3. DA POSSIBILIDADE DA PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR DE ALIMENTOS INDENIZATIVOS
3.1. Dos conceitos de alimentos indenizativos e prisão civil
Os alimentos podem ser classificados de acordo com a sua origem. Assim, no que tange, podem ser legítimos cuja obrigação se dá por força de lei, em virtude do parentesco, matrimônio ou união estável. É o caso do pai que deve alimentos ao filho. Podem, ainda, ser voluntários que se perfazem em razão de negócio jurídico inter vivos ou mortis causa. E, por fim, é possível que sejam indenizativos. Estes são impostos como indenização quando um indivíduo causa dano a outrem através da prática de um tão ilícito (DIDIER JUNIOR et al, 2018).
De modo que não seriam alimentos propriamente ditos, mas equiparados aos mesmos para fins de cálculo de indenização e determinação dos seus beneficiários. Por essa razão não se costuma aplicar a esse tipo de alimentos o regime de técnicas processuais típicos das prestações alimentícias. E afirma-se que possuem mecanismos próprios de proteção judicial. Assim, a priori, não estariam autorizados os instrumentos coercitivos e substitutivos destinados aos alimentos legítimos (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2016).
Contudo, como preceitua Marinoni; Arenhart e Mitidiero (2016) nada justifica a consequência que se tenta usurpar dessa diferenciação entre as espécies de alimentos. Na medida em que a tutela diferenciada concernente aos alimentos se dá em virtude da urgência em sua percepção.
Em razão da natureza própria desta verba, quem dela necessita o faz porque não tem condições de se manter por suas próprias forças. Sem esse montante, corre-se o sério risco de abandonar o credor ao relento, faltando-lhe o mínimo imprescindível a satisfazer as necessidades para uma vida digna (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2016, p.1088).
De forma que essa interpretação não se reduz aos casos de alimentos legítimos. Ao contrário, isso permeia todas as formas de alimentos, de modo que todas impõem resposta efetiva e tempestiva da jurisdição (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2016). Nesse sentido, é que se faz pertinente a prisão civil. Assim, quando não comprovado o pagamento, nem a impossibilidade temporária; o juiz deve ou mandar protestar o pronunciamento judicial ou determinar a prisão civil do executado (DIDIER JUNIOR et al, 2018).
Esta não se consubstancia no caráter de sanção ou pena. Mas na natureza de medida coercitiva, forma de execução indireta, a fim de compelir o devedor ao cumprimento da obrigação por ele próprio. De modo que, uma vez paga a dívida não há razão para que prisão civil subsista. Nesse sentido, deve ser determinada quando não houver o pagamento ou não for apresentada justificação ou esta não for aceita. E, conforme o art.528 do CPC/2015 é necessário o requerimento do exequente (DIDIER JUNIOR et al, 2018).
Além disso, como outrora citado; em virtude de uma concepção rasteira, somente é possível o estabelecimento dessa medida coercitiva no cumprimento de sentença previsto no art.528 do Código de Processo Civil. Quando não pagas as três últimas prestações anteriores ao oferecimento da demanda no poder judiciário ou qualquer outra que se vencer a partir do ajuizamento. No que tange, a prisão deve ser, em um primeiro momento, em regime fechado. Contudo, pelo fato de ser prisão civil não se pode submeter o executado a qualquer regramento penal como, por exemplo, progressão de regime. Justamente por isso o indivíduo, em geral, fica em um local diferente dos outros presos comuns (DIDIER JUNIOR et al, 2018).
Ao final, paga a dívida ou findando o prazo da prisão é preciso que o devedor seja posto em liberdade sob pena de ilegalidade. O prazo da prisão é de um a três meses, conforme o art.528 §3º. Todavia, é possível um novo decreto prisional a cada descumprimento por parte do devedor, de forma que o prazo total da medida coercitiva pode ultrapassar os noventa dias. E, como outrora explanado, a saída do executado da prisão não enseja a quebra do vínculo no que concerne à obrigação de pagar o montante devido (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2016).
3.2. Da possibilidade de prisão civil para alimentos indenizativos e seus pormenores
Muito se discutiu neste trabalho, evidenciando – dessa forma –, a equivalência em necessidade de saneamento e reconhecimento de importância das dívidas alimentares, quaisquer que sejam suas naturezas.
Nesse sentido, a prisão civil se mostra como nada mais do que uma medida de coerção à disposição do juiz que pode decretar sua aplicação caso julgue necessário o uso deste cerceio de liberdade – sendo a mais severa medida – para atingir o objetivo final, que é garantir o pagamento da dívida e, por conseguinte, o sustento do credor desta.
Perceber-se-á que a Constituição Federal de 1988, democrática, busca o equilíbrio entre o direito à vida do credor, bem como do direito à liberdade do devedor. Esse sopesamento atinge a maestria no artigo 5º, inciso LXVII, do texto solene (SPENCER, 2015). O referido afirma “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel” (grifo nosso). (CÉSPEDES; ROCHA, 2017)
De mesmo modo, no diploma processual ordinário, em seu artigo 528, parágrafo 3º, essa mesma possibilidade de cerceamento de liberdade é reforçada no regramento de cumprimento de sentença sobre o qual versa o referido artigo. O mesmo ocorre para com a execução de título extrajudicial, a qual encontra respaldo no artigo 911 do mesmo código processual. (FERREIRA, 2017)
Magda Beatriz de Marchi explica com maior precisão e profundidade este interesse do Estado em criar a possibilidade de prisão civil para sanar as dívidas alimentares, de modo que se percebe, à luz de sua explicação, que a mesma enquadra qualquer tipo de dívida alimentar, pois a sua lógica cabe a todos. Assim:
O estado tem óbvio interesse na preservação da vida e no desenvolvimento saudável do homem no seio da família, que é base da estrutura política e social de qualquer nação, motivo pelo qual garante tanto a inviolabilidade do direito à vida quanto o direito a alimentos, por consequência. Tratando-se de direitos constitucionais, já que o Estado depende da preservação do cidadão e da família para seu crescimento inclusive econômico e, por isso mesmo, reduz a liberdade de economia de vontade no direito de família, limitada pela prevalente ordem pública. (MARCHI, 2006, p. 42).
Corroborando, nesse sentido, é preciso citar novamente o Pacto de San José da Costa Rica que, além de ensejar a Súmula 25 do STF, que extinguiu a possibilidade de prisão ao depositário infiel, tratou de manter as prerrogativas no que tange as prisões cíveis por razão de dívida alimentar; observado no artigo 7º da convenção, que diz: “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar” (PEREIRA, 2017, p.59).
Ainda sobre a convenção, identifica-se, portanto, que a mesma deixou ao legislador o encargo de restringir o cerceio de liberdade a modalidades específicas de dívidas alimentares – o que esse, por sua vez, não fez (PIOVESAN; SUSKI, 2015). Dessa forma, o Pacto de San José da Costa Rica apenas engrandece o número de diplomas legais, vigentes no Brasil, que corrobora a possibilidade da prisão civil para alimentos indenizatórios, não fazendo qualquer distinção entre este e os demais.
Por fim, é pertinente trazer ao estudo, aquilo que destacou Manoel Cosme Rosa Pereira (2017), a respeito da mudança de posicionamento apresentada pelos doutrinadores Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves Pereira que, após a vigência do CPC de 2015, elucidam:
O código adjetivo civil de 2015 inova, substancialmente, na matéria ao cuidar do cumprimento de decisão judicial que arbitra alimentos reparatórios no capítulo do cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de prestar alimentos (CPC artigo 528 a 533). Com isso, promovendo uma interpretação sistêmica e topológica do tema, visualiza-se o cabimento do uso da prisão civil como mecanismo de coerção dos alimentos indenizatórios (prestações periódicas), nos mesmos moldes dos alimentos familiares. (ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves apud PEREIRA, 2017, p. 60)
3.3. Do reflexo da discriminação entre as modalidades alimentos no direito atual
Ainda que toda a lógica e sensatez apontem para o lado contrário da diferenciação do trato entre as modalidades de dívidas alimentares no Brasil, observar-se-á que é pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de não aplicação da prisão civil no caso de alimentos reparatórios (PEREIRA, 2017).
Isso faz com que sejam poucos os adeptos a este posicionamento ideológico (PEREIRA, 2017), ainda que se preveja que, eventualmente e de modo gradual, a tendência é que tal entendimento seja majoritário e internalizado pela maioria doutrinária, bem como pelos tribunais – afinal, a lógica e a Constituição embasam o mesmo.
O objetivo fundamental ao se utilizar da prisão civil, neste caso, é o despertar do inadimplente para a necessidade de resolução da dívida (SPENCER, 2015). Desta maneira, perceber-se-á que a mesma – por não possuir eficácia concreta – busca atingir o seu objetivo por intermédio da pressão psicológica que advém da supressão do direito de ir e vir, não se restringindo mais apenas ao patrimônio; o que enseja maior respeitabilidade aos mandamentos judiciais (FERREIRA, 2017).
Não compreende nenhuma razão coerente o posicionamento contrário que entende não ser possível disponibilizar ao credor dos alimentos indenizatórios, todas as ferramentas que lhe possibilitem – por intermédio judicial – condicionar ao pagamento da dívida, aquele que por ela responde. Especialmente quando se ressalta, mais uma vez, que independente da modalidade de alimentos, todos dizem respeito a uma dívida urgente, que reflete subsistência através do seu recebimento e uso. (PIOVESAN; SUSKI, 2015)
A respeito disso, Fernanda Tartuce ensina:
Quando a Constituição Federal menciona a possibilidade de prisão em virtude do inadimplemento voluntário e inescusável da obrigação alimentar, não faz distinção quanto à fonte; revela-se essencial, portanto, considerar o conteúdo (obrigação alimentar inadimplida voluntária e sem escusas) e não a origem (relação familiar ou ato ilícito). (TARTUCE apud SANTOS, 2017, p. 62)
É preciso compreender que a prisão civil por si só não garante, de forma alguma, que a dívida alimentar será paga pelo devedor, inclusive pois aquele que a deve, só pode ser imposta tal cerceio de liberdade, no prazo máximo de 90 dias (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2016). Ou seja, logo após o cumprimento dos 90 dias, não há mais medida coercitiva que condicione ao pagamento voluntário da dívida consoante às parcelas que já levaram à prisão.
Dessa forma, retirar do rol de possibilidades de medidas coercitivas, do credor de alimentos reparatórios, a prisão civil, é lesar grandemente a sua capacidade de buscar por via judicial, o saneamento da obrigação, visto que – se o cerceio de liberdade – não há muito que o juiz possa fazer para pressionar o sujeito ao pagamento. Também reforça uma discriminação injustificada, no sentido de que aponta a necessidade de uns, como mais urgente e vital que a de outros; indo de encontro há inúmeros mandamentos constitucionais, ao fazer isso.
4. CONCLUSÃO
Neste trabalho objetivou-se apresentar de maneira prática e fundamentada como é possível a aplicação da prisão civil ao devedor de alimentos indenizativos; tomando por base a Constituição Federal e o Novo Código de Processo Civil. Na medida em que a Carta Magna, em seu artigo 5º, inciso LXVII se refere à obrigação alimentícia de forma genérica sem fazer qualquer distinção entre as modalidades de alimentos existentes na doutrina. No mesmo sentido, há a súmula 25 do Supremo Tribunal Federal que enseja a prisão civil para qualquer espécie de depositário.
Ainda, em razão do Pacto de São José da Costa Rica e, sobretudo, do CPC/2015 que no capítulo concernente ao cumprimento de sentença de alimentos não faz distinção entre as espécies de alimentos. Abrindo precedente, portanto, para aplicação da prisão civil para além dos alimentos legítimos através de uma interpretação sistêmica e topológica. Desse modo, o presente trabalho, assinalou os conceitos de prisão civil, alimentos e suas espécies. A fim de esclarecer os termos e demonstrar o porquê da aplicação da prisão civil, em tese, ser apenas a alimentos legítimos; negligenciando-se, assim, as demais modalidades de alimentos.
E em virtude disso, buscou repercussões da inaplicabilidade da prisão civil em razão do débito de alimentos indenizativos. Tendo em vista que não procede a limitação do uso dessa medida coercitiva a alimentos legítimos; vez que a necessidade que consubstancia a utilização desse meio tanto nos alimentos legítimos quanto indenizativos é a mesma. Isto é, impedir que o exequente fique privado dos alimentos a que tem direito e que ignorem as suas necessidades concretas.
Assim, por meio desse estudo foi possível perceber a importância da aplicação da prisão civil ao devedor de alimentos indenizativos. É como preceitua Marinoni; Arenhart e Mitidiero (2016); que diferença há entre a família que perde o pai, vítima de acidente de trânsito, e que era arrimo da mesma, deixando-a, pois, desamparada; e o pai que sai de casa em razão de divórcio? Em ambos os casos há urgência em sua percepção; as duas famílias não conseguirão se manter por suas próprias forças. Desse modo, não permitir que se aplique um dos meios mais eficazes para o cumprimento de uma obrigação, qual seja a prisão civil, é ferir uma série de direitos fundamentais, como a isonomia.
No entanto, ainda, por meio desse estudo é possível perceber que há uma resistência, por parte da doutrina, em tomar essa interpretação. Visto que, esta, insiste na leitura legalista e restrita dos dispositivos legais. Pelo fato do art. 533. do CPC/2015 não prever, expressamente, a prisão civil para o devedor de alimentos indenizativos, mas tão somente a constituição de capital; e do art. 528. prever, notoriamente, a prisão civil no caso de alimentos legítimos. Nesse sentido, a hipótese trazida pelo referido PAPER supõe que a gravidade da dívida alimentícia e sua conexão direta para com a sobrevivência do alimentando, enseja que as medidas coercitivas aplicadas, neste meio, como a prisão civil, são de necessidade indubitável. Cabendo ao titular de alimentos indenizativos como para quaisquer outros, ratificando o princípio constitucional da isonomia.
Confirma-se no sentido de que o receptor de alimentos indenizativos possui as mesmas necessidades e direitos que o receptor dos alimentos legítimos. Com base em uma leitura conjunta da Constituição Federal, do Pacto de São José da Costa Rica, bem como do Novo Código de Processo Civil. Mas, é uma hipótese que encontra sua limitação na medida em que depende da interpretação feita pelo aplicador do Direito, de como este conceberá a leitura dos dispositivos e recepcionará a mudança esboçada no CPC/2015; outrora explicitada.
Ademais, este trabalho encontrou suas limitações ao não ter ido a campo visitar empresas para ter uma visão mais próxima do objeto de estudo, ou ainda, não ter buscado obras mais atuais e efetuado outras disciplinas para ter melhor embasamento, estes aspectos poderiam tornar o trabalho ainda mais rico em informações. Ainda, para que o assunto deste presente trabalho seja mais bem desenvolvido seria importante a abordagem sobre como a jurisprudência vem entendendo e aplicando a prisão civil no que se refere a alimentos indenizativos. Ao investigar uma consequência importante do tema abordado neste artigo.
REFERÊNCIAS
CÉSPEDES, Lívia; ROCHA, Fabiana Dias da. Vade Mecum Compacto. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paulo Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2018.
FERREIRA, Valkiria Malta Gaia. DOS ALIMENTOS À LUZ DA LEI Nº 13.105/2015. Revista Eletrônica Direito e Conhecimento, v. 1, n. 2, 2017.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica. 4. reimpr. São Paulo: Atlas, 2010.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. v. 2.
MARCHI, Magda Beatriz de. Alimentos indenizatórios no direito de família: aspectos de direito material e processual. Passo Fundo: IMED, 2006.
PEREIRA, Manoel Cosme Rosa. A possibilidade da prisão civil em face dos alimentos indenizatórios. 2017. 69. f. Monografia (Especialização) - Curso de Direito, Centro Universitário de Brasília, Brasília, 2017.
PIOVESAN, Edivane Silvia; SUSKI, Liana Maria Feix. Prisão civil do devedor de alimentos: considerações à luz do novo código de processo civil. 2015. Núcleo de Pesquisa e Extensão do Curso de Direito – NUPEDIR VIII MOSTRA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA (MIC). Disponível em: <https://faifaculdades.edu.br/eventos/MICDIR/VIIIMICDIR/arquivos/artigos/ART46.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2018.
SPENCER, Louise Garcia. A possibilidade de prisão civil na execução de alimentos indenizativos. 2015. 42. f. Monografia (Especialização) - Curso de Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.
TARTUCE, Flávio. Prisão civil em alimentos indenizatórios: posição contrária. 2016. Disponível em: <https://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/prisao-civil-em-alimentos-indenizatorios-posicao-contraria/16601>. Acesso em: 03 out. 2018.