenamento faz a seguinte referência, com penas determinadas pela própria lei de crimes hediondos, artigo sexto:

“Se da violência resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. Parágrafo único. Se do fato resulta a morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 25 (vinte e cinco) anos".[8]

lei de crimes hediondos, ainda determina que: são acrescidas de metade, respeitado o limite superior de 30 (trinta) anos de reclusão, estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no art. 224 também do Código Penal. Sabe-se que o mesmo artigo traz a seguinte explanação:

"Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de 14 (catorze) anos; b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência."[9]

Diante destes tipos surge-nos, em nossos tribunais, uma polêmica sobre quais as formas de estupro, e de atentado violento ao pudor, que o legislador intencionou incluir dentre os hediondos, ou seja, se os tipos mencionados, se cometidos na forma simples ou presumida, devem ser considerados como hediondos ou não, quanto ao cumprimento da pena em regime integralmente fechado.

O Superior Tribunal de Justiça realizou vários julgamentos acerca desse tema, com isso cabe citar que:

"Na interpretação sistemática dos incisos V e VI do artigo  da Lei nº 8.072/90, em que se faz alusão às formas simples e qualificadas do estupro e do atentado violento ao pudor, é seguro, por evidente imperativo lógico e por força do princípio non bis in idem, que o artigo  da Lei nº 8.072/90, de necessária recorrência, ao fazer das hipóteses referidas no artigo 224do Código Penal causas de aumento não apenas das formas qualificadas do estupro e do atentado violento ao pudor, como também das suas formas simples, confirma a exclusão do estupro e do atentado violento ao pudor, praticado com violência presumida, do elenco dos crimes hediondos."

Porém, na atualidade nos deparamos com julgamentos que enquadram ambas as formas, simples e qualificada, dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, como crimes hediondos. 

"Causa estranheza a mudança de jurisprudência do STF, posto que, adota-se, neste momento, interpretação extensiva em relação a LCH, situação que, sem sombra de dúvidas, é por demais prejudicial aos acusados afrontando diretamente a CF". [10]

A exemplo citamos posição do Supremo Tribunal Federal:

"Ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal consideram a não-ocorrência de ‘bis in idem’ no reconhecimento da causa de aumento do art.  da Lei nº 8.072/90, em face de ser a vítima menor de quatorze anos, nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor tipificado pela violência presumida (art. 224, alínea ‘a’, do Código Penal)"e"a particular situação da vítima, de não ser maior de 14 anos, é utilizada tanto para presumir a violência como para aumentar a pena de metade: no primeiro caso é circunstância elementar do tipo penal codificado (art. 214) e no segundo é causa de aumento da pena prevista na lei extravagante (art.  da LCH)."[11]

Diante dos argumentos apresentados, e, não obstante o atual entendimento de nossos tribunais superiores, confirma-se nosso entendimento, no sentido de que a lei de crimes hediondos inclui os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, em sua forma simples, dentre os crimes por ela regulados, não merecendo mesma interpretação, porém, quanto a forma presumida, a qual não deveria ser tomada por crime de natureza hedionda.

1.2 Situação Atual Sobre a Tortura no Brasil

O Brasil apresentou relatório relativo à implementação da Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, e deixou no seu bojo arbitrariedades das mais diversas. 

Com isso, as Nações Unidas para a Tortura, se surpreendeu tendo em vista que a tortura no Brasil, segundo o SOS Tortura, é praticada de forma avassaladora. Nesse contexto, ressalte-se que a maior incidência de práticas de tortura continua sendo nas delegacias de polícia (40%), seguidas pelas unidades prisionais (21%), de acordo com o Relatório sobre Tortura do Brasil elaborado na Câmara dos Deputados em 2005. Sabe-se que esses atos desumanos, que por ora atrapalha a vida dos presos no Brasil, geram absurdos do tipo:

- Falta de higiene. Como, por exemplo, pode-se citar: não há sabonetes, papel higiênico, o banho é frio, não há toalhas de banho, escova de dente, etc., na maioria dos presídios brasileiros

- Maus-tratos. Relatos de maus-tratos, como pacientes que ficam amarrados, abuso sexual, pacientes que à noite ficam trancados no quarto, pacientes com braço quebrado, outros com corte na cabeça e pontos a mostra.

Ressalte-se que no Brasil, em razão da superlotação das unidades prisionais, muitas delegacias continuam abrigando indivíduos em longo prazo, inclusive, pessoas que já foram sentenciadas.

Sabe-se que esse tipo de conduta fere direitos garantidos pela atual Carta Política. Sendo assim cabe citar que: 

.” Ninguém poderá ser submetido a tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.” [12]

De acordo com a Convenção, tortura é definida como: 

"qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência".

Nesse contexto, cabe ressaltar uma citação que por sorte embasa a explanação tal como: 

“a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem” [13]

Nesse sentido, são preciosas as palavras de Ney Moura Teles, que aqui ficam perpetuadas: 

"A privação da liberdade não intimida e, o que é mais grave, não só não recupera o condenado, com também o transforma negativamente. Não podia ser diferente, pois não se ensina a viver em liberdade, respeitando os valores sociais, suprimindo a liberdade do educando. É como desejar ensinar um bebê a caminhar, atando-lhe as pernas. Ele jamais vai conseguir. O caminho é o da limitação, cada vez maior, da presença do Direito Penal na vida das pessoas. Somente quando a lesão ao bem jurídico mais importante for muito grave é que o Direito Penal deve ser chamado."[14]

1.3 Explanações Sobre os Direitos Humanos

A respeito dos direitos humanos cabe ressaltar que os mesmo são os direitos essenciais a todos os cidadãos, independente de cor, raça, etnia, opção sexual, etc., sendo direitos inerentes à pessoa humana. Esses direitos não foram conquistados e reconhecidos de uma só vez, havendo uma luta pela sua efetivação. 

"Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais".[15]

Os direitos humanos passaram, então, a fundar-se nos pilares da universalidade e indivisibilidade, consagrados pela Declaração Universal de 1948 e reiterado pela Segunda Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena, no ano de 1993. Compreendeu-se, enfim, que o relativismo cultural não pode ser invocado para justificar violações aos direitos humanos internacionalmente consagrados. 

Constituição brasileira de 1988, marco fundamental do processo de institucionalização dos direitos humanos no Brasil, recebe os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos com índole e nívelconstitucional, além de dar aplicação imediata às suas normas devidamente incorporadas. 

Diante da explanação cabe ressaltar que:

"Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".[16]

 

CAPÍTULO II

EVOLUÇÃO NORMATIVA SOBRE A TORTURA

2.1 Evolução Normativa a Nível Mundial

Os movimentos políticos, filosóficos e sociais ocorridos na Europa em meados do século XVIII ensejaram, no que tange a legislação, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, cujo objetivo foi afirmar a igualdade entre os homens e a submissão dos governantes às leis. O seu artigo 1º diz que “os homens nascem e são livres e iguais em direitos” e seu artigo 7º que “ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por estas prescritas” e ainda que “os que solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos.”

Mesmo não existindo proibição expressa à tortura na Declaração de 1789, esta ocorre naturalmente em função dos princípios consignados na mesma.

A evolução normativa é lenta devido à própria lentidão do progresso humano. No século XX, com objetivos iguais, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas promulgou a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 10 de dezembro de 1948, cujo preâmbulo diz que “o desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade”, reafirmando no artigo 1º que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.

O artigo 5º da Carta das Nações Unidas é um libelo contra a tortura:

“Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.”

Este princípio não constava expressamente nas constituições brasileiras de 1946, 1967 e nem de 1969. Exclusivamente a constituição de 1988 trouxe tal princípio expresso em seu artigo  inciso III.

No plano infraconstitucional, pelo Decreto n º 98.386, de 9 de novembro de 1989, o Brasil adotou e promulgou a “Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura”, já aprovada anteriormente, pela Organização dos Estados Americanos –OEA- em 1985.

Dois anos depois fora adotada a Convenção das Nações unidas, pelo decreto nº 40 de 15 de fevereiro de 1991 e só após longos 6 anos o Brasil tratou a tortura como crime em sua Lei 9.455/97.

2.2 Fatores que Reforçam a Impunidade

É raro vermos nos cartórios das Delegacias Policiais inquéritos que investiguem a prática de tal crime. Em uma consulta no sistema informatizado da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, conhecido como projeto Delegacia Legal, ao se procurar por procedimentos instaurados no ano de 2009 com a capitulação de tortura, encontramos apenas 33 (trinta e três) em andamento nas Delegacias da Capital.

É mais raro ainda vermos esse tipo de procedimento chegar às centrais de inquérito do Ministério Público e se concretizar em uma denúncia oferecida pelo mesmo, e a sua conseqüente apreciação pelo juízo competente.

Mas difícil mesmo é vermos a condenação por esse crime, que quando ocorre, por falta de provas, acaba se condenando em outros tipos penais, tais como lesões corporais, abuso de autoridade e outros subterfúgios legais.

Não é fato raro o crime de tortura ser julgado e o acusado, sentenciado a pena do crime de maus-tratos, acontecimento que é inaceitável, pois são tipos penais completamente diferentes. 

Segundo o art. 136, do Código Penal, o crime de maus tratos consiste no fato de o individuo expor a perigo a vida ou a saúde de pessoas sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer a privando da alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalhos excessivos ou inadequados, ou ainda abusando de meios de correção ou disciplina.

Por outro lado, o crime de tortura tem outra especificação, segundo Maria helena Diniz. 

“tortura é o ato criminoso de submeter à vítima a um grande e angustiante sofrimento provocado por maus-tratos físicos ou morais”.[17]

Concluindo: o crime de maus-tratos é essencialmente de perigo, ao passo que a tortura, assim com as lesões corporais, é de dano.

Neste sentido também é o entendimento de Celso Delmanto, que foi usado no TJSP no RJTJSP 148/280:

“A questão dos maus-tratos e da tortura deve ser resolvida perquirindo-se elemento volitivo. Se o que motivou o agente foi o desejo de corrigir, embora o meio empregado tenha sido desumano e cruel, o crime é de maus tratos. Se a conduta não tem outro móvel senão o de fazer, por prazer, ódio ou qualquer outro sentimento vil, então pode ela ser considerada tortura”.[18]

De outro lado, no que tange às crianças e adolescentes, há a dificuldade da comprovação das condutas típicas diante da “lei do silêncio” que, de regra, impera nas famílias, estas em geral sendo aquelas menos favorecidas. Resta aos órgãos de proteção previstos no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e ao Ministério Púbico a grande responsabilidade de detectar, apontar e comprovar tais condutas, sob pena de se continuar afirmando ser ineficaz a Lei de Tortura.

Por esses fatores supracitados, dentre outros, que o crime de tortura se torna caso raro de punição no Brasil, haja em vista que algumas mudanças vêm ocorrendo na justiça brasileira, mudanças estas que contribuem para a diminuição da impunidade em geral, mas que não estão sendo observadas no que tange a tortura.

2.3 A Tortura no Brasil

A tortura no Brasil é fato antigo, ocorre corriqueiramente como em qualquer outro país do mundo. Acontece que no período da ditadura este crime ganhou notoriedade, pois neste período ocorria com mais freqüência, ou melhor, nos dias atuais é lembrado com muito afinco pela mídia e por aqueles que vivenciaram tais atos de barbárie, ainda mais tendo em vista que muitos dos torturados naquela época fazem parte do cenário político do Brasil de hoje.

Exemplo de político que foi torturado no passado é a ex-ministra da Casa Civil e atual candidata a presidência Dilma Rousseff, que foi presa e torturada pelo regime militar instaurado no Brasil na década de 60.

Por se tratar de fato relevante e a pessoa que figura como protagonista da história tratar-se de personagem notória optamos por transcrever trechos de uma entrevista feita em 2003 e publicada pelo jornal Folha de São Paulo em 2005, onde ela faz duros relatos sobre as sessões de tortura que sofreu enquanto esteve presa.

Em entrevista inédita, feita em 2003, ministra reconhece os erros da opção pela luta armada e relata sua experiência como torturada

LUIZ MAKLOUF CARVALHO

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA DE SÃO PAULO

A nova ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, avessa à gabolice, não é de se estender quando o assunto é a sua longa militância nas organizações de esquerda que combatiam a ditadura militar. Abriu uma exceção, no final de 2003, porque tratava-se, então, a meu interesse, de ampliar sua participação, já que ministra, no livro" Mulheres que foram à luta armada "(Editora Globo, 1998).

Aceitando o pedido, a ministra recebeu-me na sede da Presidência em São Paulo. Alguns documentos que levei, referentes aos processos que enfrentou, ajudaram-na com a memória. Ficou tocada ao rever as cópias das falsas carteiras de identidade que estavam em sua bolsa quando foi presa, no centro de São Paulo, em 16 de janeiro de 1970: um título de eleitor e uma carteira colegial em nome de Marina Guimarães Garcia de Castro, e um RG em nome de Maria Lúcia Santos. Nos três, a mesma foto. Tinha então 22 anos.

A entrevista privilegia sua amarga experiência na tortura. É de registrar 

que a ministra negou sua participação direta no assalto ao cofre da amante de Adhemar de Barros, a ação de maior envergadura da VAR-Palmares. No" Mulheres... ", coloquei-a na ação, erro do qual penitencio-me.

Dilma Vana Rousseff Linhares é mineira de Belo Horizonte, nascida a 14 de dezembro de 47, filha do búlgaro naturalizado Pedro, advogado, e da 

professora Dilma Jane Silva, de Friburgo (RJ), mas criada em Uberaba (MG). 

Sua militância política começou em 1967, na Polop, quando cursava a Escola Federal de Economia. Foi recrutada pelo noivo e depois marido Cláudio Galeno de Magalhães Linhares. Com as primeiras prisões, foi com o marido para o Rio, onde integrou o Colina.

Ensinou marxismo para uma célula, escreveu artigos apara o jornal" Piquete ", ajudou na infra-estrutura de algumas ações armadas (três assaltos a banco) e subiu para a direção do Colina. Estava no congresso de Mongaguá (SP), quando o Colina e a VPR criaram a VAR-Palmares, e estava no de Teresópolis, quando houve o" racha dos sete ", Carlos Lamarca à frente. Dilma ficou na VAR.

Separou-se do marido (que se mudou para Cuba nas asas de um sequestro de avião, a 1º de janeiro de 70) e tornou-se companheira de Carlos Franklin Paixão de Araújo, militante da VAR, advogado e ex-deputado estadual pelo PDT gaúcho. Estão separados. Têm uma filha, e são amigos.

Presa em 16 de janeiro de 1970, mereceu, do procurador militar que a 

denunciou, os epítetos de" Joana D'Arc da subversão "," papisa da subversão "," criminosa política "e" figura feminina de expressão tristemente notável ". 

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Só saiu da cadeia no final de 1973.

Pergunta - Que lembranças a sra. guardou dos tempos de cadeia?

Dilma Rousseff - A prisão é uma coisa em que a gente se encontra com os limites da gente. É isso que às vezes é muito duro. Nos depoimentos, a gente mentia feito doido. Mentia muito, mas muito.

Pergunta - Em um dos seus depoimentos da fase judicial, a sra. denunciou que o capitão Maurício foi ameaçá-la de tortura por estar indignado com as propositais contradições de seus depoimentos.

Dilma - Voltei várias vezes para a Oban, a Operação Bandeirante. Descobriam que uma história não fechava com a outra, e aí voltava. Mas aí eu já era preso velho. Preso velho é um bicho muito difícil de pegar na curva. Preso novo, você não sabe o tamanho da dor.

Pergunta - Como era essa história de mentir diante da tortura?

Dilma - A gente tinha que fazer uma moldura e só se lembrar da moldura, da história que se inventava, e não saía disso. Tinha que ter uma história. Na relação do torturador com o torturado a única coisa que não pode acontecer é você falar" não falo ". Se você falar" não falo ", dali a cinco minutos você pode ser obrigado a falar, porque eles sabem que você tem algo a dizer. Se você falar" não falo ", você diz pra eles o seguinte:" Eu sei o que você quer saber e não te direi ". Aí você entrega a arma pra ele te torturar e te perguntar. Sua história não pode ser" não falo ". Tem que ser uma história e dali para a frente você não sabe mais nada, não pode saber.

Pergunta - É um jogo difícil.

Dilma - É uma arte. A dificuldade é convencê-lo de que você não sabe mais do que aquela moldura. Não é um jogo só de resistência física, é de resistência psíquica. Até porque uma das coisas que você descobre é que você está sozinho.

Pergunta - Quais são as cenas que estão vindo na sua cabeça, agora?

Dilma - Eu lembro de chegar na Operação Bandeirante, presa, no início de 70. Era aquele negócio meio terreno baldio, não tinha nem muro, direito. Eu entrei no pátio da Operação Bandeirante e começaram a gritar" mata! "," tira a roupa "," terrorista "," filha da puta "," deve ter matado gente ". E lembro também perfeitamente que me botaram numa cela. Muito estranho. Uma porção de mulheres. Tinha uma menina grávida que perguntou meu nome. Eu dei meu nome verdadeiro. Ela disse:" Xi, você está ferrada ". Foi o meu primeiro contato com o esperar. A pior coisa que tem na tortura é esperar, esperar para apanhar. Eu senti ali que a barra era pesada. E foi. Também estou lembrando muito bem do chão do banheiro, do azulejo branco. Porque vai formando crosta de sangue, sujeira, você fica com um cheiro...

Pergunta - Por onde a tortura começou?

Dilma - Palmatória. Levei muita palmatória.

Pergunta - Quem batia?

Dilma - O capitão Maurício sempre aparecia. Ele não era interrogador, era da equipe de busca. Dos que dirigiam, o primeiro era o Homero, o segundo era o Albernaz. O terceiro eu não me lembro o nome. Era um baixinho. Quem comandava era o major Waldir [Coelho], que a gente chamava de major Linguinha, porque ele falava assim [com língua presa].

Pergunta - Quem torturava?

Dilma - O Albernaz e o substituto dele, que se chamava Tomás. Eu não sei se é nome de guerra. Quem mandava era o Albernaz, quem interrogava era o Albernaz. O Albernaz batia e dava soco. Ele dava muito soco nas pessoas. Ele começava a te interrogar. Se não gostasse das respostas, ele te dava soco. Depois da palmatória, eu fui pro pau-de-arara.

Pergunta - Dá pra relembrar?

Dilma - Mandaram eu tirar a roupa. Eu não tirei, porque a primeira reação é não tirar, pô. Eles me arrancaram a parte de cima e me botaram com o resto no pau-de-arara. Aí começou a prender a circulação. Um outro xingou não sei quem, aí me tiraram a roupa toda. Daí depois me botaram outra vez.

Pergunta - Com choques nas partes genitais, como acontecia?

Dilma - Não. Isso não fizeram. Mas fizeram choque, muito choque, mas muito choque. Eu lembro, nos primeiros dias, que eu tinha uma exaustão física, que eu queria desmaiar, não aguentava mais tanto choque. Eu comecei a ter hemorragia.

Pergunta - Onde eram esses choques?

Dilma - Em tudo quanto é lugar. Nos pés, nas mãos, na parte interna das 

coxas, nas orelhas. Na cabeça, é um horror. No bico do seio. Botavam uma coisa assim, no bico do seio, era uma coisa que prendia, segurava. Aí cansavam de fazer isso, porque tinha que ter um envoltório, pra enrolar, e largava. Aí você se urina, você se caga todo, você...

Pergunta - Quanto tempo durava uma sessão dessas?

Dilma - Nos primeiros dias, muito tempo. A gente perde a noção. Você não sabe quanto tempo, nem que tempo que é. Sabe por quê? Porque pára, e quando pára não melhora, porque ele fala o seguinte:" Agora você pensa um pouco ". Parava, me retiravam e me jogavam nesse lugar do ladrilho, que era um banheiro, no primeiro andar do DOI-Codi. Com sangue, com tudo. Te largam. Depois, você treme muito, você tem muito frio. Você está nu, né? É muito frio. Aí voltava. Nesse dia foi muito tempo. Teve uma hora que eu estava em posição fetal.

Pergunta - Dá pra pensar em resistir, em não falar?

Dilma - A forma de resistir era dizer comigo mesmo:" Daqui a pouco eu vou contar tudo o que eu sei ". Falava pra mim mesmo. Aí passava um pouquinho. E mais um pouco. E aí você vai indo. Você não pode imaginar que vai durar uma hora, duas. Só pode pensar no daqui a pouco. Não pode pensar na dor.

Pergunta - A sra. aguentou?

Dilma - Eu aguentei. Não disse nem onde eu morava. Não disse quem era o Max [codinome de Carlos Franklin Paixão de Araújo, então seu marido]. Não entreguei o Breno [Carlos Alberto Bueno de Freitas], porque tinha muita dó. Vou dizer uma coisa que uma tupamara, presa com a gente, disse pra mim. A tupamara ficou até com lesão cerebral. Ela disse:"Sabe por que eu não disse, naquele dia, quem era quem? Porque eu era mulher do fulano de tal e queria provar que o uruguaio é tão bom quanto o brasileiro".

Pergunta - Qual é o significado da frase?

Dilma - Que as razões que levam a gente a não falar são as mais variadas possíveis.

Pergunta - Quais foram as suas?

Dilma - Tinha um menino da ALN que chamava" Mister X ". Eu o vi completamente destruído. Não sei o que foi feito dele. Nunca vou esquecer o quadro em que ele estava. Primeiro, eu não queria que meus companheiros estivessem numa situação daquelas. Segundo, eu tinha medo que algum deles morresse. Terceiro, porque teve um dia que eu tive uma hemorragia muito grande, foi o dia em que eu estive pior. Hemorragia, mesmo, que nem menstruação. Eles tiveram que me levar para o Hospital Central do Exército. Encontrei uma menina da ALN. Ela disse:" Pula um pouco no quarto para a hemorragia não parar e você não ter que voltar ".

Pergunta - Palmatória, pau-de-arara, choque. O que mais?

Dilma - Não comer. O frio. A noite. Eles te botam na sala e falam:" Daqui a duas horas eu volto pra te interrogar ". Ficar esperando a tortura. Tem um nível de dor em que você apaga, em que você não aguenta mais. A dor tem que ser infligida com o controle deles. Ele tem que demonstrar que tem o poder de controlar tua dor.

Pergunta - E o torturado?

Dilma - O jogo é jamais revelar pra ele o que você acha. Ele não pode saber o que você pensa e ele nunca pode achar que você só fala depois de apanhar. Jamais. É melhor você não deixar ele perceber que te tira informação por tortura. Tem que ter uma história. O ruim é quando a sua história rui, por qualquer motivo. Ele acha que você mentiu. Se ele achar que você mentiu, você está roubada. Ele descobriu qual é o jogo. Quando você volta, e é por isso que voltar é ruim, ele diz:" Você mentiu, pô, o negócio é que você mente ".

Pergunta - A sua história caiu?

Dilma - Uma vez caiu tudo, mas aí era tarde demais. Caiu tudinho da Silva. Porque eu dizia que o meu marido tinha sequestrado o avião e que, se eu não tinha saído com ele, é que eu era uma pessoa que não sabia de nada, que, se soubesse, teria ido junto. Aí eles descobrem que eu era da direção da VAR, e que portanto era impossível não saber do sequestro. Tava zebrado. Aí tem que falar:"Não, eu era da direção, mas estava separada dele". Se a sua história cai, você está roubado.

Pergunta - O que é que ajuda, nesses momentos?

Dilma - Se eu tivesse ficado sozinha na cadeia, teria muito mais problemas. Devo grande parte de ter superado, absorvido e em alguns momentos chegado até a ironizar a tortura, para aguentar, às minhas companheiras. Eu lembro do povo do [presídio] Tiradentes, que esteve comigo.

Pergunta - De algum momento em particular?

Dilma - Quando alguma de nós era chamada para o repique, que era voltar à Oban, havia um processo de contágio, de medo, e de uma identificação muito forte entre nós. Como forma de ter controle da situação, a gente dessolenizava. Então, tinha uma variante de grito de guerra. Não mostra que a gente foi heroína, coisíssima nenhuma, e não é nesse sentido. Mas foi a tentativa mais humana de dominar o indizível, que era dizer:" Fulana, não liga não, se você for torturada a gente denuncia ". E ria disso, pela ironia absoluta que é. O que é que adianta denunciar? Para torturado, o que é que adianta? Mas a gente gritava isso na hora que a pessoa estava saindo da cela, como uma forma de manter o nível de controle sob seu destino, que você não tinha. Você não sabia para onde você ia ou para onde a sua companheira ia.

Pergunta - Que balanço a sra. faz da experiência desse período?

Dilma - Não daria certo. A gente fez uma análise errada. Achamos que a 

ditadura estava em crise, e estava iniciando o" milagre "[econômico]. A gente não percebeu em que condições a atuava. Se a gente tivesse feito uma análise correta da realidade, se tivesse visto o que estava acontecendo... Mas a gente não percebeu, apesar da retórica, qual era o nível de endurecimento político e de repressão que eles iam desenvolver.

Pergunta - O que dizia a retórica?

Dilma - A gente achava que o negócio era uma guerra revolucionária prolongada, ou era um processo de guerrilha urbana, no momento em que o sistema estava em expansão ou ia começar uma baita expansão e o endurecimento pesado. Não se esqueça que no meio de 69 tem a Junta Militar, e daí para a frente você tem talvez o período mais pesado da ditadura, que é o período Médici. É o prende, prende, mata, mata. Numa situação dessas, nós estávamos muito isolados, talvez umas 240 pessoas. O que é que eles fizeram? Eles nos cercaram, desmantelaram, e uma parte mataram. Foi isso que eles fizeram conosco. Eles isolaram a gente e mataram.

Pergunta - E por que se avaliou tão mal?

Dilma - De uma certa forma, a gente tinha um modelo na cabeça. De todo forma, eu acho que a minha geração tem um grande mérito, que é o negócio da Var-Palmares:" Ousar Lutar, Ousar Vencer ". Esse lado de uma certa ousadia. A gente tinha uma imensa generosidade e acreditávamos que era possível fazer um Brasil mais igual. Eu tenho orgulho da minha geração, de a gente ter lutado e de ter participado de todo um sonho de construir um Brasil melhor. Acho que aprendemos muito. Fizemos muita bobagem, mas não é isso que nos caracteriza. O que nós caracteriza é ter ousado querer um país melhor. [19]

Esse trecho da entrevista feita com a ex-ministra Dilma Rousseff retrata o quão duro e desumano pode ser a tortura, e nessa época também queremos que fique claro que a tortura foi algo comum e a impunidade fato, pois todos os culpados por cometerem esses atos monstruosos foram agraciados pela Anistia.

Observa-se que a tortura é uma prática social solidamente incorporada à nossa tradição cultural, com a única diferença de que é tolerada, muitas vezes exigida, amparada culturalmente, a depender do perfil daqueles que serão vitimados. Há certos segmentos, certos grupos, sobre os quais a prática de tortura não oferece qualquer tipo de constrangimento público, tornando-se um verdadeiro desafio a mudança de uma tradição cultural.

 

CAPÍTULO III

CAUSAS DA DIFICULDADE DE APLICAÇÃO DA LEI DE TORTURA

3.1 Causas de Dificuldade de Acesso à Justiça Contra a Tortura

É grande a diferença entre os progressos normativos e institucionais citados e a realização prática dos direitos humanos, inclusive o de se não ser torturado. Desse modo, cabe destacar uma realidade incontestável: a criminalização da tortura, por meio da lei 9.455 de 1997, não gerou os efeitos esperados. As razões para as dificuldades que têm as vítimas e testemunhas da tortura para conseguir amparo na Justiça podem ser explicadas, inicialmente, pelo referido suporte cultural e político, remanescente de períodos históricos autoritários, cujas manifestações, por vezes sutis, são impassíveis de criminalização. Outras razões, mais evidentes, passamos a enumerar: 

 

A - Ameaças de represálias contra os denunciantes - As ameaças dos torturadores inspiram muito temor, por que eles atuam em grupo, detentores do poder de força, estão acostumados à violência e não esboçam sinais de sentimentos como escrúpulo ou compaixão. Constantemente as ameaças se concretizam no homicídio de vítimas e seus familiares e testemunhas. Policiais, membros do Ministério Público e do Poder Judiciário, em certos casos podem também se intimidar e omitir-se de agir na plenitude de suas competências institucionais.

Como exemplo do exposto acima, veja a audácia de algumas ameaças, neste caso dirigidas a autoridades públicas. Em outubro de 1999, em Belo Horizonte, três promotores descobriram uma sala dentro da Delegacia de Crimes contra o Patrimônio utilizada para torturar presos. Ao tentar fazer o flagrante, os representantes do Ministério Público foram retirados do local por policiais de armas em punho, tiveram seus carros danificados, foram injuriados e receberam ameaças de morte. [20]

É difícil comprovar a tortura - Várias técnicas de tortura de domínio de policiais brasileiros não deixam marcas nos corpos e as declarações de muitas vítimas, por serem autores ou suspeitos de atos infracionais, não é digna de credibilidade na concepção de muitas autoridades. E enquanto o ônus da prova couber à vítima, continuará extremamente difícil formar a prova. Cabe ressaltar também que, de fato, falta independência, recursos, tempo e coragem a muitos representantes do Ministério Público, que acabam por determinar o arquivamento de inquéritos sem proceder a uma investigação mais detalhada. Em outros casos o problema é com a falta de independência dos institutos de perícia e medicina legal, que no Brasil estão subordinados às Secretarias de Segurança Pública, que controla as polícias, no âmbito dos Estados. A prática da tortura se vale da cumplicidade e acobertamento em muitos setores influentes.

CFaltam organismos confiáveis para encaminhar os processos contra crimes de tortura - A maioria dos organismos de correição das polícias, as Corregedorias, pouco funcionam. Vejamos um exemplo: segundo o testemunho do promotor Mauro Faria de Lima, a Corregedoria de Polícia Civil do DF não apura a contento os casos de violência policial."A Corregedoria tem um sentido corporativo. Serve para justificar os atos praticados pelos policiais e apura os casos com muita negligência". Para ele, o Poder Judiciário também é responsável por essa violência, na medida em que não pune, na maioria das vezes, o policial infrator. E o Ministério Público é conivente quando não apura e leva os casos ao Judiciário. Uma experiência positiva mas ainda embrionária é a Ouvidoria da Polícia. Das 27 unidades da Federação brasileira, há ouvidorias instaladas em apenas 6 delas, sendo que há diferentes níveis de independência. Algumas são formadas por policiais, o que não as difere das corregedorias, que têm a citada prática corporativa.[21]

3.2 Inaplicabilidade da Lei que Define a Tortura

A análise dos pronunciamentos judiciais, em casos envolvendo a prática da tortura, produz a conclusão da quase impossibilidade de se punir agentes do Estado pela prática da tortura. A impunidade fortalece a prática generalizada da tortura. Se o Judiciário cumpre também uma função social legitimadora, para o leigo não há diferença entre inocentar e deixar de condenar por falta de prova. A não condenação, para o cidadão comum, significa a absolvição. E a absolvição a aceitação da inocência.

Por que é tão difícil, especialmente no direito brasileiro, a utilização do Judiciário como instrumento de controle social dos perpetradores de tortura, condenando-os por suas condutas criminosas?

Não há apenas uma resposta. Mas um conjunto de fatores pode conduzir a algumas conclusões.

3.3 Princípios Gerais de Prova no Processo Penal Brasileiro

Os princípios gerais aplicáveis ao processo penal em geral também o são no que diz respeito à comprovação da prática de tortura. Essa, aliás, é exigência contida na própria Convenção contra a Tortura, que requer que as regras sobre prova, para fins de processo e condenação, sejam de rigor equivalente às exigências para condenação em crimes graves, e que aos acusados seja garantido tratamento justo em todas as fases do processo (artigo 7o).[22]

Assim, são aplicáveis as regras gerais do processo penal brasileiro, segundo as quais a prova da alegação incumbirá a quem a fizer (Código de Processo Penal - CPP, Art. 156). Mas o juiz poderá, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.[23]

Quando a prática da tortura deixar marcas, aplica-se o contido no art. 158, do CPP, segundo o qual"Quando a infração deixar vestígios será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado".[24]

É certo que, não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta. (CPP, Art. 167).[25]

A jurisprudência se inclina toda nesse sentido, como ilustram os acórdãos a seguir transcritos:

Alegação de tortura que em nenhum momento se provou não há como poder ser considerada: o que não está nos autos, não está no mundo. (STF - HC 73.565 - SC - 2ª T. - Rel. Min. Maurício Corrêa - DJU 20.09.1996)

Se a sentença condenatória se baseou em provas colhidas em Juízo, a alegação de tortura e ameaça quando do inquérito policial não é causa de nulidade da sentença. (STF - HC 71.621 - MG - 1ª T. - Rel. Min. Moreira Alves - DJU 10.03.1995)

Não se havendo comprovado a alegação de tortura; estando superadas eventuais irregularidades no auto de prisão em flagrante, pela superveniente condenação por sentença e acórdão confirmatório; havendo-se apoiado tais julgados não só em elementos do inquérito, mas também da intimação judicial; não estando os agentes policiais, que participaram da prisão em flagrante, impedidos de prestar depoimento como testemunhas; e estando caracterizado o tráfico internacional de entorpecentes, disso resultando a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento da ação penal: não se caracteriza o alegado constrangimento ilegal. (STF - HC 68.487 - RS - 1ª T. - Rel. Min. Sydney Sanches - DJU 15.03.1991)

A simples alegação da ocorrência de sevícias, na fase policial, não afeta a validade da sentença condenatória que se fundou em amplo quadro probatório. A opção pela versão deduzida por uma dada testemunha, em detrimento de outra, cabe ao juízo processante, estando envolvida, em eventual reexame, matéria de mérito vinculada a minúcias fáticas. A homologação de desistência da testemunha, por quem a indica, não pode justificar alegação de cerceamento de defesa. (STF - HC 70.834 - SP - 1ª T. - Rel. Min. Ilmar Galvão - DJU 06.05.1994)

A tortura, como forma de obter a confissão do réu, deve estar provada nos autos para ser admitida pelo julgador que não deve aceitar a mera alegação. (TJMT - ACr 2.406/97 - Classe I - 14 - Cáceres - 1ª C.Crim. - Rel. Des. Carlos Avallone - J. 06.05.1997)

A versão de que a confissão policial fora obtida mediante tortura, sem prova convincente, não merece guarida, mormente diante da presunção de legitimidade dos atos praticados por autoridades públicas. (TJMS - ACr - Classe A - XII - N. 54.749-3 - Miranda - 1ª T.Crim. - Rel. Des. Gilberto da Silva Castro - J. 21.10.1997)

Se o réu em sua defesa alega que a confissão foi obtida após sessões de tortura e afogamento, a ele cabe demonstrar a veracidade das alegações. Não conseguindo provar o alegado, admite-se a confissão feita com riqueza de detalhes. (TJMT - ACr 1.918/94 - Classe I - 14 - Várzea Grande - 1ª C.Crim. - Rel. Des. Carlos Avallone - J. 04.04.1995)

A alegação de tortura, desacompanhada de prova e partindo de preso foragido de penitenciária e considerado de alta periculosidade, não oferece credibilidade. (TJSC - HC 9.695 - SC - 1ª C.Crim. - Rel. Des. Nauro Collaço - DJSC 25.03.1991 - p. 9)

Sem qualquer eficácia jurídica a alegação de a confissão ter sido produto de tortura policial sem que esse fato tenha sido comprovado devidamente. (TJMS - ACr - Classe A - XII - N. 55.120-2 - Campo Grande - 2ª T. - Rel. Des. Marco Antônio Cândia - J. 20.05.1998)

 

3.4 Pouca Credibilidade das Vítimas. Grande Credibilidade dos Autores

Um fator que dificulta a produção de prova contra os perpetradores de atos de tortura é a credibilidade que é dada aos mesmos, e a ausência de credibilidade conferida às vítimas. Não se perca de vista que, em geral os responsáveis pela tortura são agentes do Estado, incumbidos ou da manutenção da ordem e da segurança (caso dos policiais militares) ou da investigação dos crimes e suas autorias (caso dos policiais civis). Lá e aqui os responsáveis pela violência contra as pessoas detidas é que prestarão depoimento nos inquéritos policiais, exibindo-se como agentes da lei e da ordem, e carregando consigo os fora-da-lei e desordeiros.

Vejamos o que reza os Tribunais:

O Supremo Tribunal firmou o entendimento de que não há irregularidade no fato de o policial que participou das diligências ser ouvido como testemunha no processo. (STF - HC 71.422 - DF - 2ª T. - Rel. Min. Carlos Velloso - DJU 25.08.1995)

Pelo simples fato de integrar o Serviço de Segurança Pública, não está o Policial impedido de depor como testemunha. 3. Habeas Corpus indeferido. (STF - HC 75.791 - SP - 1ª T. - Rel. Min. Sydney Sanches - DJU 19.12.1997)

A condição de policial não desqualifica a testemunha. (STF - HC 74.899 - MG - 2ª T. - Rel. Min. Maurício Corrêa - DJU 07.11.1997)

Valoração da Prova. Princípio do livre convencimento do Juiz. O Juiz aprecia livremente a prova dos autos, indicando os motivos que lhe formaram o convencimento. O número de testemunhas não é relevante para a comprovação de um fato, mas sim a idoneidade e a credibilidade do depoimento, eis que o direito atual, tendo repelido o sistema da prova legal, repudia o brocardo jusromanista do testis unius, testis nullius. Desconsiderar o passado impecável de uma autoridade, bem como o seu elogiável perfil profissional, para dar credibilidade ao que disseram testemunhas a respeito da apologia à tortura que teria sido feita no recesso de um gabinete, importaria na inversão do valor das provas e na própria negação do direito processual. (TJRJ - AC 9.376/1999 - (Ac. 04111999) - 2ª C.Cív. - Rel. Des. Sérgio Cavalieri Filho - J. 10.08.1999)

É válida a prova produzida pelos depoimentos dos policiais que participaram da prisão do agente, não podendo o julgador suspeitar, por princípio, daqueles que o próprio Estado encarrega de zelar pela segurança da população. (TJRJ - ACr 180/99 - (Reg. 200.599) - 1ª C.Crim. - Rel. p/o Ac. Des. Ricardo Bustamante - J. 23.03.1999)

A prova testemunhal obtida por depoimento de agente policial não se desclassifica na suposição de que tende a demonstrar a validade do trabalho realizado; é preciso evidenciar que ele tenha interesse particular na investigação ou, tal como ocorre com as demais testemunhas, que suas declarações não se harmonizem com outras provas idôneas. Precedente. (TJSC - ACr 98.001935-4 - SC - 1ª C.Crim. Rel. Des. Amaral e Silva - J. 28.04.1998)

3.5 Tortura: Documentando as Alegações

O Centro de Direitos Humanos da Universidade de Essex, na Inglaterra, desenvolveu estudos, objetivando identificar mecanismos que possibilitassem a comprovação de alegações de tortura, objetivando romper o círculo de impunidade.

Pesquisa nesse sentido foi conduzida por Camille Giffard, orientada pelo Professor Sir Nigel Rodley, docente daquela Universidade e Relator Especial das Nações Unidas para Tortura, resultando em publicação recente, intitulada"The Torture Reporting Handbook”. Da leitura do manual é possível extrair importantes conclusões.[26]

A autora começa delineando os princípios básicos sobre produção de prova de prática de tortura, advertindo que, para que alegações de práticas de tortura sejam bem documentadas, é necessário se ter à mão informação de boa qualidade, com precisão e confiabilidade.

Uma informação é vista como de boa qualidade quando atenta, concomitantemente, para vários fatores, tais como: fonte da informação; nível de detalhes; presença ou ausência de contradições; presença ou ausência de elementos que corroboram ou enfraquecem a alegação; amplitude em que a informação revela um padrão de comportamento; atualidade ou antiguidade da informação. Informação de muito boa qualidade é a de primeira mão, detalhada, coerente, corroborada por vários outros ângulos, que demonstra um padrão de conduta, e que é atual.

Precauções gerais têm que serem adotadas para se obter uma informação precisa, confiável e coesa, tais como: conhecer a fonte das informações; ter familiaridade com a fonte e com o contexto; manter contatos com a fonte de informações; tratar cuidadosamente informações vagas e genéricas; evitar basear-se simplesmente em matérias e reportagens divulgadas pela imprensa.

Essencialmente, devem ser registradas informações a respeito de quem fez o que a quem; quando, onde, por que e como.Portanto, o esforço deve ser no sentido de identificar a vítima; identificar o perpetrador (agressor); descrever como a vítima caiu nas mãos dos agentes públicos; explicar onde a vítima foi apanhada/mantida; descrever a forma de maus-tratos; descrever qualquer medida oficial adotada com relação ao incidente (inclusive afirmando não ter havido nenhuma providência).

O ideal é obter relato detalhado e informativo, que proporcione oportunidades de obtenção de corroboração. O fornecimento de detalhes pode ajudar a identificação dos perpetradores; torna possível, eventualmente, identificar o lugar onde a prisão se deu, e onde os maus-tratos ocorreram; permite que se busquem - e eventualmente que se encontrem - instrumentos utilizados para a prática dos maus-tratos, em caso de visita ao lugar em que tenham ocorrido; esclarece o propósito da prisão e do interrogatório da vítima; informa condições em que a vítima foi detida; descreve os maus tratos de modo preciso, tornando possível a um perito médico-legal expressar sua opinião quanto à verossimilhança, em face das lesões sofridas pela vítima; descreve as lesões sofridas pela vítima, inclusive seu estado emocional.

Ao se produzir uma prova, não se pode perder de vista que fazer uma forte alegação não é apenas apresentar a narrativa de alguém sobre o que aconteceu. É também fazer os outros acreditarem que os fatos relatados são verdadeiros.

A prova pode tomar a forma de relatório médico, avaliação psicológica, declaração da vítima, declarações de testemunhas, ou outras formas de provas de terceiros, tais como pareceres de médicos ou outros peritos (especialistas).

Um laudo médico é provavelmente o mais importante meio de prova que se pode obter e pode acrescentar forte base de sustentação aos depoimentos de testemunhas. É raro que um laudo médico seja conclusivo, porque muitas formas de tortura deixam poucos traços, e muito poucas deixam sinais por maior espaço de tempo; ainda, é sempre possível que lesões ou marcas que são alegadas como tendo resultado de tortura possam ter origem em outras causas.

O que um laudo médico pode fazer é demonstrar que as lesões ou o padrão de comportamento registrado na suposta vítima são consistentes com a prática de tortura descrita. Onde houver uma combinação de prova física e psicológica consistente com a alegação, isto fortalecerá o valor geral do laudo médico.

Tais observações são extremamente importantes, para que as autoridades brasileiras compreendam a necessidade de fortalecer o Programa Federal de Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, criado pela Lei 9.807, de 13 de Julho de 1999. Ainda, para que identifiquem mecanismos de conferir maior autonomia e independência aos institutos de polícia técnica e científica, especialmente aos peritos médico-legais.[27]

3.6 Dificuldades de Produzir Provas Acerca da Tortura 

O delito de tortura é construção legal ainda um pouco recente. Disso resulta que o Judiciário não teve oportunidade de examinar muitos casos referentes à prática de tortura, até mesmo porque não teria dado tempo de terem sido examinados nas várias instâncias recursais. Mas há o delito de abuso de autoridade, previsto em Lei de 1965, com farta jurisprudência, cujos princípios podem nortear o entendimento das cortes, quando confrontadas com casos de tortura.[28]

Vejam-se, por exemplo, os casos adiante colacionados, quando tribunais de justiça foram capazes de romper o círculo de impunidade, a partir do momento em que reconheceram a realidade em que os fatos praticados se desenvolviam: recintos de delegacias ou ambientes prisionais, sem testemunhas externas, praticados por agentes da lei, contra pessoas detidas:

ABUSO DE AUTORIDADE. INVASÃO DE DOMICÍLIO E VILIPÊNDIO A INCOLUMIDADE FÍSICA DO INDIVÍDUO. Decisão condenatória calçada em provas convincentes quanto a autoria e materialidade delitivas desnecessidade de auto de exames de corpo de delito para a configuração do crime constante no art. 3º, alínea i, da Lei nº 4.898/65. Bastam as meras vias de fato, que geralmente não deixam vestígios. Orientação jurisprudencial. Materialidade suprida pela prova oral produzida. (TJRS - ACr 698034030 - RS - 1ª C.Crim. - Rel. Des. Luiz Armando Bertanha de Souza Leal - J. 05.08.1998)

ABUSO DE AUTORIDADE- CRIME COMETIDO POR POLICIAIS CONTRA PRESO NO INTERIOR DE CADEIA PÚBLICA - PROVA PARA A CONDENAÇÃO - PALAVRA DA VÍTIMA E DEPOIMENTOS DE OUTROS DETENTOS - VALIDADE - RECURSO DESPROVIDO - As violências policiais contra pessoas presas, praticadas na prisão, entre quatro paredes, via de regra não têm testemunhas de vista, daí tanta impunidade. Mas, se os depoimentos dos ofendidos são convincentes, firmes, verossímeis, é possível a condenação (JC 25/436). (TJSC - ACr 97.003218-8 - 1ªC.Cr. - Rel. Des. Nilton Macedo Machado - J. 27.05.1997)

PROVA - CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE - PALAVRAS DA VÍTIMA - VALOR - ENTENDIMENTO - Em se tratando de crime de abuso de autoridade acontecido no recinto de delegacia de policia, longe das vistas de testemunhas, a oposição entre a versão do acusado e a do ofendido resolve-se por meio da prova indiciária, sendo apto a condenação a incriminação feita pelo sujeito passivo, que, harmônico e coerente, permaneceu inabalado durante todos os trâmites processuais. (TACRIMSP - ACr 716.883 - 2ª C. - Rel. Juiz Haroldo Luz - J. 06.08.1992)

Todos sabem que não é incomum réus em processos criminais alegarem terem sido vítimas de torturas, especialmente quando tenham confessado delitos na fase do Inquérito Policial. Posto diante de uma alegação desta, no interrogatório judicial, deve o Juiz conduzir indagações no sentido de ver serem registradas informações a respeito de quem fez o que a quem; quando, onde, por que e como, direcionando as perguntas para tentar identificar a vítima; identificar o perpetrador (agressor); descrever como a vítima caiu nas mãos dos agentes públicos; explicar onde a vítima foi apanhada/mantida; descrever a forma de maus-tratos; descrever qualquer medida oficial adotada com relação ao incidente (inclusive afirmando não ter havido nenhuma providência), como referido anteriormente. 

Se parece difícil a prova direta dos fatos que tipificam a conduta humana de prática da tortura, é possível romper o ciclo da impunidade, mediante a colheita atenta e cuidadosa de indícios seguros, que resultem na demonstração daquela prática, servindo de base para condenação criminal.

Os tribunais exigem a prova dos fatos por parte de quem alega, mas também aceitam a sua prova, mediante indícios de autoria e materialidade.

Código de Processo Penal preceitua, em seu artigo 239, que:

Art. 239. Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.[29]

E tem sido variada a forma como os tribunais admitem a prova indiciária em ações criminais.

"Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias" (CPP, art. 239). Não se confunde com presunção, ou seja, efeito de que uma circunstância ou antecedente produz, no julgador, a respeito de existência de um fato. (STJ - HC 9.671 - SP - 6ª T. - Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro - DJU 16.08.1999)

Predominância da prova indiciária. Admissibilidade dos indícios como método de investigação criminal (art. 239 do Código de Processo Penal). Sistema do livre convencimento motivado, podendo o juiz basear a condenação na prova indiciária que tem a mesma força das demais. (TRF 2ª R. - ACr 98.02.46347-7 - 3ª T. - Rel. Juiz Fed. Conv. Luiz Antônio Soares - DJU 29.06.1999 - p. 94)

O indício vale como qualquer outra prova e impossível o estabelecimento de regras práticas para apreciação do quadro indiciário. Em cada caso concreto, incumbe ao Juiz sopesar a valia desse contexto e admiti-lo como prova, à luz do art. 239, do CPP. Uma coleção de indícios, coerentes e concatenados, pode gerar a certeza reclamada para a condenação. (TACRIMSP - Ap 1.108.809/6 - 11ª C.Crim. - Rel. Juiz Renato Nalini - J. 28.06.1998) (02.758/583)

Indício é meio de prova. CPP, art. 239. EI indicio es un hecho (o circustancia) del cual se puede, mediante una operación lógica, inferir la existência de otro. (Cafferata Nores). (TRF 1ª R. - ACr 96.01.24420 - DF - 3ª T. - Rel. Juiz Tourinho Neto - DJU 06.06.1997)

Apesar das dificuldades, vários órgãos do Poder Judiciário já foram capazes de identificar situações em que restou demonstrada a prática da tortura. Disto resultou, por um lado, a ilicitude da prova produzida contra a pessoa torturada, ou de outro a condenação de quem praticou a tortura.

Curiosamente, nos casos em que restou demonstrada a tortura por partes de agentes do Estado, não há notícia de abertura de investigação, e de processo e condenação por tal prática, por parte dos agentes. Há notícia apenas de não aceitação da prova produzida, que tenha sido obtida mediante tortura.

Já os casos em que há notícia de condenação, se referem não a atos praticados por agentes do Estado, mas sim por pais contra filhos, o que se é relevante no sentido de lutar contra a violência doméstica, porém certamente o Estado não precisava de uma lei contra a tortura para enquadrar e punir pais violentos.

HABEAS CORPUS - PROVA OBTIDA MEDIANTE TORTURA CONSIDERADA ILÍCITA POR ESTE TRIBUNAL - PRETENSÃO DO ÓRGÃO ACUSADOR DE UTILIZÁ - LA EM SESSÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI - IMPOSSIBILIDADE – A prova obtida mediante meios ilícitos, tal qual a tortura, é inadmitida no nosso ordenamento (ART. LVI, DA C.F.)– Ordem concedida para vedar sua utilização no Tribunal do Júri. (TJSC - HC 96.007040-0 - SC - 1ª C.Crim. Rel. Des. Genésio Nolli - J. 26.05.1998)

Se o réu em seus interrogatórios na polícia e em juízo apresenta diferentes versões para os fatos, mas os atos de tortura por ele praticados contra menor de apenas um ano de idade ficam evidenciados pelas declarações coerentes da mãe da menor, depoimentos de testemunhas, da médica que tratou da criança e, ainda, pelo laudo médico comprobatório de que a vítima encontrava-se politraumatizada, a prova é suficiente para autorizar a condenação. (TJMS - ACr - Classe A - XII - N. 59.008-7 - Maracaju - 2ª T.Crim. - Rel. Juiz Rubens Bergonzi Bossay - J. 14.10.1998)

A confissão obtida na fase extrajudicial, mediante comprovada tortura policial, retratada em juízo, não corroborada por outros meios de prova, é insuficiente para embasar o decreto condenatório, impondo-se a absolvição. (TJMT - ACr 2.420/97 - Classe I - 14 - Cuiabá - 1ª C.Crim. - Rel. Des. Paulo Inácio Dias Lessa - J. 25.03.1997)

São nulas e nenhum efeito produzem as provas obtidas por meio ilícito, principalmente a confissão mediante tortura. À falta de elementos seguros que autorizem a condenação, impõe-se seja o réu absolvido. (TJMT - ACr 1.763/94 - Classe I - 14 - Pontes e Lacerda - 1ª C.Crim. - Relª Desª Shelma Lombardi de Kato - J. 23.08.1994)

Equivale a decisão manifestamente contrária à prova dos autos a confissão extorquida dos pseudoculpados mediante o uso de tortura, já que a violência aberra ao senso de justiça, podendo guardar contornos intoleráveis quando perpetrada por agentes do Poder Público, quando se valem de choques elétricos aplicados na sola dos pés e no órgão sexual de suas vítimas. (TJSC - ACr 26.903 - SC - 1ª C.Crim. - Rel. Des. Ernani Ribeiro - J. 17.05.1993).

O exame em voo de pássaro desses pronunciamentos judiciais já revela quão longe se está de a via punitiva estancar a prática da tortura. Daí que será relevante examinar os mecanismos preventivos que se abrem para uma atuação do Estado e da sociedade civil, de cujo trabalho concertado e articulado pode resultar em freios às ocorrências hoje tão freqüentes, e em fortalecimento aos mecanismos de obtenção de evidências e provas da prática da tortura, permitindo apresentação de denúncias fundadas.

Diante do exposto acima é que se norteia a dificuldade de produzir provas acerca da tortura, inclusive como fora bem explicitado no item 3.2 os fatores que levam ao caminho da impunidade são diversos e trabalhosos de serem invertidos em prol do bem estar coletivo.

3.7 Explanações Sobre a Lei 9.455/97

Antes de iniciar a singela explanação é certo que se transcreva a lei.

Presidência da República Casa CivilSubchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 9.455, DE 7 DE ABRIL DE 1997.

Define os crimes de tortura e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICAFaço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Constitui crime de tortura:

I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:

a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;

b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;

c) em razão de discriminação racial ou religiosa;

II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

Pena - reclusão, de dois a oito anos.

§ 1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.

§ 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos.

§ 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos.

§ 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço:

I - se o crime é cometido por agente público;

II - se o crime é cometido contra criança, gestante, deficiente e adolescente;

II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)

III - se o crime é cometido mediante sequestro.

§ 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.

§ 6º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.

§ 7º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado.

Art. 2º O disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4º Revoga-se o art. 233 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente.

Brasília, 7 de abril de 1997; 176º da Independência e 109º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Nelson A. Jobim

[30]

Tortura para obter informação ou confissão

O artigo , inc. I, alínea a, da lei nº 9.455/97 rege que constitui crime de tortura constranger alguém com o emprego de violência ou grave ameaça causando-lhe sofrimento físico ou mental, com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa.

Constranger alguém é obrigar alguém, coagir alguém, forçar alguém. Alguém é pessoa humana, ou seja, aquele nascido de mulher. Este constrangimento há de ser feito com emprego de violência, que é a agressão física que vai das vias de fato, passando por lesões corporais até o homicídio, ou grave ameaça, que é uma promessa de mal futuro (próximo) e sério, crível, a ponto de minar as forças de resistência do ameaçado, vindo tudo isto a causar ao sujeito passivo sofrimento físico ou mental.

O sujeito ativo é qualquer pessoa e o sujeito passivo, que sofre o constrangimento, é a vítima e terceira pessoa. Não se exige qualquer qualidade especial do sujeito passivo, sendo este qualquer pessoa.

O crime se consuma com o constrangimento que causa sofrimento à vítima, não sendo necessário que o agente obtenha a informação, a declaração ou confissão almejada.

Como exemplo desta modalidade criminosa, podemos citar o caso narrado no capítulo 2 que aconteceu com nossa ex-ministra Dilma Rousseff.

Tortura para a prática criminosa

Em redação direta fica: constitui crime de tortura constranger alguém com o emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, para provocar ação ou omissão de natureza criminosa.

Aqui o constrangimento, nas condições especificadas na lei, objetiva provocar ação de natureza criminosa ou omissão de natureza criminosa.

Ação é a conduta positiva, o agir, o fazer, o atuar do agente, concretizado em comportamento perceptível no mundo exterior.

Omissão é a abstenção, a ausência de movimento, o não fazer, não realizar a conduta exigida pela lei.

Esse comportamento, ação ou omissão, há de ser de natureza criminosa. Quer dizer: há de consistir na prática de um delito, seja crime, seja contravenção. A contravenção, apesar de não ser crime, tem natureza criminosa, vez que é chamada na doutrina de “crime anão”. Não havendo, pois, diferença ontológica entre crime e contravenção, ambos têm a mesma natureza.

O crime de tortura, na modalidade aqui comentada, consiste no constrangimento, mediante violência ou grave ameaça, que gera sofrimento físico ou mental à vítima, objetivando o agente provocar, ou seja, causar, resultar, em uma ação ou omissão de natureza criminosa.

O sujeito ativo é qualquer pessoa e o sujeito passivo é o agente ou omitente da conduta de natureza criminosa, não se lhe exigindo que tenha efetivado tal conduta. Pode ser também qualquer pessoa.

Tortura em razão de preconceito racial ou religioso

O artigo 1º, inc. I, alínea c, rege sobre discriminação racial ou religiosa. Quer dizer que é tortura constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, em razão de discriminação racial ou religiosa.

Nosso país é formado pela mistura de várias raças, cujo povo tem vários credos. Por essa pluralidade religiosa e a formação multirracial, o povo brasileiro é tolerante, cordato e pacífico. Não temos guerra racial ou religiosa, mas é muito comum tomar-se o negro ou mulato como o primeiro suspeito, como também é fato que a violência policial tem a inexplicável predileção pelos negros, mestiços e pobres.

Discriminação é o ato de distinguir, separar, extremar, estabelecer diferenças. No sentido do dispositivo em comento, a discriminação se dá em razão de preconceito racial ou religioso. Tortura-se a vítima constrangendo-a mediante violência ou grave ameaça que lhe resulta sofrimento físico ou mental, por se negro, mestiço, índio, oriental, umbandista , judeu , pai-de -santo, pajé, etc.

Diferentemente do crime comentado anteriormente, o sujeito ativo não exige nenhuma conduta ou ação por parte do sujeito passivo. Aqui basta que o sujeito passivo seja de uma raça ou credo discriminados.

A tentativa é possível, vez que a conduta pode ser fracionada em atos, sendo plurissubsistente.

O crime em tela tem como sujeito ativo qualquer pessoa e como passivo as pessoas componentes dos grupos raciais ou religiosos discriminados, como já anotamos, o negro, o índio, o pai- de – santo, o judeu, o macumbeiro, etc.

Tortura praticada pelo garantidor

O 4º crime tipificado na Lei em pauta está descrito no artigo 1º, inc. II. Diferencia o dispositivo aqui em comento das anteriores, porque refere a intenso sofrimento físico ou mental. O advérbio intenso não pode ser desprezado. Encerra a ideia de um sofrimento atroz, martirizante, insuportável. Melhor seria que o legislador não tivesse usado tal termo, que será fonte de inesgotáveis controvérsias na prática judiciária. É sabido que um determinado comportamento cause em outrem sofrimento físico ou mental, porém aferir se esse sofrimento foi intenso é tarefa que encerra no caso concreto certa dificuldade, já que não temos um “intensímetro” para medir o sofrimento.

É muito comum a modalidade criminosa ora em comento no cotidiano das delegacias de policia, mormente quanto aos autores de crimes contra o patrimônio, contra os costumes e tráfico ilícito de substâncias entorpecentes.

O crime se consuma com a submissão da vítima a intenso sofrimento físico ou mental, mediante violência ou grave ameaça, com intuito do sujeito ativo de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo ao sujeito passivo. 

Esse tipo de tortura praticada, por ter como sujeito ativo agentes do estado e normalmente ocorrer no interior de órgãos deste, tende a ser a mais difícil de ser descoberta e combatida

Como se trata de um trabalho monográfico de graduação restarão alguns temas a serem debatidos, talvez em uma futura dissertação.

 

CONCLUSÃO

A tortura foi definida pela Lei 9.445/97 como crime, onde foi tipificada e teve as devidas penas estabelecidas para quem a cometer.

Tal lei foi muito bem recepcionada pela sociedade, pois chegou em um momento de comoção onde a mesma clamava por uma punição severa para quem cometesse tais atos odiosos.

O legislador preocupou-se em descrever no corpo da lei as diversas formas de acometimento da tortura bem como a forma de cumprimento da pena estabelecida para quem comete tal prática.

O fato é que tal lei esbarra em uma sociedade que, infelizmente, sempre teve a tortura presente em seu cotidiano, até mesmo como uma prática oficial do governo, tal como na época da ditadura. O que parece é que isso foi enraizado de uma tal forma que não é um processo fácil de ser revertido.

A grande maioria jamais admitiria publicamente, em alto e bom som, ser a favor da tortura e concordar com a sua prática, porém no seu subconsciente admite a sua ocorrência em casos específicos.

O que importa nesse fato é a quem a tortura se dirige e quem a pratica. Dependendo desses fatores tal prática pode ser aceita, ainda que oficiosamente. O mais surpreendente é que a impressão que temos que tal pensamento acomete a todos os seguimentos da sociedade, até mesmo em nossos magistrados, que deveriam ser as primeiras pessoas a condenar veementemente tal prática.

Observamos que realmente é difícil produzir provas robustas que comprovem a prática da tortura, porém não é impossível, pois com boa vontade e determinação conseguem-se as mesmas. Parece que o que realmente falta é vontade de agir.

Mas o que parece difícil mesmo é mudar a mentalidade de toda uma sociedade, que sempre teve a tortura presente em seu cotidiano, e continua aceitando a prática da mesma como uma coisa normal, ainda que subconscientemente. É uma cultura enraizada na sociedade brasileira que tem que ser mudada, pois não se pode admitir que determinados grupos sociais sejam passíveis de serem torturados e outros não, bem como que determinadas pessoas possam praticar tais barbaridades, como se ainda estivéssemos na época dos carrascos.

A legislação parece clara e bem redigida. O que realmente falta é a sociedade se conscientizar o quão é odioso a tortura e banir permanentemente essa prática do nosso cotidiano.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL. Lei Federal nº 9.455 - 07 de Abril de 1997. Define os Crimes de Tortura.

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DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico2º edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2005.

FERNANDES, Ana Paula Babette Bajer, FERNANDES, Paulo Sérgio Leite. Aspectos Jurídicos- Penais da DoutrinaSão Paulo: Editora Saraiva, 1982.

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VERRI, Pietro, Observações Sobre a Tortura. Tradução de Frederico Carotti. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

 

Sobre os autores
Leonardo Moreira Dias

Bacharel em Direito pela Universidade Gama Filho (2010). Aprovado no Exame de Ordem da OAB 2010/2. Título de Especialista em Direito Público com capacitação para ensino no Magistério Superior pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus (2013). Bacharel em Sistemas de Informação pela Universidade Estácio de Sá - Rio de Janeiro (2019). Pós-graduado em Business Intelligence, Big Data e Analytics na Universidade Norte do Paraná (2021). Pós-graduado em Direito Constitucional Aplicado, pela Faculdade Legale (2022 - 2023). Funcionário público no Estado do Rio de Janeiro desde 2001. Tem experiência na área de Direito Público, com ênfase em Direito Penal.

Marcelo Couto Fernandes

Inspetor de Polícia da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ-SEPOL). Graduado em Sistemas de Informação. Especialista em desenvolvimento mobile.

Custódio Rubens Barbosa Junior

Inspetor de Polícia da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ-SEPOL). Bacharel em Sistemas de Informação. Especialista em banco de dados.

Luciana Sardinha de Vasconcelos

Servidora Pública na SEPOL - RJ desde 2002. Bacharel em Direito formada pela Universidade Estácio de Sá. Pós-graduada em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Universidade Estácio de Sá. Acadêmica em Segurança Pública e Social pela UFF.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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