E no Processo Penal Militar, o flagrante pode ser convertido em preventiva de officio?

11/11/2020 às 11:01
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Recentemente o STF nos HCs, nºs 188.888 e 193.053 e o STJ no HC 590.039, entenderam que o juiz converter prisão em flagrante em preventiva sem representação da autoridade policial ou requerimento do MP era ilegal, esse raciocínio aplica-se no CPPM?

Introdução

Recentemente o STF nos HCs, nºs 188.888 e 193.053 e o STJ no HC 590.039, entenderam que o juiz converter prisão em flagrante em preventiva sem representação da autoridade policial ou requerimento do MP era ilegal, em razão da recente alteração trazida pela lei 13.964/19 e pelo sistema acusatório já adotado pela CF/88.

Porém, a lei de 2019 trouxe alteração insignificante ao processo penal militar. Diferentemente do processo penal comum - que passou a conter expressamente em seu artigo 3-A que o processo penal adota o sistema acusatório e impossibilita o juiz decretar a prisão preventiva de offício  - nada mudou no CPPM. Então, poderia ainda no processo penal militar o juiz converter o flagrante em preventiva de offício?

Supremacia Constitucional.

Infelizmente, no país precisamos que a legislação ordinária traga de forma expressa o que já era extraído da CF/88. E a lei 13.964/19 não colocou de forma expressa no CPPM que o juiz não pode decretar prisão preventiva de ofício. Entretanto, precisamos analisar o CPPM sempre à luz da Constituição.

Ao estudar o CPPM, deve-se ter cautela, visto que foi elaborado sob a égide da Constituição da República de 1969, e, ainda, num momento de conturbação pelo qual passava o país. Assim, alguns dispositivos legais devem ser adaptados á novar realidade jurídica, observando-se os princípios inscritos na Lei Mario. ( Miguel; Coldibelli, 2020. P. 25)

É evidente que nós temos um código de processo penal militar extremamente inquisitório, sendo necessário sua filtragem constitucional para que tenhamos um processo penal militar mais democrático e com acatamento ao devido processo legal.

E é por isso que quando surge conflito entre a normativa do Código de Processo Penal Militar e a Constituição Federal, deve ser respeitada a supremacia constitucional.

O conflito de leis com a Constituição encontrará solução na prevalência desta, justamente por ser a Carta Magna produto do poder constituinte originário, ela própria elevando-se à condição de obra suprema, que inicia o ordenamento jurídico, impondo-se, por isso, ao diploma inferior com ela inconciliável. De acordo com a doutrina clássica, por isso mesmo, o ato contrário à Constituição sofre de nulidade absoluta.( Mendes; Branco, 2013, p. 108, Grifei)

Logo, o CPPM - antes de ter sua normativa própria aplicada – requer a necessária análise sobre como a matéria é disciplinada na CF/88. E se com ela a normativa processual penal militar é compatível

Sistema Processual Penal Militar Brasileiro

É necessário se fazer a análise do atual sistema vigente no Brasil à luz da CF/88 - e não ao contrário. Independentemente de o CPPM ainda não registrar de forma expressa que o sistema é acusatório, já extraímos essa orientação da interpretação da Constituição.

Temos no art. 5º: inciso XXXVII, a proibição do tribunal de exceção; inciso XXXIX, o princípio da legalidade; inciso XLVI, a individualização da pena; inciso LIII, o juiz natural; inciso LIV, o devido processo legal; inciso LV, o contraditório e a ampla defesa. Além disso, está bem claro no art. 129, inciso I, que a acusação pública é privativa do Ministério Público.

Não restam dúvidas de que a Constituição Federal  trouxe em seu espírito democrático o sistema acusatório, devendo os artigos do CPPM - código esse elaborado em um período nebuloso da história pátria - passarem pela devida filtragem constitucional, sob pena da CF ser uma mera utopia.

(Im) Possibilidade da Conversão do Flagrante em Preventiva de Offício

O artigo 254 do CPPM permite que o juiz decrete a prisão preventiva de ofício. O artigo 10 da resolução 228 do STM - que regula a audiência de custódia no âmbito da JMU - apenas menciona em dar-se a palavra ao MPM e depois à defesa. Contudo, não veda de forma expressa ao juiz decretar a prisão preventiva de ofício.

Nesse ponto, vale trazer destaque ao trecho do voto do recente precedente do STF:

Portanto, à luz do sistema acusatório adotado pela Constituição Federal de 1988, bem como dos dispositivos infralegais contidos no Código de Processo Penal, concluo não ser lícita a conversão da prisão em flagrante em preventiva de ofício pelo magistrado, isto é, sem representação da autoridade policial ou sem requerimento das partes processuais. (HC 193.053/MG- Min. Edson Fachin) Grifei.

A doutrina que sempre analisou a norma processual penal comum através da devida filtragem constitucional sempre sinalizou:

Mas o ponto mais importante é: não pode haver conversão de ofício da prisão em flagrante em preventiva [...]. É imprescindível que exista a representação da autoridade policial ou o requerimento do Ministério Público. A “conversão” do flagrante em preventiva equivale à decretação da prisão preventiva. Portanto à luz das regras constitucionais do sistema acusatório (ne procedat iudex ex offício)  e da imposição de imparcialidade do juiz ( juiz ator = parcial), não lhe incumbe “ prender de ofício”. ( Lopes Jr., 2020, p. 670) Grifei

Por imposição da CF/88 o juiz não pode atuar de ofício na conversão do flagrante em preventiva:

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“A proibição absoluta da iniciativa judicial atende ao princípio acusatório (art. 129, I, da CF), pois a decretação da prisão preventiva implica o exercício de jurisdição penal cautelar e, portanto, exige provocação do Ministério Público, do ofendido ou da autoridade policial.” (Junqueira, et al., 2020, p. 211)

 

Conclusão

Por mais que o CPPM não tenha sofrido volumosa alteração como o processo penal comum, não precisamos que uma norma ordinária venha regular o que já era extraído da análise da constituição, ou seja, o processo penal militar precisa ser conduzido na forma e nos limites impostos pelo sistema acusatório. Com isso, o juiz não atua de ofício, e sim mediante invocação das partes.

O direito está em constante evolução e o processo penal militar parado na década de sessenta - e ainda à luz de outra Constituição. Logo, é inapropriado invocar silêncio eloquente, como querem alguns, ou princípio da especialidade para não dar efetividade ao processo penal militar constitucional:

“por tudo isso, insistir na possibilidade de o juiz converter, de ofício, o flagrante em preventiva mostra-se inconstitucional, ante o princípio acusatório (art. 129, I, da CFRB/88), e contra legem.”    (Santos, 2020.p. 243).

Fica claro portanto que o juiz não pode proceder de ofício na conversão do flagrante em preventiva por total afronta ao sistema acusatório constitucionalmente assegurado.

 

 

 

REFERÊNCIAS

http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15344847486&ext=.pdf

https://www.stm.jus.br/images/resolucaoaudiencia.pdf

Mendes, Gilmar Ferreira; Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, 8.Ed.,  Saraiva, São Paulo, 2013.

Lopes Jr, Aury. Direito Processual Penal: 17ª. Ed., São Paulo, Saraiva Educação, 2020.

Junqueira, Gustavo et al., Lei anticrime comentada: artigo por artigo, São Paulo, Saraiva Educação, 2020.

Santos, Marcos Paulo Dutra, Comentário ao pacote anticrime- Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2020.

Miguel, Claudio Amim; Coldibelli, Nelson. Elementos de direito processual penal militar, 4. Ed, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2020.

Sobre o autor
José Osmar Coelho

Advogado, Especialista em Direito Militar na Universidade Cruzeiro do Sul e Especialista em Ciências Criminais na Universidade Cândido Mendes, Pós Graduado em Politica e Estrategia pela Universidade do Estado da Bahia em convenio com ADESG/BA

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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