A inconstitucionalidade do art. 896-A, § 5º, da CLT

09/11/2020 às 08:20
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O Tribunal Superior do Trabalho, nos autos da Arguição de Inconstitucionalidade 1000845-52.2016.5.02.0461, declarou inconstitucional o art. 896-A, § 5º, da CLT. Veja o que fala o artigo da CLT e qual a controvérsia envolveu a matéria.

A inconstitucionalidade do art. 896-A, § 5º, da CLT

 

                              Por Hugo Fidelis Batista[1]

 

 

O pressuposto do recurso de revista nominado de transcendência tem posto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) desde a Medida Provisória 2.226 de 2001[2] (art. 896-A da CLT). Apesar disso, o instituto apenas passou a ser exigido pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) como pressuposto para conhecimento dos recursos de revista a partir da vigência da Lei 13.467 de 2017, quando a transcendência foi legalmente regulamentada[3].

Desse modo, até a vigência da Lei 13.467/2017, os recorrentes não precisavam comprovar que seus recursos de revista tinham reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica, isto é, reflexos que transcendessem interesses individuais.

Ocorre que a Lei 13.467/2017, além de regulamentar o pressuposto recursal da transcendência, incluiu no art. 896-A o parágrafo 5º, que determina ser irrecorrível “a decisão monocrática do relator que, em agravo de instrumento em recurso de revista, considerar ausente a transcendência da matéria”.  

O § 5º do art. 896-A da CLT traz dois importantes preceitos normativos a respeito da transcendência do recurso de revista: o primeiro, preconiza ser a decisão tomada pelo relator irrecorrível; o segundo, que essa decisão irrecorrível somente pode ser dada nos agravos de instrumento em recurso de revista.

Em termos mais claros, denegado seguimento ao recurso de revista pelo Tribunal Regional do Trabalho, é possível a interposição do agravo de instrumento, com o fim de que os autos sejam encaminhados ao Tribunal Superior do Trabalho para exame do acerto da decisão que trancara o recurso de revista. Pelo texto do art. 896-A, § 5º, da CLT, o agravo de instrumento em questão poderá, por decisão monocrática, ter seu processamento denegado irrecorrivelmente por um dos 24 Ministros integrantes das oito Turmas do TST[4], quando o relator considerar inexistente a transcendência no recurso de revista que se busca destrancar[5].

Andou bem o Tribunal Superior do Trabalho ao, nos autos da Arguição de Inconstitucionalidade 1000845-52.2016.5.02.0461, declarar inconstitucional o art. 896-A, § 5º, da CLT.

O Tribunal Superior do Trabalho, como o Superior Tribunal de Justiça para a legislação federal, é Tribunal de uniformização da interpretação da legislação trabalhista no país. Deste modo, o § 5º do art. 896-A da CLT acabava por inibir a própria competência constitucionalmente estabelecida para o TST. Isso porque, parece-nos, não há como se falar em uniformização de jurisprudência quando cada um dos Ministros do TST pode decidir individualmente as matérias postas em agravos de instrumento, independentemente de prévia ou posterior manifestação colegiada do órgão que compõem.

Em outras palavras, a norma infraconstitucional não poderia, ainda que por vias indiretas, atingir a própria função institucional do Tribunal Superior do Trabalho, inviabilizando-a, sob pena de inconstitucionalidade: contraditório, colegialidade de decisão de recursos junto aos Tribunais, segurança jurídica e isonomia são parâmetros constitucionais claros que não restavam atendidos pelo dispositivo.

Outrossim, note-se que, segundo documento estatístico publicado pelo TST, dos 206.869 casos novos recebidos pelo Tribunal em 2017, 80,4% eram agravos de instrumento[6]. Desse modo, em que pese o intento de redução do número de recursos analisáveis pelo Tribunal, é certo que a referida norma acabou por restringir, sem organicidade mínima, a função intrínseca deste, a de uniformização de jurisprudência.

Deste modo, o art. 896-A, § 5º, da CLT, violava, ainda, o direito de acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CF) e o direito à ampla defesa. Este, embora deva ser exercido nos termos da lei, espera-se que o seja através de meios impugnativos mínimos que garantam o adequado exame harmônico das pretensões apresentadas ao Poder Judiciário. A restrição desproporcional do direito de recurso traduz-se em hipótese de inconstitucionalidade (art. 5º, LV, da CF), como bem reconhecido pelo TST.  

Por último, deve-se pontuar que o referido dispositivo foi editado na contramão do novo Código de Processo Civil, quando estabelece sistema de precedentes para a busca de maior harmonia na apreciação das pretensões levadas ao Poder Judiciário.

O referido sistema de precedentes teve como fim dar maior segurança jurídica ao jurisdicionado, evitando decisões dissonantes em casos similares e, com isso, diminuindo incertezas sobre o futuro das demandas judiciais brasileiras. Isso não foi por acaso.

Ao diminuir as incertezas sobre a sorte de determinada demanda judicial, diminui-se a assimetria informacional das partes, as quais, a partir da análise mais segura dos riscos que correm, podem decidir de forma mais objetiva as demandas que ajuízam ou deixam de ajuizar, decidir sobre o que recorrem ou não.

Com o referido art. 896-A, § 5º, da CLT, não havia uniformização nacional da jurisprudência trabalhista; com isso, referindo-me à “sorte do processo”, acabava-se incentivando o viés do otimismo quando da análise das potencialidades de ganho de determinada pretensão, fato que induz à judicialização e à perenização desnecessárias de conflitos judiciais. Em outras palavras, diante da ausência de certa expectativa sobre o futuro da demanda judicial, as partes acabam por arriscarem-se, especialmente no processo trabalhista cujo custo é baixo.

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Logo, embora a intenção inserta na criação do art. 896-A,  § 5º, da CLT, seja a de reduzir o número de recursos no Tribunal Superior do Trabalho, dando celeridade a seu exame, seu efeito prático é inverso, pois, da incerteza jurisprudencial, decorre o aumento da demanda nas instâncias inferiores e no próprio STF, onde há inúmeras reclamações constitucionais impugnando decisões monocráticas proferidas com base no referido dispositivo.

Por fim, não se pode olvidar a insatisfação gerada no jurisdicionado, quando tem sorte diversa de outro, mesmo diante de casos idênticos, numa clara quebra de isonomia. Um sistema judicial harmônico e coeso é o que se espera, de modo que seu alcance demanda instrumentos recursais que garantam a uniformização de decisões judiciais monocráticas, e não dispositivos legais que dificultem ou afastem esta uniformização, um direito.

Por estas razões – dever de uniformização de jurisprudência, acesso à justiça, direito de recurso, colegialidade, juiz natural e segurança jurídica –, o art. 896, § 5º, da CLT, é, de fato, inconstitucional.

 


[1] Hugo Fidelis Batista trabalha como Procurador do DF. Graduou-se em Direito pela Universidade Federal de Goiás (2007), é pós-graduado em Direito Processual pela Unisul e mestre em Direito das relações sociais e trabalhistas pela UDF (2019). Foi bancário junto ao Banco do Brasil; analista judiciário no STF; analista judiciário no Tribunal Superior do Trabalho, tendo sido assessor de Ministro. Foi, ainda, Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.

[2] A referida MP foi incorporada como lei sem necessidade de aprovação pelo Congresso Nacional, em razão do art. 2º da Emenda Constitucional 32/2001: As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional.

[3] "(...) TRANSCENDÊNCIA. A aplicação do princípio da transcendência ainda não foi regulamentada no âmbito desta Corte, providência que se faz necessária em face do comando do artigo 2º da Medida Provisória 2.226/2001 (DOU 5/9/2001). Recurso de revista não conhecido. (...) (RR-412-12.2012.5.05.0012, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 24/03/2017).

[4] Ao todo, o TST tem 27 Ministros, mas não são todos que integram as Turmas (art. 111-A da CF).

[5] Por se tratar de decisão irrecorrível de última instância, ainda que monocrática, é defensável o cabimento de Recurso Extraordinário para o STF, nos termos do art. 102, III, da CF.

[6] Cf. http://www.tst.jus.br/documents/18640430/7bb83da2-504c-f8c4-8c9e-a30e7f714735, p. 10.

Sobre o autor
Hugo Fidelis Batista

Procurador do Distrito Federal e Advogado. Foi Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Assessor de Ministro do TST e assistente de Ministro do STF. Graduou-se em Direito pela Universidade Federal de Goiás, tendo-se pós-graduado em Direito Processual pela Unisul. É mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas pela UDF.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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